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Ansiedade na gravidez: prevalência e fatores associados* * Extraído da dissertação "Avaliação da ansiedade e depressão na gravidez", Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Alfenas, 2014.

Resumo

OBJETIVO

Avaliar a ocorrência da ansiedade em gestantes e os fatores associados à sua ocorrência; comparar a presença de ansiedade em cada trimestre gestacional.

MÉTODO

Estudo descritivo, correlacional, de corte transversal. A coleta de dados ocorreu de janeiro a maio de 2013, utilizou-se da Subescala Hospitalar de Ansiedade e de um formulário composto por caracterização socioeconômica; anamnese gestacional; hábitos e eventos marcantes de vida; patologias preexistentes e relacionamentos interpessoais.

RESULTADOS

Participaram do estudo 209 gestantes de um município do sul de Minas Gerais. A ansiedade esteve presente em 26,8% das gestantes, sendo mais frequente no terceiro trimestre (42,9%). Ocupação (p=0,04), complicações em gestações anteriores (p=0,00), histórico de abortamento/ameaça de parto prematuro (p=0,05), desejo materno em relação à gravidez (p=0,01), número de abortamentos (p=0,02), quantidade de cigarros consumidos diariamente (p=0,00) e uso de drogas (p=0,01) apresentaram associação estatisticamente significativa com a ocorrência da ansiedade na gravidez.

CONCLUSÃO

A ansiedade se mostrou frequente na gestação. O conhecimento dos fatores associados a sua ocorrência oportuniza a elaboração de medidas preventivas na assistência pré-natal.

Descritores
Gravidez; Ansiedade; Fatores de Risco; Enfermagem Obstétrica; Cuidado Pré-Natal

Abstract

OBJECTIVE

Evaluating the occurrence of anxiety in pregnant women and the factors associated with its occurrence; comparing the presence of anxiety in each gestational trimester.

METHOD

A descriptive, correlational cross-sectional study. Data were collected from January to May 2013 using the Hospital Anxiety Subscale and a form composed of socioeconomic characterization; gestational anamnesis; life-changing habits and events; preexisting conditions and interpersonal relationships.

RESULTS

A total of 209 pregnant women from a municipality in the south of Minas Gerais, Brazil, participated in the study. Anxiety was present in 26.8% of the pregnant women, being more frequent in the third trimester (42.9%). Occupation (p=0.04), complications in previous pregnancies (p=0.00), history of miscarriage risk of preterm birth (p=0.05), maternal desire regarding the pregnancy (p=0.01), number of abortions (p=0.02), number of cigarettes smoked daily (p=0.00) and drug use (p=0.01) were statistically associated with the occurrence of anxiety during pregnancy.

CONCLUSION

Anxiety occurred frequently during pregnancy. Understanding the factors associated with its occurrence allows for elaborating preventive measures in prenatal care.

Descriptors
Pregnancy; Anxiety; Risk Factors; Obstetric Nursing; Prenatal Care

Resumen

OBJETIVO

Evaluar la ocurrencia de la ansiedad en embarazadas y los factores asociados con su ocurrencia; comparar la presencia de ansiedad en cada trimestre gestacional.

MÉTODO

Estudio descriptivo, correlacional, de corte transversal. La recolección de datos ocurrió de enero a mayo de 2013, se utilizó la Subescala Hospitalaria de Ansiedad y un formulario compuesto de caracterización socioeconómica; anamnesis gestacional; hábitos y eventos determinantes de vida; patologías y relaciones interpersonales.

RESULTADOS

Participaron en el estudio 209 embarazadas de un municipio del sur de Minas Gerais. La ansiedad estuvo presente en el 26,8% de las embarazadas, siendo más frecuente en el tercer trimestre (42,9%). Ocupación (p=0,04), complicaciones en embarazos anteriores (p=0,00), historia de aborto/amenaza de parto prematuro (p=0,05), deseo materno con relación al embarazo (p=0,01), número de abortos (p=0,02), cantidad de cigarrillos consumidos diariamente (p=0,00) y drogadicción (p=0,01) presentaron asociación estadísticamente significativa con la ocurrencia de la ansiedad en el embarazo.

CONCLUSIÓN

La ansiedad se mostró frecuente en el embarazo. El conocimiento de los factores asociados con su ocurrencia facilita la elaboración de medidas preventivas en la asistencia pre natal.

Descriptores
Embarazo; Ansiedad; Factores de Riesgo; Enfermería Obstétrica; Atención Prenatal

INTRODUÇÃO

A gravidez é um período em que alterações fisiológicas, psíquicas, hormonais e sociais se fazem presentes e aumentam o risco de sofrimento emocional e de morbidade psiquiátrica nesta fase da vida da mulher11 Din ZU, Ambreen S, Iqbal Z, Iqbal M, Ahmad S. Determinants of antenatal psychological distress in Pakistani women. Noro Psikiyatr Ars [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 04];53(2):152-7. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5353020/
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.

Algumas mulheres podem vivenciar a gravidez como uma fonte de felicidade, satisfação e autorrealização, outras, porém, podem vivenciar, neste momento, alterações em sua saúde mental, como o desenvolvimento de ansiedade22 Yuksel F, Akin S, Durna Z. Prenatal distress in Turkish pregnant women and factors associated with maternal prenatal distress. J Clin Nurs. 2014;23(1-2):54-64. .

