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Nefrotoxicidade da polimixina B: estudo experimental em células e implicações para a prática de enfermagem* * Extraído da tese “Toxicidade da polimixina B em células LLC-PK1 e a enzima heme oxigenase-1”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2008

Resumos

O objetivo do estudo foi caracterizar os mecanismos de lesão celular envolvidos na fisiopatologia da citotoxicidade da polimixina B em células tubulares proximais (LLC-PK1) e discutir as proposições de intervenção do enfermeiro para identificar os pacientes de risco e considerar a prevenção ou o tratamento para lesão renal nefrotóxica. Estudo experimental in vitro , onde as células foram expostas ao sulfato de polimixina B. A viabilidade celular foi determinada pela exclusão dos corantes fluorescentes e o método morfológico com visualização de corpos apoptóticos à microscopia de fluorescência. As células expostas à polimixina B apresentaram redução de viabilidade, aumento do número de células em apoptose e maior concentração da enzima desidrogenase láctea. A administração de polimixina B in vitro demonstrou a necessidade de ações na prática clínica para minimizar os efeitos adversos como a nefrotoxicidade.



Polimixina B 
; Antibacterianos
; Lesão renal aguda
; Células LLC-PK1
; Cuidados de enfermagem



The aim of the study was to characterize the cell damage mechanisms involved in the pathophysiology of cytotoxicity of polymyxin B in proximal tubular cells (LLC - PK1) and discuss about the nurses interventions to identify at risk patients and consider prevention or treatment of nephrotoxicity acute kidney injury. This is a quantitative experimental in vitro study, in which the cells were exposed to 375μM polymyxin B sulfate concentration. Cell viability was determined by exclusion of fluorescent dyes and morphological method with visualization of apoptotic bodies for fluorescence microscopy. Cells exposed to polymyxin B showed reduced viability, increased number of apoptotic cells and a higher concentration of the enzyme lactate dehydrogenase. The administration of polymyxin B in vitro showed the need for actions to minimize adverse effects such as nephrotoxicity.


Polymyxin B
; Anti-bacterial agents
; Acute kidney injury
; LLC-PK1 cells
; Nursing care



El objetivo del estudio fue caracterizar los mecanismos de daño celular implicado en la fisiopatología de la citotoxicidad de la polimixina B en las células tubulares proximales (LLC-PK1) y discutir las propuestas de intervención de enfermería para identificar a los pacientes de riesgo y considerar la prevención o el tratamiento de la lesión renal aguda nefrotóxica. Corresponde a un estudio experimental cuantitativo in vitro, en el cual las células fueron expuestas a sulfato de polimixina B. La viabilidad celular se determinó por exclusión de los colorantes fluorescentes y el método morfológico con la visualización de cuerpos apoptóticos a la microscopía de fluorescencia. Las células expuestas a polimixina B demostraron reducción de la viabilidad, aumento de células apoptóticas y mayor concentración de la enzima lactato deshidrogenasa. La administración de polimixina B in vitro demostró la necesidad de realizar acciones en la práctica clínica para minimizar los efectos adversos como la nefrotoxicidad.

Polimixina B
; Antibacterianos
; Lesión renal aguda
; Células LLC-PK1
; Atención de enfermería



