Acessibilidade / Reportar erro

O cuidado da criança e o direito à saúde: perspectivas de mães adolescentes * * Extraído da dissertação "Promoção da saúde na infância e o direito à saúde: experiências de mães adolescentes no cuidado cotidiano de crianças", Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2014.

Resumo

OBJETIVO

Analisar os cuidados à saúde da criança e a defesa de seus direitos na perspectiva de mães adolescentes.

MÉTODO

Estudo exploratório com análise qualitativa temática dos dados, fundamentado em aspectos conceituais do cuidado e do direito à saúde, a partir de entrevistas semiestruturadas com 20 mães adolescentes adscritas por equipes de Saúde da Família.

RESULTADOS

Os relatos maternos apontam que o cuidado à saúde da criança requer responsabilidade e proteção, com práticas de saúde que promovam a defesa da criança. São também ressaltadas lacunas assistenciais que impedem a plena garantia do direito à saúde da criança.

CONCLUSÃO

O direito à saúde assumiu diferentes significados e as formas de garanti-lo estiveram vinculadas a condutas individuais em detrimento de ações em rede que consideram a saúde como um produto social, interligada com a garantia de outros direitos fundamentais.

Descritores:
Criança; Adolescente; Direito à Saúde; Enfermagem Pediátrica

Abstract

OBJECTIVE

To analyze child health care and the defense of their rights from the perspective of adolescent mothers.

METHODS

An exploratory study with qualitative thematic analysis of data, based on conceptual aspects of care and the right to health, from semi-structured interviews with 20 adolescent mothers ascribed by Family Health teams.

RESULTS

Maternal reports indicate that child health care requires responsibility and protection, with health practices that promote child advocacy. Gaps in assistance which preclude the full guarantee of the right to child health care were also highlighted.

CONCLUSION

The right to health care assumed different meanings, and the forms to guarantee them were linked to individual behavior in detriment to broader actions that consider health as a social product, connected to the guarantee of other fundamental rights.

Descriptors:
Child; Adolescent; Right to Health; Nursing

Resumen

OBJETIVO

Analizar los cuidados sanitarios del niño y la defensa de sus derechos bajo la perspectiva de madres adolescentes.

MÉTODO

Estudio exploratorio con análisis cualitativo temático de los datos, fundado en aspectos conceptuales del cuidado y el derecho a la salud, mediante entrevistas semiestructuradas a 20 madres adolescentes adscritas por equipos de Salud de la Familia.

RESULTADOS

Los relatos maternos señalan que el cuidado a la salud del niño requiere responsabilidad y protección, con prácticas sanitarias que promocionen la defensa del niño. Se subrayan también los hiatos asistenciales que impiden la plena garantía del derecho a la salud del niño.

CONCLUSIÓN

El derecho a la salud asumió distintos significados y las formas de asegurarlo estuvieron vinculadas a conductas individuales en detrimento de acciones en red que consideran la salud como un producto social, interconectada con la garantía de otros derechos fundamentales.

Descriptores:
Niño; Adolescente; Derecho a la Salud; Enfermería Pediátrica

Introdução

No cuidado à saúde da criança, é fundamental a atenção às suas necessidades essenciais( 1Mello DF, Henrique NCP, Pancieri L, Veríssimo MLOR, Tonete VLP, Malone M. Child safety from the perspective of essential needs. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):604-10. )e a identificação das situações vulneráveis frente às condições adversas para o seu desenvolvimento(2-3). Também é de extrema importância um olhar ampliado para o cuidado da criança, levando em conta as fragilidades para sua própria proteção e defesa( 4Oberg CN. Embracing international children's rights: from principles to practice. Clin Pediatr. 2012;51(7):619-24. ), as quais demandam a presença e o envolvimento de atores que exerçam a advocacia pela garantia de seus direitos( 5Andrade RD, Mello DF, Silva MAI, Ventura CAA. Advocacia em saúde na atenção à criança: revisão da literatura. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):738-44. ).

A preocupação internacional com os direitos da criança emergiu no final do século XIX, com um movimento global para proteção dos direitos da criança( 6Streuli JC, Michel M, Vayena E. Children's rights in pediatrics. Eur J Pediatr. 2011;170(1):9-14. ). No âmbito do reconhecimento dos direitos infantis, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi considerada um marco legal de referência( 6Streuli JC, Michel M, Vayena E. Children's rights in pediatrics. Eur J Pediatr. 2011;170(1):9-14. ), e trouxe princípios que constam da Constituição Federal do Brasil de 1988 (art. 227) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990.

De acordo com o paradigma da proteção integral, as crianças e os adolescentes são considerados sujeitos detentores de direitos que, por se encontrarem em condição peculiar de desenvolvimento, necessitam de atenção e proteção especiais, devendo ser prioridade absoluta do Estado, da sociedade e da família( 7Alves CF, Siqueira AC. Os direitos da criança e do adolescente na percepção de adolescentes dos contextos urbano e rural. Psicol Ciênc Prof. 2013;33(2):460-73. ). Do ponto de vista formal, o Brasil conta com programas sociais e leis específicas como mecanismos legais de proteção e apoio para os grupos de maior vulnerabilidade. Porém, ainda existem segmentos sociais que sequer conhecem seus direitos e os mecanismos para assegurá-los.

