Open-access Fatores associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica no contexto hospitalar: estudo caso-controle

RESUMO

Objetivo:  Analisar os fatores associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica no contexto hospitalar.

Método:  Trata-se de estudo caso-controle pareado, realizado com prontuários de crianças menores de 14 anos. Considerou-se caso a população pediátrica com teste positivo para COVID-19, e controle, a população pediátrica negativa para COVID-19. Para cada caso, utilizou-se um controle, totalizando 486 prontuários. Realizaram-se análise descritiva, análise bivariada e regressão logística.

Resultados:  As variáveis associadas à ocorrência da COVID-19 foram crianças pardas, pretas, amarelas e indígenas, internamento em pronto-socorro e Unidade de Terapia Intensiva, uso de máscara e cateter de oxigênio, antimicrobiano, e corticoide. Febre, anorexia, padrão respiratório não eupneico com saturação entre 90% e 95%, presença de tosse, coriza, e ter comorbidade tiveram associação com o desfecho.

Conclusão:  Avança ao fornecer informações sobre os fatores associados à COVID-19 na população menor de 14 anos hospitalizada, sendo esses o local de internação, anorexia, coriza, comorbidade e uso de corticoide.

DESCRITORES
Criança; Hospitalização; COVID-19; Pandemias; Estudos de Casos e Controles

ABSTRACT

Objective:  To analyze factors associated with the occurrence of COVID-19 in the pediatric population in hospital settings.

Method:  This was a paired case-control study conducted with medical records of children under 14 years of age. The pediatric population with a positive COVID-19 test was considered a case, and the pediatric population with a negative COVID-19 test was considered a control. For each case, a control was used, totaling 486 medical records. Descriptive analysis, bivariate analysis, and logistic regression were performed.

Results:  The variables associated with the occurrence of COVID-19 were brown, black, yellow, and indigenous children, emergency room and Intensive Care Unit admission, use of mask and oxygen catheter, antimicrobials, and corticosteroids. Fever, anorexia, non-eupneic respiratory pattern with saturation between 90% and 95%, cough, runny nose, and comorbidities were associated with the outcome.

Conclusion:  Advances by providing information on factors associated with COVID-19 in the hospitalized population under 14 years of age, including place of hospitalization, anorexia, runny nose, comorbidity, and corticosteroid use.

DESCRIPTORS
Child; Hospitalization; COVID-19; Pandemics; Case-Control Studies

RESUMEN

Objetivo:  Analizar los factores asociados a la incidencia de COVID-19 en la población pediátrica en un entorno hospitalario.

Método:  Estudio de casos y controles pareados, realizado con historias clínicas de niños menores de 14 años. Se consideró como población caso a la población pediátrica con resultado positivo para COVID-19, y como población control a la población pediátrica con resultado negativo para COVID-19. Por cada caso, se utilizó un control, totalizando 486 historias clínicas. Se realizaron análisis descriptivo, análisis bivariado y regresión logística.

Resultados:  Las variables asociadas con la ocurrencia de COVID-19 fueron: niños de raza mixta, negros, asiáticos e indígenas, ingreso a urgencias y unidad de cuidados intensivos, uso de mascarilla y catéter de oxígeno, antimicrobianos, y corticosteroides. Fiebre, anorexia, patrón respiratorio no eupneico con saturación entre 90% y 95%, tos, rinorrea y comorbilidad se asociaron con el desenlace.

Conclusión:  Este estudio avanza al proporcionar información sobre los factores asociados con COVID-19 en la población hospitalizada menor de 14 años, incluyendo el lugar de hospitalización, anorexia, rinorrea, comorbilidad y uso de corticosteroides.

DESCRIPTORES
Niño; Hospitalización; COVID-19; Pandemias; Estudios de Casos y Controles

INTRODUÇÃO

A COVID-19 foi descoberta no ano de 2019, cujo agente etiológico é o SARS-CoV-2, e apresentou alta transmissibilidade com disseminação em escala global, levando a Organização Mundial da Saúde a declarar pandemia de COVID-19 em março de 2020(1).

A transmissão da COVID-19 ocorre de forma rápida de pessoa para pessoa, seja por contato direto ou pela exposição a pequenas gotículas de secreções infectadas em superfície(2). No contexto pediátrico, crianças de todas as idades podem contrair a doença, conforme demonstrado em coorte multicêntrica que avaliou 582 crianças com COVID-19, na qual verificou-se que a faixa etária mais afetada é a de 10 a 18 anos(3).