Introdução

A lesão renal aguda (LRA) hospitalar é de causa multifatorial, sendo que estudos epidemiológicos recentes relacionam as drogas nefrotóxicas com 19 a 25% dos casos de LRA(11.Uchino S, Kellum JA, Bellomo R, Doig GS, Morimatsu H, Morgera S, et al. Acute renal failure in critically ill patients: a multinational, multicenter study. JAMA. 2005;294(7):813-8.-22.Pannu N, Nadim MK. An overview of drug-induced acute kidney injury. Crit Care Med. 2008;36 Suppl 4:S216-23.). As nefrotoxinas são a segunda causa mais frequente(22.Pannu N, Nadim MK. An overview of drug-induced acute kidney injury. Crit Care Med. 2008;36 Suppl 4:S216-23.). Agentes antimicrobianos, como aminoglicosídeos, anfotericina B, aciclovir, pentamidina, foscarnet, e agentes quimioterápicos, como cisplatina e ifosfamida são tóxicos ao túbulo renal(22.Pannu N, Nadim MK. An overview of drug-induced acute kidney injury. Crit Care Med. 2008;36 Suppl 4:S216-23.-33.aber SS, Pasko DA. The epidemiology of drug induced disorders: the kidney. Expert Opin Drug Saf. 2008;7(6):679-90.). Entre essas substâncias frequentemente utilizadas em pacientes em unidades de terapia intensiva, encontram-se as polimixinas, com grande potencial nefrotóxico. 


A polimixina B (PmB) apresenta uma atividade bactericida efetiva e rápida para uma variedade de bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. É bastante eficaz no tratamento de sepse, meningite, infecção do trato urinário, infecção cutânea e ocular. 


Anterior ao aparecimento de novos aminoglicosídeos, das penicilinas e cefalosporinas, a PmB era a droga de escolha para o tratamento de infecção associada a Pseudomonas aeruginosa. Atualmente, fica reservada para o tratamento de bactérias multiresistentes a outros antibióticos(44.Falagus ME, Kasiakou SK. Toxicity of polymyxins: a systemic review of the evidence from old and recent studies. Crit Care. 2006;10(1):R27.

5.Landman D, Georgescu C, Martin DA, Quale J. Polymyxins revisted. Clin Microbiol Rev. 2008;21(3):449-65.?
-66.Chan-Tompkins NH. Multidrug-resistent gram-negative infections. Bringing back the old. Crit Care Nurs Q. 2011;34(2):87-100.).


O sulfato de PmB ou Aerosporin, é um decapeptídeo catiônico cíclico com superfície ativa que se insere na membrana celular bacteriana, fixando-se ao lipídio A, tornando sua barreira osmótica ineficaz, o que leva a perda de conteúdos celulares (aminoácidos, purinas, pirimidinas e diluição dos substratos utilizados para fenômenos de síntese) e morte celular bacteriana(44.Falagus ME, Kasiakou SK. Toxicity of polymyxins: a systemic review of the evidence from old and recent studies. Crit Care. 2006;10(1):R27.

5.Landman D, Georgescu C, Martin DA, Quale J. Polymyxins revisted. Clin Microbiol Rev. 2008;21(3):449-65.?
-66.Chan-Tompkins NH. Multidrug-resistent gram-negative infections. Bringing back the old. Crit Care Nurs Q. 2011;34(2):87-100.).


A PmB é excretada principalmente pelos rins e a alta concentração do fármaco no órgão promove ruptura da membrana citoplasmática e aumento da permeabilidade de cátions, o que resulta em edema e lise celular. Esse processo envolve um mecanismo de lesão oxidativa, alteração mitocondrial com apoptose e necrose das células do túbulo proximal(22.Pannu N, Nadim MK. An overview of drug-induced acute kidney injury. Crit Care Med. 2008;36 Suppl 4:S216-23.,77.Perazella MA. Renal vulnerability to drug toxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009; 4(7):1275-83.), culminando em disfunção renal, caracterizada por desequilíbrio de água e eletrólitos e redução da excreção de produtos nitrogenados do metabolismo, como uréia e creatinina.


Há que se ressaltar que a prevenção de sucesso na LRA exige o conhecimento dos mecanismos patogênicos envolvidos, a identificação dos fatores de risco individuais e de medidas precoces associadas à vigilância e intervenção. É nesse contexto que se insere o estímulo a modelos de investigação sobre as alterações celulares envolvidas no distúrbio funcional precipitado pelas nefrotoxinas. 


