Acessibilidade / Reportar erro

Para uma identidade dialética e comunicacional em Enfermagem

A construção da identidade de um grupo profissional é a dimensão subjetiva do seu processo de profissionalização, entendido como processo de afirmação, autonomização e reconhecimento social( 11. Lopes A. La construcción de identidades docentes como constructo de estructura y dinámica sistémicas: argumentación y virtualidades teóricas y prácticas. Profesorado Rev Curric Form Prof [Internet]. 2008 [citado 2013 mar. 12];11(3). Disponible en: http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pdf
http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pd...
- 22. Lopes A. Teachers as professionals and teachers' identity construction as an ecological construct: an agenda for research and training drawing upon a biographical research process. Eur Educ Res J. 2009;8(3):461-75. ). Porque fundado nas relações, de reconhecimento ou não reconhecimento, a identidade é um conceito comunicacional, mas que se traduz em dimensões objetivas do processo de profissionalização (estatuto objetivo, autonomia e imagem social). Assim vista, a identidade é interior e exterior, ou seja, refere-se quer a um profissionalismo de dentro (que sendo diverso deve ser esclarecido), quer a um profissionalismo de fora - respeitante ao reconhecimento social atingido normalmente através da força do profissionalismo de dentro( 33. Evetts J. The sociological analysis of professionalism: occupational change in the modern world. Int Sociol. 2003;18(2):395-415. ). O estudo da identidade, embora se possa reportar ao profissionalismo de fora, é especialmente relevante para dar conta do profissionalismo de dentro e informar processos de auto-regulação - definição clara do conhecimento, da ética, das práticas e das relações que lhe são próprios - , pois o estatuto, a imagem social e a autonomia reconhecidas por fora, embora possam ser provenientes de prescrições do exterior, dependem sobretudo do que o grupo profissional for capaz de fazer por dentro.

A identidade profissional é simultaneamente coletiva e individual( 11. Lopes A. La construcción de identidades docentes como constructo de estructura y dinámica sistémicas: argumentación y virtualidades teóricas y prácticas. Profesorado Rev Curric Form Prof [Internet]. 2008 [citado 2013 mar. 12];11(3). Disponible en: http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pdf
http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pd...
- 22. Lopes A. Teachers as professionals and teachers' identity construction as an ecological construct: an agenda for research and training drawing upon a biographical research process. Eur Educ Res J. 2009;8(3):461-75. ). A identidade individual refere-se a conteúdos simbólicos que informam expectativas e desempenhos de papel, e aos sentimentos de valor e desvalor associados. A identidade coletiva refere-se a discursos e práticas que moldam e são moldados por representações sociais e estruturas organizacionais. Identidade individual e identidade coletiva constroem-se mutuamente e a força de uma depende da forma como a outra a amplifica e sustém. Nos dois casos - da identidade individual e da identidade coletiva - os conteúdos simbólicos que definem o conhecimento e a ética ocupam o núcleo identitário profissional que influi nas, e se alimenta das, práticas e relações dos profissionais (suas diversas entidades e parceiros) em contexto.

A identidade - de um profissional, de um grupo profissional ou de uma profissão - é ainda um conceito ecológico( 11. Lopes A. La construcción de identidades docentes como constructo de estructura y dinámica sistémicas: argumentación y virtualidades teóricas y prácticas. Profesorado Rev Curric Form Prof [Internet]. 2008 [citado 2013 mar. 12];11(3). Disponible en: http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pdf
http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pd...
- 22. Lopes A. Teachers as professionals and teachers' identity construction as an ecological construct: an agenda for research and training drawing upon a biographical research process. Eur Educ Res J. 2009;8(3):461-75. ). Assumir o caráter ecológico da construção da identidade profissional é reconhecer, por um lado, o seu caráter contextual (histórico, geográfico e cultural) - e por isso variável de país para país, de cultura para cultura - e, por outro, o seu caráter sistémico - admitindo que os níveis individual, interpessoal, organizacional e societal interferem na construção das identidades de forma específica mas também conjugada.

Este quadro concetual torna-se necessário como base para uma argumentação de caráter propositivo. Se as correntes pós-modernas e as formas vividas e discursivas por elas possibilitadas abriram definitivamente um espaço original de afirmação da Enfermagem e dos seus profissionais, torna-se ainda necessário aproveitar as suas potencialidades para o traduzir claramente em indicadores de desempenho, em currículos de formação e num discurso profissional forte.

A afirmação identitária profissional, como se explicita na exposição conceitual anterior, embora necessite e sempre de diversidade (não há respiração identitária sem diversidade), necessita também de um mínimo de clareza e coerência nos seus fundamentos, e de um mínimo de harmonia entre os diversos subsistemas de que depende( 44. Sachs J. The activist teaching profession. Buckingham: Open University Press; 2004. ). Sem esse mínimo, o que se ganha a um nível pode ser sempre neutralizado pelo que se perde a outro nível.

