Acessibilidade / Reportar erro

A ECONOMIA POLÍTICA DA INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES E O RECENTE DESENVOLVIMENTO LIMITADO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA (2014-2021)1 1 Artigo originalmente apresentado no XXIV Encontro Nacional de Economia Política de 2019. O autor agradece imensamente as observações realizadas pelo professor Carlos Medeiros (UFRJ). Quaisquer erros e omissões devem-se exclusivamente aos autores. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

POLITICAL ECONOMY OF THE SEMICONDUCTOR INDUSTRY AND THE RECENT LIMITED DEVELOPMENT OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA

RESUMO

Desde o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, a importação de componentes de semicondutores cresceu de forma acelerada com o intuito de abastecer a demanda doméstica e das indústrias de processamento de exportações das transnacionais estrangeiras estabelecidas na China. Assim, tornou-se o produto mais importado pelo país a partir de meados de 2010. Desde 2014, o governo central chinês tem executado inúmeras políticas de fomento e desenvolvimento da indústria doméstica de semicondutores, com o intuito de alcançar o catch-up nessa indústria e diminuir a dependência em relação a importação da tecnologia estrangeira. Apesar dos esforços de Pequim, a indústria apresentou poucos progressos desde 2014. O objetivo do artigo é analisar quais foram as razões que levaram ao limitado catch-up da China. Conclui-se que a fragilidade estrutural da indústria de semicondutores chinesa, a dinâmica de mercado volátil e, especialmente, as questões geopolíticas internacionais foram fatores de impacto negativo sobre o recente desenvolvimento limitado da indústria chinesa.

PALAVRAS-CHAVE:
República Popular da China; semicondutores; política industrial

ABSTRACT

Since China’s entry into the World Trade Organization (WTO) in 2001, the import of semiconductors components has grown rapidly to supply domestic demand and the export processing industries of foreign transnationals based in mainland China. It thus became the most imported product by the country since mid-2010. Since 2014, the Chinese central government has implemented numerous policies to foster and develop the domestic semiconductor industry to achieve technological catch-up and reduce dependence on foreign technology imports. Despite Beijing’s efforts, the industry has shown little progress. In conclusion, the structural weakness of the Chinese semiconductor industry, volatile market dynamics, and especially international geopolitical issues negatively impacted the recent development of the Chinese industry.

KEYWORDS:
People’s Republic of China; semiconductors; industrial policy

INTRODUÇÃO

A indústria de semicondutores é considerada a espinha dorsal da Indústria de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) por ser o componente essencial utilizado para a manufatura de diversos equipamentos eletrônicos. A adoção, cada vez mais intensiva, dessa tecnologia foi instigada através da popularização do consumo de bens eletrônicos como computadores, celulares, e televisores, a partir da década de 1980. O consumo desses bens, por sua vez, foi um dos grandes responsáveis para o rápido aumento da produtividade do trabalho nas últimas décadas, acelerando o processo de circulação de informações ao redor do mundo e possibilitando o aumento cada vez mais rápido do comércio de bens e serviços internacionais, investimentos, conhecimento e fluxo internacional de tecnologia, essenciais para a vida contemporânea. Além disso, possibilitou também a fragmentação produtiva e reduções de custo através da especialização produtiva entre os países. Segundo a Deloitte (2019)DELOITTE. Semiconductors - the next wave opportunities and winning strategies for semiconductor companies. Deloitte, abr. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www2.deloitte.com/tw/en/pages/technology-media-and-telecommunications/articles/semiconductor-next-wave.html . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www2.deloitte.com/tw/en/pages/te...
, essa indústria faturou 515 bilhões de dólares em 2019.

Ademais, a indústria de semicondutores é notoriamente conhecida pelo caráter dual, ou seja, também desempenha papel relevante para a indústria de defesa. Desde a Segunda Guerra Mundial, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos tem financiado o desenvolvimento dessa tecnologia. Inicialmente através de universidades, mas posteriormente o conduziu por meio de contratos militares com empresas civis, contribuindo para a manutenção da superioridade bélica americana (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 37-53). A utilização dessa tecnologia na indústria bélica possibilitou a adaptação de recursos como controle remoto, automação e inteligência artificial em equipamentos militares. Segundo Harada 2010HARADA, L. K. Semiconductor Technology and U.S. National Security. 2010. USAWC Program Research Project (Master of Strategic Studies Degree) - U.S. Army War College, 2010.), a liderança americana na indústria de semicondutores é essencial para a manutenção da hegemonia americana global dos EUA. Chu (2016), por sua vez, argumenta que, devido à natureza de spin-on dessa tecnologia, a República Popular da China (RPC) tem se engajado em estimular a indústria com intuito de fomentar o transbordamento tecnológico do campo civil para o militar.

Devido à relevância estratégica, os Estados Unidos da América (EUA) historicamente defenderam a manutenção da hegemonia americana nesse setor. Desde seu surgimento, dominaram amplamente a indústria, com a exceção da década de 1980, quando a indústria japonesa ameaçou brevemente os EUA. Em reação à ascensão japonesa, o governo Reagan iniciou uma ofensiva neoliberal e uma guerra comercial contra o Japão, levando à assinatura de diversos acordos, como os de Plaza (1985) e o US-Japan Semiconductor Trade Agreement (1986), que reduziram significantemente a competitividade das indústrias japonesas, e como consequência, houve a retomada da hegemonia americana. Desde então, apenas a Coréia e Taiwan atingiram o catch-up nessa indústria, ainda que em ambos os casos, beneficiados por eventos geopolíticos que permitiram a inserção deles na cadeia produtiva global da ICT, sem, no entanto, ameaçar a hegemonia americana.2 2 Para maiores informações acerca da literatura sobre a economia política da indústria de semicondutores, os autores sugerem a leitura das seguintes bibliografias: Chu (2013), Ning (2008), Irwin (1996), Jackson (2018) e Majerowicz e Medeiros (2018).

Desde o ingresso da RPC na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, a importação desses componentes cresceu rapidamente, dado o aumento acelerado do poder de consumo doméstico e das exportações. No entanto, a inserção da RPC nas cadeias produtivas globais era dada em segmentos de baixa agregação de valor, como a manufatura, enquanto os componentes chaves como semicondutores de alto valor agregado eram importados de países tecnologicamente avançados, que capturavam a grande parte da renda do comércio global da TIC. A partir de meados da década de 2010, Pequim lançou um ambicioso plano de catch-up tecnológico na indústria de semicondutores, por meio de uma série de investimentos bilionários no setor, com o intuito de reverter a tendência das taxas declinantes de crescimento econômico.

Entretanto, o desenvolvimento recente da indústria doméstica foi bastante restrito. Devido à importância estratégica, as tentativas da RPC sofreram forte oposição política de diversos países, especialmente dos EUA. A indústria de semicondutores é atualmente um dos epicentros da guerra comercial entre a RPC e os EUA, deflagrada pelo governo Trump a partir de 2017. Após acusar a RPC de ameaçar a segurança nacional americana e de práticas econômicas desleais que resultaram em prejuízos bilionário para as transnacionais americanas e de seus aliados, os EUA além de impor inúmeras tarifas contra as importações oriundas da RPC, passaram a embargar as exportações de tecnologia para a RPC, expondo a fragilidade e dependência da RPC em relação a essa tecnologia e sua importância estratégica para a liderança hegemônica global.

Devido à relevância do tema, este trabalho tem o objetivo de analisar o recente progresso de desenvolvimento da indústria de semicondutores da RPC e seus desdobramentos políticos. Ele está dividido em quatro seções, além da introdução e da conclusão. A primeira seção fará uma breve análise da estruturação da indústria de semicondutores e suas segmentações produtivas. A segunda fará uma breve análise desenvolvimento da indústria de semicondutores da RPC até 2013. A terceira seção analisará o plano “Fabricado na China 2025” e a estratégia de fusões e aquisições. E, por fim, a quarta seção analisará a influência da questão geopolítica no desenvolvimento recente da RPC.

1. A DINÂMICA INDUSTRIAL DA INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES

A indústria de semicondutores surgiu a partir da invenção do transistor em 1947 e substituiu o uso componente de tubo de vácuo, possibilitando amplificar a capacidade, reduzir tamanho, diminuir o consumo de energia e, consequentemente, a junção de inúmeros componentes sem gerar muito calor, tornando-se ideal para aplicações lógicas. Com a posterior invenção do circuito integrado (CI) em 1958, que proporcionou a combinação de múltiplos circuitos sobre um único chip feito de material semicondutor, da introdução do uso do Metal Oxide Semiconductor (MOS) em 1962 e posteriormente do Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS), em 1964, resultaram na invenção de componentes chaves da indústria eletrônica, como a Dynamic Random Access Memory (DRAM) (1970) e o microprocessador (1971), que revolucionaram a indústria eletrônica (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 31-32). O uso desta tecnologia foi fundamental para o consumo em massa de bens eletrônicos desde rádios e televisores, na década de 1970, até celulares e computadores hoje em dia.