As características clínicas e epidemiológicas estão em constante mudança, e a apresentação da sintomatologia da COVID-19 nas crianças pode ser ampla e variada, podendo ser assintomática ou sintomática, além de apresentar casos graves como desconforto respiratório agudo grave(4).

Observa-se, em revisão sistemática da literatura, que das 342 crianças positivas para COVID-19, 51 eram assintomáticas(5). Dados obtidos em Wuhan, China, no início da pandemia, apontam que, das 171 crianças internadas, com média de idade entre 6 e 7 anos e com teste positivo para COVID-19, 27 eram assintomáticas(6). Contudo, é possível ver que as manifestações da doença agem diferentemente em adultos e crianças, e muitas vezes é semelhante a outros vírus respiratórios, apresentando uma clínica comum, com febre, tosse e cefaleia(7). Ainda, em revisão de escopo, foi identificado a presença de sintomas gastrointestinais apresentados pela população pediátrica com COVID-19(8).

A escassez de dados sobre as condições relacionadas, sintomas apresentados e a COVID-19 nas crianças menores de 14 anos indica lacunas a serem preenchidas(9). Este estudo deve auxiliar no entendimento da variabilidade da doença e contribuir com o desempenho da enfermagem, a qual atua com destaque na prevenção e cuidado na doença.

Assim, a identificação precoce dos sintomas em crianças é necessária, pois há muitos fatores implicados que podem favorecer o contágio e o agravo da doença, além de diminuir a transmissão do vírus(8). Para tanto, questiona-se: quais os fatores associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica no contexto hospitalar?

O objetivo deste estudo é analisar os fatores associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica no contexto hospitalar.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de estudo caso-controle pareado, descrito de acordo com a ferramenta STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology.

Local de Estudo

O estudo foi realizado nos setores de pronto atendimento pediátrico, Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e internação pediátrica de hospital universitário (HU) público localizado na região norte do estado do Paraná, Brasil. A instituição é referência para o tratamento da COVID-19. Este estudo considerou como locais de internação o pronto-socorro, enfermaria e UTI pediátrica, visto a necessidade de manter as crianças hospitalizadas nesses locais devido à demanda. A confirmação da COVID-19 deu-se no local de internação da criança.

População

A população do estudo incluiu (n=486) prontuários de pacientes pediátricos, menores de 14 anos, atendidos no HU e que deram entrada no hospital no período de junho de 2020 a dezembro de 2022. Tal período foi compreendido como pico pandêmico da COVID-19 no Brasil, e para as internações pediátricas, o hospital de estudo considera a população neonatal de 0 a 28 dias, e a infantil, de 29 dias a 14 anos.

Critérios de Seleção e Definição da Amostra

Foi considerado caso a população pediátrica com COVID-19 positivo. Para o grupo controle, foi considerada a população pediátrica, com sintomas, mas que testou negativo para COVID-19, sendo realizado, para cada caso, um controle(10), obtendo, assim, 243 casos e 243 controles, totalizando 486 prontuários/pacientes. Portanto, usaram-se todos os casos de pacientes pediátricos positivos para COVID-19 no período investigado, não necessitando, assim, de cálculo amostral. Para realizar o pareamento das amostras entre caso e controle, optou-se pela afinidade de dados entre indivíduos, levando características em consideração, porém não aquelas que estavam em investigação. Assim, para realizar a definição do grupo controle em referência ao grupo caso, observaram-se as variáveis sexo e idade, buscando similaridade entre as populações.

Foram excluídas as crianças que não possuíam exames laboratoriais confirmatórios para COVID-19. Para identificar a amostra, foram utilizadas duas planilhas disponibilizadas pelo núcleo de vigilância em saúde da instituição hospitalar: a primeira é uma planilha de pacientes com teste de COVID-19 positivo; e a segunda é uma planilha paciente com teste de COVID-19 negativo. A Figura 1 apresenta o fluxograma de seleção dos prontuários/pacientes, e apresenta os grupos caso e controle, considerando os critérios de inclusão e exclusão.

Figura 1
Seleção dos prontuários/pacientes para o estudo. Londrina, PR, Brasil, 2023.