Uma situação delicada, complexa e singular ocorre quando a mãe da criança é uma adolescente. O entendimento do ser adolescente deve pautar-se em uma visão sistêmica e construtivista do processo de adolescer, pois a adolescência é período que requer atenção e proteção especial( 8Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(2):619-27. ). A maternidade na adolescência requer também a presença de profissionais capacitados para identificar e atender às demandas da adolescente mãe e da criança para além da dimensão biológica, visando à promoção da saúde e qualidade de vida, empoderamento materno e efetivação de direitos da adolescente e da criança( 9Vieira APR, Laudade LGR, Monteiro JCS, Nakano AMS. Motherhood in adolescent and family support: implications in breast care and self-care in postpartum. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):679-87. - 1010 Ferreira FM, Haas VJ, Pedrosa LAK. Quality of life of adolescents after maternity. Acta Paul Enferm. 2013;26(3):245-9. ).

A garantia do direito à saúde da criança remete à necessidade da integralidade na atenção e do empoderamento de cuidadores e famílias, por meio da construção de conhecimentos e fortalecimento das competências e habilidades referentes ao cuidado e atitudes de defesa, em que o profissional exerce papel de facilitador e mediador, buscando promoção e garantia do direito à saúde( 5Andrade RD, Mello DF, Silva MAI, Ventura CAA. Advocacia em saúde na atenção à criança: revisão da literatura. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):738-44. , 1111 Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8. ). Estudos também têm enfatizado a importância do conhecimento dos direitos pelas pessoas, relacionado à capacidade de cuidar e ao autocuidado( 1212 Denvir C, Balmer NJ, Pleasence P. When legal rights are not a reality: do individuals know their rights and how can we tell? J Soc Welf Fam Law. 2013;35(1):139-60. ), ao entendimento da criança como ser de direitos( 6Streuli JC, Michel M, Vayena E. Children's rights in pediatrics. Eur J Pediatr. 2011;170(1):9-14. ), ao modo como os direitos são reconhecidos pelas famílias( 1313 Kelly M, Jones S, Wilson V, Lewis P. How children's rights are constructed in family-centred care: a review of the literature. J Child Health Care. 2012;16(2):190-205. ), e seus benefícios para a prática clínica( 4Oberg CN. Embracing international children's rights: from principles to practice. Clin Pediatr. 2012;51(7):619-24. ).

No âmbito da defesa do direito à saúde na infância, torna-se relevante conhecer as perspectivas das mães adolescentes e o que atribuem ao direito à saúde de seus filhos, em busca de subsídios para a integralidade da atenção e o fortalecimento das famílias em suas atitudes de defesa da saúde. Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar os cuidados à saúde da criança e a defesa de seus direitos na perspectiva de mães adolescentes.

Método

Estudo exploratório com análise qualitativa dos dados, fundamentado em aspectos conceituais do cuidado e do direito à saúde( 1414 França Júnior I, Ayres JRCM. Saúde pública e direitos humanos. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, organizadores. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola; 2009. p. 63-9. - 1515 Aneas TV, Ayres JRCM. Significados e sentidos das práticas de saúde: a ontologia fundamental e a reconstrução do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011;15(38):651-62. ), de acordo com o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)( 1616 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. ).

A investigação foi realizada no município de Passos, MG, Brasil, com a participação de 20 mães adolescentes adscritas por equipes que atuam em Unidades de Saúde da Família (USF). Para a seleção, as 17 USF existentes no referido município foram dispostas em uma sequência, em ordem decrescente, de acordo com levantamento do número de mães adolescentes cadastradas no período de 01/01/2012 a 31/12/2013.

Os critérios de inclusão foram: mãe com idade entre 12 e 18 anos, ter o filho com idade entre seis meses e menor de dois anos, estar cadastrada e ser acompanhada pela equipe das USF. Os critérios de exclusão foram: interrupção do seguimento da saúde da criança nas USF selecionadas, mudança da área de abrangência das USF, mãe com problemas de saúde mental, ou não ser encontrada após três tentativas no domicílio em horários diferentes.

O instrumento elaborado para a coleta de dados foi refinado por meio de teste piloto. A coleta de dados, realizada pela primeira autora, ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2014 e seguiu as etapas: comparecimento da pesquisadora às USF selecionadas; elaboração de uma lista com os nomes e endereços das mães adolescentes adscritas que atendiam aos critérios de inclusão do estudo, com o auxílio dos integrantes da equipe de Saúde da Família (SF); ida ao domicílio das mães adolescentes em companhia de um Agente Comunitário de Saúde (ACS); abordagem das mães adolescentes por meio de visita domiciliária (VD) e realização de entrevista individual semiestruturada gravada. Durante a visita, foram explicados os objetivos e procedimentos da pesquisa e, caso o responsável legal permitisse a participação da mãe adolescente e ela assentisse em participar, eram lidos e assinados os termos de consentimento e assentimento. Os mesmos procedimentos foram adotados para todas as participantes das 17 USF selecionadas até que ocorresse a saturação teórica( 1717 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Sampling in qualitative research: a proposal for procedures to detect theoretical saturation. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):389-94. ), denotada na 20ª entrevista. Deve-se pontuar que não houve recusa para a participação na pesquisa.