O processo de fabricação do CI é considerado um dos processos mais complexos de manufatura existentes, extremamente intensivo em capital e tecnologia. A cadeia produtiva da indústria está dividida em basicamente três segmentos produtivos. A primeira se fundamenta no desenvolvimento do complexo layout do CI de bilhões de transistores em dimensões nanométricas através de softwares específicos. A segunda etapa consiste na fabricação do circuito, que envolve inúmeros maquinários altamente intensivos em capital, e um processo de purificação do silício fatiado e polido até resultar em wafers3 3 Wafer ou “bolacha” de silício é uma fatia de espessura fina de semicondutor, que após o processo de purificação (“dopagem”) do silício, fica esteticamente parecida com um “wafer”. Quanto maior o wafer, maior a quantidade de CI que pode caber nela. . Em seguida, a superfície do silício é revestida por uma camada fotossensível e depois exposta à luz através de masks4 4 Mask ou “máscaras” são imagens fotográficas negativas de um molde de CI utilizadas no processo de fabricação de fotolitografia. que são previamente projetados dependendo do CI desejado. Após a exposição a luz, a camada fotossensível é removida, obtendo circuitos integrados em dimensões nanométricas. A terceira e última etapa envolve o processo de assembly, testing, and packing, no qual chip é encapsulado, pronto para o uso, e testado para averiguar eventuais falhas e descartes (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 31-32, 58-59; MAY; SPANOS, 2006MAY, G. S.; SPANOS, C. J. Fundamentals of semiconductor manufacturing and process control. Hoboken: John Wiley & Sons , 2006.).

A tecnologia dos CI tende a ficar cada vez mais complexa e sofisticada ao passar dos anos devido ao aumento da demanda por equipamentos eletrônicos de alta performance e de menor tamanho. O crescimento acelerado da quantidade de transistores em um único CI é observado através da “Lei de Moore” de 1965, a qual previa que número total de transistores obtidos em um único CI possuía a tendência de dobrar a cada aproximadamente dois anos, tornando cada vez mais complexo o processo de fabricação. A tendência se manteve nesses últimos 50 anos e embora os fabricantes tenham encontrado dificuldades para manter esse padrão na última década, a quantidade de transistores em um único CI está atualmente no patamar de dezenas de bilhões (WALDROP, 2016WALDROP, M. M. The chips are down for Moore’s law. Nature, v. 530, n. 7589, p. 144-147, 2016. DOI: https://doi.org/10.1038/530144a.
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
). Para atender as exigências do mercado, novas técnicas foram desenvolvidas, como o desenvolvimento de algoritmos para o design de masks, double patterning, litografia em imersão e uso de diferentes fontes luminosas (LIN, 2009LIN, B. J. Optical lithography: Here is why. Belligham: SPIE Digital Library, 2009.; MACK, 2008MACK, C. Fundamental principles of optical lithography: The science of microfabrication. Hoboken: John Wiley & Sons, 2008.).

Devido às mudanças constantes do regime de conhecimento e tecnologia dessa indústria, que são resultados dos curtos ciclos de produtos decorrentes do rápido e constante processo de miniaturização do design e da ampliação da capacidade de processamento dos CI, seus custos de design tendem a se elevar gradualmente ao passar dos anos. Ademais, as plantas de fabricação passaram a requerer bens de capital cada vez mais específicos, de altíssimo custo para geração em grande escala e que são instigados a recuperar rapidamente as receitas devido aos ciclos produtivos muito curtos, que reduzem consideravelmente os preços dos CI das gerações anteriores, demandando grande volume de capital para investimento para renovação frequente de instalações (LEE; GAO; LI, 2016LEE, K.; GAO, X.; LI, X. Industrial catch-up in China: a sectoral systems of innovation perspective. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 10, n. 1, p. 59-76, 2016. DOI: https://doi.org/10.1093/cjres/rsw037.
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
, p. 69-70; RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 11, 16, 19-21).

Como consequência, a dinâmica industrial fica extremamente dependente de economias de escala e eficiência de aprendizado, resultando em altos riscos e custos para a entrada de empresas desafiantes no mercado, fato que acaba beneficiando as empresas líderes já pré-estabelecidas, caracterizando o baixo nível de acessibilidade deste mercado, o que dificulta o processo de catch-up. Ademais, o conhecimento tácito e capital humano que gerenciam a eficiência e aumentam os índices operacionais e produtividades das instalações são de difícil acesso. A falta de know-how que não pode ser adquirida através de patentes - pois só pode ser adquirida através de experiências em processos operacionais relacionados a economias de aprendizado -, é um problema que não pode ser resolvido a curto prazo (RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 153-156). Devido a esses fatores, inúmeros segmentos dessa indústria apresentam forte concentração de mercado, concedendo aos incumbentes fortes poderes de mercado para impor barreiras à entrada de desafiantes e fixar preços.

Até o final da década de 1970, as empresas concentravam todos os segmentos produtivos dentro de suas próprias empresas, num modelo de negócios conhecido também como Integrated Device Manufacturer (IDM). Durante este período, o único segmento produtivo que era eventualmente realizado no exterior era o de assembly, testing and packing, por meio de fabricação offshore, através do estabelecimento de uma subsidiária no exterior. No entanto, a partir da década seguinte, diversos fatores levaram a mudanças do sistema produtivo da indústria de semicondutores, entre eles o aumento substancial dos custos de produção, decorrente do aumento crescente da complexidade tecnológica; as reformas institucionais neoliberais sobre o sistema econômico internacional, que favoreceram o aumento substancial da mobilidade de fatores de produção; e os avanços significativos da TIC, que revolucionou o processo de transmissão de informação ao redor do mundo. Em decorrência disso, diversas transnacionais americanas passaram a reestruturar as suas cadeias produtivas internacionalmente, por meio de fabricação outsourcing, com o propósito de aumentar a competividade global através da redução do custo de produção, levando à segmentação produtiva em que diversas empresas independentes entre si, e especializados em determinados segmentos produtivos.

Como resultado, surgiram três novos modelos de negócios na indústria de semicondutores. O primeiro são as empresas fabless (“sem fábrica”), que são responsáveis apenas pelo design, P&D e marketing de maior valor adicionado. O segundo são as firmas foundries (“fundição”), especializadas apenas na manufatura terceirizada de CI, dependentes da demanda das fabless. Essa divisão promoveu o caso de win-win situation, uma vez que possibilitou que as fabless reduzissem os custos e riscos associados ao aumento crescente dos custos fixos das plantas de manufatura para focarem em segmentos produtivos de maior valor adicionado, enquanto as foundries se beneficiariam através de economias de escala e aprendizado, por possibilitarem atender inúmeros clientes fabless simultaneamente. O terceiro modelo, por fim, são as empresas Outsourced Semiconductor Assembly and Test (OSAT), segmento de menor intensidade de capital e tecnologia, responsável pelo segmento produtivo de assembly, testing and packing dos CI.

Atualmente a indústria de CI compõe cerca de 90% do mercado global de semicondutores, enquanto o restante é composto por Optoeletrônicos, Sensores/Atuadores e Discretos. Na indústria de CI, as empresas IDM detém 74% das vendas globais de CI, enquanto as fabless detém 26%. As firmas americanas dominam ambos os segmentos produtivos, detendo atualmente 51% do mercado de IDM, hoje dominado por firmas como a Intel, Samsung, SK Hynix e Micron, e 62% do mercado de fabless, dominado por firmas como a Qualcomm, Broadcomm e AMD. Já os segmentos de outsourcing são amplamente dominados por Taiwan, que detém 73% do mercado global de foundry, dominadas especialmente pela TSMC (que detém cerca de 50% do market share global), e 54% do mercado global de OSAT.

2. DESAFIOS DO RETARDATÁRIO: A INSERÇÃO TARDIA DA RPC (1950-2013)

Diferentemente dos casos bem-sucedidos de catch-up coreano e taiwanês, que tiveram as suas respectivas inserções na indústria de semicondutores beneficiada por fatores geopolíticos, a inserção da RPC aconteceu de forma relativamente tardia e independente. O surgimento da indústria de semicondutores na China continental ocorreu em meados da década de 1950, devido ao relativo isolamento econômico, o governo central passou a fomentar o desenvolvimento e fabricação de transistores para uso doméstico, utilizados especialmente em rádios. Entre as décadas de 1950 e 1970, a RPC seguiu o modelo soviético de planejamento e gestão da política industrial, no qual o governo central controlava inteiramente a produção da cadeia produtiva. Durante este período, o desenvolvimento da indústria de semicondutores doméstica foi brevemente interrompido durante os distúrbios da Revolução Cultural (1966-1976) (NING, 2009, p. ,274; RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 12-13; VERWEY, 2019VERWEY, J. Chinese semiconductor industrial policy: past and present. Journal of International Commerce and Economics, p. 1-29, jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.usitc.gov/publications/332/journals/chinese_semiconductor_industrial_policy_past_and_present_jice_july_2019.pdf . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.usitc.gov/publications/332/j...
, p. 3).