Este estudo, sustentado pela pesquisa experimental poderá trazer importante contribuição para área clínica e permite o raciocínio clínico precoce, a partir de resultados encontrados em estudos com células que norteiam a prevenção ou o tratamento precoce de pacientes com LRA. Seus objetivos foram caracterizar os mecanismos de lesão celular envolvidos na fisiopatologia da citotoxicidade da PmB em células tubulares proximais (LLC-PK1), discutir as proposições de intervenção do enfermeiro para identificar os pacientes de risco e considerar a prevenção ou o tratamento para LRA nefrotóxica. 


Método

Estudo experimental in vitro realizado no Laboratório Experimental de Modelo Animais da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (LEMA – EEUSP) e no Laboratório de Biologia Celular e Molecular da Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


Foram utilizadas células imortalizadas LLC-PK1, uma linha epitelial tubular proximal de porco, obtidas da American Type Culture Collection (ATCC). Extraídas a partir do porco Hampshire, possuem características morfológicas do epitélio renal, como microvilos apicais, tight junctions e envoltórios da membrana basolateral. 


As LLC-PK1 foram cultivadas em garrafas de cultura de 25 cm2, 75cm2 ou placas multiwell de seis poços, de acordo com o protocolo experimental, em meio Dulbecco’s Modified Eagle’s Medium (DMEM) suplementado com o soro fetal bovino (SFB 5% v/v), NaHCO3 2,0 g/L, HEPES 2,6 g/L, penicilina 10.000 UI/L, estreptomicina 50 mg/L e neomicina 100 mg/L e mantidas na incubadora a 37º C com 95% de ar e 5% de CO2. Ao atingirem 80% de confluência, as células foram descoladas da garrafa por tripsinização e a atividade de tripsina neutralizada com DMEM contendo SFB. As células foram utilizadas na manutenção das culturas ou na realização dos protocolos experimentais, sendo que cada protocolo foi repetido pelo menos quatro vezes. Estoques de células foram congelados sempre na passagem sete para manutenção de uniformidade nos experimentos.


As células LLC-PK1 foram divididas nos seguintes grupos: Controle (CTL) com células que foram mantidas somente em meio de cultura DMEM a 5% e PmB com células expostas à concentração de 375mM de sulfato de PmB.


A viabilidade celular foi determinada pela exclusão dos corantes fluorescentes acridine orange e brometo de etídio (Sigma)(88.Pessoa EA, Convento MB, Silva RG, Oliveira AS, Borges FT, Schor N. Gentamicin-induced preconditioning of proximal tubular LLC-PK1 cells stimulates nitric oxide production but not the synthesis of heat shock protein. Braz J Med Biol Res. 2009; 42(7):614-20.). Para a leitura da viabilidade foram utilizados apenas 10mL da suspensão de células tripsinizadas que foram misturadas a 0,3mL da solução dos corantes acridine orange e brometo de etídio (100mg/ml), numa relação v:v (1:1). O método de contagem de células viáveis baseia-se na captação seletiva dos corantes citados, que é dependente da integridade da membrana plasmática. O brometo de etídio passa pela membrana íntegra, ligando-se ao DNA celular e, emitindo fluorescência na cor verde (excitação 460nm e emissão 650 nm) indicando as células viáveis. O acridine orange cora o RNA, porém não passa pela membrana íntegra, sendo captado apenas pelas células cuja membrana esteja danificada e fluoresce na cor laranja-avermelhado (excitação 510nm e emissão 595nm), mostrando quais células estão inviáveis. Ao final, foi realizada a contagem de no mínimo de 200 células para cada representante de grupo por meio de microscópio de fluorescência (ampliação de 40 e 200 vezes). Os resultados foram expressos em porcentagem de células viáveis.


A avaliação de apoptose consiste no método morfológico, quantitativo Hoechst 33342 [Bisbenzimide HOE 33342 (2’-[4-etoxifenil]-5-[4-metil-1-piperazinil]-2,5’-bi-1H-benzimidazol tricloridrato)], que é um corante específico para adenina-timina. Esse corante é facilmente absorvido pela célula, corando o DNA, os cromossomos e o núcleo, possibilitando a visualização de corpos apoptóticos à microscopia de fluorescência em coloração azul intensa. 