As entrevistas semiestruturadas, realizadas em um único encontro, com duração de 40 minutos a uma hora, foram conduzidas com estímulo dos relatos de forma livre, utilizando como questão disparadora: Desde o nascimento, como tem sido cuidar do seu filho ? A partir dessa questão, foram incentivados os relatos de situações cotidianas, percepções da proteção e segurança da criança e das práticas de saúde infantil, o que permitiu que as mães adolescentes narrassem o cuidado da criança com ênfase na defesa da saúde.

A análise dos dados qualitativos foi elaborada com base na análise de conteúdo do tipo temática indutiva( 1818 Buetow S. Thematic analysis and its reconceptualization as 'saliency analysis'. J Health Serv Res Policy. 2010;15(2):123-5. ). A partir desse modelo indutivo, os temas identificados foram extraídos dos próprios dados e realizou-se um processo de codificação dos mesmos, não fixados a priori , ou seja, foram embasados nos próprios dados( 1818 Buetow S. Thematic analysis and its reconceptualization as 'saliency analysis'. J Health Serv Res Policy. 2010;15(2):123-5.). O processo de codificação foi pautado em leituras repetitivas dos dados coletados, identificação de situações significativas e da regularidade com que apareceram nas entrevistas, análise dos significados, elaboração e discussão dos temas. Cabe mencionar que não foram utilizados programas informatizados para gerenciar os dados.

A pesquisa obteve aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa, parecer nº 507.936, CAAE: 21800413.9.0000.5112, e seguiu as recomendações para a pesquisa com seres humanos, com utilização de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento.

Resultados

Em uma caracterização geral das 20 participantes do estudo, destaca-se que a idade variou de 15 a 18 anos, nove tinham o ensino médio incompleto, 10 eram solteiras, 10 tinham renda familiar de até um salário mínimo, 17 tinham um filho e 12 crianças eram menores de um ano de idade. No tocante ao cuidado da criança, 17 mães adolescentes contavam com ajuda de outras pessoas, com ênfase para a avó materna da criança, referida por 14 mães.

Os resultados foram agrupados nas seguintes unidades temáticas: Viver com saúde: responsabilidade, proteção e direito; As práticas de saúde para a defesa da criança; Lacunas para a garantia do direito à saúde da criança.

Viver com saúde: responsabilidade, proteção e direito

Nos relatos maternos, notam-se aspectos positivos para o bem-estar da criança, estabelecendo uma interface entre direito à saúde e ausência de doenças. Ainda, apontam a importância da responsabilidade da família.

Eu penso assim, que é ela não ficar doente, viver com saúde, e isso é muito bom! Criança doente é muito ruim, a mãe sofre junto, a família sofre (E12).

Eu penso que ela tem direito de viver com saúde, que é um direito dela mesmo. A família pode dar o máximo para ela ter saúde. (...) Acompanhar certinho, indo nos médicos, levando ela para pesar, quando tiver uma gripinha levar ao médico, não dar remédios para ela sem indicação médica (E10).

Um olhar mais abrangente sobre o direito à saúde da criança, vinculando-o com o cuidado protetor, com ênfase para a promoção da alimentação saudável e garantia de um ambiente seguro, pode ser evidenciado nos relatos maternos:

Eu penso em tudo, assim, para as minhas crianças terem direito à saúde, eu penso que a gente tem que cuidar direitinho delas, cuidar direito, olhar para não deixar acontecer nada de ruim, para não deixar eles machucarem. (...) Tem que cuidar porque saúde é tudo (E9).

Eu penso que é um direito dela, que a gente tem que fazer o possível para que ela seja uma criança saudável. (...) Assim, dando um alimento melhor para ela, dando bastante coisa saudável para ela, para ela viver com saúde (E20).

O direito à saúde também foi representado como um direito social, que deve ser desfrutado por toda e qualquer criança, considerando sua fragilidade. Assim, as mães apontam preocupação com a qualidade dos serviços e profissionais na assistência à saúde, o que inclui sua prontidão e priorização da criança no atendimento, devido a sua fragilidade, tal como as próprias mães o fazem.

Acredito que toda criança tem direito de viver com saúde. (...) E para garantir esse direito acho que tem que ter mais médicos de qualidade(E18).

O direito que ele tem à saúde é assim, se ele passar mal, acho que ele tem o direito a um lugar para atender ele, o mais rápido possível porque ele é uma criança e a saúde dele é mais fraca (E5).

Eu penso que é um direito dela, é certo, ela tem que viver com saúde. (...) Para garantir esse direito para ela é preciso cuidar dela, e eu cuido dela, eu acredito que eu cuido dela muito bem. Quando está com alguma coisinha eu sempre estou cuidando, estou procurando ajuda do pessoal do postinho [USF]. E u vivo para ela, ela é uma prioridade para mim (E17).

As práticas de saúde para a defesa da criança

As práticas de saúde e as ações profissionais nas USF vistas pelas mães adolescentes mostram-se favoráveis, de certo modo, ao exercício da defesa da saúde da criança, de acordo com as necessidades e vulnerabilidades encontradas.

O pessoal do PSF dá muita atenção para ele, eles contribuem bastante para a saúde dele. (...). Também na pesagem a gente fica sabendo como que a criança está, se está baixo o peso, o que é preciso para melhorar, se está gordo, se está magro. (...) a enfermeira dá orientação para a gente. (...). Lá no PSF o atendimento é assim. Teve um dia que eu passei pelo nutricionista também, ele me passou um papel com algumas coisas que eu tinha que dar para o meu filho, porque ele está quase com baixo peso. A gente passa pela enfermeira, e, se precisar, passa no médico e no nutricionista (E13).