As ambiguidades e polarizações persistentes das peripécias da profissionalização e do profissionalismo em enfermagem indicam que os critérios de reconhecimento em enfermagem continuam numa grande parte a ser emprestados do poder médico, indiciando a necessidade de desenvolver o apego a formas de reconhecimento centradas na especificidade do saber em enfermagem. Propõem-se por isso identidades em enfermagem assumidamente dialéticas, no seu conteúdo simbólico (aliando conhecimento científico-técnico e ético-expressivo), e comunicacionais nos seus esquemas de ação (informadas pela racionalidade comunicacional).

Esta perspetiva comunicacional traduz-se em ênfases específicas em cada um dos níveis do sistema ecológico em que habitam as identidades, que podem informar referências profissionais, decisões de formação e focos de investigação, e de que a seguir aponto apenas as tendências centrais.

Ao nível individual, tornam-se pertinentes os apelos à criatividade do eu e à reflexão de si a si( 55. Ricoeur P. Soi-même comme un autre. Paris: Seuil; 1990. - 66. Blin T. Phénoménologie et sociologie comprehensive. Paris: L'Harmattan; 1995. ). Ao nível interpessoal ou de equipa, ganha ênfase o lugar do outro próximo (supervisor, tutor, companheiros de trabalho), como desafio cognitivo e suporte afetivo, na interação concreta e face a face com o outro( 66. Blin T. Phénoménologie et sociologie comprehensive. Paris: L'Harmattan; 1995. - 77. Lopes A, Pereira F. Escritos de trabalho e construção social da acção educativa institucional: (e)feitos de um processo de investigação-acção. Educ Soc Culturas. 2004;(22):109-32. ). Ao nível organizacional, a complementaridade entre grupos diferentes (por ideologia, tarefa ou posição) toma o lugar da competição intergrupos que, tendo origem na procura de reconhecimento pessoal ameaçado, tende a manter hegemônicos os grupos que já o são. Ao nível societal ou macro, torna-se importante a explicitação e disseminação de um discurso intencional, assertivo e esclarecido capaz de alimentar novas representações sociais da profissão( 88. Silva A L, Padilha MICS, Borenstein MS. (2002). Imagem e identidade profissional na construção do conhecimento em enfermagem. Rev Latino Am Enferm. 2002;10(4):586-95. ), mas também da saúde, da doença, dos locais de trabalho e dos profissionais, estruturando novas disposições e habitus, identificações e atribuições.

Estas identidades dialéticas e comunicacionais da enfermagem (neo)profissional apontam, como vem a ser já há algum tempo acentuado, para o desenvolvimento especial de atitudes profissionais de reflexão e de investigação. Mas apontam também para o desenvolvimento de uma atitude profissional crítica, não só como contraponto imprescindível a uma história de subordinação da profissão, mas também como meio de resistência incontornável às atuais tendências de mercantilização no campo da saúde( 99. Ito EE, Peres AM, Takahashi RT, Leite MMJ. O ensino de enfermagem e as diretrizes curriculares nacionais: utopia x realidade. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):570-5. ).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Lopes A. La construcción de identidades docentes como constructo de estructura y dinámica sistémicas: argumentación y virtualidades teóricas y prácticas. Profesorado Rev Curric Form Prof [Internet]. 2008 [citado 2013 mar. 12];11(3). Disponible en: http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pdf
    » http://www.ugr.es/~recfpro/rev113COL1.pdf
  • 2
    Lopes A. Teachers as professionals and teachers' identity construction as an ecological construct: an agenda for research and training drawing upon a biographical research process. Eur Educ Res J. 2009;8(3):461-75.
  • 3
    Evetts J. The sociological analysis of professionalism: occupational change in the modern world. Int Sociol. 2003;18(2):395-415.
  • 4
    Sachs J. The activist teaching profession. Buckingham: Open University Press; 2004.
  • 5
    Ricoeur P. Soi-même comme un autre. Paris: Seuil; 1990.
  • 6
    Blin T. Phénoménologie et sociologie comprehensive. Paris: L'Harmattan; 1995.
  • 7
    Lopes A, Pereira F. Escritos de trabalho e construção social da acção educativa institucional: (e)feitos de um processo de investigação-acção. Educ Soc Culturas. 2004;(22):109-32.
  • 8
    Silva A L, Padilha MICS, Borenstein MS. (2002). Imagem e identidade profissional na construção do conhecimento em enfermagem. Rev Latino Am Enferm. 2002;10(4):586-95.
  • 9
    Ito EE, Peres AM, Takahashi RT, Leite MMJ. O ensino de enfermagem e as diretrizes curriculares nacionais: utopia x realidade. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):570-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br