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A música como intervenção em projetos de saúde* * Extraído da dissertação: “A música como intervenção de cuidado em projetos de saúde”, Mestrado Profissional em Enfermagem, Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, 2017.

RESUMO

Objetivo:

Identificar e caracterizar projetos musicais na área de saúde, seus objetivos terapêuticos, referenciais teóricos, avaliação/monitoramento e disseminação dos resultados para um possível modelo de estrutura para esse processo.

Método:

Estudo descritivo com casos múltiplos e análise documental.

Resultados:

Participaram do estudo nove projetos, predominantemente concentrados em São Paulo e realizados com população adulta em instituições públicas. Os coordenadores eram majoritariamente mulheres, especialistas e com formação em saúde, em música ou ambas. As intervenções foram realizadas ao vivo, com média/semana de 60 minutos e repertório selecionado pelos pacientes. Menos da metade indicou pautar suas atividades em algum referencial teórico, ou algum tipo de monitoramento do projeto. Objetivos terapêuticos relacionados à inserção social, resgate de autoestima, cidadania, protagonismo e comunicação foram apontados.

Conclusão:

A indicação teórica dos projetos musicais foi escassa. Cerca de metade dos projetos analisados indicou algum tipo de avaliação e divulgação das atividades realizadas. Dois projetos apenas possuíam algum monitoramento de riscos e produção científica de seus resultados, o que não permitiu propor um modelo de acompanhamento para essas iniciativas.

Música; Musicoterapia; Terapias Complementares; Saúde Mental; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify and characterize music projects in the health area, their therapeutic goals, theoretical frameworks, evaluation/monitoring, and dissemination of their results for a possible structure model for this process.

Method:

Descriptive study with multiple cases and documental analysis.

Results:

Nine projects have participated in this study; these were predominantly in São Paulo and conducted with the adult population in public institutions. The coordinators were mostly women, specialists, with a qualification in health, music, or both. The interventions were performed live, with a mean of 60 minutes per week and repertoires selected by patients. Less than half indicated basing their activities in some theoretical framework or any type of project monitoring. Therapeutic goals related to social insertion and restoring self-esteem, citizenship, protagonism, and communication were pointed out.

Conclusion:

The theoretical indication of the music projects was scarce. Around half the analyzed projects indicated some type of evaluation and dissemination of the performed activities. Two projects only had some risk surveillance and scientific production out of their results, which has not enabled proposing a monitoring model for these initiatives.

Music; Music Therapy; Complementary Therapies; Mental Health; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar y caracterizar proyectos de música en el área de la salud, sus objetivos terapéuticos, referencias teóricas, evaluación/seguimiento y difusión de resultados para un posible modelo de estructura para este proceso.

Método:

Estudio descriptivo, de casos múltiples y análisis documental.

Resultados:

Participaron en el estudio nueve proyectos, concentrados mayoritariamente en São Paulo y realizados con población adulta en instituciones públicas. Los coordinadores eran en su mayoría mujeres, especialistas y con formación en salud, música o ambas. Las intervenciones se realizaron en vivo, con una media de 60 minutos por semana y repertorio elegido por los pacientes. Menos de la mitad indicó que sus actividades se basaban en alguna referencia teórica o tener algún tipo de seguimiento del proyecto. Se propusieron objetivos terapéuticos relacionados con la inserción social, la recuperación de la autoestima, la ciudadanía, el protagonismo y la comunicación.

Conclusión:

La indicación teórica de los proyectos musicales fue escasa. Cerca de la mitad de los proyectos analizados indicaban algún tipo de evaluación y divulgación de las actividades realizadas. Dos proyectos presentaban solamente algún tipo de seguimiento de los riesgos y la publicación científica de sus resultados, lo que no ha permitido proponer un modelo de acompañamiento para estas iniciativas.

Música; Musicoterapia; Terapias Complementarias; Salud Mental; Enfermería

INTRODUÇÃO

No Brasil, o histórico da assistência em saúde passou e ainda passa por constantes transformações. Desde as últimas décadas do século XX, com o surgimento da Reforma Sanitária e a implantação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), se fez necessário repensar esse modelo e adotar novas práticas de assistência à saúde, com ênfase na integralidade e equidade, na valorização do social, da subjetividade e do cuidado. Dessa forma, o ser humano passa a ser o foco de atenção e a determinar quais são as ações necessárias para que sejam alcançados novos objetivos: criar produtos de saúde, cuidar, ampliar o entendimento e a apropriação do processo saúde-doença e melhorar a qualidade de vida dos usuários, respeitando e considerando a singularidade desses sujeitos, sua crença, cultura e meio onde vivem(11 Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, Campos GWS, Trapé TL, Dantas DV. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde Debate. 2014;38(n.esp.):252-64. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S019
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).