Variáveis do Estudo

A variável desfecho foi a COVID-19. A positividade foi confirmada por meio de exames de transcrição reversa, seguidos de reação em cadeia da polimerase, antígeno, sorologia, rápido sorológico de imunoglobulina G e M registrados no prontuário dos pacientes e na planilha COVID-19.

As variáveis de exposição foram sexo, idade, raça/cor/etnia, cidade de origem, entrada hospitalar, local de internação, tempo de internação, suporte ventilatório, uso de antimicrobiano e uso corticoides. As variáveis relacionadas aos sinais e sintomas foram presença de febre, anorexia, refluxo, náusea, vômito, diarreia, sangramento intestinal, dor abdominal, padrão respiratório, saturação de oxigênio, tosse, coriza e comorbidades. As variáveis analisadas neste estudo foram apoiadas em estudos realizados previamente(5,11,12).

Coleta de Dados

As informações demográficas, clínicas e relacionadas aos sinais e sintomas dos pacientes foram extraídas dos prontuários e digitadas em duas planilhas eletrônicas separadamente. A coleta de dados ocorreu entre 10 de abril de 2023 e 24 de maio de 2023, por meio do Medview®, sistema informatizado de prontuário eletrônico do hospital.

Análise de Dados

Os dados foram analisados no pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 26.0. A análise descritiva incluiu a descrição da amostra estudada com ênfase nas características demográficas e clínicas. Foram medidas as frequências absoluta e relativa das variáveis de interesse. Para medir a associação entre o desfecho e as variáveis de exposição, foram utilizadas a análise bivariada e multivariada.

Na análise bivariada, foi aplicado o teste qui-quadrado de Pearson, sendo selecionadas para a próxima etapa as variáveis que apresentaram alfa <0,20, ponto de corte recomendado para análises exploratórias de fatores associados. Foram calculados as Razões de Chance (ou Odds Ratio (OR)) brutas e seus Intervalos de Confiança de 95% (IC95%).

Os modelos múltiplos foram obtidos por meio da Regressão Logística Binária, pelo método de backward, ou seja, a ordem de retirada das variáveis de exposição no modelo é determinada pelo maior valor de significância. Continuavam no modelo as variáveis com alfa <0,05. Foram calculados os OR ajustados e seus IC95%. A bondade da qualidade do ajuste foi mensurada mediante o teste de Hosmer-Lesmeshow, em que, quanto maior o valor de p, melhor é o ajuste. Considerou-se alfa <0,05 como estatisticamente significante.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos de uma instituição pública de ensino, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 31528920.9.0000.5231 e Parecer no 4.415.191. Não houve contato direto com os pacientes; portanto, houve a dispensa do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 486 prontuários/pacientes, sendo 243 casos confirmados para COVID-19 e 243 controles. Verificou-se que 61,3% das crianças independentemente do grupo eram do sexo masculino, com idade inferior a 10 anos (74,5% caso e 77% controle) e brancas (60,9% caso e 70,9% controle), e foram referenciadas de outros serviços hospitalares (85,6% caso e 86,4% controle). Quanto ao local de internação, as crianças com COVID-19 foram hospitalizadas principalmente no pronto-socorro (47,7%), enquanto as do grupo controle estavam majoritariamente em enfermaria pediátrica (66,3%). A mediana do tempo de internação foi de três dias, para os casos, e um dia, para os controles.

Em relação ao suporte ventilatório, observou-se que 74,5% das crianças com COVID-19 não necessitaram de nenhum dispositivo, enquanto que, no grupo controle, esse percentual foi de 53,9%. Quanto ao uso de antimicrobianos e corticoides, ambos foram mais frequentes no grupo controle, sendo administrados em 70,4% e 82,7% das crianças, respectivamente. Entre os casos de COVID-19, o uso desses medicamentos foi menor, sendo que 49,8% das crianças receberam antimicrobianos, e 48,1%, corticoides.

Os sintomas mais prevalentes foram febre (60,1% caso e 65,8% controle), tosse (73,3% caso e 55,1% controle) e coriza (56,4% caso e 74,5% controle). A anorexia foi mais frequente no grupo caso (56,4%) do que no controle (36,6%). Doenças pulmonares crônicas e prematuridade foram as comorbidades mais comuns (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização demográfica e clínica da população pediátrica hospitalizada (n = 486) – Londrina, PR, Brasil, 2023.

