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Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo

Factores asociados al uso de psicotrópicos entre ancianos residentes en la ciudad de São Paulo

Resumos

Os objetivos do estudo foram identificar a prevalência e os fatores associados ao uso de psicotrópicos entre os idosos do Município de São Paulo. Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, cujos dados foram obtidos do Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. A amostra foi constituída de 1.115 idosos de 65 anos ou mais, os quais foram entrevistados por meio de instrumento padronizado. Na análise dos dados utilizou-se regressão logística univariada e múltipla stepwise forward e nível de significância de 5%. A prevalência de uso de psicotrópicos foi 12,2% e os fatores associados foram sexo feminino (OR=3,04 IC95%=1,76-5,23) e polifarmácia (OR=4,91 IC95%=2,74-8,79). O uso de psicotrópicos por idosos deve ter sua avaliação risco-benefício muito bem estabelecida. Mulheres idosas, especialmente as submetidas à polifarmácia merecem atenção diferenciada, no ajuste posológico e tempo de tratamento, visando à minimização dos desfechos adversos a que estão sujeitas.

Psicotrópicos; Idoso; Uso de medicamentos; Epidemiologia; Enfermagem geriátrica


Los objetivos del estudio fueron identificar la prevalencia y los factores relacionados al uso de psicotrópicos entre ancianos del São Paulo. Es un estudio trasversal, poblacional, cuyos datos fueron obtenidos del Estudio de Salud, Bien-estar y Envejecimiento. La muestra constituye de 1.115 ancianos de 65 años o más, los cuales fueron encuestados, por medio de instrumentos padronizados. El análisis de los datos fue utilizada una regresión logística univariado y múltiple, stepwise forward y nivel de significancia del 5%. La prevalencia de uso de psicotrópicos fue 12,2% y los factores asociados fueron sexo femenino (OR= 3,04 IC95%=1,76-5,23) y polifarmacia (OR = 4,91 IC95%=2,74-8,79). El uso de psicotrópicos por ancianos debe tener su evaluación riesgo-beneficio muy bien establecida. Mujeres ancianas, especialmente las que están sometidas a la polifarmacia merecen atención diferenciada, en el ajuste posológico y tiempo de tratamiento, con el fin de minimizar los resultados adversos que están sujetas.

Psicotrópicos; Anciano; Utilización de medicamentos; Epidemiología; Enfermería geriátrica


The objectives of study were to identify the prevalence and factors associated to the use of psychotropic drugs among elderly people in São Paulo city. It is a cross-sectional study. Data were used from the SABE survey (for Health, Well-being and Ageing). The sample was constituted of 1.115 elderly people, aging 65 and over, which were interviewed by standard method. In the data analysis, it was used univariate and multiple logistic regression, stepwise forward and level of significance of 5%. The prevalence of the use of psychotropic drugs of 12,2% and the factors associated were female gender (OR=3,04 IC95%= 1,76-5,23) and polypharmacy (OR=4,91 IC95%=2,74-8,79). The use of psychotropics drugs by the elderly must have their benefits and risks very well established. Elder women, especially those who were submitted to a polipharmacy, deserve special attention to adjust dosage and duration of the treatment, with the purpose of minimizing the adverse outcomes.

Psychotropic drugs; Aged; Drug utilization; Epidemiology; Geriatric nursing


ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo

Factores asociados al uso de psicotrópicos entre ancianos residentes en la ciudad de São Paulo

Aparecida Santos NoiaI; Silvia Regina SecoliII; Yeda Aparecida de Oliveira DuarteIII; Maria Lúcia LebrãoIV; Nicolina Silvana Romano LieberV

IEnfermeira. Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. cidanoia@hotmail.com

IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. secolisi@usp.br

IIIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. yedaenf@usp.br

IVMédica. Professora Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mlebrao@usp.br