Logo após as reformas econômicas de 1978, o governo central passou a descentralizar a política industrial, incluindo a de semicondutores, e delegar a produção desses bens aos governos locais, que inicialmente se basearam na importação de maquinários antigos de baixa produtividade. A partir da década de 1980, além dos esforços de desenvolver a indústria de alta tecnologia doméstica como um todo, houve também esforços específicos do governo central para desenvolver a indústria doméstica de semicondutores, delineado em alguns pontos dos “Plano 531” (1986), “Projeto 531” (1990) e “Projeto 909” (1995). Durante esse período, o governo central se empenhou para absorver tecnologia estrangeira por meio do estabelecimento de joint-ventures (JV), atraindo importantes transnacionais, como a Philips (1988), Lucent (1988), e NEC (1997). No entanto, devido ao baixo nível de qualidade das organizações de P&D, ao baixo nível de acessibilidade de tecnologia estrangeira e às restrições geopolíticas, essas políticas surtiram poucos efeitos até 2000 (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 120-139; ERNST, 2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015., p. 16; NING, 2009, p. 274-275; RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 14-23; VERWEY, 2019VERWEY, J. Chinese semiconductor industrial policy: past and present. Journal of International Commerce and Economics, p. 1-29, jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.usitc.gov/publications/332/journals/chinese_semiconductor_industrial_policy_past_and_present_jice_july_2019.pdf . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.usitc.gov/publications/332/j...
. p. 11).

A partir da década de 2000, o governo central alterou as diretrizes industriais, que passaram a reduzir a importância das estatais e das JVs, e passou a incentivar as inovações de empresas privadas por meio de incentivos fiscais através de diversos planos industriais, como a “Medium and Long Term Plan for Science and Technology Development (2006-2020)” de 2006 e a “Strategic Emerging Industry Plan” de 2012, resultando no crescimento expressivo dos investimentos em P&D doméstico desde então. Durante esse período, dois importantes fatores também influenciaram positivamente para o desenvolvimento doméstico. O primeiro foi o estabelecimento do padrão doméstico de tecnologia 3G e 4G (TD-SCDMA), que teve o objetivo inicial de reduzir o pagamento de royalties às transnacionais estrangeiras, mas também favoreceu o surgimento de importantes empresas, como a Spreadtrum e a RDA Microelectronics (ERNST, 2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015., p. 10-12, 17, 29). O segundo fator, foi a participação de cidadãos de Taiwan, dotados de capital e know-how tecnológico e, visando se beneficiarem do enorme mercado da RPC, passaram a incorporar empresas na China continental, resultando no surgimento de diversas outras, como a SMIC em 2001, atualmente maior empresa foundry da RPC (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 120-139).

Além disso, a necessidade de sofisticar a indústria bélica doméstica também desempenhou um papel relevante no processo de desenvolvimento industrial. Desde as reformas de 1978, o governo central passou a estimular o avanço de tecnologias duais, ou seja, de uso tanto civil quanto militar, com o objetivo de difundir a tecnologia do campo civil para o militar (spin-on) (TREBAT; MEDEIROS, 2012). Entre os esforços mais notórios, está o “863 Program”, que instigou os investimentos em P&D sobre tecnologias com potencial uso militar, que embora tivessem recursos limitados até o final da década de 1990, passaram a crescer substancialmente a partir de 2000 (BITZINGER, 2004BITZINGER, R. A. Civil-Military integration and Chinese military modernization. Asia-Pacific Center for Security Studies, v. 3, n. 9, p. 1-4, 2004. Disponível em: Disponível em: https://apcss.org/Publications/APSSS/Civil-MilitaryIntegration.pdf . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://apcss.org/Publications/APSSS/Civ...
, p. 3). Como resultado, inúmeras firmas sugiram no campos da industria da TIC com relações estreitas com as forças armadas, como a Huawei, ZTE Corp. e a Lenovo, que passaram a também contribuir para o desenvolvimento de tecnologias militares (CHU, 2013CHU, M. M. The East Asian computer chip war. London and New York: Routledge, 2013., p. 100).

Embora a RPC tenha realizado alguns progressos entre as décadas de 1980 e 2000, diversas questões influenciaram no catch-up limitado. Dentre esses fatores, as questões institucionais desempenharam um papel relevante para a limitação da política industrial. A RPC é notoriamente conhecida por possuir estruturas legais ineficientes e fraca legislação de proteção à propriedade intelectual, fator que desencoraja a busca por inovação, investimento em P&D ou a construção de marcas globais, o que forçava as firmas locais a abdicarem do processo de P&D e focarem em mercados de alto volume e baixo preço, ou atuarem como representantes de firmas multinacionais no próprio mercado interno (DENG, 2009DENG, P. Why do Chinese firms tend to acquire strategic assets in international expansion? Journal of World Business, v. 44, n. 1, p. 74-84, 2009. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jwb.2008.03.014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 76; YU, 2002, p. 528-529). Ademais, o ingresso na OMC em 2001, resultou em limitações da política industrial. Por exemplo em 2003, os EUA passaram a questionar a política de incentivos fiscais na indústria de semicondutores da RPC, que aplicava o valor de 17% de tarifa de valor adicionado (VAT) para comercialização de semicondutores, porém concedia tax rebate de 11% para os dispositivos manufaturados domesticamente, ou 14% se o design também tiver sido feito internamente. Esta política foi prontamente acusada pelos EUA de protecionismo, forçando a RPC renunciar a política de tax rebate em 2005 (NING, 2008NING, L. State-led catching up strategies and inherited conflicts in developing the ICT industry: behind the US-East Asia semiconductor disputes. Global Economic Review: Perspectives on East Asian Economies and Industries, v. 37, n. 2, p. 265-292, 2008. DOI: https://doi.org/10.1080/12265080802021243.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
, p. 280-281; RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 22)

As questões relacionadas à geopolítica internacional permaneceram sendo um fator de entrave para a importação de tecnologia estrangeira. Diversos incidentes políticos internacionais, como a adoção do Acordo de Wassenaar (1996) pelo ocidente, por exemplo, que restringiu a exportação de tecnologias chaves de uso dual para países do antigo bloco comunista, como a Rússia e a RPC, impossibilitando estes países de adquirirem equipamentos de última geração de fornecedores upstream, os forçando à importarem tecnologias de gerações atrasadas, o que limitou sua capacidade de aprendizado (LEE; GAO; LI, 2016LEE, K.; GAO, X.; LI, X. Industrial catch-up in China: a sectoral systems of innovation perspective. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 10, n. 1, p. 59-76, 2016. DOI: https://doi.org/10.1093/cjres/rsw037.
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
, p. 60). Apesar da proximidade linguística, geográfica e cultural com Taiwan, o governo de Taipé impôs forte restrição à transferência de tecnologia, devido a hostilidades políticas, o que dificultou o catch-up da RPC (RHO; LEE; KIM, 2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 19-25). Como consequência, até 2012, a produção doméstica de CI representava apenas 11,1% do total de CI consumidos domesticamente, na maior parte deles componentes low-end, onde mais de 70% da produção era oriunda de transnacionais estrangeiras (IC INSIGHTS, 2013IC INSIGHTS. Foreign IC companies to represent 70% of China’s IC production in 2017, up from 58% in 2012. IC Insights, 23 jul. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.icinsights.com/news/bulletins/Foreign-IC-Companies-To-Represent-70-Of-Chinas-IC-Production-In-2017-Up-From-58-In-2012/ . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.icinsights.com/news/bulletin...
).

3. “FABRICADO NA CHINA 2025” (2014-2021)

A indústria de semicondutores passou a ser a questão central da política da RPC a partir da década de 2010. Após o ingresso na OMC em 2001 e a integração do país na cadeia produtiva da indústria da TIC, as importações de CI cresceram de forma acelerada, influenciada especialmente pela expansão da demanda doméstica e pelas exportações processadas das transnacionais estrangeiras. A partir de 2014, os semicondutores passaram, em termos nominais, o valor da importação de petróleo cru, tornando-se o bem mais importado pela RPC. Em vista da alta disponibilidade de reservas internacionais, em meados da década de 2010, o governo central passou a financiar as aquisições e fusões entre empresas de semicondutores domésticas e estrangeiras, visando promover o aprendizado tecnológico das empresas nacionais, através da aquisição de tecnologia, know-how, capital humano qualificado e de propriedade intelectual, além de oferecer aporte financeiro para realização de investimentos em larga escala das empresas domésticas.

Em vista da crescente dependência, em 2014 o Conselho de Estado da RPC anunciou as “Guidelines to Promote National Integrated Circuit Industry Development”, o primeiro programa nacional voltado especificamente para desenvolver a indústria de semicondutores, estabelecendo metas ambiciosas de desenvolvimento e inovação, como crescimento médio anual da produção das firmas domésticas em cerca de 20% ao ano até 2020 e alcançar a liderança internacional até 2030. Além disso, o plano previa diversas medidas, como o estabelecimento de um fundo nacional de investimento, com o objetivo de promover a fusão de firmas domésticas e a formação de “campeões nacionais”; promover a concentração industrial doméstica; realizar estímulos fiscais; encorajar as transnacionais estrangeiras a estabelecerem centros de P&D em território doméstico; além de fomentar a cooperação com as empresas de Taiwan (STATE COUNCIL, 2014; ERNST, 2019, p. 16).

