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Deslizes, lapsos e enganos no uso de equipamentos por enfermeiros na Unidade de Terapia Intensiva

Resumo

OBJETIVO

Identificar a ocorrência de erros na utilização de equipamentos por enfermeiros que atuam na terapia intensiva, analisando-os à luz da teoria do erro humano de James Reason.

MÉTODO

Pesquisa de campo, qualitativa, na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital federal do Rio de Janeiro. Realizou-se observação e entrevista com oito enfermeiros, de março a dezembro de 2014. Aplicou-se análise de conteúdo nas entrevistas e descrição densa nas cenas observadas.

RESULTADOS

Identificaram-se falhas de memória e de atenção no manuseio das bombas infusoras e falhas de planejamento durante a programação dos monitores.

CONCLUSÃO

Os erros causam eventos adversos que comprometem a segurança do paciente. Propõe-se um instrumento de verificação diária dos equipamentos, com checagens ao longo do processo de trabalho da programação das bombas infusoras e monitores, no intuito de reduzir as falhas e esquecimentos.

Descritores
Enfermagem de Cuidados Críticos; Segurança do Paciente; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnologia Biomédica

Abstract

OBJECTIVE

Toidentify the occurrence of errors in the use of equipment by nurses working in intensive careandanalyzing them in the framework of James Reason's theory of human error.

METHOD

Qualitative field study in the intensive care unit of a federal hospital in the city of Rio de Janeiro. Observation and interviews were conductedwith eight nurses, from March to December 2014. Content analysis was used for the interviews, as well as the description of the scenes observed.

RESULTS

Lapses of memory and attention were identified in the handling of infusion pumps, as well as planning failures during the programming of monitors.

CONCLUSION

Errors cause adverse events that compromise patient safety. The authors propose creation of an instrument for daily checking of equipment, with checks throughout the work process in the programming of infusion pumps and monitors, in order to reduce failures and memory lapses.

Descritptors
Critical Care Nursing; Patient Safety; Intensive Care Units; Biomedical Technology

Resumen

OBJETIVO

Identificar la ocurrencia de errores en la utilización de equipos por enfermeros que actúan en cuidados intensivos, analizándolos a la luz de la teoría del error humano de James Reason.

MÉTODO

Investigación de campo, cualitativa en la Unidad de Cuidados Intensivos de un hospital federal de Río de Janeiro. Se llevó a cabo la observación y entrevista con ocho enfermeros, de marzo a diciembre de 2014. Se aplicó análisis de contenido en las entrevistas y descripción densa en las escenas observadas.

RESULTADOS

Se identificaron fallos de memoria y atención en el manejo de las bombas de infusión y fallos de planificación durante la programación de los monitores.

CONCLUSIÓN

Los errores causan eventos adversos que comprometen la seguridad del paciente. Se propone un instrumento de verificación diaria de los equipos, con chequeos a lo largo del proceso laboral de la programación de las bombas de infusión y monitores, a fin que reducir los fallos y olvidos.

Descriptores
Enfermería de Cuidados Críticos; Seguridad del Paciente; Unidades de Cuidados Intensivos; Tecnología Biomédica

Introdução

O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) tem como objetivo geral a contribuição para a qualificação do cuidado em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional, em parceria com o Sistema Único de Saúde. Para que seja efetivado tem como estratégia a implementação de diversos meios tanto relativos à formação quanto à orientação e capacitação de profissionais e estudantes acerca da segurança do paciente11 Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: MS; 2013. .

Uma das áreas de interesse do programa é o uso seguro dos equipamentos, pela variedade de dispositivos, de fabricantes, de especificações técnicas do funcionamento de cada equipamento e pela necessidade de conhecimentos e atenção para o manejo destes11 Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: MS; 2013. .

Esta preocupação se assenta nas evidências da literatura sobre a ocorrência de erros do usuário no manuseio dos equipamentos, especialmente em ambientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI)22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72.

3 Thomas AN, Galvin I. Patient safety incidents associated with equipment in critical care: a review of reports to the UK National Patient Safety Agency. Anaesthesia. 2008;63(11):1193-7.

4 Bridi AC, Silva RC, Farias CC, Franco AS, Santos VL. Reaction time of a health care team to monitoring alarms in the intensive care unit: implications for the safety of seriously ill patients. Rev Bras TerIntensiva. 2014;26(1):28-35.
-55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8., que são caracterizados pela presença marcante destes equipamentos. Os incidentes ligados aos equipamentos têm gerado danos aos pacientes - eventos adversos11 Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: MS; 2013. , conforme se verifica nos estudos veiculados sobre esta temática. Um exemplo disso está na pesquisa que comparou os registros do ano de 1998 com os de 2005/2006 para determinar se a quantidade, a gravidade e as causas dos incidentes relacionados a equipamentos usados em UTI na França mudaram22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72..

Os autores concluíram que ao longo de um período de dois anos 76 pacientes morreram devido a incidentes relacionados a equipamentos e 197 foram vítimas de incidentes severos. Os erros humanos foram à razão de um terço dos incidentes em geral e a causa principal dos que foram classificados como severos, mostrando que os incidentes em virtude do uso inapropriado dos equipamentos aumentaram entre os dois períodos estudados22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72..