VFarmacêutica. Professora Associada do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. nicolina@usp.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Silvia Regina Secoli Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Os objetivos do estudo foram identificar a prevalência e os fatores associados ao uso de psicotrópicos entre os idosos do Município de São Paulo. Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, cujos dados foram obtidos do Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. A amostra foi constituída de 1.115 idosos de 65 anos ou mais, os quais foram entrevistados por meio de instrumento padronizado. Na análise dos dados utilizou-se regressão logística univariada e múltipla stepwise forward e nível de significância de 5%. A prevalência de uso de psicotrópicos foi 12,2% e os fatores associados foram sexo feminino (OR=3,04 IC95%=1,76-5,23) e polifarmácia (OR=4,91 IC95%=2,74-8,79). O uso de psicotrópicos por idosos deve ter sua avaliação risco-benefício muito bem estabelecida. Mulheres idosas, especialmente as submetidas à polifarmácia merecem atenção diferenciada, no ajuste posológico e tempo de tratamento, visando à minimização dos desfechos adversos a que estão sujeitas.

Descritores: Psicotrópicos; Idoso; Uso de medicamentos; Epidemiologia; Enfermagem geriátrica

RESUMEN

Los objetivos del estudio fueron identificar la prevalencia y los factores relacionados al uso de psicotrópicos entre ancianos del São Paulo. Es un estudio trasversal, poblacional, cuyos datos fueron obtenidos del Estudio de Salud, Bien-estar y Envejecimiento. La muestra constituye de 1.115 ancianos de 65 años o más, los cuales fueron encuestados, por medio de instrumentos padronizados. El análisis de los datos fue utilizada una regresión logística univariado y múltiple, stepwise forward y nivel de significancia del 5%. La prevalencia de uso de psicotrópicos fue 12,2% y los factores asociados fueron sexo femenino (OR= 3,04 IC95%=1,76-5,23) y polifarmacia (OR = 4,91 IC95%=2,74-8,79). El uso de psicotrópicos por ancianos debe tener su evaluación riesgo-beneficio muy bien establecida. Mujeres ancianas, especialmente las que están sometidas a la polifarmacia merecen atención diferenciada, en el ajuste posológico y tiempo de tratamiento, con el fin de minimizar los resultados adversos que están sujetas.

Descriptores: Psicotrópicos; Anciano; Utilización de medicamentos; Epidemiología; Enfermería geriátrica

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o uso dos psicotrópicos por idosos tornou-se tema de discussão necessária no âmbito da farmacoepidemiologia. Observa-se um aumento expressivo no consumo desses medicamentos nesse grupo etário o que pode ser explicado, em parte, pelo reconhecimento dos benefícios de sua utilização nos distúrbios afetivos, como ansiedade e depressão que, simultaneamente, também tiveram prevalência aumentada entre os idosos(1-3). Esse grupo, no entanto, apresenta maior vulnerabilidade aos eventos adversos relacionados aos mesmos, em muitos casos, são considerados medicamentos inapropriados.

Os psicotrópicos são substâncias químicas que atuam sobre a função psicológica e alteram o estado mental. Estão incluídos nessa definição medicamentos com ações antidepressiva (antidepressivos), alucinógena (alucinógenos) e/ou tranquilizante (ansiolíticos e antipsicóticos)(4). Estudos sobre o emprego desses medicamentos em idosos institucionalizados encontraram prevalências com variação entre 59,7% e 74,6%, em países europeus elas foram maiores e com predomínio da prescrição de antipsicóticos(5-6). Entre idosos residentes na comunidade essa prevalência varia de 9,3% a 37,6%, com predomínio dos benzodiazepínicos(1,7-9). Uma investigação conduzida com idosos brasileiros apontou que o consumo de benzodiazepínicos foi de 21,7%, por mais de 12 meses(10). Observa-se, assim, que a prevalência de uso de psicotrópicos por idosos residentes na comunidade é menor quando comparada aos idosos institucionalizados, os quais, em geral, têm idade mais avançada e são portadores de transtornos cognitivos associados ou não com outras doenças crônicas que levam à dependência e, muitas vezes, apresentam alterações comportamentais. Tal retrato está associado à prescrição mais frequente de psicotrópicos que são, ainda, administrados inadequadamente como contenção química.