Na análise bivariada, algumas variáveis apresentaram associação estatisticamente significativa com a ocorrência da COVID-19. Crianças classificadas como parda, preta, amarela ou indígena apresentaram 1,55 vezes mais chance de diagnóstico de COVID-19 do que crianças brancas (OR = 1,55; IC95%: 1,1–2,27; p = 0,022). Estar internado no pronto-socorro aumentou em quase quatro vezes a chance de COVID-19, em comparação à internação pediátrica (OR = 3,83; IC95%: 2,52–5,83; p < 0,001). O uso de máscara de oxigênio (OR = 0,23), cateter (OR = 0,38), antimicrobianos (OR = 0,42) e corticoides (OR = 0,19) esteve associado à menor chance de diagnóstico de COVID-19, todos com p < 0,001 (Tabela 2).

Tabela 2
Associações entre os fatores demográficos e clínicos e a ocorrência da COVID-19 na população pediátrica hospitalizada (n = 486) – Londrina, PR, Brasil, 2023.

Em relação aos sinais e sintomas, crianças com COVID-19 apresentaram maior chance de ter febre (OR = 1,90; IC95%: 1,31–2,76; p = 0,001) e anorexia (OR = 2,24; IC95%: 1,55–3,22; p < 0,001) do que o grupo controle. Por outro lado, sintomas como coriza (OR = 0,44), tosse (OR = 0,52) e padrão respiratório não eupneico (OR = 0,45) estavam mais associados ao grupo controle. A presença de comorbidades também foi mais comum entre o grupo controle (32,9% caso e 14,4% controle; OR = 0,34; p < 0,001), sugerindo menor associação com COVID-19 (Tabela 3).

Tabela 3
Associações entre os sinais e sintomas associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica hospitalizada (n = 486) – Londrina, PR, Brasil, 2023.

Na análise multivariada, algumas variáveis permaneceram associadas ao diagnóstico de COVID-19 na população pediátrica. Crianças hospitalizadas no pronto-socorro apresentaram 2,78 vezes mais chance de terem COVID-19 (IC95%: 1,33–5,84; p = 0,007), e aquelas na UTI, 2,52 vezes mais chance (IC95%: 1,54–4,16; p < 0,001), em comparação à internação pediátrica.

O uso de corticoides aumentou a chance de COVID-19 em 3,37 vezes (IC95%: 2,05–5,53; p < 0,001), e a presença de coriza, em 2,25 vezes (IC95%: 1,43–3,54; p < 0,001). Ter comorbidades também se associou ao desfecho (OR = 1,86; IC95%: 1,12–3,10; p = 0,015). A anorexia, apesar de significativa na análise bivariada, apresentou associação inversa na regressão, reduzindo a chance de COVID-19 (OR = 0,32; IC95%: 0,21–0,49; p < 0,001) (Tabela 4).

Tabela 4
Regressão logística das variáveis demográficas, clínicas, sinais e sintomas associados à ocorrência da COVID-19 na população pediátrica hospitalizada (n = 486) – Londrina, PR, Brasil, 2023.

DISCUSSÃO

Este estudo forneceu evidências sobre os fatores predisponentes e associações com a ocorrência da COVID-19 na população pediátrica hospitalizada. Entre os indicadores utilizados, na análise multivariada, o local de internação (pronto-socorro e UTI), uso de corticoide, ter coriza e comorbidades foram os mais fortemente associados à chance de as crianças terem COVID-19.

A análise dos resultados identificou que, independentemente do grupo, houve um maior acometimento da COVID-19 em crianças do sexo masculino. Pesquisas precursoras em Wuhan, na China, no início da pandemia, validam este dado, e evidências apontam que os pacientes do sexo masculino tendem a ter uma maior incidência da doença e, quando comparados aos pacientes do sexo feminino, há uma maior probabilidade de morte ou de desenvolver formas graves da doença(6,13).

Entre as crianças diagnosticadas com COVID-19, observou-se que 74,5% tinham menos de 10 anos de idade. Tais dados corroboram o estudo que apresenta uma análise retrospectiva de infecções por SARS-CoV-2 com 2.135 pacientes, prevalecendo a idade média de 7 anos, sendo essa população susceptível a ser contaminada pelo vírus(14).