Este uso incorreto se repetiu no estudo que rastreou os incidentes com equipamentos e, em seguida, os categorizou. Assim, prevaleceu em 358 dos 1.021 incidentes analisados, sendo a mais frequente causa de danos aos pacientes. Destaca-se ainda que dos 1.021, 29 incidentes associaram-se com danos mais do que temporários: maior permanência na unidade, dano permanente, intervenção para manutenção da vida ou possível contribuição à morte33 Thomas AN, Galvin I. Patient safety incidents associated with equipment in critical care: a review of reports to the UK National Patient Safety Agency. Anaesthesia. 2008;63(11):1193-7..

Uma terceira investigação que mensurou o tempo de estímulo-resposta da equipe de saúde aos alarmes de equipamentos de monitorização na terapia intensiva traz resultados que também corroboram com os expostos anteriormente. Foram identificados 227 alarmes em 40 horas de observação, dos quais em 145 deles não houve resposta da equipe, além de inadequação na programação das variáveis fisiológicas e parâmetros de alarmes. Isto pode ter implicado alarmes que foram ignorados e comprometeram a segurança do paciente44 Bridi AC, Silva RC, Farias CC, Franco AS, Santos VL. Reaction time of a health care team to monitoring alarms in the intensive care unit: implications for the safety of seriously ill patients. Rev Bras TerIntensiva. 2014;26(1):28-35..

Portanto, a análise desta produção de conhecimento apresentada identifica o erro humano como uma das causas dos incidentes, o que aponta um dos riscos envolvidos na incorporação dos equipamentos à assistência na UTI que requer atenção no delineamento de iniciativas com foco na segurança do paciente.

Estas iniciativas requerem inicialmente a compreensão do erro humano para poder lidar com este fenômeno. Sob esta ótica, destaca-se a teoria do erro humano proposta em 1990 por James Reason. A teoria tem assento na psicologia cognitiva e busca conhecer os processos que ocasionam o erro humano, na tentativa de aplicar este conhecimento na prática através da criação de mecanismos para conter os efeitos danosos do erro66 Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003..

O erro é definido "como um termo geral que abrange todas aquelas ocasiões em que uma sequência traçada de atividades mentais ou físicas falha em alcançar o resultado esperado e quando estas falhas não podem ser atribuídas à intervenção do acaso"66 Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.. O erro só acontece em ações intencionais, podendo ser: erros de execução, que são os deslizes e lapsos; erros de planejamento/conhecimento, que são os enganos77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.-88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70. Deslizes são ações observáveis que ocorrem de forma diferente do plano prescrito, e os lapsos estão associados com falhas de memória. Já os enganos são falhas na seleção de um objetivo ou dos meios para alcançá-lo77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9..

Com base nas evidências da problemática do erro do usuário na utilização dos equipamentos, considera-se a necessidade de compreensão deste fenômeno à luz destes conceitos. Nesta pesquisa tal compreensão se situa na enfermagem que atua na UTI, pois há uma dimensão tecnológica nas suas práticas neste cenário99 Backes MTS, Erdmann AL, Buscher A. The living, dynamic and complex environment care in intensive care unit. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(03): 411-8.. Em razão disso, o enfermeiro precisa observar e entender os códigos emitidos pelos equipamentos, de modo a direcionar o cuidado aos pacientes sem lhes causar prejuízos. Como as tecnologias aplicadas no cuidado ao paciente na UTI amplificam os sinais do seu corpo através de uma linguagem tecnológica, para evitar o manuseio equivocado se releva a interpretação correta desta linguagem.

Grande parte dos estudos que tratam dos eventos adversos no âmbito da assistência de enfermagem1010 Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Adverse events and safety in nursing care. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):144-54. -1111 Duarte SCM, Queiroz ABA, Büscher A, Stipp MAC.Human error in daily intensive nursing care. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(6):1074-81. categoriza os equipamentos como uma de suas modalidades, porém não se observa o aprofundamento das características destes incidentes, de modo que possibilite o conhecimento de como e por que eles acontecem, com vistas à adoção de intervenções eficazes. O PNSP prevê como intervenção a criação do protocolo relativo à aplicação das tecnologias, a fim de contribuir com a prática assistencial. Para tanto, torna-se necessária a existência de dados sobre a ocorrência deste tipo de evento adverso, o que fomenta o desenvolvimento de pesquisas neste campo da segurança11 Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: MS; 2013. .

Diante disso, questiona-se: Como se dá a utilização de equipamentos por enfermeiros que atuam na UTI e que relações tal utilização tem com a ocorrência de erros? Objetivou-se identificar a ocorrência de erros durante a utilização dos equipamentos por enfermeiros que atuam na terapia intensiva, analisando-os à luz da teoria do erro humano de James Reason.

Método

Pesquisa de campo, do tipo descritiva e abordagem qualitativa, com aplicação da teoria do erro humano de James Reason66 Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.

7 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.
-88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70. A escolha deste referencial de análise justifica-se pelo fato de ser adotado pelo PNSP para a discussão dos atos inseguros nas práticas e proposição de medidas que maximizem a segurança do paciente.

O campo de estudo foi a Unidade de Terapia Intensiva de um hospital federal, universitário, localizado no município do Rio de Janeiro. Os dados foram produzidos no período de março a dezembro de 2014. Optou-se por explorar o período diurno, uma vez que neste ocorre o maior número de ações de cuidado direto ao paciente, as que demandam o emprego dos aparatos tecnológicos. A alta incidência de cuidados, procedimentos diagnósticos e terapêuticos neste turno justifica tal escolha, dando maiores possibilidades de captar as maneiras de o enfermeiro lidar com as tecnologias.