Os fatores associados ao uso dos psicotrópicos, independente do cenário de estudo, são: sexo feminino(1-2,7-9,11-12), idade avançada(2,9), multimorbidades incluindo a presença de sintomas depressivos(2,8,12), polifarmácia(7,8) e pior percepção de saúde(8).

As mulheres procuram mais regularmente os serviços de saúde, preocupam-se mais com a saúde e aceitam melhor a possibilidade de necessitarem utilizar psicotrópicos. A maior longevidade nesse grupo pode ser acompanhada de multimorbidades e incapacidades além do maior sofrimento com as perdas ocorridas ao longo da vida(2,7,9-12).

Com o avançar da idade, ocorrem alterações no padrão de sono dos idosos, muitas vezes, associadas com queixas de insônia. Geralmente, eles demoram a adormecer e acordam várias vezes durante a noite. Em decorrência dessas alterações o sono passa a ser percebido como mais leve, fragmentado e menos satisfatório, o que leva à procura de medicamentos que aliviem esses sintomas(13). A prescrição de um tranquilizante, comumente, mostra-se como uma estratégia rápida para a resolução desse problema(9).

A presença de multimorbidades relacionadas às características dos serviços de atenção à saúde contribui para que os idosos sejam atendidos por diferentes especialistas o que, pode estar associado à polifarmácia. O consumo de vários medicamentos e a existência de várias doenças concomitantes podem contribuir para um pior estado de saúde mental, levando o idoso a ser medicado com fármacos que ajudem a melhorar os aspectos psicológicos e comportamentais(8).

Tendo em vista que, no Brasil, investigações sobre prevalência e fatores associados ao uso de psicotrópicos ainda são incipientes, mas muito necessários dada a necessidade de se identificar os grupos de risco e estabelecer medidas preventivas, optou-se por desenvolver o presente estudo que tem por objetivo: identificar a prevalência e os fatores associados ao uso de psicotrópicos entre idosos residentes na comunidade.

MÉTODO

Este estudo transversal de base populacional é parte do Estudo SABE - Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento - estudo longitudinal e de múltiplas coortes, iniciado no ano de 2000, sobre as condições de vida e saúde dos idosos residentes no Município de São Paulo. A amostra probabilística, no ano de 2000, foi composta por 2.143 pessoas com idade igual e superior a 60 anos residentes na comunidade, segundo estratos definidos por sexo e idade ajustados por ponderação específica, de forma a representar a população idosa residente no Município de São Paulo. Tal amostra foi constituída pela somatória de uma amostra probabilística e de uma amostra de idosos maiores de 75 anos. Para a seleção da primeira foi utilizado o cadastro permanente de 72 setores censitários, selecionados sob o critério de probabilidade proporcional ao número de domicílio do cadastro da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). A complementação da amostra de pessoas de 75 anos e mais foi realizada pela localização de moradias próximas aos setores selecionados. Em 2006, ano da realização da presente investigação, foram reentrevistados 1.115 idosos, a diferença foi representada por óbitos (649), recusa (177), não localizados (139), mudança para outros municípios (51) e institucionalização (12).

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas domiciliares realizadas por entrevistadores treinados com instrumento padronizado. O questionário é constituído de 11 seções que incluem vários aspectos da vida do idoso tais como: informações pessoais, avaliação cognitiva, estado de saúde, estado funcional, medicamentos, uso e acesso aos serviços, rede de apoio familiar e social, história laboral, características de moradia, antropometria, flexibilidade e mobilidade. No presente estudo, as seções utilizadas foram: informações pessoais, estado de saúde, estado funcional e medicamentos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e esclarecido. Detalhes do estudo, incluindo questionários, estão disponíveis em http://www.fsp.usp.br/sabe.