Com base nestas diretrizes, foi estabelecido o “Grande Fundo”, um fundo de investimento composto por capital estatal (majoritariamente) e privado, que arrecadou 21 bilhões de dólares até 2017, com o intuito de financiar a aquisição de tecnologias chaves estrangeiras da indústria de CI. Paralelamente, os governos locais foram instigados a também estabelecer fundos para financiar a indústria de CI, como os governos municipais de Pequim, Xangai e Hefei, além dos governos provinciais como Anhui, Sichuan, Hubei e Fujian, que totalizaram a arrecadação de mais de 80 bilhões de dólares até 2017 (ERNST, 2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015., p. 24-26, p. 49; VERWEY, 2019VERWEY, J. Chinese semiconductor industrial policy: past and present. Journal of International Commerce and Economics, p. 1-29, jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.usitc.gov/publications/332/journals/chinese_semiconductor_industrial_policy_past_and_present_jice_july_2019.pdf . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.usitc.gov/publications/332/j...
, p. 13).

A prioridade em relação à indústria de semicondutores foi reafirmada pelo plano “Fabricado na China 2025” de 2015, focado no desenvolvimento de tecnologias chaves da indústria da TIC, instituiu uma meta ambiciosa de investimento de 1 trilhão de RMB (161 bilhões de dólares) até 2025 para desenvolver as indústrias de alta tecnologia, sendo a de semicondutores uma das prioridades do governo central. O governo estimulou a meta de elevar a autossuficiência no consumo de semicondutores e aumentar a participação da indústria doméstica no consumo interno, de cerca de 10% em 2015, para 40% em 2020 e posteriormente para 70%, em 2025. Além de enfatizar os planos de desenvolvimentos e metas do ano anterior, a função do Estado era guiar o uso dos fundos de investimento para a aquisições de tecnologia chaves estrangeiras (STATE COUNCIL, 2015; ERNST, 2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015., p. 24).

Sob essa nova política, foram notórios os esforços do governo central na formação de campeões nacionais, com o destaque do conglomerado Tsinghua Unigroup, que financiado por fundos de investimentos, realizou inúmeras aquisições com o propósito de se consolidar como uma das principais empresas globais de semicondutores. Em 2013, a Unigroup realizou a primeira operação, ao adquirir as fabless domésticas Spreadtrum e RDA Microeletronics, por 1,7 bilhão e 900 milhões de dólares, respectivamente, fundidas posteriormente sobre o novo brand name UNISOC em 2018. A operação teve caráter estratégico, pois possibilitou o aumento de economias de escala e aprendizado, com o objetivo de confrontar o nicho de mercado global de processadores mid e low end (2G/3G) para high end (4G) e competir diretamente com a Qualcomm e a Mediatek (FENG et al., 2019FENG, Y.; WU, J.; HE, P. Global M&A and the development of the IC industry ecosystem in China: what can we learn from the case of Tsinghua Unigroup? Sustainability, v. 11, n. 1, p. 106, 2019. DOI: https://doi.org/10.3390/su11010106.
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
, p. 12).

As operações da Unigroup não se limitaram ao segmento de processadores, mas também se extenderam para o segmento de memória, atualmente dominado pela Samsung, SK Hynix, e Micron. Em 2015, a Unigroup adquiriu a Tongfang Guoxin Electronics (atual Unigroup Guoxin Microeletronics) e anunciou investimento de 12,5 bilhões de dólares em vários projetos, como a aquisição da subsidiária Xi’an Sinochip Semiconductors, (atual Xi’an UnilC Semiconductors) e a construção de plantas de fabricação de memória D-RAM e 3D NAND flash em Xi’an. Em 2016, a Unigroup adquiriu a Wuhan Xinxin Semiconductor Manufacturing Corp. (XMC) e, com o apoio do governo municipal de Wuhan, incorporou a Yangtze River Storage Technology (YRST), da qual a XMC passou a ser subsidiária, anunciando o investimentos de 24 bilhões de doláres para a construção de uma fábrica de 3D NAND flash chips em Wuhan. Ao todo, a Unigroup, em cooperação com os governos locais de Wuhan, Nanjing e Chengdu, anunciaram o investimento de 100 bilhões de dólares em plantas de fabricação de memória (FENG et al., 2019FENG, Y.; WU, J.; HE, P. Global M&A and the development of the IC industry ecosystem in China: what can we learn from the case of Tsinghua Unigroup? Sustainability, v. 11, n. 1, p. 106, 2019. DOI: https://doi.org/10.3390/su11010106.
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
, p. 11).

Ademais, a RPC realizou, especialmente por meio dos fundos de investimentos e consórsios, importantes aquisições de empresas estrangeiras. Entre 2015 e 2017, a RPC adquiriu cerca de 11 bilhões de doláres em ativos estrangeiros estratégicos, dos quais as empresas americanas foram principal alvo, como as aquisições da Integrated Silicon Solutions Inc. (2015), Pericom Semiconductor (2015), Omni Vision Technologies (2016), Multi-Fineline Electronix (2016), Analogix (2016) e Xcerra Corp. (2018). Fora dos EUA, a RPC também realizou importantes aquisições, como a da Stats Chipac (Singapura), até então a quarta maior empresa global de OSAT pela Jiangsu Changjiang Electronics Technology (JCET) em 2015, alavancando o market share da RPC neste segmento (FENG et al., 2019FENG, Y.; WU, J.; HE, P. Global M&A and the development of the IC industry ecosystem in China: what can we learn from the case of Tsinghua Unigroup? Sustainability, v. 11, n. 1, p. 106, 2019. DOI: https://doi.org/10.3390/su11010106.
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
, p. 10; VERWEY, 2019VERWEY, J. Chinese semiconductor industrial policy: past and present. Journal of International Commerce and Economics, p. 1-29, jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.usitc.gov/publications/332/journals/chinese_semiconductor_industrial_policy_past_and_present_jice_july_2019.pdf . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.usitc.gov/publications/332/j...
, p. 15-16). Além disso, a aquisição de 51% das ações das subsidiárias da Arm Holdings (Reino Unido, controlado pela Soft Bank/Japão) na China continental pelo Hou An Innovation Fund facilitou o acesso das empresas domésticas ao seu vasto repertório de propriedade intelectual, incluindo o sistema de low-power system-on-a-chip (SoC) e facilitando o processo de desenvolvimento de novas tecnologias como IoT, inteligência artificial, veículos autônomos e big data (CHAN; CHENG, 2018CHAN, M.; CHENG, T. F. Arm’s China joint venture ensures access to vital technology. Nikkei Asian Review, 3 mai. 2018. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Business/Companies/Arm-s-China-joint-venture-ensures-access- . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Business/Compani...
).

Além dos esforços do governo central, os governos locais também desempenham papel de destaque, especialmente no segmento de memória DRAM. Em 2016, os fundos de investimentos Fujian Eletronic & Information Group (Província de Fujian) e a Jinjiang Energy Investment Group (Município de Jinjiang) estabeleceram a Fujian Jinhua Integrated Circuit Co., Ltd. (JHICC). Através do estabelecimento de cooperação técnica com a United Microeletronics Company (UMC, Taiwan), a JHICC anunciou o investimento de 6 bilhões de dólares para o estabelecimento de uma fábrica de D-RAM em Jinjiang (GAO et al., 2018GAO, Y. et al. The chipmaker caught in U.S. assault on China’s tech ambitions. Bloomberg News, 25 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-11-25/the-chipmaker-caught-in-u-s-assault-on-china-s-tech-ambitions . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.bloomberg.com/news/articles/...
). Em 2017, o Hefei Industry Investment Group e a GigaDevice (RPC) anunciaram a JV Innotron Memory (atual Changxin Memory Technologies), além do o investimento de 2,7 bilhões de dólares na construção de uma fábrica de memória D-RAM (MANNERS, 2017MANNERS, D. Third China DRAM contender gears up. Electronics Weekly, 1 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.electronicsweekly.com/blogs/mannerisms/memory-mannerisms/third-china-dram-contender-gears-2017-11 . Acesso em: 9 mar. 2021.
https://www.electronicsweekly.com/blogs/...
). Além disso, o município de Wuhan e a Beijing Guangliang Lantu Technology incorporaram a foundry Wuhan Hongxin Semiconductor Manufacturing Co. (HSMC) em 2017, que almejava ambiciosos planos de investimentos de 20 bilhões de dólares para o estabelecimento de linhas produção de chips de 7 nm, e o município de Chengdu estabeleceu uma JV com a americana Global Foundries para o estabelecimento da Gexin (Chengdu) Integrated Circuit Manufacturing Co. (GITM) (GLOBALFOUNDRIES…, 2018GLOBALFOUNDRIES and Chengdu Realign Joint Venture Strategy. Globalfoundries, 26 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://gf.com/press-release/globalfoundries-and-chengdu-realign-joint-venture-strategy . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://gf.com/press-release/globalfound...
; LIU; LUO; HAN, 2021LIU, P.; LUO, G.; HAN, W. Wuhan gives up on troubled $18.5 billion chipmaking project. Caixin Global, 27 fev. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.caixinglobal.com/2021-02-27/wuhan-gives-up-on-troubled-185-billion-chipmaking-project-101667967.html . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.caixinglobal.com/2021-02-27/...
).