Para a avaliação de apoptose foi preparada uma solução 100mg/mL do corante Hoescht 33342 em PBS. As células foram submetidas ao mesmo preparo descrito para a avaliação da viabilidade, para obtenção do precipitado celular. Na lâmina foram pipetados 5mL do Hoescht 33342 adicionados a 5mL da suspensão de células. A lâmina foi armazenada por 10 minutos à temperatura ambiente e na ausência de luz, para coloração da cromatina(88.Pessoa EA, Convento MB, Silva RG, Oliveira AS, Borges FT, Schor N. Gentamicin-induced preconditioning of proximal tubular LLC-PK1 cells stimulates nitric oxide production but not the synthesis of heat shock protein. Braz J Med Biol Res. 2009; 42(7):614-20.). Procedeu-se então à contagem de 100 a 200 células para cada grupo. Os resultados foram expressos em porcentagem de células apoptóticas em relação ao total de células.


O grau de lesão celular foi avaliado por meio da dosagem da enzima desidrogenase láctica (DHL) no meio de cultura e celular. A liberação da enzima DHL que cataliza a redução do piruvato a lactato foi avaliada nas células e no meio de cultura. A relação entre a atividade do DHL extracelular (meio de cultura) e a atividade total (meio intracelular e meio de cultura) estabeleceu o grau de lesão celular. O meio de cultura foi aspirado e transferido para um tubo cônico, centrifugado a 2000 rpm por 4 minutos e o sobrenadante foi retirado para leitura. As células foram lavadas com tampão PBS por duas vezes e lisadas com o detergente Triton X-100 1% para a dosagem da concentração de DHL celular. Foi utilizado método cinético, no qual foi observada a conversão do piruvato em lactato, para determinação da quantidade de DHL. Essa reação foi realizada com Kit LDH liquiform® e a leitura realizada no aparelho Bio-200. Os resultados foram apresentados em porcentagem de células lesadas. Para o cálculo, utilizou-se a seguinte fórmula: [meio de cultura / (meio de cultura + quantidade de célula)] x 100%(8).


Análise estatística

A metodologia estatística aplicada consistiu em análise de variância ANOVA e, quando detectadas diferenças, realizaram-se as comparações múltiplas por meio do teste de Bonferroni e Tukey. As estatísticas com p descritivo <0,05 foram consideradas significativas. Os dados foram definidos como média±erro padrão e apresentados em forma de tabelas.


Resultados

A Figura 1 demonstra redução significativa da viabilidade celular à exposição da dose de 375mM de PmB, o que reflete sua toxicidade (CTL: 81±6% versus PmB: 41±2%; p<0,05). Inversamente, essa dose aumentou o número de células em apoptose no período de 72 horas (CTL: 9±2% versus PmB: 36±4%; p<0,05).


A Tabela 1 apresenta os resultados da liberação de desidrogenase láctica nas células LLC-PK1. A partir do tratamento com a dose de 375mM de PmB, houve aumento significativo na liberação de DHL em relação ao grupo Controle (p<0,05). 


Figura 1

Viabilidade e apoptose das células LLC-PK1


Tabela 1
Liberação de DHL em células LLC-PK1

Discussão

Modelos in vitro que simulam a toxicidade da PmB em células renais não são comuns. Apesar de conhecido seu potencial nefrotóxico, sua aplicação intra-hospitalar tem sido frequente devido à presença de microorganismos multiresistentes. 


Este estudo demonstrou que as células LLC-PK1 expostas a 375mM de PmB apresentaram redução na viabilidade celular. Na célula renal, essa dose citotóxica de PmB pode determinar também o mecanismo de morte celular tubular renal. 