Os medicamentos foram classificados pelo sistema de classificação Anatomical-Therapeutical-Chemical Classification System (ATC). Para a variável dependente foi considerada a utilização de psicotrópicos e para a análise dos fatores associados empregou-se, inicialmente, a regressão logística univariada; e para as variáveis independentes, as seções descritas. Para o modelo múltiplo utilizou-se como critério de inclusão p-value menor que 0,20 (20%) no teste de qui-quadrado de Pearson com correção de segunda ordem proposta por Rao & Scott para amostras complexas. A entrada das variáveis no modelo múltiplo seguiu o método stepwise forward. O nível de significância estabelecido foi p<0,05 (95%).

RESULTADOS

Verifica-se uma prevalência de 12,2% de utilização de psicotrópicos entre os idosos residentes no Município de São Paulo: 7,2% de antidepressivos; 6,1% de benzodiazepínicos; e 1,8% de antipsicóticos. Observa-se ainda que 9,1% dos idosos consumiram um psicotrópico, 2,5% dois e 0,6% três agentes. Entre os antidepressivos foram identificados dez representantes (imipramina, clomipramina, amitriptilina, nortriptilina, fluoxetina, citalopram, paroxetina, sertralina, escitalopram e trazodona). Desses, os agentes mais consumidos foram os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (4,0%): fluoxetina (1,7%) e sertralina (1,1%). Na classe dos benzodiazepínicos foram identificados dez agentes (diazepam, clordiazepóxido, lorazepam, bromazepam, clobazam, alprazolam, cloxazolam, flunitrazepam, estazolam e midazolam). Dentre esses, destaca-se o uso de diazepam (1,7%) e bromazepam (1,4%), respectivamente, agentes de ação longa e intermediária. No grupo dos antipsicóticos observaram-se oito agentes distintos (clorpromazina, levomepromazina, periciazina, haloperidol, zuclopentixol, quetiapina, sulpirida e risperidona). Os mais prevalentes foram haloperidol (0,5%) e risperidona (0,5%).

Na Tabela 1 é possível observar o perfil dos idosos que utilizaram ou não psicotrópicos segundo variáveis demográficas e condições relacionadas à saúde.

Os fatores associados ao uso de psicotrópicos estão apresentados na Tabela 2. As variáveis independentes que, no modelo múltiplo, mostraram associação com o uso de psicotrópicos foram polifarmácia (OR = 4,91; IC 95% = 2,74-8,79) e sexo feminino (OR = 3,04; IC 95% = 1,76-5,23). Observa-se ainda uma tendência à associação entre aqueles que referiram depressão (OR=1,64; IC95%=0,97-2,77).

DISCUSSÃO

Os achados da presente investigação acerca da prevalência do uso de psicotrópicos entre idosos foram de 12,2%, menor do que o observado em estudos conduzidos na Europa e nos Estados Unidos com idosos da comunidade(1,7-8). Apesar de São Paulo ser considerada uma metrópole com características semelhantes às de países desenvolvidos, o aumento de idosos na população é um evento relativamente recente. Muito provavelmente no momento em que esse indicador demográfico igualar-se aos daqueles países, o consumo de medicamentos, inclusive de psicotrópicos, será maior. Em relação aos estudos nacionais, de base populacional, observou-se que o consumo de psicotrópicos, entre idosos, na região metropolitana de Belo Horizonte foi menor (8,1%) que o identificado no SABE(10). No entanto, no Estudo Bambuí, a prevalência particularmente da classe dos benzodiazepínicos foi maior (21,7%)(14). Esses contrastes identificados entre essas cidades brasileiras podem retratar diferenças importantes entre as populações analisadas quanto à utilização de serviços de saúde, perfil epidemiológico e características socioculturais. Adicionalmente, podem refletir os hábitos dos prescritores, bem como os critérios usados na indicação desses medicamentos.

Dentre os psicotrópicos, os antidepressivos, independente do modo de ação, foram os mais utilizados, seguidos dos benzodiazepínicos. Em consonância com publicações prévias, o uso de antidepressivos tem crescido e dos benzodiazepinicos, decrescido(7,14-15). A mudança no padrão de prescrição pode ser decorrente de alguns fatos. O reconhecimento de que indivíduos deprimidos submetidos tanto à monoterapia com benzodiazepínicos ou outros ansiolíticos são tratados de modo inadequado(15), e a introdução de antidepressivos em outros quadros clínicos como, por exemplo, no tratamento da dor crônica.