Os participantes foram enfermeiros, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: atuar em UTI; estar envolvido com a assistência direta ao paciente; estar em atividade no setor durante o período destinado à pesquisa.

A UTI tem uma área de pacientes clínicos com nove leitos, e de cirúrgicos composta de seis leitos. A equipe de enfermagem da unidade clínica é composta de dois enfermeiros por turno de trabalho, e a cirúrgica por um enfermeiro, ambos se revezando numa escala de 12 horas de trabalho por 60 horas de descanso. O número possível de participantes do turno diurno era de nove enfermeiros, do quais oito fizeram parte da pesquisa, pois um não estava presente durante o período de coleta de dados.

Os dados foram produzidos por meio de observação sistemática, buscando retratar o cotidiano prático dos enfermeiros, para se captar como agiam em relação à utilização das tecnologias no cuidado ao paciente na UTI. Para tanto, houve a imersão do pesquisador no campo, partilhando das práticas cotidianas dos profissionais do setor, com o objetivo de subsidiar a interpretação dos dados.

Aplicou-se um roteiro de observação composto por duas partes, sendo a primeira voltada para descrever a situação, contendo data e hora da observação, informações acerca do paciente envolvido (diagnóstico e condições clínicas); e voltada à coleta de dados profissionais de formação, qualificação e atuação, na primeira observação do participante.

A outra parte do instrumento focalizou a exploração do objeto de estudo. No interesse desta investigação optou-se pela observação de situações centradas na utilização pelo enfermeiro dos seguintes equipamentos: de monitorização dos parâmetros hemodinâmicos, infusão de soluções e nutrientes e ventilação. Esta escolha baseou-se em revisão prévia da literatura, que indicou a maior incidência de erros envolvendo estes equipamentos e orientou a construção desta parte do instrumento22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72.-33 Thomas AN, Galvin I. Patient safety incidents associated with equipment in critical care: a review of reports to the UK National Patient Safety Agency. Anaesthesia. 2008;63(11):1193-7.,55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8.,1212 Elpern E, Killeen K, Patel G, Senecal PA. The application of intermittent pneumatic compression devices for thromboprophylaxis: an observational study found frequent errors in the application of these mechanical devices in ICUs. Am J Nurs. 2013; 113(4):30-6..

As informações geradas foram sobre a configuração de dados pelo profissional; interpretação dos significados das ações/comandos; capacidade para detectar/resolver problemas; manejo dos alarmes; dificuldades de manejo; interrupções, dentre outras. A observação da utilização dos equipamentos foi feita durante os cuidados diários para o atendimento das necessidades biológicas, admissão e transferência de pacientes, realização de procedimentos e de técnicas de alta complexidade, atuação em momentos de intercorrências clínicas, reunião clínica da equipe de enfermagem.

Os dados da observação foram registrados em um diário de campo e aplicou-se a descrição densa, que consiste na descrição das estruturas significantes a partir das quais gestos, rituais, códigos, ações são produzidos, percebidos e interpretados pelos próprios sujeitos e pelo pesquisador1313 Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2008.. Desta feita, as cenas de cuidado foram descritas com densidade a partir de anotações que incluíam o relato dos sujeitos que dela participaram de maneira ipsis literis; notas metodológicas de impressões do pesquisador; narrativas dos fatos pelo pesquisador. Ao final totalizou-se um quantitativo de 130 horas de observação.

A partir daí, buscou-se ilustrar a perspectiva dos participantes e, para tanto, aplicou-se a técnica de entrevista. O pesquisador fez questionamentos aos participantes envolvidos nas cenas registradas, os quais foram elaborados a partir da análise prévia das situações observadas. Assim, elaborou-se roteiro com perguntas que abarcavam os seguintes aspectos: tipos de erros, fatores relacionados, condutas, danos ao paciente. O objetivo era subsidiar a interpretação dada pelo pesquisador a partir da análise dos dados de observação.

Os participantes eram abordados de maneira reservada, em um momento posterior à realização da assistência ao paciente, e o pesquisador buscava-se remeter à situação por ele vivenciada. As respostas eram registradas no diário de campo. Desta feita, a entrevista foi utilizada no conjunto da análise como suporte para interpretação dos dados da observação.

A análise das cenas registradas foi utilizada para traduzir e explicar1313 Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2008. as condutas adotadas pelos enfermeiros no manejo dos equipamentos, o que possibilitou categorizar os erros encontrados em dois tipos: Lapsos e deslizes no uso das bombas infusoras; e Enganos no uso dos monitores, amparados no referencial teórico norteador da pesquisa66 Reason J. Human error. London: Cambridge University Press; 2003.

7 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.
-88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70, considerando-se a relevância dessas categorias. A partir disso, procedeu-se à análise do conteúdo das entrevistas, com abordagem dedutiva, segundo tal categorização, baseada em sua presença nos depoimentos1414 Vaismoradi M, Turunen H, Bondas T. Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study. Nurs Health Sci. 2013; 15(3):398-405.. Esses foram rastreados na busca da ocorrência de conteúdos que pudessem retratar os sentidos fornecidos pelos participantes às suas condutas, particularmente as que eram indicativas de eventos adversos, proporcionando aprofundar a descrição das características dos erros e dando densidade às mesmas.