Em resposta a eventos citotóxicos ao rim, é possível reconhecer quatro direções básicas: as células podem entrar em necrose ou em apoptose; podem se replicar e dividir ou podem ser indiferentes ao estresse(99.Liang M, Knox FG. Production and functional roles of nitric oxide in the proximal tubule. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2000;278(5):R1117-24.).


Na clínica, a LRA é convencionalmente denominada de necrose tubular aguda (NTA). Estudos experimentais demonstraram que a porção lisa do túbulo proximal (segmento S3) é a mais vulnerável à lesão isquêmica ou nefrotóxica. Essas células tubulares perdem a borda em escova e sofrem extensa necrose celular. Apesar do uso frequente do termo necrose, a apoptose, outro mecanismo de morte celular, também está presente nas lesões celulares isquêmica e nefrotóxica(22.Pannu N, Nadim MK. An overview of drug-induced acute kidney injury. Crit Care Med. 2008;36 Suppl 4:S216-23.). 


Ressalte-se que as células expostas ao PmB apresentaram aumento no número de células em apoptose. A necrose celular foi evidenciada de forma indireta através da liberação de DHL para o meio extracelular. O DHL, uma enzima citosólica, é liberado pela ruptura da membrana celular, indicando morte celular por necrose. A apoptose é um processo rápido e sincronizado que culmina com a fragmentação nuclear e celular em vesículas apoptóticas. Diferentemente da necrose, não existe a liberação do conteúdo celular para o meio extracelular, caracterizando-se pela ausência do processo inflamatório ao redor da célula morta. A necrose é um fenômeno degenerativo irreversível, causado por uma agressão intensa, ou seja, a altas doses de medicamentos nefrotóxicos, como a PmB, quimioterápicos ou contrastes iodados, justificando que a severidade da agressão parece ser o fator determinante no mecanismo de morte celular.


O início da LRA secundária ao uso de PmB frequentemente ocorre após alguns dias do início da terapia medicamentosa em pacientes hospitalizados. A toxicidade desse agente é dose e tempo dependente, considerando é excretada principalmente pelos rins. Estudo in vitro demonstrou lesão por PmB em células LLC-PK1 conforme a evolução do tempo e da dose(1010.Neiva LBM, Fonseca CD, Watanabe M, Vattimo MFF. Polymyxin B: dose and time dependent nephrotoxicity effect in vitro. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):57-62.).


Este estudo utilizou o modelo in vitro de transposição dos cenários clínicos para a bancada do laboratório, numa tentativa de isolar fatores não modificáveis no ser humano, mas que no meio celular podem ser diferenciados e identificados. Uma abordagem atual permite a introdução das três fases da pesquisa translacional, os 3 Bs (Bench, Bedside and Back again) processo dinâmico e de retroalimentação(1111.Perzynski AT. Multidisciplinary approaches to biomedical research. JAMA. 2010; 304(20):2243-4.).


A bancada ou bench é formada pelo pilar da pesquisa básica in vivo ou in vitro que forma a base para o exercício da prática e a fundamentação de novas diretrizes clínicas(1111.Perzynski AT. Multidisciplinary approaches to biomedical research. JAMA. 2010; 304(20):2243-4.-1212.Azevedo VF. Medicina translacional: qual a importância para prática reumatológica? Rev Bras Reumatol. 2009;49(1):81-3.), ou seja, seus resultados aplicados à prática de enfermagem podem determinar ações assistenciais com suporte no conhecimento farmacológico da PmB e na fisiopatologia da LRA tóxica, caracterizando a transposição da pesquisa básica experimental para prática assistencial(1313.Cárnio EC. Basic sciences and nursing. Rev Latino Am Enferm. 2011;19(5):1061-2.). O segundo pilar, ao lado do leito ou bedside, engloba estudos que avaliam a efetividade, a aceitabilidade e o custo/benefício das intervenções das ciências clínicas(1111.Perzynski AT. Multidisciplinary approaches to biomedical research. JAMA. 2010; 304(20):2243-4.-1212.Azevedo VF. Medicina translacional: qual a importância para prática reumatológica? Rev Bras Reumatol. 2009;49(1):81-3.), exemplificado por estudos randomizados que avaliam a efetividade de medidas preventivas realizadas em pacientes que apresentam fatores de risco para LRA durante a administração de medicamentos nefrotóxicos(1414.Mostardeiro MM, Pereira CA, Marra AR, Pestana JO, Camargo LF. Nephrotoxicity and efficacy assessment of polymyxin use in 92 transplant patients. Antimicrob Agents Chemother. 2013;57(3):1442-6.-1515.Solomon R. The role of osmolality in the incidence of contrast-induced nephropathy: A systematic review of angiographic contrast media in high risk patients. Kidney Int. 2005;68(5):2256-64.). E o último pilar, back again, adiciona informações necessárias para converter tratamentos e estratégias de prevenção em base para políticas de saúde baseadas em evidências(1111.Perzynski AT. Multidisciplinary approaches to biomedical research. JAMA. 2010; 304(20):2243-4.,1313.Cárnio EC. Basic sciences and nursing. Rev Latino Am Enferm. 2011;19(5):1061-2.). 