No SABE, infere-se que o uso, particularmente dos antidepressivos, foi maior em decorrência da presença de multimorbidades com sequelas funcionais que, também, pode estar associada à maior presença de sintomas depressivos. No grupo que utilizou psicotrópicos, 36,2% referiu depressão. No Brasil, estudos conduzidos com idosos que frequentavam centros de convivência mostraram prevalência de 31% de depressão(3), e entre aqueles que buscavam assistência na Atenção Básica, identificou-se que 39,8% apresentavam transtornos depressivos(16). Essas investigações, em conformidade com os achados do SABE, apontam que a depressão tem se tornado prevalente entre os idosos, independente do cenário do estudo.

Na análise dos psicotrópicos utilizados observou-se maior frequência de uso da fluoxetina, amitriptilina e diazepam, as quais integram o rol dos denominados medicamentos inapropriados(17). De acordo como esses critérios, os agentes supracitados apresentam propriedades sedativas que podem aumentar a ocorrência de síncopes e quedas. Revisões sistemáticas apontam evidências acerca do aumento do risco de quedas entre idosos que consomem esses medicamentos(11,17-18). Adicionalmente, esses agentes podem ter seus níveis séricos elevados, com consequente aumento da toxicidade, quando associados a outros medicamentos (interações medicamentosas), tendo em vista que são substratos da enzima do citocromo P450(19).

No que tange especificamente à amitriptilina, da classe terapêutica dos tricíclicos, apesar de não ter sido realizada análise de sub-grupo, o uso pode ter ocorrido como indicação terapêutica da incontinência urinária de esforço, dado que essa condição foi identificada em 20% do grupo que consumiu psicotrópicos. Esses agentes inibem a recaptação da noradrenalina nas terminações nervosas adrenérgicas da uretra, aumentam a contração do músculo liso uretral e melhoram os sintomas desconfortáveis.

Em consonância às pesquisas prévias internacionais e nacionais, os benzodiazepínicos de ação prolongada como diazepam e clordiazepóxido, foram os mais consumidos(5-6,8-9). Em virtude da meia vida prolongada, podem causar sedação prolongada, por vários dias, e aumentar o risco de quedas e fraturas(17-18). Nos países desenvolvidos, apesar da adoção do critério de Beers, como sinalizador de prescrição médica, os achados mostraram que seu consumo foi alto, independente das condições de saúde mental dos idosos(5,8-9). Nos estudos brasileiros(2,6,10,20), incluindo o SABE, o destaque do maior consumo do diazepam pode, de alguma forma, estar relacionado ao baixo custo e à disponibilidade e distribuição deste na rede pública. Além disso, é um dos benzodiazepínicos mais prescritos para o tratamento de insônia, condição presente entre idosos decorrente de alterações no padrão de sono(8,13,20).

Tais considerações acerca desses medicamentos são de conhecimento científico há algum tempo. Porém, os estudos continuam a demonstrar a ampla utilização, independente do contexto da investigação. No SABE, a presença de declínio cognitivo, avaliado pela junção do Mini Exame do Estado Mental e do Questionário de Pfeffer para avaliação de atividades instrumentais, cujo resultado positivo indica possível presença de declínio mais grave, pode indicar a necessidade do uso de psicotrópicos para controle de distúrbios comportamentais (por exemplo, agitação, confusão) como estratégia para a "contenção química" do quadro. No entanto, é importante ponderar que seu uso, na presença de declínio cognitivo, pode resultar na piora do quadro. O uso de psicotrópicos, por tempo superior a dois anos, e o consumo de altas doses, aumentam o risco de declínio cognitivo em 39% e 87%, respectivamente(21). Dado o delineamento do estudo, no presente estudo não foi possível avaliar esses aspectos.

Dentre os fatores analisados, sexo feminino e polifarmácia permaneceram, no modelo final, associados ao uso de psicotrópicos em idosos.