Com o intuito de solucionar a escassez de capital humano qualificado, a RPC passou a se engajar no recrutamento de engenheiros especializados do exterior, através de altos salários, além de atrair executivos renomados do setor, como Charles Kao, ex-presidente da Nanya Technology de Taiwan e o Yukio Sakamoto, ex-CEO da Elpida do Japão, ambos recrutados pela Unigroup (CHENG; LI, 2020aCHENG, T. F.; LI, L. How China’s chip industry defied the coronavirus lockdown. Nikkei Asian Review , 18 mar. 2020a. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Spotlight/The-Big-Story/How-China-s-chip-industry-defied-the-coronavirus-lockdown . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Spotlight/The-Bi...
). O capital humano de Taiwan foi particularmente visado pela RPC devido à proximidade geográfica, linguística e cultural. Além disso, atraídos pelos altos salários oferecidos desde o início da campanha, cerca de três mil engenheiros de Taiwan assumiram posições na China continental (IHARA, 2019IHARA, K. Taiwan loses 3,000 chip engineers to 'Made in China 2025'. Nikkei Asian Review , 3 dez. 2019. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Business/China-tech/Taiwan-loses-3-000-chip-engineers-to-Made-in-China-2025 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Business/China-t...
).

4. ENTRAVE POLÍTICO E A GUERRA COMERCIAL

Apesar dos esforços da RPC, até meados da década de 2010, poucas empresas domésticas conseguiram atingir o relativo catch-up na indústria de semicondutores, em especial a HiSilicon (subsidiária da Huawei), ainda assim depende da importação de tecnologia e patentes para a realização do design de seus próprios CI. A principal estratégia adotada pelo governo central para atingir o catch-up tecnológico, a política de fusões e aquisições, foi pouco eficaz. Devido à importância estratégica, diversos países reagiram contra os avanços dos investimentos da RPC, obstruindo as aquisições através de seus órgãos reguladores, frustrando as pretensões de Pequim em atingir o catch-up a curto prazo.

Embora as relações entre RPC e Taiwan tenham se amenizado durante o governo Ma Ying-jeou (2008-2016), questões políticas ainda representaram barreiras para a transferência tecnológica no estreito de Taiwan. Devido ao temor de consequências políticas e de segurança nacional decorrentes do excesso de capital da RPC em setores estratégicos, as autoridades regulatórias de Taiwan bloquearam os avanços da RPC sobre a indústria de Taiwan. Em 2015, a Unigroup tentou adquirir 25% das ações das seguintes empresas OSAT de Taiwan: Siliconware (SPIL, 1,7 bilhão de dólares), ChipMOS (258 milhões de dólares) e Powertech (600 milhões de dólares), além de demonstrar interesse na principal empresa fabless de Taiwan, a MediaTek. No entanto, todas elas foram obstruídas pelas autoridades regulatórias de Taiwan. (CLARKE, 2015CLARKE, P. China’s Tsinghua interested in MediaTek. EEE News Europe, 3 nov. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.eetimes.com/chinas-tsinghua-interested-in-mediatek . Acesso em: 8 mar. 2021.
https://www.eetimes.com/chinas-tsinghua-...
; WU, 2017WU, J. R. Chinese tech giant's Taiwan deals unravel as Powertech calls off share pact. Reuters , 13 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-powertech-tech-tsinghua-idUSKBN14X1BA . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.reuters.com/article/us-power...
)

A agressividade da RPC também levantou suspeitas da CFIUS (Committee on Foreign Investment in the United States), além do temor à ameaça à hegemonia americana na indústria, havia preocupação em relação a questões de segurança nacional como cyber espionagem e proteção de direitos de propriedade intelectual. Em diversos incidentes, a CFIUS atuou incisivamente para bloquear as aquisições por parte de empresas ou fundos oriundas da RPC (JACKSON, 2018JACKSON, J. K. The Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). Congressional Research Service, 11 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.hsdl.org/?view&did=805026 . Acesso em: 8 mar. 2021.
https://www.hsdl.org/?view&did=805026...
, p. 63, 65).

  • Em fevereiro de 2015, a Tsinghua Unisplendour (RPC) desistiu de adquirir 15% das ações da Western Digital por 3,8 bilhões de dólares, após a CFIUS optar por investigar a transação;

  • Em dezembro de 2015, a Fairchild Semiconductor rejeitou a oferta de 2,46 bilhões de dólares da China Resources Microelectronics Ltd e da Hua Capital Management Co Ltd, a favor da oferta da ON Semiconductor (EUA) de 2,4 bilhões de dólares, devido à preocupação com a CFIUS de intervir na negociação;

  • Em 2016, a Philips desistiu de vender a Lumileds, rejeitando a oferta de 2,9 bilhões de dólares, para os dois consórcios GO Scale Capital e GSR Ventures, ambos da RPC, e optou por aceitar a oferta da Apollo Global Management (EUA) de 2 bilhões de dólares, devido ao temor da intervenção da CFIUS na transação;

  • Em 2016, a Micron Technology, uma das empresas líderes no segmento de memória, rejeitou informalmente a oferta de 23 bilhões de dólares da Unigroup;

  • Em agosto de 2016, após a CFIUS recomendar ao governo Obama vetar a compra da Global Communications Semiconductor pela San’na Opto por 226 milhões, a negociação foi cancelada;

  • Em dezembro de 2016, o governo Obama vetou a tentativa da Fujian Grand Chip Investment Fund de adquirir a Aixtron (Alemanha), que possuía ativos nos EUA.

Ademais, as tentativas de aquisição em outros países também foram igualmente frustradas. Em 2015, a SK Hynix rejeitou a tentativa da Unigroup de adquirir de 15% a 20%, sob a condição de construir uma fábrica NAND flash memory de última geração na China continental (CHO, 2015CHO, J. Y. SK Hynix rejects Tsinghua Unigroup’s Offer. Business Korea, 27 nov. 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.businesskorea.co.kr/news/articleView.html?idxno=13132 . Acesso em: 8 mar. 2021.
http://www.businesskorea.co.kr/news/arti...
). Em vista da agressividade da RPC na aquisição de empresas de alta tecnologia, a partir de 2017, a Alemanha passou a impor o limite de aquisição de 25% de ações de empresas domésticas estratégias por empresas estrangeiras, caso esse investimento venha a colocar a ordem pública ou a segurança nacional em risco (GRIMM; KOWSMANN, 2018GRIMM, C.; KOWSMANN, P. Germany tightens foreign acquisition rules amid China’s push for technology deals. The Wall Street Journal, 16 dez. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.wsj.com/articles/germany-tightens-foreign-acquisition-rules-amid-chinas-push-for-technology-deals-11544969293 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.wsj.com/articles/germany-tig...
).

Em vista das dificuldades impostas pelas autoridades regulatórias estrangeiras para a aquisição de ativos estratégicos e da pouca efetividade da absolvição de tecnologia das transnacionais estrangeiras em território doméstico, uma vez que essas exportavam tecnologias atrasadas, o governo central passou a coagir transnacionais a venderem ativos, ações, ou conceder demandas por parte de Pequim, como aquisição de insumo de fornecedores locais, formação de JV, o estabelecimento de centros de P&D na China continental e concessões forçadas de tecnologia para empresas domésticas. Devido ao enorme mercado consumidor, inúmeras transnacionais se sujeitaram as pressões de Pequim.5 5 Segundo a pesquisa da U.S.-China Business Council, 19% das empresas americanas estabelecidas na RPC foram requisitadas a transferirem tecnologia em 2017, dos quais um terço dos pedidos partiu do próprio governo central, enquanto segundo à pesquisa da U.S. Department of Commerce’s Bureau of Industry and Security, indicou que 25 empresas americanas de semicondutores, que juntos totalizavam cerca de 25 bilhões de vendas e produziam 26% dos CI vendidos nos EUA, declararam que teriam que formar JVs com entidades da RPC e/ou transferir tecnologia para acessar o mercado doméstico da RPC (VERWEY, 2019, p. 18-19)

O primeiro caso notório foi em 2015, quando a holandesa NXP Semiconductors realizou uma oferta para adquirir a Freescale Semiconductor dos EUA. Entretanto, a aprovação da aquisição foi suspensa sem motivos aparentes e somente aprovada pelas autoridades antitruste da RPC, após a NXP concordar na venda de sua subsidiária de transistores RF Power, a Nexperia, incluindo propriedade intelectual, centro de R&D, capital humano, contratos e instalações fabris por 1,8 bilhão de dólares para o Beijing Jianguang Asset Management. Somente após isso as autoridades regulatórias antitruste da RPC autorizaram a fusão das duas empresas. O segundo caso relevante foi a fusão entre a ASE group e SPIL, ambas líderes no segmento OSAT global de Taiwan. Em dezembro de 2016, a aprovação da fusão pelas autoridades antitruste foi condicionada através da venda de 30% das ações da fábrica da SPIL em Suzhou por 156 milhões de dólares para a Unigroup (CHENG, 2017CHENG, T. F. China uses antitrust reviews to gain foreign technology. Nikkei Asian Review , 5 dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Politics/China-uses-antitrust-reviews-to-gain-foreign-technology2 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Politics/China-u...
).