A evidência sobre a ansiedade pré-natal ainda é relativamente limitada quando comparada à depressão pré-natal. Ainda que os índices de ansiedade materna durante a gravidez sejam heterogêneos, sintomas de ansiedade e distúrbios são comuns no período perinatal33 Giardinelli L, Innocenti A, Benni L, Stefanini MC, Lino G, Lunardi C, et al. Depression and anxiety in perinatal period: prevalence and risk factors in an Italian sample. Arch Womens Ment Health. 2012;15(1):21-30.-44 Ali NS, Azam IS, Ali BS, Tabbusum G, Moin SS. Frequency and associated factors for anxiety and depression in pregnant women: a hospital-based cross-sectional study. Scientific World J [Internet]. 2012 [cited 2013 Oct 15];2012:653098. Available from: Available from: https://www.hindawi.com/journals/tswj/2012/653098/
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, e os sintomas podem variar de leve a grave55 Biaggi A, Conroy S, Pawlby S, Pariante CM. Identifying the women at risk of antenatal anxiety and depression: a systematic review. J Affect Disord [Internet]. 2016 [cited 2017 Feb 2];191:62-77. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26650969
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.

Estudos nacionais e internacionais apontam índices de ansiedade variáveis da ordem de 23% em estudo realizado em Alberta, no Canadá66 Bayrampour H, McDonald S, Tough S. Risk factors of transient and persistent anxiety during pregnancy. Midwifery. 2015;31(6):582-9. , 15,6% em investigação realizada na Alemanha77 Martini J, Petzoldt J, Einsle F, Beesdo-Baum K, Hofler M, Wittchen HU. Risk factors and course patterns of anxiety and depressive disorders during pregnancy and after delivery: a prospective-longitudinal study. J Affect Disord [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 30];175:385-95. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032715000166
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e 49% no Paquistão88 Waqas A, Raza N, Lodhi HW, Muhammad Z, Jamal M, Rehman A. Psychosocial factors of antenatal anxiety and depression in Pakistan: is social support a mediator? PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 29];10:e0116510. Available from: Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0116510
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.

As evidências sugerem que a probabilidade de sofrer ansiedade na gravidez aumenta em caso de comorbidade psiquiátrica, eventos estressantes66 Bayrampour H, McDonald S, Tough S. Risk factors of transient and persistent anxiety during pregnancy. Midwifery. 2015;31(6):582-9. ,99 Norhayati MN, Hazlina NH, Asrenee AR, Emilin WM. Magnitude and risk factors for postpartum symptoms: a literature review. J Affect Disord [Internet]. 2015 [cited 2017 Feb 4];175:34-52. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032714008271
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, desvantagem social, histórico de aborto espontâneo, morte fetal, parto prematuro ou morte neonatal precoce88 Waqas A, Raza N, Lodhi HW, Muhammad Z, Jamal M, Rehman A. Psychosocial factors of antenatal anxiety and depression in Pakistan: is social support a mediator? PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 29];10:e0116510. Available from: Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0116510
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,1010 Chojenta C, Harris S, Reilly N, Forder P, Austin MP, Loxton D. History of pregnancy loss increases the risk of mental health problems in subsequent pregnancies but not in the postpartum. PLoS One [Internet]. 2014 [cited 2017 Feb 2];9(4):e95038. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3986356/
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, histórico prévio de doença mental e uma história de tratamento psiquiátrico durante uma gravidez anterior ou em qualquer momento da vida99 Norhayati MN, Hazlina NH, Asrenee AR, Emilin WM. Magnitude and risk factors for postpartum symptoms: a literature review. J Affect Disord [Internet]. 2015 [cited 2017 Feb 4];175:34-52. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032714008271
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,1111 Rubertsson C, Hellstrom J, Cross M, Sydsjo G. Anxiety in early pregnancy: prevalence and contributing factors. Arch Womens Ment Health [Internet]. 2014 [cited 2017 Jan 28]; 17(3):221-8.Available from: Available from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00737-013-0409-0
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.

Resgatando a crença presente em muitas sociedades de que o estado psicológico da mãe pode afetar o filho que vai nascer, o transtorno de ansiedade é considerado um dos fatores de risco para o desenvolvimento da gravidez, uma vez que o seu desenvolvimento pode comprometer o feto, estando associado a resultados neonatais negativos, como a prematuridade, baixo peso ao nascer1212 Ding XX, Wu YL, Xu SJ, Zhu RP, Jia XM, Zhang SF, et al. Maternal anxiety during pregnancy and adverse birth outcomes: A systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. J Affect Disord [Internet]. 2014 [cited 2017 Jan 3];159:103-10. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032714000731
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, escores inferiores de Apgar, deficit no desenvolvimento fetal, além de efeitos duradouros sobre o desenvolvimento físico e psicológico dos filhos1313 Betts KS, Williams GM, Najman JM, Alati R. The relationship between maternal depressive, anxious, and stress symptoms during pregnancy and adult offspring behavioral and emotional problems. Depress Anxiety. 2015;32(2):82-90. , e a complicações obstétricas, como sangramento vaginal e ameaça de abortamento33 Giardinelli L, Innocenti A, Benni L, Stefanini MC, Lino G, Lunardi C, et al. Depression and anxiety in perinatal period: prevalence and risk factors in an Italian sample. Arch Womens Ment Health. 2012;15(1):21-30..