Implicações para a prática

A LRA nefrotóxica é uma doença iatrogênica devida à administração de medicamentos ou contrastes para imagem diagnósticos para pacientes que apresentem fatores ou situações de risco(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.-1717.Wood SP. Contrast-induced nephropathy in critical care. Crit Care Nurse. 2012; 32(6):15-23.). As características clínicas incluem a oligúria ou a anúria, a elevação do nível sérico de creatinina e os distúrbios eletrolíticos(1717.Wood SP. Contrast-induced nephropathy in critical care. Crit Care Nurse. 2012; 32(6):15-23.). A incidência de LRA pode ser associada a períodos de internação prolongada que resultam em maior morbidade e mortalidade e, consequentemente, aumento do custo hospitalar desses pacientes(1818.Chertow GM, Buedick E, Honour M, Bonventre JV, Bates DW. Acute kidney injury, mortality, length of stay, and costs in hospitalized patients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(11):3365-70.).


Neste contexto, destaca-se o papel do enfermeiro no acompanhamento, na análise e na interpretação de exames laboratoriais e na identificação dos fatores de risco associados ao desenvolvimento da LRA. A eficiência da assistência de enfermagem é determinada por meio da identificação precoce da LRA, ou melhor, o reconhecimento dos fatores relacionados ou das características definidoras para nefrotoxicidade da PmB que permitem estabelecer as primeiras diretrizes(1919.Bittencourt GKGD, Crossetti MGO. Critical thinking skills in the nursing diagnosis process. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2013 Nov 16];47(2):341-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/en_10.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/en...
-2020.Fontes CMB, Cruz DALM. Diagnósticos de enfermagem documentados para pacientes de clínica médica. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(3):395-402.).


A primeira estratégia consiste no preenchimento correto do histórico de enfermagem e na realização do exame físico para a identificação de fatores riscos associada à LRA induzida por medicamentos nefrotóxicos. A principal característica da LRA é a redução da taxa de filtração glomerular, o que resulta em acúmulo de produtos nitrogenados – uréia e creatinina sérica – uma condição clínica denominada azotemia(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.). Pacientes com redução mínima da taxa de filtração apresentam fatores de risco para a LRA(77.Perazella MA. Renal vulnerability to drug toxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009; 4(7):1275-83.). 


O enfermeiro também deve considerar as medicações de uso contínuo e principalmente aquelas que apresentam potencial nefrotóxico. Um exemplo clássico são os anti-inflamatórios não hormonais e os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) que reduzem a perfusão renal e favorecem o mecanismo de lesão renal(2121.Bagshaw SM, Lapinsky S, Dial S, Arabi Y, Dodek P, Wood G, et al. Acute kidney injury in septic shock: clinical outcomes and impact of duration of hypotension prior to initiation of antimicrobial therapy. Intensive Care Med. 2009;35(5):871-81.). A mesma percepção e atenção deve ser dada ao uso indiscriminado e mais recente de medicações fitoterápicas e suplementos vitamínicos, visto que muitos pacientes não consideram essa categoria como medicamentos e desconhecem sua contribuição para o desenvolvimento da LRA(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.).