A visita domiciliária é outra prática apontada pelas mães adolescentes, com possibilidade de atitudes de defesa dos profissionais da equipe. Destacam o ACS, que as acompanha regularmente, identifica situações de vulnerabilidade para a saúde infantil, como alimentação inadequada, ou acometimento por alguma doença, e busca orientar a mãe, incentivando-a a proteger a saúde da criança:

O pessoal do PSF faz visita aqui em casa. Quase toda semana as meninas [ACS] vêm aqui em casa para ver como que ele está, avisam sobre campanhas de vacina, elas sempre estão vindo aqui, avisando, orientando. (...) quando ele está com gripe, doentinho, elas orientam a gente a ir lá ao posto [USF] para consultar, para ver o que ele tem, passar o remédio certo, elas ajudam bastante (E15).

Agora que ela está crescendo, ela está parando de comer as coisas, só gosta do caldo de feijão mesmo. A agente [ACS] disse que eu tenho que levar ela na nutricionista para ver isso direito, porque ela tem que comer outros alimentos, não pode ficar só no caldo de feijão (E20).

Atitudes de defesa exercidas por profissionais da saúde, que atuam no âmbito hospitalar, também foram identificadas e ressaltam a importância do reconhecimento das necessidades da criança com prontidão, acesso e especificidade da atenção, até mesmo em função de outros atendimentos profissionais menos atentos ou inadequados à situação da criança:

Quando ela deu parada respiratória, ela estava na pediatria, uma doutora estava cuidando dela. Eu falei para doutora que ela estava quietinha, que ela não estava bem. A doutora esperou minha filha dar parada respiratória dentro da Santa Casa. Aí, depois chegou outro doutor, que é o pediatra que eu faço acompanhamento até hoje. Ele veio e falou que ia subir ela para a UTI, que na pediatria não era lugar para ela ficar, que não sabia o que ela estava fazendo na pediatria. Porque se ela tivesse ficado na pediatria, o pessoal de lá não dava conta dela. Nesse momento ele me ajudou bastante. Aí, esse pediatra acompanha ela, fala o que ela pode, o que ela não pode, me orienta muito, me dá muita segurança. (...) Se não fosse por ele eu já tinha perdido ela (E11).

Lacunas para a garantia do direito à saúde da criança

Os relatos maternos apontam lacunas que ocorrem no pré-natal e no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, mostrando certas fragilidades para a garantia do direito à saúde na infância.

Em se tratando de uma gestante adolescente, a captação para o pré-natal pode ser dificultada, tendo em vista que algumas adolescentes, por insegurança e medo, por exemplo, da reação dos pais, omitem a gestação, retardando o início do acompanhamento:

Eu não fiz pré-natal. Quando eu contei que estava grávida para minha mãe eu já estava de cinco meses. Aí, depois eu fiz dois ultrassons. E eu ganhei ela de sete meses de gestação (E11).

Quando a atenção do profissional é restrita à avaliação física da criança e sem o estabelecimento de comunicação apropriada com a mãe, ela não identifica uma ação protetora por parte do profissional.

Eu chego lá, ele [enfermeiro] anota no caderninho, deita ela, mede, o tamanho [comprimento] , a cabeça [perímetro cefálico] , aqui no tórax [perímetro torácico] , e depois pesa ela (...). Mas, assim, não dá orientação, só fala que ela está no peso normal ou se ela não está (E4).

Eu faço acompanhamento dela no PSF, levo para pesar, para medir. (...) Eu tinha que levar na segunda semana de fevereiro, mas ela está na creche, e não deu para levá-la (E12).

A dificuldade de acesso a atendimentos, exames e medicamentos aponta para fragilidades do sistema de saúde local, o que expõe as crianças a diversas situações de vulnerabilidade:

É muito difícil ela [médica da USF] atender criança, ela manda para o pediatra. E pediatra está difícil conseguir. Lá em cima[ambulatório] está muito difícil conseguir ficha para pediatra. Toda vez que você vai lá, ou não tem vaga, ou o médico faltou, toda vez é isso. (...) Muita gente procura o pediatra lá e não tem vaga para todo mundo. Então, sempre fica criança sem ser atendida, e precisando ser atendida. (...) Teve uma vez que inflamou a garganta da minha filha, ela estava com muita febre e mesmo assim eu não consegui vaga. Aí, eu tive que levar ela lá no Pronto-Socorro (E20).

Ele estava com sopro no coração (...) O exame [ecocardiograma] , se nós estivéssemos esperando pelo SUS, não teria saído até hoje, a gente teve que pagar. (...) Então, para marcar exame é complicado. Os dois exames que ele fez foram ganhados, porque se fosse para eu e o meu marido pagar a gente não tinha condições. (...) Já faz sete meses que o pedido de exame está na fila para marcar e não marcou até hoje. (...) A primeira consulta com a cardiologista infantil a gente pagou porque iria demorar a sair. A consulta, pelo SUS, nós pedimos com um mês de vida e saiu com quatro meses. (...) Então, tem muita coisa que é deixada de lado e isso tem que melhorar, para dar prosseguimento, para olhar a criança.(E5).