Assim como a depressão no pré-natal, a ansiedade neste período é um dos principais fatores de risco para a depressão pós-parto99 Norhayati MN, Hazlina NH, Asrenee AR, Emilin WM. Magnitude and risk factors for postpartum symptoms: a literature review. J Affect Disord [Internet]. 2015 [cited 2017 Feb 4];175:34-52. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032714008271
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.

Apesar do impacto prejudicial à gestação, a saúde mental da mulher no pré-natal recebeu, por vezes, menor atenção em detrimento do estado emocional materno no período pós-parto55 Biaggi A, Conroy S, Pawlby S, Pariante CM. Identifying the women at risk of antenatal anxiety and depression: a systematic review. J Affect Disord [Internet]. 2016 [cited 2017 Feb 2];191:62-77. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26650969
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, sendo poucas as investigações sobre a ocorrência da ansiedade na gestação e dos fatores associados66 Bayrampour H, McDonald S, Tough S. Risk factors of transient and persistent anxiety during pregnancy. Midwifery. 2015;31(6):582-9. .

O conhecimento da ocorrência, bem como dos fatores associados à ansiedade no pré-natal pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de triagem para identificar grupo de risco de mulheres com necessidade de intervenção durante a gestação. Desta forma, os objetivos deste estudo foram avaliar a ocorrência da ansiedade em gestantes; avaliar os possíveis fatores associados entre as medidas de ansiedade em gestantes, como as variáveis socioeconômicas, demográficas, obstétricas, hábitos de vida, eventos marcantes de vida e relações interpessoais; comparar a presença de ansiedade em cada trimestre gestacional.

Método

Delineamento do estudo

Estudo descritivo e correlacional, de corte transversal, realizado em Unidades de Atenção Primária à Saúde que oferecem assistência pré-natal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Sul de Minas Gerais, Brasil.

População e amostra

A população do estudo foi composta por gestantes em acompanhamento pré-natal nas referidas Unidades de Atenção Primária à Saúde. Integraram a amostra 209 gestantes selecionadas de forma aleatória. Para o cálculo da amostra utilizou-se de uma prevalência de 50%, nível de confiança de 95%, margem de erro de 5% e a estimativa de gestantes que realizaram pré-natal no ano anterior, de 450 gestantes. O critério de inclusão considerado para seleção das participantes foi idade igual ou superior a 18 anos e os critério de exclusão foram: diagnóstico atual de transtornos de ansiedade e/ou outro transtorno mental; uso atual de medicamento ansiolítico e/ou outro psicotrópico; ter participado do estudo anteriormente durante a gestação no estudo piloto. As participantes foram incluídas na amostra por meio de sorteio que utilizou os números dos prontuários das gestantes que seriam atendidas na Unidade de Saúde no dia de coleta de dados. Entre as gestantes que atendiam aos critérios de elegibilidade definidos, sorteava-se a metade. Posteriormente, estas gestantes sorteadas eram convidadas a participar do estudo enquanto aguardavam a consulta de pré-natal na sala de espera.

Instrumento de coleta de dados

Na coleta de dados foram aplicados dois instrumentos, a Subescala Hospitalar de Ansiedade (HADS-A), em sua versão traduzida e validada para a língua portuguesa1414 Botega NJ, Ponde MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais. J Bras Psiq.199;47(6):285-9. , e outro, de caracterização da amostra.

O instrumento de caracterização da amostra era composto por questões objetivas, de autoria dos pesquisadores, contendo questões sociodemográficas e obstétricas, além de referentes aos hábitos e eventos marcantes de vida, relacionamentos interpessoais e patologias preexistentes.

A Subescala Hospitalar de Ansiedade (HADS-A) é um instrumento de avaliação da ansiedade por meio do autorrelato. Ela integra a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), a qual possui 14 questões de múltipla escolha, divididas em dois domínios, um de ansiedade (HADS-A) e outro de depressão (HADS-D). Cada domínio possui sete itens e cada questão tem uma pontuação que varia de zero a três, sendo que a pontuação global em cada subescala varia de zero a 21 pontos. Para a interpretação da ansiedade, foram utilizados os pontos de corte estabelecidos na adaptação brasileira da subescala: 0 a 8 − sem ansiedade; igual ou superior a 9 − com ansiedade1515 Silva MMJ, Leite EPRC, Nogueira DA, Clapis MJ. Depression in pregnancy: prevalence and associated factors. Invest Educ Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 05];34(2):342-50. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/iee/v34n2/v34n2a14.pdf
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-1616 Zigmond AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr Scand. 1983;67(6):361-70. .

Análise de aparência e conteúdo e teste piloto

Antes da coleta de dados foi realizada uma validação de aparência e conteúdo do instrumento de caracterização da amostra. Esse procedimento foi realizado com o objetivo de refinar as características nele expressas de acordo com a temática do estudo.