A LRA tóxica envolve inúmeros fatores intrínsecos, alguns não modificáveis, como idade avançada, gênero, hipertensão, insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, mieloma múltiplo e fatores modificáveis como desidratação, dosagem da medicação, hipotensão, uso concomitante de medicamentos nefrotóxicos, choque e sepse(77.Perazella MA. Renal vulnerability to drug toxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009; 4(7):1275-83.,1414.Mostardeiro MM, Pereira CA, Marra AR, Pestana JO, Camargo LF. Nephrotoxicity and efficacy assessment of polymyxin use in 92 transplant patients. Antimicrob Agents Chemother. 2013;57(3):1442-6.,2121.Bagshaw SM, Lapinsky S, Dial S, Arabi Y, Dodek P, Wood G, et al. Acute kidney injury in septic shock: clinical outcomes and impact of duration of hypotension prior to initiation of antimicrobial therapy. Intensive Care Med. 2009;35(5):871-81.).


A elaboração de um plano de cuidados para pacientes em uso de medicamentos nefrotóxicos envolve principalmente a atuação do enfermeiro em fatores modificáveis. Durante a hospitalização do paciente, os episódios de hipotensão devem ser monitorados e evitados, uma vez que a redução da perfusão sanguínea pode levar a lesão renal. O estado volêmico do paciente também deve ser atentamente controlado por meio do fluxo urinário. A hipovolemia está diretamente associada à LRA tóxica(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.,2121.Bagshaw SM, Lapinsky S, Dial S, Arabi Y, Dodek P, Wood G, et al. Acute kidney injury in septic shock: clinical outcomes and impact of duration of hypotension prior to initiation of antimicrobial therapy. Intensive Care Med. 2009;35(5):871-81.-2222.Traub SJ, Kellum JA, Tang A, Cataldo L, Kancharla A, Shapiro NI. Risk factors for radiocontrast nephropathy after emergency department contrast-enhanced computerized tomography. Acad Emerg Med. 2013;20(1):40-5.).


Outro item a ser considerado é a prescrição médica do paciente, na qual vários agentes farmacológicos são administrados para o tratamento de várias patologias. A adequação na dose do medicamento em relação ao peso corporal e a capacidade de excreção devem ser realizadas, principalmente durante a administração de medicamentos nefrotóxicos. A adequação na dose do medicamento é necessária para garantir que a faixa terapêutica correta seja atingida e a dosagem incorreta ou a manutenção de altas doses aumentem a incidência de LRA(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.,2323.Mendes CAC, Burdmann EA. Polimixinas: revisão em ênfase na sua nefrotoxicidade. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(6):752-9.). 


Durante a administração de PmB, é importante que o enfermeiro reconheça os principais fatores de risco associados ao paciente e aplique todos os mecanismos de proteção renal disponíveis para manutenção do volume, cuidados na administração de outros medicamentos nefrotóxicos e monitoramento rigoroso da função renal, com controle laboratorial de creatinina, uréia, eletrólitos e do fluxo urinário(1616.Ali B. Limiting the damage from acute kidney injury. Nursing. 2011;41(3):22-31.).


Conclusão

A citotoxicidade da PmB foi determinada por redução da viabilidade, aumento das células em apoptose e liberação da enzima desidrogenase láctica que sinaliza a lesão celular por necrose. A administração de PmB envolve ações para minimizar os efeitos adversos, em que a nefrotoxicidade é o enfoque principal para identificação dos riscos e do mecanismo de proteção renal.


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    Extraído da tese “Toxicidade da polimixina B em células LLC-PK1 e a enzima heme oxigenase-1”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2013
  • Aceito
    20 Fev 2014
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