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Pesquisa em Recursos Humanos em Saúde

© Gilles Dussault

A abordagem da pesquisa no campo dos Recursos Humanos em Saúde (RHS) pode ser executada a partir de algumas perguntas estratégicas: Por que investigar esse tema? Quais são os temas importantes e as prioridades de pesquisa? E como utilizar os resultados produzidos?

Saber mais sobre as diversas dimensões dos RHS – que são como se comportam e quais os determinantes de seu desempenho – faz-se cada vez mais necessário para informar as políticas e as práticas de gestão no setor da saúde. Em Dezembro de 2012, os países membros das Nações Unidas firmaram um compromisso em prol da Cobertura Universal de Saúde; esse objetivo ambicioso só pode ser alcançado se for garantido o acesso a sistemas de serviços de saúde fortes e sustentáveis. Fundamentalmente, sem uma força de trabalho robusta, não será possível a consecução do objetivo de Cobertura Universal. O título do relatório (background paper) preparado para o 3º Fórum Global sobre RHS em Recife realizado em novembro de 2013 resume bem essa ideia: “Uma Verdade Universal: não há saúde sem trabalhadores de saúde”(11. Campbell JG, Dussault J. Buchan F, Pozo-Martin M, Guerra Arias C, Leone A, et al. A Universal Truth: no health without a workforce. Forum Report. Geneva: Global Health Workforce Alliance WHO; 2013.).

Esse documento aponta para a necessidade de uma força de trabalho que apresente quatro características principais: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade. Primeiro é preciso ter um número suficiente de trabalhadores de saúde qualificados, que possam executar as múltiplas tarefas e que respondam às necessidades e expectativas da população; que sejam acessíveis quer em termos de distância a percorrer, de horários de atendimento e de custos; que sejam aceitáveis à população utilizadora, em termos de linguagem, de valores, de sensibilidade cultural; e que tenham as competências técnicas e sociais para produzirem serviços de qualidade. O desafio é como desenvolver uma força de trabalho com esse perfil e é neste ponto que a pesquisa pode contribuir.

De fato, depois da publicação em 2006 do “Relatório Mundial da Saúde: Trabalhando Juntos pela Saúde”(22. Organização Mundial da Saúde (OMS). Trabalhando Juntos pela Saúde: Relatório Mundial da Saúde, 2006. Brasília: OMS; 2007.) a pesquisa em RHS cresceu de modo exponencial, tanto em quantidade como em qualidade. Foi rapidamente identificada a necessidade de definir prioridades para possibilitar o foco em uma produção de conhecimento oportuna, com o intuito de informar a formulação e implementação das políticas com impacto sobre RHS, na perspectiva de otimizar o desempenho dos trabalhadores e assim responder melhor às necessidades das populações e ao objetivo de Cobertura Universal.

Um exercício de identificação de prioridades foi lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Alliance for Health Policy and Systems Research, no qual as seguintes dimensões foram consideradas como áreas de pesquisa prioritárias: a formação dos RHS, quanto ao seu conteúdo, estratégia, qualidade e efetividade; a eficácia dos mecanismos de regulação da qualidade do trabalho, nos setores público e privado; o financiamento dos RHS, incluindo a eficácia de várias modalidades de remuneração e de incentivos para aprimorar a produtividade e a qualidade dos serviços prestados; a gestão, a organização e o ambiente de trabalho, as condições de emprego para melhorar a motivação e o desempenho dos trabalhadores; e o planejamento, as políticas e as relações entre os vários atores, como da educação, finanças, administração pública e outros que influenciam as diversas dimensões dos RHS(33. Ranson MK, Chopra M, Atkins S, Dal Poz MR, Bennett S. Research on human resources for health in non-affluent countries. Bull World Health Organ. 2010;88(6):435-43.).

De forma complementar, é necessário identificar alguns temas específicos que merecem uma maior atenção. Primeiramente, quanto ao tema da disponibilidade e acessibilidade, é preciso mais informação sobre como prever as necessidades futuras de RHS. Isto exige poder estimar as necessidades em termos de serviços a serem prestados e traduzir essa informação em termos de números, tipos de trabalhadores e com quais competências necessitamos formar, integrar e reter no mercado laboral. Em um contexto no qual a geração mais jovem não é suficiente para substituir os baby boomers que irão se aposentar, tem como um importante desafio convencer jovens qualificados de escolher o setor da saúde como futuro profissional. Outro desafio é atrair e reter profissionais qualificados em zonas carenciadas e eventualmente no próprio setor da saúde. Para isso, são necessárias políticas baseadas em um conhecimento válido dos fatores que influenciam as decisões dos jovens quanto à escolha de uma formação profissional e posteriormente do tipo e local de prática. Portanto, é pertinente saber como podem ser criados pacotes de incentivos capazes de produzir a influência desejada.

Adicionalmente, a pesquisa pode prover informação sobre outro tema crítico, quanto à forma de divisão e de organização do trabalho que melhor possa garantir a disponibilidade e acessibilidade aos serviços. Por exemplo, a questão da repartição de tarefas entre enfermeiros e médicos e o da composição qualitativa e quantitativa da equipe de saúde é fundamental para a otimização da eficiência do trabalho em saúde.

Para melhorar a aceitabilidade dos RHS, é preciso conhecer por um lado as expectativas dos utilizadores dos serviços e, por outro, como garantir a capacidade dos RHS em responder a essas expectativas. A pesquisa pode ajudar na definição de critérios adequados de seleção para entrada na formação profissional e de conteúdos e metodologias de formação que permitam a aquisição, manutenção e melhora de forma contínua das competências.

Referente à qualidade, é importante compreender os fatores que a determinam, quer em relação à aquisição das competências, quer do trabalho profissional, para poder criar capacidades e condições de produção de serviços de qualidade.

Finalmente, quanto às políticas, é relevante conhecer melhor a dinâmica do mercado laboral, os fluxos migratórios, as boas práticas de gestão e saber aprender com as lições de experiências passadas, através da pesquisa avaliativa.

Os conhecimentos derivados da pesquisa sobre RHS podem ser muito relevantes, mas pouco úteis se não chegarem aos seus destinatários e não informarem suas decisões e práticas. Na maioria dos países, a produção de conhecimento e a tomada de decisão são processos que permanecem separados. Sabemos alguns dos motivos da existência de tal distância: a linguagem da pesquisa é pouco acessível; há falta de familiaridade dos pesquisadores com a complexidade dos processos de decisão e de gestão e dos decisores e gestores com as complexidades da pesquisa; e os calendários/tempos da tomada de decisão e da execução de uma pesquisa e obtenção de seus resultados são divergentes. Há esforços importantes para aproximar a pesquisa da decisão como, por exemplo, através do trabalho dos observatórios de RHS. Estas iniciativas devem ter continuidade, pois, mesmo sabendo que as políticas públicas e a gestão nunca serão unicamente definidas com base nos resultados de pesquisa, é indiscutível que ao ignorar os seus contributos aumentam os riscos de tomar a decisão errada e consequentemente desperdiçar recursos preciosos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Campbell JG, Dussault J. Buchan F, Pozo-Martin M, Guerra Arias C, Leone A, et al. A Universal Truth: no health without a workforce. Forum Report. Geneva: Global Health Workforce Alliance WHO; 2013.
  • 2
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Trabalhando Juntos pela Saúde: Relatório Mundial da Saúde, 2006. Brasília: OMS; 2007.
  • 3
    Ranson MK, Chopra M, Atkins S, Dal Poz MR, Bennett S. Research on human resources for health in non-affluent countries. Bull World Health Organ. 2010;88(6):435-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015
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