Remédio também, você quer ir lá para pegar uma vitamina, uma coisa assim, não tem ou acabou. Pedem para ir na sexta-feira, você vai e o que chegou já acabou, não tem mais. Igual, ela está com uma alergia, é tipo uma alergia, aí a pomada que precisa passar, toda vez que eu vou lá não tem (E3).

Outro aspecto questionado pelas mães está relacionado à comunicação das orientações e recomendações de saúde, com pouco ou quase nenhum esclarecimento por parte dos profissionais de saúde:

Ontem, eu a levei em uma consulta com o pediatra. Aí ele pediu que eu observasse a linguinha dela, ele não falou o porquê, só mandou eu observar a linguinha dela. Eu perguntei o porquê e ele falou: 'Só observa para mim'. Disse que era para eu ficar olhando se a língua dela iria dobrar assim [mostra com a própria língua]. (...) Aí, eu fiquei preocupada, pensei que poderia ser por causa da fala, mas ela já fala, já fala 'mamãe', 'papai' (E4).

Discussão

No presente estudo, o exercício do direito à saúde da criança foi representado de forma heterogênea pelas mães adolescentes entrevistadas. Foram encontrados aspectos referentes à responsabilidade da mãe e família para a promoção e proteção da saúde da criança, às atitudes dos profissionais de saúde que contribuem para a defesa da saúde infantil, bem como ao reconhecimento de lacunas existentes na rede de atenção à saúde da criança do município estudado, que muitas vezes podem fragilizar o exercício do direito à saúde na infância. Também merece destaque o fato de que nenhuma das entrevistadas mencionou o Colegiado Gestor das unidades públicas de saúde como uma instância, prevista na Lei Orgânica da Saúde, no Brasil, para apresentar suas sugestões e queixas sobre o funcionamento dos serviços.

Os relatos maternos não relacionaram diretamente o direito à saúde na infância às legislações existentes, bem como o papel do Estado na garantia desse direito. O direito à saúde esteve vinculado, predominantemente, às ações dos serviços de saúde e aos cuidados maternos e familiares. Ações intersetoriais, reconhecendo a amplitude e complexidade do processo saúde-doença, assim como a formação de parcerias entre os serviços de saúde e as famílias não foram mencionadas por essas mães, no contexto do direito à saúde na infância. Tais aspectos sugerem certos limites para advogar em prol da saúde da criança.

Assim, nota-se que os relatos mostraram concepções naturalizadas da saúde e as ações de atenção circunscritas à assistência curativa em casos de enfermidades, embora também tenha havido menção a ações de promoção, especialmente quanto à alimentação saudável e observação constante da criança. Da mesma forma, as lacunas que dificultam a garantia do direito à saúde da criança também foram restritas a comportamentos e atenção individual dos profissionais ou das famílias.

Cabe refletir que, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde é entendida como um direito de todos que deve ser assegurado pelo Estado, admitindo seus determinantes sociais e relacionando à qualidade de vida( 1111 Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8., 1919 Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(1):181-90. ). Para tanto, é preciso salientar que o direito vai além da existência de leis e do monopólio estatal, sendo um processo de construção social( 1111 Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8. ). Assim, a garantia do direito à saúde da criança demanda a participação de diversos segmentos sociais e abordagens ampliadas que possibilitam a articulação das políticas públicas e das ações profissionais, buscando a promoção da saúde, a proteção da criança e o pleno desenvolvimento infantil( 2Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(6):1397-402. , 4Oberg CN. Embracing international children's rights: from principles to practice. Clin Pediatr. 2012;51(7):619-24. , 1414 França Júnior I, Ayres JRCM. Saúde pública e direitos humanos. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, organizadores. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola; 2009. p. 63-9.).

Na saúde infantil, a assistência prestada pelos serviços de saúde deve considerar os diversos atores que exercem um papel essencial na proteção da saúde da criança, isto é, pais, família, comunidade, bem como outros cuidadores que assistem essa clientela, incluindo profissionais de diversas áreas( 2020 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Furtado MCC, Mello DF. Integrality of actions among professionals and services: a necessity for child's right to health. Esc Anna Nery. 2013;17(4):772-80.). Todavia, tal como as mães desta pesquisa apontam, ainda há lacunas assistenciais que limitam a efetivação da integralidade das ações em saúde e a proteção integral da criança( 2020 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Furtado MCC, Mello DF. Integrality of actions among professionals and services: a necessity for child's right to health. Esc Anna Nery. 2013;17(4):772-80. 2121 Arcos E, Muñoz LA, Sanchez X, Vollrath A, Gazmuri P, Baeza M. Effectiveness of the comprehensive childhood protection system for vulnerable mothers and children. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(5):1071-9. ).

O acompanhamento pré-natal, que seria a primeira etapa da atenção integral à criança, mostrou-se fragilizado no caso da gestação dessas adolescentes, pois nem sempre ocorreu adequadamente. Indubitavelmente, a qualidade na assistência pré-natal, buscando a promoção da saúde e a prevenção de riscos associados à gestação e ao período neonatal, auxilia na redução da morbimortalidade materna e neonatal( 2222 Santos NLAC, Costa MCO, Amaral MTR, Vieira GO, Bacelar EB, Almeida AHV. Gravidez na adolescência: análise de fatores de risco para baixo peso, prematuridade e cesariana. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(3):719-26. ). No âmbito do cuidado pré-natal a gestantes adolescentes, é preciso se atentar para as peculiaridades dessa clientela, compreender as diferenças de valores e a cultura, privilegiando o estabelecimento de espaços de diálogo e a autonomia dos sujeitos na organização progressiva do cuidado( 2323 Barbaro MC, Lettiere A, Nakano MAS. Prenatal care for adolescents and attributes of primary health care. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):108-14. ).