Nesse processo de validação, o instrumento em análise foi encaminhado, juntamente com um formulário de avaliação contendo questões relacionadas com sua forma de apresentação, facilidade de leitura, clareza e conteúdo, além de sugestões para alterações nos itens, a um grupo de cinco juízes, pesquisadores na temática de Saúde Materno-Infantil e/ou Ansiedade e Depressão, e com experiência em construção e validação de instrumentos de pesquisas.

Os juízes sugeriram correção da linguagem para tornar a questão mais clara; alterações na estrutura de algumas questões; inserção e união de outras questões. As sugestões de todos os juízes foram consideradas relevantes, acatadas e as adequações realizadas no instrumento.

Após a análise, com o objetivo de garantir a compreensão dos instrumentos pelas participantes, o instrumento e a versão adaptada para o português da HADS-A foram submetidos a um teste piloto, por meio de entrevista, com 20 gestantes que estavam em atendimento pré-natal nas Unidades de Saúde selecionadas para o estudo, sendo posteriormente descartadas da amostra final. As gestantes foram escolhidas aleatoriamente enquanto aguardavam atendimento da consulta de pré-natal.

O resultado demonstrou que o instrumento é facilmente compreendido, sem a necessidade de alterações em sua redação ou formato para a população de gestantes.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por uma das pesquisadoras por meio dos instrumentos de janeiro a maio de 2013, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, protocolo nº 113.129, de acordo com as orientações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS.

Para sua realização, a gestante foi conduzida para uma sala reservada e com segurança resguardada nas Unidades de Saúde, onde lhe foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e fornecidas as orientações sobre os instrumentos no que se refere ao seu preenchimento. Desta forma, após orientação prévia, a HADS-A foi preenchida pela participante, e o instrumento de caracterização da amostra aplicado pela pesquisadora por meio de entrevista.

Análise dos dados

Os dados foram organizados e armazenados em um banco de dados estruturado no Microsoft Excel(r). Objetivando sua validação, realizou-se o procedimento de "dupla digitação". Posteriormente, foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciencies (SPSS), versão 17.0. Foram realizados os testes Qui-quadrado para a independência e o Exato de Fischer para homogeneidade das variáveis categóricas, e para as variáveis contínuas foi utilizada a estatística não paramétrica por meio dos testes Shapiro-Wilk, Mann-Whitney, além do cálculo da média dos ranks. O nível de significância de 5% foi considerado em todos os testes estatísticos e o odds ratio (razão de chances) foi estimado com intervalo de 95% de confiança para todas as variáveis do estudo. As variáveis categóricas foram descritas em números absolutos e percentuais e para as variáveis contínuas também foi apresentada a média e o desvio padrão. As relações foram consideradas estatisticamente significativas para p≤0,05. Após a análise univariada, as variáveis que apresentaram associação com a ansiedade (p≤0,05) foram incluídas no modelo de regressão logística. A consistência interna da subscala HADS-A foi analisada pelo Coeficiente Alfa de Cronbach.

Resultados

Participaram 209 gestantes de um município do sul de Minas Gerais. As características sociodemográficas das participantes do estudo estão descritas na Tabela 1.

As participantes do estudo eram predominantemente mulheres jovens com idade entre 20 e 30 anos (64,4%), católicas (56,9%) e casadas ou em um relacionamento estável (94,3%). Além disso, estudaram até o ensino médio (41,1%), o que corresponde a 12 anos de estudo, com renda familiar entre um e três salários mínimos (45,5%), residência própria (65,6%) e ocupação profissional com atividade remunerada (49,3%).

Tabela 1
Distribuição das gestantes segundo as características sociodemográficas - Alfenas, MG, Brasil, 2015.

Quanto à confiabilidade do instrumento na amostra estudada, verificada pela consistência interna da subescala de ansiedade na medida do alfa de Cronbach, obteve-se o valor de 0,76. O referido valor permitiu considerar a consistência da escala como boa e aceitável para os itens avaliados, demonstrando correlação entre eles. Desta forma, evidenciou-se a qualidade e a confiabilidade do instrumento utilizado.

No que se refere aos resultados relacionados à variável de interesse, a medida de ansiedade obtida por meio da aplicação da subescala HADS-A, consideraram-se os intervalos possíveis para a medida de ansiedade variando entre zero a 21, sendo que o maior valor indica maior chance de o indivíduo desenvolver um transtorno de ansiedade. Desta forma, o intervalo obtido para a medida de ansiedade foi entre zero e 20. A média do grupo para a medida de ansiedade foi de 5,63 (dp±4,73).

No que se refere à ocorrência do transtorno de ansiedade na gestação, ao utilizar o critério sugerido pelos autores da escala1515 Silva MMJ, Leite EPRC, Nogueira DA, Clapis MJ. Depression in pregnancy: prevalence and associated factors. Invest Educ Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 05];34(2):342-50. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/iee/v34n2/v34n2a14.pdf
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, o qual determina o escore oito como ponto de corte para a HADS-Ansiedade, evidenciou-se que 26,8% (56) das gestantes o apresentaram, com maiores índices no terceiro trimestre (42,9%), conforme descrito na Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição das gestantes segundo a idade gestacional e a presença de ansiedade - Alfenas, MG, Brasil, 2015.

A Tabela 3 apresenta as variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativas com a ocorrência da ansiedade na gestação.