As mulheres consumiram três vezes mais psicotrópicos que os homens, achado que se encontra em concordância com estudos conduzidos em países desenvolvidos e em cidades brasileiras, os quais mostraram, também, a associação do uso desses agentes com o sexo feminino(1,8-12,14). As mulheres geralmente preocupam-se mais com a saúde, procuram com maior frequência a assistência médica(1), descrevem com mais facilidade os problemas físicos e psicológicos, o que aumenta a probabilidade de receberem e aceitarem a prescrição de psicotrópicos(1,12). Adicionalmente, o gênero feminino é mais afetado por problemas de saúde não-fatais, verificando-se maior tendência de procura por atendimento médico e de prescrição de psicotrópicos(11). Alguns médicos consideraram que mulheres sejam mais frágeis, vulneráveis e com maior prevalência de transtornos afetivos(1,11-12).

O uso de psicotrópicos foi associado aos idosos que consumiram cinco ou mais medicamentos, ou seja, nos usuários de polifarmácia (OR = 4,91). Investigações populacionais feitas em países desenvolvidos mostraram essa associação(7-8), porém que não foi confirmada em estudos brasileiros prévios(2,10,14). A explicação para a associação positiva entre polifarmácia e psicotrópicos pode ser reflexo da existência de co-morbidades, ou de manifestações clínicas desconfortáveis, existentes entre os idosos do SABE (21%) da amostra apresentava quatro ou mais doenças). De modo geral, os idosos buscam atendimento com vários especialistas e nem sempre há necessariamente um gerente do caso, ou um profissional capacitado e interessado em verificar as múltiplas prescrições e os potenciais efeitos adversos, decorrentes das associações medicamentosas. Um idoso pode usar simultaneamente de duas a seis prescrições médicas e ainda praticar automedicação com mais de dois medicamentos(22). No SABE, verificou-se que 20% dos idosos receberam de modo simultâneo dois psicotrópicos, aspecto que além de precipitar interações medicamentosas potenciais, pode contribuir no agravamento de reações adversas a medicamentos (RAMs) no sistema nervoso central. O risco de receber uma combinação terapêutica inapropriada encontra-se diretamente relacionado ao número de médicos que prescrevem para o idoso, o que é mais frequente entre os idosos não institucionalizados(22). Adicionalmente, a perigosa associação polifarmácia e psicotrópicos, ainda que o propósito do estudo não tenha sido realizar essa análise, pode aumentar a demanda assistencial, estressar a rede de suporte social e expor o idoso à maior ocorrência de eventos adversos como quedas, fraturas e hospitalização, aspectos que comprometem a qualidade de vida, além de aumentar o risco de mortalidade.

Algumas limitações decorrentes do delineamento do estudo podem ter reduzido a expansão dos resultados tais como a impossibilidade de identificar a indicação terapêutica, a especialidade do prescritor, a adequação da dose, o tempo de tratamento e o abandono do tratamento pela existência de RAMs ou impossibilidade de aquisição, devido ao custo elevado de alguns psicotrópicos. Desse modo, devem ser realizados outros estudos, especialmente de base populacional, que possam confirmar ou refutar os achados dessa investigação.

CONCLUSÃO

Esse estudo de base populacional evidenciou que cerca de um em cada dez idosos do município de São Paulo consumiu psicotrópicos, com destaque para os antidepressivos e benzodiazepínicos, alguns considerados inapropriados segundo os critérios de Beers. No que tange ao risco, mulheres e idosos submetidos à polifarmácia merecem atenção diferenciada quanto ao tipo de psicotrópico, ajuste posológico e tempo de tratamento, com vistas à minimização dos desfechos adversos a que estão sujeitos.

Os fatores associados ao uso dos psicotrópicos, independente do cenário de estudo, são: sexo feminino, idade avançada, multimorbidades incluindo a presença de sintomas depressivos, polifarmácia e pior percepção de saúde.

Recebido: 10/04/2012

Aprovado: 18/06/2012

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  • Endereço para correspondência:

    Silvia Regina Secoli
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2012
    • Aceito
      18 Jun 2012
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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