A gestação e a maternidade na adolescência se apresentam como um processo contínuo de aprendizado e, para que a adolescente consiga enfrentar situações e participar mais ativamente da tomada de decisão frente à maternidade, ela precisa ser preparada e empoderada, sendo essencial a presença de uma rede de apoio( 9Vieira APR, Laudade LGR, Monteiro JCS, Nakano AMS. Motherhood in adolescent and family support: implications in breast care and self-care in postpartum. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):679-87. , 2424 Merino MFGL, Zani AV, Teston EF, Marques FRB, Marcon SS. The difficulties of motherhood and the family support under the gaze of the teenage mother. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):670-8. - 2525 Barlow A , Mullany B, Neault N, Compton S, Carter A, Hastings R, et al. Effect of a paraprofessional home-visiting intervention on American Indian teen mothers' and infants' behavioral risks: a randomized controlled trial. Am J Psychiatry. 2013;170(1):83-93. ). Aliado a isso, é importante que o cuidado em saúde possibilite acolhimento, vínculo e responsabilização de quem cuida e daquele que é cuidado, reconhecendo direitos, limites e possibilidades de cada um dos envolvidos( 6Streuli JC, Michel M, Vayena E. Children's rights in pediatrics. Eur J Pediatr. 2011;170(1):9-14. , 1313 Kelly M, Jones S, Wilson V, Lewis P. How children's rights are constructed in family-centred care: a review of the literature. J Child Health Care. 2012;16(2):190-205. , 1515 Aneas TV, Ayres JRCM. Significados e sentidos das práticas de saúde: a ontologia fundamental e a reconstrução do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011;15(38):651-62. ).

Alguns aspectos identificados nos relatos mostram as preocupações das mães adolescentes que vislumbram nas ações profissionais um potencial para agir em defesa da saúde da criança, com base em um olhar sensível e uma prática comprometida, buscando identificar demandas e vulnerabilidades, acesso às condutas necessárias, assim como estabelecer espaços de diálogo.

Neste estudo, não houve menção a situações de defesa da saúde da criança durante o parto, o que pode ter ocorrido por ser um evento pontual e já relativamente distante na experiência das mães no momento da entrevista, mas esse é também um momento crucial em que se fazem necessárias diversas ações para garantir o direito à saúde da criança e da mãe.

No contexto da defesa do direito à saúde da criança, o acompanhamento ao seu crescimento e desenvolvimento é fundamental, e a puericultura deve ser entendida como um momento de cuidado particularizado, em que ocorre a avaliação da criança, estendendo o olhar à mãe e ao entorno familiar, o que enseja a identificação de vulnerabilidades e a promoção do acesso às condutas necessárias( 2626 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Silva MAI, Mello DF. The child care as time defense of the right to health of children. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):719-27. ). Ainda, a puericultura é um momento que possibilita o acompanhamento da relação mãe-filho, a educação em saúde, a troca de experiências e a formação de parceria com a mãe para um cuidado protetor à criança, que promova a saúde e a qualidade de vida infantil( 2626 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Silva MAI, Mello DF. The child care as time defense of the right to health of children. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):719-27. - 2727 Gomes LMX, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm. 2014;27(4):348-55.). Ressalta-se que, quando a criança se encontra na creche, há dificuldades para o comparecimento à puericultura. Diante disso, a equipe de SF deve pensar em alternativas para o atendimento, considerando as necessidades dessa clientela e a importância de assegurar o direito de se ausentar do trabalho para levar o filho nas consultas e a flexibilidade na creche de entrar em outro horário em função das consultas de rotina.

Elementos essenciais para o cuidado e a advocacia da criança englobam atenção, sensibilidade e habilidade de comunicação dos profissionais de saúde, ampliando o protagonismo social dos sujeitos( 2626 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Silva MAI, Mello DF. The child care as time defense of the right to health of children. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):719-27. ). Todavia, em algumas colocações das mães adolescentes, as orientações aparecem de forma normativa e sem abertura para possíveis questionamentos das condutas, sem oportunidades para esclarecer dúvidas sobre a saúde de seus filhos, o que gera insegurança e preocupação. Ainda, os aspectos ressaltados sugerem a pequena articulação do sistema de saúde municipal, destacando-se tanto a necessidade de fortalecimento da rede de atenção à clientela infantil quanto a necessidade de educação permanente dos profissionais de saúde, em busca da ampliação do cuidado, relevância da formação de parcerias com as mães e famílias, para que se possa, efetivamente, contribuir para a defesa e garantia do direito à saúde na infância.