Os resultados da Tabela indicam associação estatisticamente significativa entre a presença de ansiedade na gravidez e a ocupação (p=0,04), evidenciando que gestantes que exerciam atividade do lar apresentaram maior chance de desenvolver ansiedade na gravidez do que as que possuíam trabalho.

Neste estudo, predominaram as gestantes que estavam no terceiro trimestre da gravidez (39,7%). Quanto à história obstétrica, 190 (90,9%) participantes não tiveram dificuldade para engravidar, 199 (95,2%) não realizaram tratamento para engravidar e 140 (67%) eram multigestas. Entre as multigestas, as complicações em gestações anteriores estiveram presentes na história obstétrica de 47,1%, e o histórico de abortamento/ameaça de parto prematuro foi vivenciado por 59 (42,1%) delas, fatores estes que estiveram associados significativamente com a ocorrência da ansiedade na gravidez, com p=0,050 e 0,007, respectivamente (Tabela 3). No que se refere à gestação atual, 25,8% (54) enfrentavam complicações obstétricas e 83 (39,7%) não tinham filhos.

Tabela 3
Fatores associados à ansiedade entre as gestantes - Alfenas, MG, Brasil, 2015.

Neste estudo, a grande maioria das participantes (98,6%) desejava a gestação que estava vivenciando, sentimento que também era experimentado por 99% dos pais da criança. O desejo materno em relação à gestação esteve associado à ocorrência da ansiedade na gravidez (p=0,018) (Tabela 3). Destaca-se, ainda, que 99% das participantes receberam apoio da família e do pai da criança na gestação.

O número de abortamentos também demonstrou relação estatisticamente significante com a ocorrência da ansiedade na gravidez (Tabela 4). Ao contrário do esperado, observou-se uma relação inversa entre o número de abortamentos e a presença da ansiedade na gestação, de maneira que se constatou que as gestantes que tiveram mais abortamentos em gestações anteriores (rank médio=22,60) não apresentaram ansiedade.

Tabela 4
Ranks médios e valores de p para a associação entre ansiedade e número de abortamentos entre as participantes - Alfenas, MG, Brasil, 2015.

Neste estudo, 185 (85,5%) gestantes referiram não ser tabagistas, 194 (92,8%) não consumir bebida alcoólica e 204 (97,6%) não usar drogas ilícitas. Esta última variável esteve associada à ansiedade na gravidez (p=0,019), assim como a quantidade de cigarros consumidos por dia (p=0,004). Desta forma, as gestantes usuárias que fumavam acima de dez cigarros por dia e as usuárias de drogas ilícitas tinham 28 e 11 vezes mais chances, respectivamente, de sofrer ansiedade na gravidez do que as participantes que não usavam nenhuma dessas drogas (Tabela 3).

O principal problema de saúde referido pelas gestantes, embora pouco frequente (12%), foi a hipertensão arterial sistêmica 10 (40%). Ressalta-se ainda que 195 (90,7%) participantes não faziam uso de medicamento diário, porém, entre as usuárias, os medicamentos mais utilizados foram os anti-hipertensivos (42,8%).

O histórico de transtorno mental anterior à gestação foi relatado por 42 (20,1%) gestantes. Entre as gestantes que vivenciaram um transtorno no passado, 25 (59,5%) realizaram tratamento, sendo a modalidade farmacológica realizada por 18 (72%) participantes.

Constatou-se ainda que 139 (66,5%) gestantes não tiveram a experiência de viver um evento marcante em sua vida, no último ano. Contudo, a morte (54,3%) e o diagnóstico de doença (12,8%), ambos em ente querido, foram os eventos mais referidos pelas participantes que o vivenciaram.

No que se refere à violência contra a mulher, 21 (10%) gestantes relataram histórico de violência doméstica e apenas uma referiu vivenciá-la na atualidade, sendo a violência física a mais sofrida no passado (71,4%) e a violência psicológica/moral, a mais frequente atualmente (100%).

Quanto aos relacionamentos interpessoais, para 10,5% das gestantes o relacionamento com família, amigos e pessoas próximas não é satisfatório e 12,7% gestantes enfrentavam conflitos conjugais. Entretanto, 60,8% das participantes contavam com apoio social, proporcionado principalmente pela família (88,9%), o qual era, em sua maioria, financeiro (74,8%).

As variáveis: ocupação, complicações em gestações anteriores, histórico de abortamento/ameaça de parto prematuro, desejo materno em relação à gravidez, número de abortamentos, quantidade de cigarros consumidos por dia e uso de drogas demonstraram associação com a presença de ansiedade durante a gravidez (p≤0,05), e portanto, foram incluídas no modelo de regressão logística. Entretanto, apenas a quantidade de cigarros consumidos por dia permaneceu associada significativamente com a ansiedade gestacional, ao nível de 5% no modelo final, como descrito na Tabela 5.

Tabela 5
Modelo de regressão logística: variável associada à ansiedade entre as gestantes - Alfenas, MG, Brasil, 2015.