Sob esta lógica, os depoimentos foram utilizados no contraponto com as cenas observadas. Tais dados subsidiaram a interpretação à luz do referencial teórico, discutindo a partir daí a segurança no confronto com a produção do conhecimento acerca da temática.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa no hospital pesquisado, protocolo nº 260.345/13, em atendimento à Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e sua confidencialidade foi garantida pela identificação numérica sequenciada a partir da ordem da observação.

Resultados

Lapsos e deslizes no uso das bombas infusoras

A análise das condutas dos enfermeiros durante a utilização do maquinário aplicado ao cuidado do paciente na UTI revela um conjunto de situações em que se observam erros que comprometem a segurança do paciente. Dentre estes erros, os que envolvem as bombas infusoras (BI) aparecem em destaque nos relatos das enfermeiras quando conferem sentido às cenas observadas, as quais apontam a frequência com que eles ocorrem.

Os erros ocorrem com as bombas, essas são terríveis, são valores colocados errados, as programações erradas, ou quando a pessoa esquece que interrompeu a infusão por algum motivo, mas não reiniciou. Só as bombas causam mais problemas (Enf. 5).

Aqui, erros no uso você vai encontrar muitos, com bomba nem se fala (Enf. 2).

Os problemas com as bombas são os mais comuns, sempre acontecem (Enf. 7).

O depoimento da Enf. 5 indica que o tipo de erro que acontece com as bombas infusoras é o de execução, pois neste caso as ações das enfermeiras no seu manuseio não saem de acordo com a intenção pretendida. Um desses erros de execução sinalizados por esta participante é o lapso. Uma cena que exemplifica este tipo de erro foi observada durante a realização de curativo no paciente pela Enf. 2.

Ela identifica o alarme emitido por uma bomba infusora e, após analisá-lo, chama a técnica de enfermagem e diz: - Olha, essa bomba está alarmando o tempo todo, você trocou a dieta e esqueceu de reiniciar o volume. A técnica então responde: - Eu sempre esqueço isso! (Trecho de diário de campo, Enf. 2, 24/04/2014, 9h00-12h00).

As interrupções podem trazer sérias consequências aos pacientes, sejam de médio prazo, como nesta situação da dieta, pois quando não identificadas rapidamente o paciente permanece sem receber a quantidade adequada de nutrientes, implicando ao final administração de um volume menor que o previsto; sejam no caso de medicações, em que as interrupções podem ter efeito imediato nas alterações hemodinâmicas e evolução clínica.

Esses esquecimentos no registro dos parâmetros mostram que o momento de programação dos aparelhos demanda atenção especial dos enfermeiros, principalmente no gerenciamento da sua equipe quando delega esta atribuição a outro membro. Tal afirmativa é particularmente importante quando se verifica na análise do diário de campo a ocorrência também de deslizes na colocação dos valores das taxas de infusão de medicamentos e nutrientes aos pacientes nas bombas, como se observa nas cenas em seguida.

Na primeira delas o deslize foi identificado numa circunstância de parada cardíaca. Durante as tentativas de reanimação a Enf. 8 avalia as infusões desta paciente e constata que a bomba que infundia o Nitroprussiato de Sódio - droga vasoativa utilizada no tratamento de hipertensão grave, estava programada para 10ml/h quando a prescrição era de 1ml/h. A Enf. 8 questiona quem havia feito a programação desta bomba infusora e uma das técnicas de enfermagem se pronuncia: - Fui eu quem programei, mas acho que programei para 1ml/h. (Trecho de diário de campo, Enf. 8, 21/10/2014, 7h30min-12h30min).

O deslize na programação da BI se repete diante de um episódio de extubação acidental. O médico plantonista foi contatado para realizar nova intubação e no decorrer deste procedimento solicita à técnica de enfermagem que administre 1ml de Fentanil para sedação prévia. A técnica de enfermagem aperta um botão na BI onde há a infusão de um flush (infusão rápida), mas não percebe o alarme que alerta para o fim da infusão do volume prescrito. Assim, ao invés de administrar 1ml infunde 5ml de fentanil.

Após a ocorrência a Enf. 7 questiona a técnica sobre o incidente e ela responde: - Eu segurei o botão para fazer um bólus, mas não ouvi o alarme que indica que foi 1ml, quando eu olhei já estava em 5, aí eu parei, eu juro que não ouvi! A Enf. 7 continua: - Olha, quando for assim não confie somente nos alarmes, sempre olhe para o monitor para conferir direitinho. Eu sei que a tela é pequena, mas a gente tem que ficar atento para não ter um problema maior (Trecho de diário de campo, 07/10/2014, Enf. 7, 07h30min-12h30min).