Ademais, o governo central passou a assediar e pressionar as transnacionais estrangeiras a cooperarem e transferirem tecnologia para as empresas domésticas. Em fevereiro de 2015, após a Qualcomm ser multada por 975 milhões de dólares pelas autoridades antitruste da RPC, sobre a alegação de práticas monopolísticas, e forçada a reduzir os royalties cobrados pelo uso de suas patentes da tecnologia 3G e 4G. Com o objetivo de melhorar as relações com o governo central, no mesmo ano, a Qualcomm anunciou a formação de três JVs: a primeira em parceria com a Huawei e SMIC para a construção de um centro de P&D em Xangai; a segunda foi com o governo provincial de Guizhou para desenvolver high-end server chips (a Guizhou Huaxintong Semiconductor Technology, GHST); e a terceira foi uma JV com os fundos de investimentos JAC Capital, Wise Road Capital e a Leadcore Technology para desenvolver chips para celulares (CHENG, 2017CHENG, T. F. China uses antitrust reviews to gain foreign technology. Nikkei Asian Review , 5 dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Politics/China-uses-antitrust-reviews-to-gain-foreign-technology2 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Politics/China-u...
). Diversas outras transnacionais, como a Intel, com o objetivo de obter boas relação com Pequim, também passaram a cooperar. Em 2014 a Intel adquiriu 20% das ações da Spreadtrum e RDA Microelectronics por US$ 1,5 bilhão, ambas recém adquiridas pela Unigroup, além de anunciar parceria com a Rockchicp para desenvolvimento de novos chips (ERNST, 2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015., p. 42-43). Similarmente, diversas empresas de Taiwan optaram por cooperar para agradar a Pequim, em 2016, a ChipMOS optou por vender 54,98% das ações de sua unidade de Xangai para a Unigroup, enquanto a Merry Eleltronics vendeu 51% das ações de suas três fábricas para a Luxshare Precision Industry (RPC) (CHENG, 2017CHENG, T. F. China uses antitrust reviews to gain foreign technology. Nikkei Asian Review , 5 dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Politics/China-uses-antitrust-reviews-to-gain-foreign-technology2 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Politics/China-u...
).

A estratégia da RPC passaria por um grave revés a partir da eleição de Donald Trump à presidência dos EUA em 2017, que passou a questionar as práticas de Pequim. Além de acusar de “economic agression” e “fall outside of global norms and rules”, o que resultou no deficit crescente no comércio bilateral, os EUA também passaram a acusar a RPC de “implementing a comprehensive, long-term industrial strategy to ensure its global dominance […] Beijing’s ultimate goal is for domestic companies to replace foreign companies as designers and manufacturers of key technology and products first at home, then abroad”. Como parte das acusações, os EUA passaram a acusar a RPC de apropriar de tecnologia estrangeira por meio de vários meios desleais, como roubo de segredos industriais, coerção e regras intrusivas para forçar a transferência de tecnologia, coerção econômica, recrutamento de capital humano e apoio do governo central para aquisição de ativos estratégicos no exterior, que segundo Washington, provocavam distorções de mercado, causando entre 255 e 600 bilhões de dólares apenas em prejuízos relacionados aos direitos de propriedade intelectual (IP, 2017NBR - THE NATIONAL BUREAU OF ASIAN RESEARCH. Update to the IP Commission Report (February 2017). NBR, 23 fev. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.nbr.org/publication/update-to-the-ip-commission-report-february-2017/ . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.nbr.org/publication/update-t...
; WHITE HOUSE, 2018WHITE HOUSE. How China’s Economic aggression threatens the technologies and intellectual property of the United States and the World. White House Office of Trade and Manufacturing Policy, 19 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://trumpwhitehouse.archives.gov/briefings-statements/office-trade-manufacturing-policy-report-chinas-economic-aggression-threatens-technologies-intellectual-property-united-states-world/ . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://trumpwhitehouse.archives.gov/bri...
).

Baseado nestas acusações, além de imporem unilateralmente tarifas contra a importação de produtos oriundos da RPC, os EUA passaram a atuar incisivamente para obstruir os avanços tecnológicos da RPC em diversos segmentos de tecnologia de ponta, como tecnologia 5G e design de CI, por meio de: sufocamento da demanda externa por bens de TIC através de embargo em escala internacional e lobbies coordenados com autoridades estrangeiras; e exclusão da RPC das cadeias produtivas globais de TIC, dificultando o acesso dela a tecnologias chaves para design e produção de semicondutores, das quais a RPC ainda é extremamente dependente.

Como parte dessa política, os EUA passaram a reforçar o acesso da RPC a tecnologias chaves de origem americana. Em setembro de 2017, os EUA seguindo as recomendações da CFIUS, vetaram a Canyon Bridge Capital Partners (RPC) de adquirir por US$ 1,3 bilhão a Lattice Semiconductors, ex-fornecedora de chips de uso militar, sob a alegação de potencial ameaças à segurança nacional americana. Do mesmo modo, em 2018, a CFIUS barrou a tentativa de aquisição da Qualcomm pela Broadcom (Singapura) por 117 bilhões de doláres, pelo temor da ligação entre a Broadcom com Pequim (JACKSON, 2018JACKSON, J. K. The Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). Congressional Research Service, 11 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.hsdl.org/?view&did=805026 . Acesso em: 8 mar. 2021.
https://www.hsdl.org/?view&did=805026...
, p. 66).

O embargo à exportação de tecnologia foi também amplamente explorado como método punitivo contra empresas acusadas de violar a legislação americana. Em abril de 2018, os EUA acusaram a ZTE, a segunda maior firma de telecomunicações da RPC, de violar as sanções contra o Irã e a Coréia do Norte e anunciou a proibição de exportações de componentes americanos para a ZTE por sete anos, além de aplicar uma multa de 890 bilhões de dólares. O fato fez com que a ZTE imediatamente suspendesse as operações globais, uma vez que os componentes americanos correspondiam a cerca de 25% a 30% de um smartphone produzido pela ZTE. Após semanas de negociações, em julho de 2018, a ZTE e os EUA chegaram a um acordo, com a imposição de 1,4 bilhão de dólares em multas, nomeação de novo conselho de diretores e o estabelecimento de um departamento de compliance, escolhido pelo Departamento de Comércio dos EUA, por 10 anos (SHAMEEN, 2018SHAMEEN, A. Tech: Why chips are at core of new US-China Cold War. The Edge Market, 14 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.theedgemarkets.com/article/tech-why-chips-are-core-new-uschina-cold-war . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.theedgemarkets.com/article/t...
).

Em outubro de 2018, o Departamento de Comércio dos EUA anunciou o embargo de exportações de bens e serviços contra a Jinhua Integrated Circuit Co. (JHICC), impedindo a JHICC de importar equipamentos chaves de última geração para fabricação de semicondutores da Applied Materials Inc., Lam Research Corp. e a KLA-Tencor Corp. A decisão foi baseada na acusação do Departamento de Justiça dos EUA, que indiciou a JHICC e a UMC de espionagem industrial (SHAMEEN, 2018SHAMEEN, A. Tech: Why chips are at core of new US-China Cold War. The Edge Market, 14 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.theedgemarkets.com/article/tech-why-chips-are-core-new-uschina-cold-war . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.theedgemarkets.com/article/t...
). Após o anúncio do embargo, os engenheiros da Aplied Materials e KLA-Tencor, e até mesmo da holandesa ASML, anunciaram a retirada de seus engenheiros, que realizavam treinamentos dos engenheiros locais, e todas as vendas futuras de equipamentos foram suspensas, congelando as operações da JHICC (GAO et al., 2018GAO, Y. et al. The chipmaker caught in U.S. assault on China’s tech ambitions. Bloomberg News, 25 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-11-25/the-chipmaker-caught-in-u-s-assault-on-china-s-tech-ambitions . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.bloomberg.com/news/articles/...
). Como consequência, após o embargo contra a JHICC, em agosto de 2019 a Unigroup e o anunciou que estabeleceria sua própria unidade de DRAM em parceria com o município de Chongqing com intuito de tentar suprir a ausência da JHICC no mercado doméstico (TABETA, 2020TABETA, S. China's Tsinghua Unigroup to break ground on chip plant this year. Nikkei Asia, 26 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Economy/Trade-war/China-s-Tsinghua-Unigroup-to-break-ground-on-chip-plant-this-year . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Economy/Trade-wa...
).

Ademais, em vista dos avanços significantes da Huawei sobre o mercado de equipamentos 5G, os EUA passaram a adotar uma série de medidas para obstruir a ascensão da Huawei. Em agosto de 2018, sob o pretexto de risco a segurança nacional, citando o risco de espionagem cibernética, o governo dos EUA proibiu as agências governamentais de adquirirem equipamentos de telecomunicações da RPC e medidas similares foram acompanhadas por seus aliados como o Japão, Austrália e Taiwan (DENYER, 2018DENYER, S. Japan effectively bans China’s Huawei and ZTE from government contracts, joining U.S. The Washington Post, 10 dez. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/japan-effectively-bans-chinas-huawei-zte-from-government-contracts-joining-us/2018/12/10/748fe98a-fc69-11e8-ba87-8c7facdf6739_story.html . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.washingtonpost.com/world/asi...
). Em dezembro de 2018, sob o pretexto de violações das sanções americanas contra o Irã, o Departamento de Justiça dos EUA requisitou a prisão de Meng Wanzhou, diretora financeira e filha do fundador da Huawei, enquanto transitava pelo Canadá (HOROWITZ, 2018HOROWITZ, J. How Huawei's CFO ended up in a Canadian jail cell. CNN, 11 dez. 2019. Disponível em: Disponível em: https://edition.cnn.com/2018/12/11/business/huawei-cfo-arrest-details/index.html . Acesso em: 8 mar. 2021.
https://edition.cnn.com/2018/12/11/busin...
). Em maio de 2019, baniu empresas americanas de utilizarem equipamentos de telecomunicações da RPC e vetou a Huawei, juntamente com suas 70 entidades afiliadas, de adquirirem componentes americanos (CHOWDHURY, 2019CHOWDHURY, H. How the US decision to blacklist Huawei could cripple the company. The Telegraph, 16 mai. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/technology/2019/05/16/us-sanctions-could-hit-huawei-global-5g-networks . Acesso em: 8 mar. 2021.
https://www.telegraph.co.uk/technology/2...
).