O local de internação se destacou como fator relevante, pois crianças internadas no pronto-socorro apresentaram 2,78 vezes mais chance de diagnóstico de COVID-19, enquanto aquelas internadas na UTI tiveram chance 2,52 vezes maior, em comparação à internação em enfermaria pediátrica. Esses achados podem estar relacionados ao perfil clínico inicial dos pacientes, à maior rotatividade e aglomeração de leitos nessas unidades, e à maior exposição a pacientes sintomáticos, especialmente no início da pandemia, quando havia escassez de equipamentos de proteção individual e protocolos ainda estavam em construção(15).

A mediana encontrada referente ao tempo de internação foi de dois dias, resultado próximo ao encontrado na literatura(16), sendo que, quanto maior o tempo de internação, maiores os riscos para os pacientes, devido à exposição a agentes infecciosos durante a hospitalização. Como a população pediátrica tem direito a acompanhantes, sua família também fica exposta a contrair doenças e, do mesmo modo, propagá-las(17). O perfil do paciente pediátrico é diverso e inerente às etapas de desenvolvimento, e existem algumas características comuns em relação às demandas de cuidados hospitalares a serem atribuídas. Este dado pode ser de grande relevância para auxiliar nas rotinas hospitalares e reorganização de serviços pediátricos, quando necessário, juntamente com as informações sobre o aspecto clínico dos pacientes(16).

Importante ressaltar que 64,2% das crianças hospitalizadas não fizeram uso de suporte ventilatório. Estudos enfatizam a discussão sobre utilização de suporte ventilatório com intenção de evitar danos futuros e aumento de internação hospitalar(18). Sabe-se que crianças são susceptíveis a desenvolver infecções nas vias respiratórias em decorrência das suas qualidades anatômicas, fisiológicas e imunológicas, e quando necessário a utilização de suporte ventilatório, o processo de desmame ventilatório compreende em 40% o tempo de internação(19).

O uso de antimicrobiano e corticoide foi amplamente empregado nas crianças investigadas. Nesta amostra, a análise indicou que crianças que utilizaram antimicrobianos apresentaram 58% menos chance de serem casos de COVID-19. Esse uso pode ser justificado pela tentativa de barrar infecção no trato respiratório, uma vez que, no princípio pandêmico, o conhecimento sobre o vírus era limitado, e se tratando de infecções respiratórias, há possibilidade de haver infecção mista ou infecção bacteriana secundária(20). Outra explicação é a cobertura empírica para possível superinfecção no trato respiratório e que seja adquirida em hospital(21).

O uso de corticoide também se associou ao maior risco de COVID-19, com aumento de 3,37 vezes na chance de diagnóstico, quando comparado ao controle. Contudo, o uso de corticoide muitas vezes é empregado em infecções de vias aéreas, devido ao seu efeito anti-inflamatório, à redução de replicação viral e à regulação da expressão de genes da enzima conversora de angiotensina 2(22).

Nesse sentido, avaliando a descrição dos sinais e sintomas da população pediátrica observados no estudo, pôde-se verificar que a presença de febre esteve associada a um aumento de 90% na chance de diagnóstico de COVID-19. Febre esteve presente na maior parte das crianças do grupo caso, sendo essa uma das queixas mais comuns em clínicas e hospitais infantis(23), além de um sinal referido isoladamente em cerca de 20 a 30% das consultas pediátricas. Além disso, a tosse foi verificada em ambos os grupos, o que vem de encontro com o estudo que destacou também a tosse como o principal sintoma identificado em 83% das crianças(24).

Os sintomas de tosse, coriza, padrão respiratório não eupneico e saturação de oxigênio de 90 a 95% apresentaram associação inversa com o diagnóstico de COVID-19, estando associados a uma menor chance de ocorrência desse desfecho na população estudada. No geral, em grande parte dos sinais e sintomas de casos de síndrome gripal, a tosse e a coriza foram apontadas como sintomatologia inicial, considerados sintomas clássicos das infecções aéreas, podendo ser seguidas de outros sintomas. Desse modo, fármacos são amplamente utilizados, devido ao incômodo gerado e à alteração da qualidade de vida a curto prazo(25).