Este dado mostra a existência de fatores relacionados ao próprio usuário, como a capacidade de ouvir e enxergar, bem como relativo ao maquinário - tela pequena, que interfere na interface usuário-máquina e deve ser levado em conta na análise sistêmica dos erros. Esta afirmação é corroborada pelo excerto de entrevista da própria Enf. 7 quando descreve outras experiências vivenciadas de problemas com as BI. Ela comenta:

Uma vez eu instalei uma dieta em um paciente que era para ser 65ml/h e eu acabei programando para 655ml/h. O meu dedo é gordo, porque eu sou gordinha. Então não me atentei para o valor e iniciei a dieta. Alguns minutos depois eu olhei para o frasco e estava na metade. Rapidamente eu parei a dieta e não aconteceu nada com o paciente. Ela continua: Outro dia uma técnica de enfermagem colocou uma noradrenalina a 11ml/h para um paciente que precisava de 1ml/h. Logo foi percebido pelo monitor o aumento da pressão arterial, foi interrompida a infusão e o paciente não sofreu nada por isso. Mas esses botões são muito pequenos, e o visor também, o que acaba atrapalhando. Na minha opinião, poderiam ser maiores para nos facilitar (Enf. 7).

No depoimento da Enf. 7 há uma tendência a minimizar as consequências dos erros. Todavia, o erro na programação das BI resulta em eventos adversos, alguns deles com necessidade de intervenção para manutenção da vida, conforme o registro ilustrativo a seguir.

Às 10h30 a paciente do sexo feminino, 72 anos, com diagnóstico de cirrose e enfisema pulmonar, respirando em ar ambiente, apresenta episódio de vômito acompanhado de queda da SaO2 a 85% e dispneia intensa, sugestivos de um quadro de broncoaspiração. A Enf. 1 e a técnica de enfermagem ao chegarem ao leito desta cliente e detectarem o problema analisam sua condição. A técnica diz: Foi a dieta, está para 625ml/h (previsto 62,5ml/h), eu que errei. A Enf. 1 responde: Agora nós vamos resolver, isso a gente conversa depois. O médico foi chamado para intubação endotraqueal e início da ventilação artificial (Trecho de diário de campo, Enf. 1, 17/12/2014, 7h30min-12h30min).

Enganos no uso dos monitores

O uso dos sistemas de monitorização revela, por sua vez, a presença de enganos que trazem riscos aos pacientes. Isto porque a sua parametrização incorreta interfere na amplificação que é feita por estas máquinas dos sinais enviados pelo corpo do paciente e que são indicativos de alterações clínicas. Com isso, dificulta-se a detecção destas alterações pela equipe multiprofissional, causando atrasos na adoção das condutas terapêuticas.

Este tipo de falha de planejamento veio à tona quando a pesquisadora percebeu uma elevação importante nos índices pressóricos de uma cliente (180 x 100mmHg) no monitor multiparamétrico. Todavia, tal equipamento de monitorização não emitia sinal sonoro/luminoso que alertasse a equipe desta alteração. Ao verificar os parâmetros clínicos predeterminados para o alarme do aparelho identificou-se que eles estavam programados para disparar apenas se a pressão arterial estivesse maior que 220 x 110 mmHg, embora fosse uma paciente sem histórico de hipertensão arterial e em uso de Noradrenalina.

A técnica de enfermagem questiona sobre o que está acontecendo. Após explicação pela pesquisadora, ela justifica: Quem programa isso são os enfermeiros quando o cliente é admitido, às vezes fica assim e eles passam sempre pelo Box e tem o costume de olhar mesmo sem alarme. Ela se dirige ao posto e continua: Enfermeira 5, depois dá uma olhada porque a pressão arterial está 18 e ele (monitor) não está avisando, ela está fazendo Noradrenalina (Trecho de diário de campo, Enf. 5, 29/04/2014, 12h40-16h40).

A falta de alerta sinalizada por esta técnica de enfermagem volta a ocorrer com o monitor no transporte do paciente ao exame de tomografia. Durante o reposicionamento do paciente no leito após o retorno do exame, a Enf. 3 pergunta ao técnico que participou do transporte: - Ele ficou com essa pressão arterial (170 x 100mmHg) o tempo todo ou só na volta? O técnico responde: Ele ficou bem o tempo todo, isso só foi agora mesmo (Trecho de diário de campo, Enf. 3, 29/05/2014, 13h00-17h00).

Entretanto, o equipamento estava programado para alarme apenas se pressão arterial fosse maior que 200 x 100mmHg, o que denota que o aparelho não emitiu alarme desta oscilação pressórica no decorrer do transporte deste paciente, comprometendo sua detecção pelo técnico de enfermagem.

Discussão

Os resultados desta pesquisa alertam que o emprego das bombas infusoras é um aspecto preocupante no campo da segurança dos equipamentos, pois muitos usuários cometem erros quando as utilizam. Tal dado é corroborado por outros estudos que mostram as características dos incidentes envolvendo equipamentos, a exemplo daqueles que analisaram bases internacionais de notificações de incidentes ligados à segurança do paciente.

No caso da agência de notificação francesa, de todos os eventos com equipamentos notificados em 2005-2006, as bombas de infusão responderam por 44% (1.843) deles. Destes, dos 694 incidentes em que foi possível investigar a causa com certeza, 39% diziam respeito ao uso inapropriado22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72.. Já dentre aqueles notificados à agência de segurança do paciente do Reino Unido entre 2006-2007, os incidentes com bombas de seringa/infusão foram os mais frequentes, com quantitativo de 185 entre os 1.021 notificados. Quanto às suas características, 32% (60) ocorreram por uso incorreto e 28% (52) causaram danos potencialmente fatais33 Thomas AN, Galvin I. Patient safety incidents associated with equipment in critical care: a review of reports to the UK National Patient Safety Agency. Anaesthesia. 2008;63(11):1193-7..