Discussão

As características sociodemográficas de mulheres que sofrem de sintomas e/ou transtornos à saúde mental podem diferir entre si. Assim, as caracterização das participantes deste estudo assemelha-se à de outros estudos quanto à idade e ao estado civil44 Ali NS, Azam IS, Ali BS, Tabbusum G, Moin SS. Frequency and associated factors for anxiety and depression in pregnant women: a hospital-based cross-sectional study. Scientific World J [Internet]. 2012 [cited 2013 Oct 15];2012:653098. Available from: Available from: https://www.hindawi.com/journals/tswj/2012/653098/
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, porém distingue-se de outros quanto à renda e à escolaridade66 Bayrampour H, McDonald S, Tough S. Risk factors of transient and persistent anxiety during pregnancy. Midwifery. 2015;31(6):582-9. .

Considerando-se a incidência de ansiedade durante a gravidez, não há dados homogêneos. No presente estudo, 26,8% (56) das gestantes apresentaram ansiedade durante a gravidez. Já em estudo realizado no Paquistão44 Ali NS, Azam IS, Ali BS, Tabbusum G, Moin SS. Frequency and associated factors for anxiety and depression in pregnant women: a hospital-based cross-sectional study. Scientific World J [Internet]. 2012 [cited 2013 Oct 15];2012:653098. Available from: Available from: https://www.hindawi.com/journals/tswj/2012/653098/
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, que também utilizou a Subescala Hospitalar de Ansiedade como instrumento para avaliar esse transtorno, a prevalência de ansiedade entre gestantes foi de 20,4%. Dados ainda diferentes de estudo realizado na África do Sul, o qual utilizou outro instrumento e encontrou índice de 11,8% de gestantes ansiosas1717 Vythilingum B, Campo S, Kafaar Z, Baron E, Stein DJ, Sanders L, et al. Screening and pathways to maternal mental health care in a South African antenatal setting. Arch Womens Ment Health [Internet]. 2013 [cited 2013 Oct 20];16(1):371-9. Available from: Available from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00737-013-0343-1
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Os prováveis motivos para a variação nos índices podem ser atribuídos às diferenças em tamanho e métodos de seleção da amostra, bem como aos instrumentos utilizados para o rastreamento da ansiedade. Além disso, é importante ressaltar que a incidência mais alta encontrada no presente estudo, em detrimento dos demais que utilizaram outros instrumentos, pode ser explicada pelo fato de a Subescala Hospitalar de Ansiedade ser autoadministrada e, em virtude disso, as mulheres provavelmente não se sentiram influenciadas pela pesquisadora e expressaram mais facilmente o que realmente sentem.

A idade gestacional não apresentou associação significativa com a ansiedade, porém esta foi mais frequente no último trimestre da gravidez. Este achado é semelhante aos encontrados por outros pesquisadores em estudos realizados na Itália33 Giardinelli L, Innocenti A, Benni L, Stefanini MC, Lino G, Lunardi C, et al. Depression and anxiety in perinatal period: prevalence and risk factors in an Italian sample. Arch Womens Ment Health. 2012;15(1):21-30. e na Austrália1818 Rallis S, Skouteris H, McCabe M, Milgrom J A prospective examination of depression, anxiety and stress throughout pregnancy. Women Birth [Internet]. 2014 [cited 2017 Jan 29];27(4):e36-e42. Available from: Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1871519214000821
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Índices maiores de ansiedade no terceiro trimestre da gestação podem estar relacionados à proximidade do parto, considerando-se que o terceiro trimestre da gestação é particularmente exigente para as mulheres em virtude desta proximidade1919 Souza MG, Vieira BDG, Alves VH, Rodrigues DP, Leão DCMR, De Sá AMP. Concern of primiparous women with regard to labor and birth. J Res Fundam Care. Online [Internet]. 2015 [cited 2017 Apr 02];7(1):1987-2000. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/3504/pdf_1441
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. Isto pode ser explicado pelo fato de a gravidez e do parto serem percebidos por algumas gestantes como momentos de vulnerabilidade, capazes de desencadear na mulher sentimentos de medo2020 Gourounti K, Anagnostopoulos F, Lykeridou K. Coping strategies as psychological risk factor for antenatal anxiety, worries, and depression among Greek women. Arch Womens Ment Health [Internet]. 2013 [cited 2013 Oct 17];16(5):353-61. Available from: Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00737-013-0338-y
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, o qual pode estar presente mesmo em mulheres que já vivenciaram partos anteriores, como é o caso da maioria das gestantes deste estudo (67%), as quais eram multigestas. Com a aproximação do momento do nascimento do filho, embora esperado durante toda a gestação, o sentimento de medo pode exacerbar-se, predispondo a gestante a alterações em seu bem-estar psíquico, uma vez que a literatura demonstra que mulheres com medo do parto podem ter maior risco de desenvolvimento de ansiedade durante a gravidez2121 Cetişli NE, Zirek ZD, Abali FB. Childbirth and postpartum period fear in pregnant women and the affecting factors. Aquichan [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 03];16(1):32-42. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/aqui/v16n1/v16n1a05.pdf
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Assim como já observado pela literatura, neste estudo, o risco de ansiedade na gravidez foi maior entre gestantes que não exerciam atividade trabalhista2020 Gourounti K, Anagnostopoulos F, Lykeridou K. Coping strategies as psychological risk factor for antenatal anxiety, worries, and depression among Greek women. Arch Womens Ment Health [Internet]. 2013 [cited 2013 Oct 17];16(5):353-61. Available from: Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00737-013-0338-y
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, evidenciando o emprego como um fator protetor da saúde mental. Achado em contraste com estudo Paquistanês, que demonstrou que mulheres grávidas empregadas fora da casa estavam mais ansiosas e deprimidas do que as donas de casa que não exerciam atividade trabalhista88 Waqas A, Raza N, Lodhi HW, Muhammad Z, Jamal M, Rehman A. Psychosocial factors of antenatal anxiety and depression in Pakistan: is social support a mediator? PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 29];10:e0116510. Available from: Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0116510
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Vários fatores podem elucidar os achados deste estudo. Entre os aspectos condizentes ao trabalho doméstico associado à saúde mental feminina, ressalta-se que a monotonia da rotina doméstica, aliada à pouca possibilidade de mudança, pode ser um determinante para a ocorrência de transtornos mentais. Soma-se a estas constatações o fato de que a falta de lazer e distração, predominantes na rotina doméstica, podem desmotivar muitas mulheres, fazendo-as sentirem-se presas, fato que poderia contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais comuns2222 Pinho OS, Araújo TM. Association between housework overload and common mental disorders in women. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2012 [cited 2017 Mar 31];15(3): 560-72. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v15n3/en_10.pdf
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, como a ansiedade.