Para tanto, é preciso que os serviços de saúde sejam guiados pela integralidade na atenção, elemento central para a consolidação de um modelo de saúde que incorpore a universalidade e a equidade nas práticas, visando à garantia do direito à saúde( 1919 Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(1):181-90. , 2828 Silva RMM, Viera CS, Toso BRGO, Neves ET, Rodrigues RM. Problem-solving capacity in children health care: the perception of parents and caregivers. Acta Paul Enferm. 2013;26(4):382-8.). Contudo, os resultados mostram que ainda há fragmentações nos serviços de atenção e nas relações profissionais que expõem a criança a vulnerabilidades, pois suas necessidades deixam de ser atendidas integralmente( 2020 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Furtado MCC, Mello DF. Integrality of actions among professionals and services: a necessity for child's right to health. Esc Anna Nery. 2013;17(4):772-80. ), e as mães sentem-se desamparadas pelos profissionais e pelos serviços. Em face dessas questões, para alcançar a integralidade na atenção e o exercício do direito à saúde, as práticas precisam de fortalecimento por meio da construção de planos de responsabilização entre os diferentes atores sociais envolvidos no cuidado da criança( 1515 Aneas TV, Ayres JRCM. Significados e sentidos das práticas de saúde: a ontologia fundamental e a reconstrução do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011;15(38):651-62. , 2626 Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Silva MAI, Mello DF. The child care as time defense of the right to health of children. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):719-27. ).

As atitudes de profissionais de saúde em defesa da saúde infantil devem englobar uma multiplicidade de fatores, com uma amplitude de compreensão do processo saúde-doença, tornando imperativo que, ao exercer o papel de advogar pela saúde daqueles que assiste, o profissional de saúde, seja ele enfermeiro, médico ou outros, desenvolva um processo de comunicação para a criação de parcerias com todos os segmentos que se fizerem necessários para a garantia do direito à saúde( 5Andrade RD, Mello DF, Silva MAI, Ventura CAA. Advocacia em saúde na atenção à criança: revisão da literatura. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):738-44. , 1414 França Júnior I, Ayres JRCM. Saúde pública e direitos humanos. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, organizadores. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola; 2009. p. 63-9. ). Todavia, no presente estudo, percebeu-se que a realização de parcerias com outros mecanismos e setores sociais se mostrou frágil ou inexistente.

O papel de mediador da atenção à criança exercido pelo enfermeiro pode ser vislumbrado com grande potencial para a defesa do direito à saúde( 1111 Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8. ). Logo, o enfermeiro, por meio da formação de alianças, também pode fortalecer o exercício da cidadania das pessoas( 1111 Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8. ), bem como contribuir para construção de habilidades e recursos, por meio da formulação e execução compartilhada de um plano de ação que fomenta o bem-estar( 1515 Aneas TV, Ayres JRCM. Significados e sentidos das práticas de saúde: a ontologia fundamental e a reconstrução do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011;15(38):651-62. ). Nesse sentido, destaca-se a atuação do enfermeiro na ESF com possibilidades para acompanhamento integral e longitudinal da adolescente e da criança, o que contribui para a realização de práticas de defesa e promoção da saúde desses segmentos.

O empoderamento da mãe adolescente também se apresenta como uma forma de defesa da saúde infantil. A percepção, por parte das mães, de que são, juntamente com seus filhos, sujeitos detentores de direitos, poderá auxiliá-las no desenvolvimento de suas potencialidades e protagonismo, assim como na construção da cidadania, favorecendo a diminuição da distância entre os expostos nas leis e a realidade concreta de vida( 7Alves CF, Siqueira AC. Os direitos da criança e do adolescente na percepção de adolescentes dos contextos urbano e rural. Psicol Ciênc Prof. 2013;33(2):460-73. , 1212 Denvir C, Balmer NJ, Pleasence P. When legal rights are not a reality: do individuals know their rights and how can we tell? J Soc Welf Fam Law. 2013;35(1):139-60.).

A sobrevivência das crianças está ligada, entre outros aspectos relevantes, à presença e envolvimento do outro, elas são dependentes da manutenção da proximidade de pessoas que desempenhem funções de proteção e fornecimento de alimentação, conforto e segurança( 3Britto PR, Ulkuer N. Child development in developing countries: child rights and policy implications. Child Dev. 2012;83(1):92-103. ). Outro aspecto importante a ressaltar é que as políticas públicas precisam influenciar o ambiente próximo da criança, bem como a comunidade, os profissionais de saúde e demais áreas e gestores( 3Britto PR, Ulkuer N. Child development in developing countries: child rights and policy implications. Child Dev. 2012;83(1):92-103. ). Um ambiente ótimo inclui pessoas-chave com boa interação com a criança e oferta de oportunidades positivas para a criança crescer, aprender e se desenvolver( 3Britto PR, Ulkuer N. Child development in developing countries: child rights and policy implications. Child Dev. 2012;83(1):92-103. ).

Os aspectos elencados visam manter condições favoráveis ao desenvolvimento na primeira infância e nas fases subsequentes, garantindo que os primeiros anos sejam preservados e seus direitos certificados( 3Britto PR, Ulkuer N. Child development in developing countries: child rights and policy implications. Child Dev. 2012;83(1):92-103. ). Assim, uma atuação ampliada dos profissionais de saúde implica sujeitos potenciais no processo de defesa dos direitos na infância e na adolescência, em busca da promoção e proteção da saúde.

Conclusão

Neste estudo foi possível tecer algumas considerações sobre o direito à saúde da criança nas singularidades expressas pelas mães adolescentes. O direito à saúde da criança assumiu diferentes significados, contudo, as formas de garanti-lo estiveram vinculadas a condutas individuais em detrimento de ações amplas que consideram a saúde como um produto social, interligada com a garantia de outros direitos fundamentais. Apreendeu-se que as lacunas na assistência à criança resultam em situações de vulnerabilidade e privação do exercício do direito à saúde. Além disso, as atitudes de defesa dos profissionais de saúde pela saúde infantil, na visão das mães estudadas, tiveram contribuição limitada para a construção de redes de parceria e corresponsabilidade pela saúde da criança.