Há, inclusive, pesquisas que apontam que as bombas infusoras são responsáveis por entre 30 e 60% de todos os erros com medicação intravenosa55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8.. Esta afirmação é respaldada pelo estudo das discrepâncias entre as prescrições de medicações para infusões e a programação das bombas. De 296 observações de infusões de medicamentos e 231 de fluidos intravenosos, a frequência das discrepâncias entre as prescrições e a programação da bomba variou de 24,3% para medicamentos observados a 42,4% para os líquidos1515 Russel RA, Murkowski K, Scanlon MC. Discrepancies between medication orders and infusion pump programming in a pediatric intensive care unit. QualSafHealth Care. 2010;19 Suppl 3:S31-5..

Nesta pesquisa, as situações envolvendo as enfermeiras 1 e 8 durante a programação das bombas infusoras retratam a magnitude deste problema e as repercussões imediatas ao paciente. A ocorrência de situação semelhante à vivenciada por tais enfermeiras foi documentada por pesquisadores acerca da infusão de nutrição parenteral total configurada em 625ml/h (contrário a 62,5ml/h). Após 1,5 horas, o erro foi reconhecido e a infusão terminada. Apesar do tratamento de hipercalemia e hiperglicemia, o paciente faleceu55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8..

Esses tipos de erros de ação encontrados nos resultados e ratificados pela literatura fazem parte do modelo proposto por Reason para explicar os mecanismos que operam o erro. Neste sentido, os lapsos e deslizes na programação das BI pertencem neste modelo explicativo ao nível baseado habilidade, o qual está relacionado à realização de atividades rotineiras em ambientes familiares. Refere-se, portanto, a tarefas rotineiras que têm um desempenho automático e não requerem a necessidade de pensar77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9..

Quando os erros neste nível acontecem significa que houve falha no monitoramento, ou seja, um controle errado comparado à demanda da tarefa. Isso pode ocorrer por distrações/falta de atenção ligada à pessoa ou ao ambiente, tais como: fadiga, horas de sono, uso de drogas, medo, ansiedade, estresse, os quais influenciam no modo automático de pensar77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.. As influências destes fatores na segurança do paciente já foram objeto de estudos.

No que concerne à questão da atenção, destaca-se a pesquisa que aprofundou o estudo das interrupções dos enfermeiros na sua prática e de como essas impactavam na segurança do paciente. As interrupções são entendidas como a suspensão de uma atividade principal para efetuar uma secundária, podendo ser do tipo intrusão, distração, pausas e discrepâncias. As pesquisadoras perceberam que as interrupções repercutiram no processo cognitivo, causando perda da concentração e trazendo efeitos no desempenho das atividades com o aumento do risco de erros, especialmente na administração de medicamentos1616 Monteiro C, Avelar AFM, Pedreira MLG. Interruptions of nurses' activities and patient safety: an integrative literature review. Rev Latino AmEnfermagem. 2015; 23(1):169-79..

Outro exemplo é o da análise que buscou identificar a associação entre a alocação da equipe de enfermagem e a ocorrência de eventos adversos e incidentes. A média dos eventos adversos foi maior quando a equipe de enfermagem estava distribuída de maneira inadequada em ambos os setores de UTI investigados, o que permitiu concluir que quanto maior a diferença entre horas disponíveis de enfermagem em comparação às requeridas pelos pacientes, menor é a frequência dos eventos adversos1717 Gonçalves LA, Andolhe R, Oliveira EM, Barbosa RL, Faro ACM, Daud RM et al. Nursing allocation and adverse events/incidents in intensive care units. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(n.spe):71-7..

O trabalho em turnos e longas horas de trabalho, por sua vez, aumentam o risco de distúrbios de sono e de erros ligados à fadiga que podem impactar no paciente1818 Johnson AL, Jun L, Song Y, Brown KC, Weaver MT, Richards KC. Sleep deprivation and error in nurses who work the night shift. J Nurs Adm. 2014;44(1):17-22.. Em pesquisa com 289 enfermeiros, 56% da amostra apresentava privação do sono e cometia mais erros no atendimento ao paciente, característica associada ao trabalho noturno1919 Caruso CC. Negative impacts of shiftwork and long work hours. RehabilNurs. 2014; 39(1):16-25..

Face ao exposto no contraponto com os resultados, considera-se que na UTI o manuseio de bombas para infusão de medicamentos é uma atividade rotineira que faz parte do cotidiano dos profissionais, pois, em razão das condições clínicas, grande parte dos pacientes hospitalizados passa a necessitar da infusão destes medicamentos para a manutenção da sua estabilidade hemodinâmica. Depois que tais profissionais dominam o manejo destes aparelhos passam a fazer de maneira automática, embora reconheçam a atenção que esta atividade requer.

Sabe-se, contudo, que o cuidado na UTI é complexo e caracterizado pela atuação concomitante de uma equipe multiprofissional, o que gera muitos eventos acontecendo simultaneamente em torno da equipe de enfermagem. Os elementos próprios deste ambiente podem contribuir para os episódios de distração do profissional que concorrem para as falhas de monitoração em torno do uso das BI. Neste estudo, o controle inadequado acontece no lapso envolvendo a Enf. 2 no registro de um parâmetro e no deslize com a Enf. 7, em que a técnica que a acompanhava não percebeu o som do alarme emitido pela BI.