A presença de complicações em gestações anteriores e o histórico de abortamento/ameaça de parto prematuro também se mostraram como fatores de risco para a ansiedade durante o período pré-natal.

Os achados da presente investigação são apoiados por um estudo de revisão sobre os fatores de risco para ansiedade e depressão na gravidez com consequentes implicações para a saúde e o bem-estar materno. Segundo tal estudo, a associação entre presença de ansiedade no período pré-natal e complicações em gestações anteriores, nestas incluídas a vivência de um abortamento/ameaça de parto prematuro, reflete o impacto de gestações prévias na maneira como a mulher vivencia a gestação em curso, de modo que a história de complicações em gestações passadas tem efeito negativo traduzido invariavelmente na acentuação dos níveis de ansiedade na presente gravidez55 Biaggi A, Conroy S, Pawlby S, Pariante CM. Identifying the women at risk of antenatal anxiety and depression: a systematic review. J Affect Disord [Internet]. 2016 [cited 2017 Feb 2];191:62-77. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26650969
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No que se refere ao desejo da mulher em relação à gravidez, é relevante mencionar que a ocorrência de uma gestação não desejada pode contribuir para uma má adaptação psicológica, responsável pelo desenvolvimento da ansiedade durante a gravidez, como demonstrado em outro estudo66 Bayrampour H, McDonald S, Tough S. Risk factors of transient and persistent anxiety during pregnancy. Midwifery. 2015;31(6):582-9. . Neste contexto, evidencia-se a associação entre o desejo materno em relação à gravidez e a maior propensão ao desencadeamento de distúrbios emocionais, como sentimentos de angústia e infelicidade que, associados a outros fatores, podem representar gatilhos potenciais para o desenvolvimento de transtornos mentais em gestantes, dando uma indicação do impacto profundo de uma gravidez indesejada ​​sobre a saúde mental da mulher.

Cabe ressaltar que em países de contextos socioeconômicos de recursos limitados, como a Etiópia, o desejo materno em relação à gestação pode guardar íntima relação com a renda familiar, já que no contexto de uma gravidez, em que se espera o aumento dos gastos em virtude do crescimento da família, situações de insegurança e estresse podem exacerbar-se, comprometendo o bem-estar da gestante. Assim como no estudo Etíope, o presente estudo não evidenciou associação entre a renda familiar e a ocorrência da ansiedade na gravidez, apesar das diferenças socioeconômicas entre os dois países.

Estudo realizado na Cidade do Cabo, África do Sul, junto a gestantes que possuem transtorno de ansiedade ou depressão, constataram que a gravidez não desejada pela mulher é um fator de risco para transtornos mentais, tanto no período pré-natal como no pós-parto1717 Vythilingum B, Campo S, Kafaar Z, Baron E, Stein DJ, Sanders L, et al. Screening and pathways to maternal mental health care in a South African antenatal setting. Arch Womens Ment Health [Internet]. 2013 [cited 2013 Oct 20];16(1):371-9. Available from: Available from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00737-013-0343-1
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O presente estudo evidenciou ainda a associação entre o número de abortamentos e a ansiedade na gravidez, entretanto, ao contrário do esperado, observou-se uma relação inversa entre eles, de maneira que as gestantes que tiveram mais abortamentos em gestações anteriores não apresentaram ansiedade. Esse resultado contrapõe-se ao encontrado em outro estudo, em que a história de abortos foi significativamente associada à ansiedade e a transtornos mentais comuns na gravidez88 Waqas A, Raza N, Lodhi HW, Muhammad Z, Jamal M, Rehman A. Psychosocial factors of antenatal anxiety and depression in Pakistan: is social support a mediator? PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 29];10:e0116510. Available from: Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0116510
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Uma possível explicação para achados controversos e inesperados como o encontrado neste estudo seria a configuração sociocultural da sociedade em que a amostra estudada está inserida. Desta forma, algumas variáveis podem atuar como estressoras em uma população investigada e em outra não. Nestas situações, é relevante reafirmar também a importância de se considerar a complexidade do fenômeno em estudo, ponderando sobre o efeito de outras variáveis no desenvolvimento da ansiedade durante a gestação.