A influência de Washington se estendeu a diversas empresas estrangeiras, com o objetivo de excluir a Huawei das cadeias produtivas globais. Em maio de 2019, pressionado após o enquadramento da Huawei na lista negra do governo americano, a Arms Holdings suspendeu as licenças de uso da arquitetura SoC para a Huawei, uma vez que parte do design é realizado em território americano e, portanto, sujeito às sanções dos EUA (WARREN, 2019WARREN, T. ARM cuts ties with Huawei, threatening future chip designs. The Verge, 22 mai. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.theverge.com/2019/5/22/18635326/huawei-arm-chip-designs-business-suspension . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.theverge.com/2019/5/22/18635...
). Em janeiro de 2020, após dois meses de atrasos no envio, o governo holandês, sob lobby do governo americano, não renovou a concessão de licença de exportação de equipamentos de litografia EUV de última geração da ASML para empresas sediadas na RPC (ALPER et al., 2020ALPER, A.; STERLING, T.; NELLIS, S. Trump administration pressed Dutch hard to cancel China chip-equipment sale: sources. Reuters, 6 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-asml-holding-usa-china-insight-idUSKBN1Z50HN . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.reuters.com/article/us-asml-...
). A partir de maio de 2020, a TSMC, a principal fornecedora global de chips, anunciou que não aceitaria mais pedidos da Huawei, devido ao anúncio de novos controles de exportação impostos pelo governo americano, já que parte dos equipamentos utilizados pela TSMC são americanos (CHENG; LI, 2020bCHENG, T. F.; LI, L. TSMC halts new Huawei orders after US tightens restrictions. Nikkei Asian Review , 18 maio 2020b. Disponível em: Disponível em: https://asia.nikkei.com/Spotlight/Huawei-crackdown/TSMC-halts-new-Huawei-orders-after-US-tightens-restrictions . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Spotlight/Huawei...
).

Concomitantemente a ofensiva americana, em diversos incidentes, as autoridades regulatórias da RPC passaram também a obstruir as operações de empresas americanas na China continental. Em junho de 2018, as autoridades regulatórias da RPC anunciaram investigação sobre a formação de cartel de preços no mercado de memória DRAM entre as oligopolistas Samsung, SK Hynix e Micron, que dominavam 95% do mercado global (KING, 2019KING, I. Micron says it’s being investigated by Chinese regulatory agents. Bloomberg, 1 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-01/micron-says-being-investigated-by-chinese-regulatory-agents . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.bloomberg.com/news/articles/...
). Em julho de 2018, a Fuzhou Intermediate Peop’e’s Court concedeu vitória na ação movida pela UMC contra a Micron por violação de patentes, banindo a transnacional americana de comercializar 26 chips, após a Micron ter movido a ação contra a UMC e JHICC em dezembro de 2018. Em dezembro do mesmo ano, a mesma corte concedeu vitória da Qualcomm sobre a Apple, referente ao infringimento de duas patentes, e baniu a importação de Iphone entre os modelos 6S e X na China continental (NELLIS; JORDAN, 2018NELLIS, S.; JOURDAN, A. China court bans sales of older iPhone models in Apple-Qualcomm global battle. Reuters , 10 dez. 2018. Disponível: Disponível: https://www.reuters.com/article/us-qualcomm-apple-idUSKBN1O91LD . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.reuters.com/article/us-qualc...
). Em julho de 2018, a Qualcomm cancelou a oferta de compra da NXP, após as autoridades regulatórias da RPC não aprovarem a aquisição (CLARK, 2018CLARK, D. Qualcomm scraps $44 billion NXP deal after China inaction. The New York Times, 25 jul. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/07/25/technology/qualcomm-nxp-china-deadline.html . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.nytimes.com/2018/07/25/techn...
).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos recentes esforços da RPC de alcançar a autossuficiência em semicondutores, os resultados até o momento foram bastante limitados, e uma virada aparentemente improvável. A própria natureza da indústria de acordo com Rho, Lee e Kim (2015RHO, S.; LEE, K.; KIM, S. H. Limited catch-up in China’s semiconductor industry: a sectoral innovation system perspective. Millennial Asia, v. 6, n. 2, p. 1-29, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0976399615590514.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
) é o principal empecilho para o catch-up. A dinâmica industrial de ciclos curtos, extremamente depende de enormes economias de escala e de eficiência de aprendizado, o atraso e a baixa acessibilidade tecnológica desta indústria e a proibição às exportações de tecnologia para a RPC, resultaram na formação de uma barreira à entrada de novas empresas desafiantes. O vasto gap de performance entre uma geração de CI e outra acaba levando à redução considerável de preços e lucros devido à redução substancial da demanda. A baixa lucratividade das empresas retardatárias acaba afetando seriamente a capacidade de acumulação de empresas desafiantes, inibindo a capacidade de realizar investimentos e tornando-se assim um ciclo vicioso que beneficia as empresas líderes incumbentes. Atualmente, o domínio tecnológico da RPC na indústria de semicondutores está ao menos duas ou três gerações atrás das empresas líderes.

Além disso, Ernst (2015ERNST, D. From catching up to forging ahead: China’s policies for semiconductors. Honolulu: East-West Center Special Study, 2015.) destaca que o sistema nacional de inovação é demasiado fragmentado em razão de diversos fatores. Além do controle excessivo do governo central sobre as diretrizes da política industrial e do pouco diálogo com o setor privado, a falta de integração entre os diversos setores do sistema nacional de inovação, como entre os setores públicos de pesquisa e o setor privado; entre os setores civil e militares; entre os governos locais e o central; e entre os diferentes modelos de inovação, influenciaram negativamente sobre o desenvolvimento da indústria de semicondutores domésticos. O autor ainda enumera outros fatores relevantes como: problemas no sistema educacional; plágios; tratamento privilegiado às empresas estatais por apoio de P&D público e licitações que excluem pequenas e médias empresas; fraca legislação institucional; e fraca coordenação nas complexas redes de inovação. Todos esses fatores, segundo o autor, limitaram a maior dinâmica no processo de inovação tecnológica.

Embora a Huawei, principal empresa de semicondutores da RPC, já realize design de chips high-end, por meio de sua subsidiária HiSilicon, esses componentes ainda possuem alto teor de valor adicionado estrangeiro, que são diretamente ou indiretamente oriundos do exterior, especialmente dos EUA. O embargo às exportações de tecnologia, apesar de fomentar os esforços as inovações domésticas, possui impactos relevantes sobre a cadeia de produção doméstica, dado o relativo atraso da RPC em diversos segmentos. No caso do segmento foundry, a TSMC, fornecedora da Huawei e a principal fornecedora global de chips, possui o domínio da técnica de produção de chips de 5nm, encaminhando-se para a produção de 2nm, capacidade tecnológica muito acima da SMIC da RPC, que recém inaugurou a produção de 14nm. Ademais, atualmente a RPC não domina segmentos cruciais da cadeia produtiva, como a tecnologia de equipamentos de litografia EUV de última geração, software de design de CI electronic design automation (EDA), sendo necessária a importação desses para a fabricação doméstica. A obstrução atual nas cadeias produtivas tem graves impactos sobre o desenvolvimento tecnológico a curto prazo.

O bloqueio tecnológico imposto à Huawei tem demonstrado ser um eficiente meio de inibir catch-up tecnológico e causar danos financeiros consideráveis. Após anunciar a redução das receitas da Huawei em 29,4% entre a primeira metade de 2020 e 2021, que foi resultado direto do embargo comercial americano a partir de setembro de 2020, o vice-presidente da Huawei Xu Zhijun declarou que o objetivo da Huawei era “aim is to survive” (SHEAD, 2021SHEAD, S. Huawei chairman says the ‘aim is to survive’ as revenue slides 29%. CNBC, 6 ago. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cnbc.com/2021/08/06/huawei-chairman-says-the-aim-is-to-survive-as-revenue-slides.html . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.cnbc.com/2021/08/06/huawei-c...
). Em setembro de 2021, Xu também afirmou que desde 2019, a Huawei deixou de faturar ao menos 30 bilhões de dólares, e demorará anos para recuperar as perdas com novos negócios, inclusive através da comercialização da tecnologia 5G. Em relação a possibilidade da RPC de atingir autossuficiência, Xu demonstrou certo ceticismo “If Huawei can solve all of its supply issues, semiconductor [self-sufficiency] can be achieved, [but] I think there is still a long way to go” (CHEN, 2021CHEN, P. Huawei says US sanctions cause US$30 billion loss in its handset revenue a year. South China Morning Post, 24 set. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scmp.com/tech/tech-war/article/3150036/huawei-says-us-sanctions-cause-us30-billion-loss-its-handset-revenue . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.scmp.com/tech/tech-war/artic...
).