Esses deslizes e lapsos baseados na habilidade identificados na pesquisa são conceituados por como erros ativos, que são atos inseguros de pessoas que atuam diretamente no sistema77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.. Na defesa de uma abordagem sistêmica do erro, ao contrário de um modelo focalizado exclusivamente na pessoa que tende a culpabilizá-la, parte-se da premissa de que o ser humano é falível e que estes erros são, portanto, esperados dentro do sistema77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9..

Assim, traz também o conceito de erro latente, que é uma ação evitável dentro do sistema, tomada com base nas decisões dos gerentes. Logo, existem falhas latentes no sistema, como aspectos relativos à carga de trabalho, aos recursos disponíveis, à experiência, que num determinado momento podem deixar a condição de latência e resultar em erros ativos77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9..

Uma destas condições latentes é abordada pela Enf. 7, quando justifica a programação incorreta da BI referindo que os botões do aparelho são pequenos, assim como sua tela/visor, dificultando seu manejo por esta profissional. Neste caso, em vez de simplesmente classificar este erro como ativo, centrando o foco somente na Enfermeira 7, deve-se considerar na análise deste incidente o desenho do dispositivo, o ambiente e as circunstâncias em que este foi usado, isto é, a avaliação do equipamento disponibilizado.

Uma das perspectivas a ser usada para esta análise da adequação do equipamento é denominada engenharia dos fatores humanos, em que se avalia um conjunto de variáveis que repercutem na interface humano-máquina. A engenharia de fatores humanos determina se o desenho do aparelho influencia no uso seguro e eficaz pelos usuários em situações reais2020 Hyman WA. Human factors: should your medical devices require intensive care? Crit Care NursClin North Am. 2010;22(2):233-41..

Quando o desenho do aparelho não integra a interação ou interpretação que os usuários fazem da interface do dispositivo há a possibilidade de um erro do usuário55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8.. Isto diz respeito ao desenho físico e espaçamento dos botões; grau de intuitividade do desenho do aparelho; reversão ao modo padrão sem aviso; superlotação da interface gráfica; grau de transparência das operações, feedback pobre ao usuário sobre o modo padrão55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8..

Com o relato detalhado destes incidentes com as BI e a sua investigação, considerando os conceitos da engenharia de fatores humanos, algumas questões poderiam ser feitas neste processo de avaliação com base em aspectos levantados pelo usuário, conforme visualizado nos dados empíricos, quais sejam: os botões são fáceis de apertar? Os botões são adequadamente sentidos? As configurações são visíveis na tela do aparelho? Tal avaliação, ao contribuir para entender a razão da ocorrência deste tipo de erro, também ajuda na melhoria dos desenhos dos equipamentos, de modo a facilitar a interface com o usuário.

Outro tipo de erro verificado nos resultados foram os enganos. Enganos referem-se a falhas que estão associadas aos processos mentais de julgamento na delimitação de um objetivo, de formulação de intenções ou de seleção dos meios para alcançá-las, mesmo que as ações saiam conforme o planejado77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9.. Os enganos podem ser do tipo enganos baseados em regras ou no conhecimento. O nível da regra se dá quando não se segue a regra ou procedimento correto, enquanto o do conhecimento diz respeito a não saber a regra ou procedimento a ser adotado, especialmente durante as situações novas77 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995;4(2): 80-9..

Nesta pesquisa, o engano é evidenciado a partir do momento que se tem a intenção de monitorizar os parâmetros hemodinâmicos do paciente como parte de sua terapêutica. Para tanto é necessário o manuseio do equipamento para programar os parâmetros limítrofes, a partir dos quais tais aparelhos emitam alertas aos profissionais, que indiquem a presença de alterações destes parâmetros. Neste caso, a programação deve considerar a condição clínica de cada cliente, no momento de sua admissão ou no decorrer da internação.

Os dados revelam, porém, valores registrados incoerentes às situações apresentadas, com o envio de alertas às enfermeiras 5 e 12 somente se os índices pressóricos ultrapassarem o valor sistólico de 200. Isto mostra um engano na seleção da estratégia para que o objetivo de monitorização quanto às alterações de pressão arterial fosse alcançado, já que as alterações pressóricas dos pacientes envolvidos nas cenas não foram "amplificadas" pelos aparelhos.

Este engano no uso dos equipamentos pode perpassar tanto o ato de não seguir a regra da parametrização individualizada do paciente, utilizando parâmetros aleatórios que não condizem à realidade do paciente; quanto pode estar relacionado ao conhecimento demandado para estabelecer os valores adequados de referência, seja por conta de dificuldades na interpretação das variáveis objetivas acerca do paciente enviadas pela máquina na interface com o quadro clínico, seja no próprio domínio dos códigos de manipulação da máquina.