Outro fator importante identificado foi a presença de comorbidades, que aumentou em 1,86 vezes a chance de COVID-19. Crianças com condições clínicas preexistentes, como doenças pulmonares crônicas ou antecedentes de prematuridade, podem apresentar maior susceptibilidade à infecção e evolução clínica menos favorável. De acordo com o The International Study of Asthma and Allergies in Childhood, um protocolo internacional validado e padronizado que favorece os estudos sobre asma e doenças alérgicas, apontou-se que o Brasil é um país com alta prevalência de doenças pulmonares, em especial asma e rinite alérgica(26).

A prematuridade ainda causa impactos na morbimortalidade dos recém-nascidos e sequelas permanentes no desenvolvimento das crianças. No Brasil, nos anos de 2011 a 2021, foram notificados cerca de 31.625.722 nascidos-vivos; desses, 3.503.085 eram prematuros, ou seja, com uma prevalência de 11%(27). Tais sequelas se refletem no futuro das crianças, sendo um fator de risco para crianças quando em contato com agressores virais respiratórios. Entretanto, nossos achados revelam que 76,3% das crianças não tinham outras doenças relacionadas. No entanto, a presença de comorbidades esteve associada a um aumento de 86% na chance de COVID-19. Possível explicação é que possuir comorbidade aumenta a chance de evoluir com prognóstico desfavorável(15).

Entre as crianças diagnosticadas com COVID-19, observou-se maior frequência de indivíduos que se autodeclararam pardos, pretos, amarelos ou indígenas, em comparação às crianças brancas, e a análise revelou que essas crianças apresentaram 55% mais chance de compor o grupo de casos, indicando uma associação estatisticamente significativa entre raça/cor e ocorrência de COVID-19 na população estudada. Estudo de caso-controle e revisão sistemática com metánalise informam que grupos raciais e étnicos (negros, latinos e hispânicos) são afetados de uma forma desproporcional, podendo ser por questões econômicas, desigualdades e condições de saúde análogas(14).

Observou-se que o uso de máscara de oxigênio e cateter nasal esteve mais frequentemente associado ao grupo controle. Esses achados sugerem que o uso desses suportes ventilatórios pode estar relacionado a quadros respiratórios de outras etiologias. O cateter nasal é um dos métodos de terapia não invasiva mais eficazes, devido à capacidade de evitar aerossolização e contaminação cruzada, além de ser confortável(28), e quando fornecido o suporte ventilatório, há redução de esforço do organismo, auxiliando na melhora do paciente e restabelecendo os níveis normais de oxigênio necessários para a saúde(29).

Em face dos resultados, observou-se que o local de internação (pronto-socorro e UTI), a presença de comorbidades, o uso de corticoide e o sintoma de coriza permaneceram significativamente associados ao diagnóstico de COVID-19. Crianças hospitalizadas no pronto-socorro apresentaram 2,78 vezes mais chance de diagnóstico, aquelas internadas em UTI, 2,52 vezes, e as que utilizaram corticoide, 3,37 vezes. Além disso, a presença de coriza esteve associada a um aumento de 2,25 vezes na chance de compor o grupo de casos. Esses achados evidenciam a complexidade da assistência à saúde de crianças acometidas pela COVID-19, e reforçam a necessidade de ampliação das estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e cuidados terapêuticos específicos para esse grupo populacional.

As limitações deste estudo incluem o caráter retrospectivo, que impossibilitou a observação direta da criança, e o fato de ter sido conduzido em um único hospital de ensino, o que pode limitar a generalização dos resultados. Outra limitação está relacionada ao não cegamento dos pacientes pertencentes ao grupo controle pelo pesquisador principal e a informações incompletas em banco de dados, acarretando inconsistência e, consequentemente, exclusão dos dados.

CONCLUSÃO

Entre os fatores associados à ocorrência da COVID-19 em menores de 14 anos hospitalizados, o local de internação (pronto-socorro e UTI), uso de corticoide, ter coriza e comorbidades foram os mais fortemente associados ao diagnóstico da doença. Os resultados deste estudo avançam no conhecimento ao fornecer informações importantes sobre sinais e sintomas apresentados pelas crianças durante a hospitalização pela COVID-19, bem como os fatores associados a essas ocorrências.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

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  • Apoio financeiro
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Editado por

  • EDITORA ASSOCIADA
    Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2025
  • Aceito
    03 Set 2025
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