Cabe destacar a necessidade dos princípios da defesa dos direitos da criança nortearem as práticas, contribuindo efetivamente para a promoção da saúde e a garantia dos direitos na infância, bem como a importância do empoderamento materno para a defesa da saúde infantil.

É importante salientar que os resultados deste estudo referem-se ao contexto vivenciado por mães adolescentes que expressaram alguns aspectos e, assim, uma abordagem da temática com comparações com outras experiências maternas podem trazer novas contribuições para a construção das práticas voltadas para a defesa e garantia da saúde infantil.

References

  • 1
    Mello DF, Henrique NCP, Pancieri L, Veríssimo MLOR, Tonete VLP, Malone M. Child safety from the perspective of essential needs. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):604-10.
  • 2
    Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(6):1397-402.
  • 3
    Britto PR, Ulkuer N. Child development in developing countries: child rights and policy implications. Child Dev. 2012;83(1):92-103.
  • 4
    Oberg CN. Embracing international children's rights: from principles to practice. Clin Pediatr. 2012;51(7):619-24.
  • 5
    Andrade RD, Mello DF, Silva MAI, Ventura CAA. Advocacia em saúde na atenção à criança: revisão da literatura. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):738-44.
  • 6
    Streuli JC, Michel M, Vayena E. Children's rights in pediatrics. Eur J Pediatr. 2011;170(1):9-14.
  • 7
    Alves CF, Siqueira AC. Os direitos da criança e do adolescente na percepção de adolescentes dos contextos urbano e rural. Psicol Ciênc Prof. 2013;33(2):460-73.
  • 8
    Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(2):619-27.
  • 9
    Vieira APR, Laudade LGR, Monteiro JCS, Nakano AMS. Motherhood in adolescent and family support: implications in breast care and self-care in postpartum. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):679-87.
  • 10
    Ferreira FM, Haas VJ, Pedrosa LAK. Quality of life of adolescents after maternity. Acta Paul Enferm. 2013;26(3):245-9.
  • 11
    Ventura CAA, Mello DF, Andrade RD, Mendes IAC. Aliança da enfermagem com o usuário na defesa do SUS. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):893-8.
  • 12
    Denvir C, Balmer NJ, Pleasence P. When legal rights are not a reality: do individuals know their rights and how can we tell? J Soc Welf Fam Law. 2013;35(1):139-60.
  • 13
    Kelly M, Jones S, Wilson V, Lewis P. How children's rights are constructed in family-centred care: a review of the literature. J Child Health Care. 2012;16(2):190-205.
  • 14
    França Júnior I, Ayres JRCM. Saúde pública e direitos humanos. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, organizadores. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola; 2009. p. 63-9.
  • 15
    Aneas TV, Ayres JRCM. Significados e sentidos das práticas de saúde: a ontologia fundamental e a reconstrução do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011;15(38):651-62.
  • 16
    Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57.
  • 17
    Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Sampling in qualitative research: a proposal for procedures to detect theoretical saturation. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):389-94.
  • 18
    Buetow S. Thematic analysis and its reconceptualization as 'saliency analysis'. J Health Serv Res Policy. 2010;15(2):123-5.
  • 19
    Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(1):181-90.
  • 20
    Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Furtado MCC, Mello DF. Integrality of actions among professionals and services: a necessity for child's right to health. Esc Anna Nery. 2013;17(4):772-80.
  • 21
    Arcos E, Muñoz LA, Sanchez X, Vollrath A, Gazmuri P, Baeza M. Effectiveness of the comprehensive childhood protection system for vulnerable mothers and children. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(5):1071-9.
  • 22
    Santos NLAC, Costa MCO, Amaral MTR, Vieira GO, Bacelar EB, Almeida AHV. Gravidez na adolescência: análise de fatores de risco para baixo peso, prematuridade e cesariana. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(3):719-26.
  • 23
    Barbaro MC, Lettiere A, Nakano MAS. Prenatal care for adolescents and attributes of primary health care. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):108-14.
  • 24
    Merino MFGL, Zani AV, Teston EF, Marques FRB, Marcon SS. The difficulties of motherhood and the family support under the gaze of the teenage mother. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):670-8.
  • 25
    Barlow A , Mullany B, Neault N, Compton S, Carter A, Hastings R, et al. Effect of a paraprofessional home-visiting intervention on American Indian teen mothers' and infants' behavioral risks: a randomized controlled trial. Am J Psychiatry. 2013;170(1):83-93.
  • 26
    Andrade RD, Santos JS, Pina JC, Silva MAI, Mello DF. The child care as time defense of the right to health of children. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(4):719-27.
  • 27
    Gomes LMX, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm. 2014;27(4):348-55.
  • 28
    Silva RMM, Viera CS, Toso BRGO, Neves ET, Rodrigues RM. Problem-solving capacity in children health care: the perception of parents and caregivers. Acta Paul Enferm. 2013;26(4):382-8.
  • *
    Extraído da dissertação "Promoção da saúde na infância e o direito à saúde: experiências de mães adolescentes no cuidado cotidiano de crianças", Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2015
  • Aceito
    09 Jul 2015
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br