Um estudo que permite estabelecer interfaces com o engano relacionado ao não seguimento da regra de programação dos equipamentos é o que identificou o número e as características dos alarmes dos equipamentos eletromédicos de uma unidade coronariana. De um total de 426 sinais de alarmes, 227 foram disparados por monitores multiparâmetros e 199 por outros equipamentos. Todos os pacientes observados estavam com a monitorização do eletrocardiograma e frequência cardíaca ativada, entretanto, o alarme de arritmia estava ativado apenas em 20% dos pacientes do serviço diurno e 46% do noturno. Além disso, a monitorização da respiração estava ativada em apenas nove dos 39 pacientes do turno noturno2121 Bridi AC, Louro TQ, Silva RCL. Clinical Alarms in intensive care: implications of alarm fatigue for the safety of patients. Rev Latino Am Enfermagem. 2014; 22(6):1034-40..

Sobre a capacitação do usuário para manejo das tecnologias, destaca-se a revisão de literatura que foi feita para levantar as complicações apresentadas pelos pacientes críticos durante o transporte intra-hospitalar. Nesta, verificou-se como causa dos eventos adversos a falta de conhecimento da equipe, pois os erros com base no conhecimento foram responsáveis por 54% dos incidentes, incluindo nestes o erro de preparação do equipamento2222 Almeida ACG, Neves ALD, Souza CLB, Garcia JH, Lopes JL, Barros ALBL. Intra-hospital transport of critically ill adult patients: complications related to staff, equipment and physiological factors. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):471-6..

Para manejar os erros, manifesta-se a favor da criação de barreiras defensivas, com vistas à interceptação do erro e à manutenção da segurança do sistema88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70. Sob esta ótica, propõe um modelo que se utiliza da metáfora do queijo suíço para explicar tais barreiras e a trajetória de um acidente. Faz analogia aos furos do queijo para se referir aos furos nas camadas de defesa em função de erros ativos e latentes. Quando todos os furos estão dispostos na mesma linha as camadas de defesa foram rompidas, causando o acidente88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70.

Segundo este autor, certas condições permanecem latentes por anos até que se combine com um erro ativo e gere um acidente. Deste modo, ao focalizar o sistema, diferentes ações para prevenir o erro podem ser feitas88 Reason J. Human errors: models and management. BMJ. 2000;320(7237):768-70. No Brasil, como a preocupação com a segurança dos equipamentos é ainda recente, as estratégias voltadas à criação de barreiras defensivas são incipientes. A regulamentação francesa, por exemplo, exige que dispositivos para anestesia sejam verificados com um checklist padrão na abertura da sala de cirurgia, enquanto na Alemanha as regras perpassam a capacitação formal de todos os usuários22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72..

Para lidar com os lapsos e deslizes, a literatura destaca a relevância da avaliação dos equipamentos através de checklists e/ou protocolos, para evitar esquecimentos, falhas, faltas, além de padronizar os procedimentos e direcionar o trabalho22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72.,2323 Silva R, Amante LN. Checklist for the intrahospital transport of patients admitted to the intensive care unit. Texto Contexto Enferm. 2015;24(2):539-47.. Já quanto aos enganos, os estudos22 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D et al.Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010; 112(2):364-72.-33 Thomas AN, Galvin I. Patient safety incidents associated with equipment in critical care: a review of reports to the UK National Patient Safety Agency. Anaesthesia. 2008;63(11):1193-7.,55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8.,2222 Almeida ACG, Neves ALD, Souza CLB, Garcia JH, Lopes JL, Barros ALBL. Intra-hospital transport of critically ill adult patients: complications related to staff, equipment and physiological factors. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):471-6. apontam como estratégia as melhorias educacionais entre os profissionais da saúde, particularmente os enfermeiros. Nesta ótica, o aprofundamento teórico-prático e científico diante das inovações tecnológicas, incorporando práticas baseadas em evidências, favorece a competência clínica das enfermeiras, bem como a segurança do paciente2424 Viana RAPP, Vargas MAO, Carmagnani MIS, Tanaka LH, Luz KR, Schmitt PH. Profile of an intensive care nurse in different regions of Brazil. Texto Contexto Enferm. 2014;23(1):151-9.-2525 Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva LMS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Strategies for promoting patient safety: from the identification of the risks to the evidence-based practices. Esc Anna Nery. 2014;18(1):122-9..

CONCLUSÃO

Evidenciaram-se erros do tipo deslizes, lapsos e enganos na utilização dos equipamentos pelos enfermeiros na UTI, principalmente das bombas infusoras e dos sistemas de monitorização, que implicam eventos adversos que prejudicam a segurança do paciente.

A compreensão dos mecanismos que explicam tais erros sinaliza a influência de diferentes aspectos, na dependência do nível em que se situa a atividade a ser realizada: falhas de memória e atenção no manuseio das BI - habilidade; falhas de planejamento durante a programação dos monitores - aplicação de regras e conhecimento. Na análise sistêmica dos erros, o objetivo não é o de identificar o culpado para puni-lo, mas conhecer como o erro se engendrou. Isto não quer dizer que haja desresponsabilização do sujeito, já que características individuais também são analisadas, como atitudes desleixadas e despreocupadas.

Propõe-se no campo estudado um instrumento de verificação diária dos equipamentos, onde se façam checagens da programação das bombas infusoras e monitores, no intuito de reduzir as falhas e esquecimentos. Salienta-se que a observação restringiu-se ao turno diurno, o que limitou o número de participantes e a maior abrangência dos resultados. Além disso, não foi possível avaliar os nexos dos erros com a experiência profissional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2015
  • Aceito
    04 Abr 2016
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