Outro achado importante do presente estudo demonstra que a quantidade de cigarros consumidos por dia e o uso de drogas ilícitas são fatores associados à ansiedade na gravidez.

Esses resultados são consistentes com os achados de outros pesquisadores de que o tabagismo, assim como os sintomas depressivos, estão associados a maiores sintomas de ansiedade2323 Lee JY, Brook JS, Finch SJ, Rosa M, Brook DW. Joint trajectories of cigarette smoking and depressive symptoms from the mid-twenties to the mid-20s to the mid-30s predicting generalized anxiety disorder. J Addict Dis. 2017 Mar 10. [Epub ahead of print] .

Referente ao achado do presente estudo, o maior número de cigarros consumidos por dia pelas gestantes pode ser uma consequência da ansiedade desencadeada na gravidez pela nicotina e também pelas mudanças e situações geradoras de estresse, próprias do período.

Apesar da associação encontrada entre número de cigarros consumidos por dia pela gestante e o desenvolvimento da ansiedade durante a gestação, não é possível estabelecer, neste estudo, relações de causalidade, uma vez que, por se tratar de um estudo transversal, não é possível inferir se foi a ansiedade desenvolvida durante a gestação que contribuiu para o maior consumo de cigarros por dia ou o contrário.

Cabe destacar, neste contexto, a importância da atuação da equipe de enfermagem obstétrica junto à gestante tabagista, considerando o pré-natal como um momento oportuno para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde que visem à realização do tratamento adequado para o abandono do vício e a prevenção da instalação de dependência ao tabaco.

No que se refere ao uso de drogas ilícitas, embora seja esperado que durante a gravidez a mulher adquira comportamentos que contribuam para a sua saúde e a de seu filho que está para nascer, a manutenção de comportamentos desviantes, como o uso de álcool e drogas é uma realidade entre muitas gestantes. Neste sentido, o desenvolvimento da ansiedade pode estar associado aos mecanismos que a droga utilizada desencadeia no organismo dos usuários.

Em sentido contrário, também é possível que fatores relacionados com a gravidez em si, como as mudanças inerentes a este período, contribuam para o desenvolvimento da ansiedade e esta condição motive o consumo de drogas entre as gestantes, uma vez que a ansiedade apresenta-se como comorbidade e fator de risco para o uso abusivo de substâncias2424 Rocha PC, Britto e Alves MTSS, Chagas DC, Silva AAM, Batista RFL, Silva RA. Prevalência e fatores associados ao uso de drogas ilícitas em gestantes da coorte BRISA. Cad Saúde Pública [Internet]. 2016 [citado 2017 abr. 04];32(1):e00192714. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n1/0102-311X-csp-0102-311X00192714.pdf
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Estudo sobre a prevalência e os fatores associados ao uso de drogas ilícitas na gestação constatou que as gestantes com nível de ansiedade entre moderado e intenso tiveram duas vezes mais chance de uso de drogas na gravidez2424 Rocha PC, Britto e Alves MTSS, Chagas DC, Silva AAM, Batista RFL, Silva RA. Prevalência e fatores associados ao uso de drogas ilícitas em gestantes da coorte BRISA. Cad Saúde Pública [Internet]. 2016 [citado 2017 abr. 04];32(1):e00192714. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n1/0102-311X-csp-0102-311X00192714.pdf
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O presente estudo apresenta como limitação o seu delineamento transversal, o qual impossibilita inferências sobre a relação temporal dos eventos ou sobre a relação de causa e efeito dos resultados encontrados.

Conclusão

A ansiedade demostrou ser um transtorno mental frequente entre as gestantes estudadas, estando mais presente no terceiro trimestre da gestação e com sua ocorrência associada à ocupação da gestante, ao histórico de abortamento, à presença de complicações em gestações anteriores, ao desejo materno em relação à gravidez, à quantidade de cigarros consumidos por dia e ao uso de drogas ilícitas.

Quanto ao instrumento utilizado, a aplicação da subescala de ansiedade HADS-A entre gestantes traz uma importante contribuição à enfermagem, além de ampliar o uso desse instrumento.

Considerando-se os resultados obstétricos adversos e as graves consequências à saúde materna e fetal associados à ocorrência da ansiedade na gravidez e ao seu subdiagnóstico neste período, os resultados deste estudo são de extrema importância, uma vez que o conhecimento dos fatores associados à ocorrência do transtorno na gravidez permite a elaboração de medidas preventivas na assistência pré-natal, a qual caracteriza-se por ser um espaço oportuno para o desenvolvimento de intervenções que visem à promoção da saúde mental das gestantes; assim como permite também a ação integrada e articulada da equipe multiprofissional e interdisciplinar, visto que o alcance do bem-estar físico e mental favorável depende de intervenções em todas as dimensões que envolvem o ser holístico.

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    Extraído da dissertação "Avaliação da ansiedade e depressão na gravidez", Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Alfenas, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2016
  • Aceito
    25 Abr 2017
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