A necessidade alta investimentos resultou no surgimento de diversas empresas start-up altamente alavancadas. No entanto, a má gestão e planejamento, irregularidades, além de erros de execução de projetos, tem resultado alto grau de endividamento e até decretações de falências. Em fevereiro de 2020, a Founder Group, pertencente a Peking University, entrou em processo de falência após atrasar repetidamente pagamentos de empréstimos e resgate de títulos. Em novembro a Tsinghua Unigroup anunciou a reestruturação do conglomerado pelo mesmo motivo (CHO, 2021CHO, Y. China accelerating bankruptcy process of heavily indebted firms. Asia Nikkei Review, 13 mar. 2021. Disponível: Disponível: https://asia.nikkei.com/Business/Markets/China-debt-crunch/China-accelerating-bankruptcy-process-of-heavily-indebted-firms . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://asia.nikkei.com/Business/Markets...
). A Tacoma Nanjing Semiconductor Technology e a HSMC decretaram falência em julho de 2020 e fevereiro de 2021 respectivamente, sem ao menos terem entrado efetivamente em operação, enquanto a Dehuai Semiconductor acumula dívidas trabalhistas, com credores e com impostos (FENG, 2021FENG, E. A cautionary tale for China’s ambitious chipmakers. NPR, 25 mar. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.npr.org/2021/03/25/980305760/a-cautionary-tale-for-chinas-ambitious-chipmakers . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.npr.org/2021/03/25/980305760...
; LIU; LUO; HAN, 2021LIU, P.; LUO, G.; HAN, W. Wuhan gives up on troubled $18.5 billion chipmaking project. Caixin Global, 27 fev. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.caixinglobal.com/2021-02-27/wuhan-gives-up-on-troubled-185-billion-chipmaking-project-101667967.html . Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.caixinglobal.com/2021-02-27/...
). Até mesmo as JVs passam por dificuldades, a GHST e a GITM anunciaram fim das operações e suspensão das atividades respectivamente (BEIJING…, 2020BEIJING calls for “Orderly Development” after implosion of six massive chip projects. China Money Network, 21 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.chinamoneynetwork.com/2020/10/21/beijing-calls-for-orderly-development-after-implosion-of-six-massive-chip-projects . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.chinamoneynetwork.com/2020/1...
).

A execução da política industrial também é vista entre os policy makers como uma das principais razões para o pouco progresso da RPC no setor. Meng Wei, porta voz da National Development and Reform Commission, destacou as dificuldades da indústria doméstica: “Some companies with no experience, technology, and talents have joined the integrated circuit industry. Insufficient understanding of the laws of IC development and low-level repeated construction of chip projects are surfacing, with some projects stagnated and factory buildings vacant, resulting in waste of resources”. Enquanto Ding Wenwu, presidente da National Integrated Circuit Industry Development Investment Fund Co. Ltd., criticou a participação desordenada dos governos locais na política de desenvolvimento da indústria de semicondutores, na qual segundo Ding, os governos locais deveriam evitar “starting projects locally across the country”, com o objetivo de evitar duplicação de projeto e surgimento de bolhas industriais (BEIJING…, 2020BEIJING calls for “Orderly Development” after implosion of six massive chip projects. China Money Network, 21 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.chinamoneynetwork.com/2020/10/21/beijing-calls-for-orderly-development-after-implosion-of-six-massive-chip-projects . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.chinamoneynetwork.com/2020/1...
).

A evolução da porcentagem de CI manufaturados domesticamente ao longo da década de 2010 foi aquém do esperado pelo governo central. De acordo com a consultoria IC Insights (2021)IC INSIGHTS. China forecast to fall far short of its “Made in China 2025” goals for ICs. IC Insights, 6 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.icinsights.com/news/bulletins/China-Forecast-To-Fall-Far-Short-Of-Its-Made-In-China-2025-Goals-For-ICs/#:~:text=IC%20Insights%20forecasts%20China%2Dproduced,Circuit%20Industry%20later%20this%20month . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://www.icinsights.com/news/bulletin...
, o total da porcentagem de CI manufaturado e consumido domesticamente cresceu de 11,1% em 2012, para apenas 15,9% em 2020, embora todos os esforços do governo central para reduzir a dependência de fornecedores externos. No entanto, boa parte desta produção doméstica da RPC são de empresas estrangeiras como Intel, SK Hynix, TSMC, UMC e Samsung. Em 2020, a participação da produção de CI de empresas sediadas na RPC foi de 8,3 bilhões de dólares, representando apenas 36,6% do total de CI manufaturados na RPC, 5,8% do total de CI consumido domesticamente, e apenas 2,1% da produção mundial. A estimativa é que em 2025, a produção doméstica alcance apenas 19,4% do total do mercado doméstico, percentual muito distante da meta estabelecida pelo “Fabricado na China 2025” de 70%, dos quais mais da metade da produção ainda seriam dominadas por empresas estrangeiras.

A relativo atraso da RPC na indústria de semicondutores possui importante consequência geopolítica internacional, uma vez que todos os setores econômicos, inclusive o bélico, são cada vez mais dependentes destes dispositivos eletrônicos. A alta vulnerabilidade e dependência tecnológica em relação a tecnologia importada, especialmente dos EUA, concede a Washington um enorme poder de barganhar sobre as negociações comerciais com Pequim. Ademais, a dependência em relação a terceirização da produção de CI em Taiwan, especialmente via TSMC, dificulta a capacidade de retaliações econômicas e coação contra os governos pró independência de Taiwan, devido à relação verticalizada da integração produtiva no estreito de Taiwan. A importância e o domínio da TSMC no segmento foundry da indústria foi definida por Morris Chang, fundador e ex-CEO, como “vital importance in geostrategic terms” (CHANG, 2019CHANG, H. Morris Chang: unstable world makes TSMC vitally important in geostrategic terms. Commonwealth, 7 nov. 2019. Disponível em: Disponível em: https://english.cw.com.tw/article/article.action?id=2589 . Acesso em: 8 mar. 2022.
https://english.cw.com.tw/article/articl...
). O domínio na indústria de semicondutores é, portanto, de extrema importância para que a RPC alcance suas pretensões geopolíticas e não sucumba às pressões externas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Artigo originalmente apresentado no XXIV Encontro Nacional de Economia Política de 2019. O autor agradece imensamente as observações realizadas pelo professor Carlos Medeiros (UFRJ). Quaisquer erros e omissões devem-se exclusivamente aos autores. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    Para maiores informações acerca da literatura sobre a economia política da indústria de semicondutores, os autores sugerem a leitura das seguintes bibliografias: Chu (2013), Ning (2008)NING, L. State-led catching up strategies and inherited conflicts in developing the ICT industry: behind the US-East Asia semiconductor disputes. Global Economic Review: Perspectives on East Asian Economies and Industries, v. 37, n. 2, p. 265-292, 2008. DOI: https://doi.org/10.1080/12265080802021243.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    , Irwin (1996)IRWIN, D. A. The U.S.-Japan semiconductor trade conflict. In: KRUEGER, A.O. (Ed). The political economy of trade protection. Chicago: University of Chicago Press, 1996. p. 5 -14., Jackson (2018)JACKSON, J. K. The Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). Congressional Research Service, 11 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.hsdl.org/?view&did=805026 . Acesso em: 8 mar. 2021.
    https://www.hsdl.org/?view&did=805026...
    e Majerowicz e Medeiros (2018)MAJEROWICZ, E.; MEDEIROS, C. A. Chinese industrial policy in the geopolitics of the Information Age: the case of semiconductors. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 1, p. 1-28, 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/198055272216.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    .
  • 3
    Wafer ou “bolacha” de silício é uma fatia de espessura fina de semicondutor, que após o processo de purificação (“dopagem”) do silício, fica esteticamente parecida com um “wafer”. Quanto maior o wafer, maior a quantidade de CI que pode caber nela.
  • 4
    Mask ou “máscaras” são imagens fotográficas negativas de um molde de CI utilizadas no processo de fabricação de fotolitografia.
  • 5
    Segundo a pesquisa da U.S.-China Business Council, 19% das empresas americanas estabelecidas na RPC foram requisitadas a transferirem tecnologia em 2017, dos quais um terço dos pedidos partiu do próprio governo central, enquanto segundo à pesquisa da U.S. Department of Commerce’s Bureau of Industry and Security, indicou que 25 empresas americanas de semicondutores, que juntos totalizavam cerca de 25 bilhões de vendas e produziam 26% dos CI vendidos nos EUA, declararam que teriam que formar JVs com entidades da RPC e/ou transferir tecnologia para acessar o mercado doméstico da RPC (VERWEY, 2019VERWEY, J. Chinese semiconductor industrial policy: past and present. Journal of International Commerce and Economics, p. 1-29, jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.usitc.gov/publications/332/journals/chinese_semiconductor_industrial_policy_past_and_present_jice_july_2019.pdf . Acesso em: 9 mar. 2022.
    https://www.usitc.gov/publications/332/j...
    , p. 18-19)
  • CLASSIFICAÇÃO JEL:

    O2; O3 O53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2020
  • Aceito
    28 Out 2021
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Avenida Pasteur, 250 sala 114, Palácio Universitário, Instituto de Economia, 22290-240 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: 55 21 3938-5242 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rec@ie.ufrj.br