Diante desse cenário, faz-se necessário o surgimento de novas práticas integrativas e complementares de cuidado e tratamento oferecidas aos usuários de saúde nos diferentes contextos clínicos, sendo a música uma dessas práticas. A música é a linguagem das emoções. É simultaneamente cultura e arte. Ela reproduz nossos sentimentos interiores, a mistura de sensações e está presente em todas as culturas. É uma ferramenta terapêutica acessível, de baixo custo, com potencial uso terapêutico e clínico, para o tratamento de diversas condições clínicas e melhor qualidade de vida(22 Melo GAA, Rodrigues AB, Firmeza MA, Grangeiro ASM, Oliveira PP, Caetano JA. Intervenção musical sobre a ansiedade e parâmetros vitais de pacientes renais crônicos: ensaio clínico randomizado. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e2978. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2123.2978
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2123...
-33 Trahan T, Durrant SJ, Müllensiefen D, Williamson VJ. The music that helps people sleep and the reasons they believe it works: a mixed methods analysis of online survey reports. PLoS One. 2018;13(11):e0206531. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0206531
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).

Ela vem sendo usada no tratamento da depressão(44 Aalbers S, Fusar-Poli L, Freeman RE, Spreen M, Ket JCF, Vink AC, et al. Music therapy for depression. Cochrane Database Syst Rev. 2017;(11):CD004517. doi: http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD004517
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), estresse(55 Linnemann A, Wenzel M, Grammes J, Kubiak T, Nater UM. Music listening and stress in daily life-a matter of timing. Int J Behav Med. 2018;25(2):223-30. doi: https://doi.org/10.1007/s12529-017-9697-5
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), esquizofrenia(66 Geretsegger M, Mössler KA, Bieleninik L, Chen XJ, Heldal TO, Gold C. Music therapy for people with schizophrenia and schizophrenia-like disorders. Cochrane Database Syst Rev. 2017;(5):CD004025. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.cd004025.pub4
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) e autismo(77 LaGasse AB. Social outcomes in children with autism spectrum disorder: a review of music therapy outcomes. Patient Relat Outcome Meas. 2017;8:23-32. doi: https://doi.org/10.2147/prom.s106267
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). Estudos mostraram que a música possui propriedade analgésica e ansiolítica em cirurgias(88 Kühlmann AYR, de Rooij A, Kroese LF, van Dijk M, Hunink MGM, Jeekel J. Meta-analysis evaluating music interventions for anxiety and pain in surgery. Br J Surg. 2018;105(7):773-83. doi: https://doi.org/10.1002/bjs.10853
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-99 Rice KL, Castex J, Redmond M, Burton J, Guo JW, Beck SL. Bundling Interventions to Enhance Pain Care Quality (BITE Pain) in medical surgical patients. Ochsner J. 2019;19(2):77-95. doi: https://doi.org/10.31486/toj.18.0164
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), tendo sido utilizada em unidades de tratamento intensivo(1010 Ames N, Shuford R, Yang L, Moriyama B, Frey M, Wilson F, et al. Music listening among postoperative patients in the intensive care unit: a randomized controlled trial with mixed-methods analysis. Integr Med Insights. 2017;12:1-13. doi: https://doi.org/10.1177/1178633717716455
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), assim como em procedimentos diagnósticos (endoscopia, colonoscopia)(1111 Bashiri M, Akçali D, Coskun D, Cindoruk M, Dikmen A, Çifdalöz BU. Evaluation of pain and patient satisfaction by music therapy in patients with endoscopy/colonoscopy. Turk J Gastroenterol. 2018;29(5):574-9. doi: https://doi.org/10.5152/tjg.2018.18200
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).

Pesquisadores que investigaram as experiências e atitudes dos enfermeiros em relação ao uso da música em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) demonstraram sua relevância para a prática clínica e que, quando incluída no ambiente de uma UTI, auxilia os enfermeiros e os familiares no momento do luto(1212 Holm MS, Falun N, Gjengedal E, Norekval TM. Music during after-death care: a focus group study. Nurs Crit Care.2012;17(6):302-8. doi: https://doi.org/10.1111/j.1478-5153.2012.00525.x
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). Pesquisadores demonstraram que a atividade de canto é um meio alternativo e de baixo custo para a manutenção da saúde de idosos(1313 Skingley A, Clift SM, Coulton SP, Rodriguez J. The effectiveness and cost-effectiveness of a participative community singing programme as a health promotion initiative for older people: protocol for a randomised controlled trial. BMC Public Health. 2011;11:142. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-142
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). A música tem sido apontada como uma intervenção em saúde do nascimento(1414 Tabarro CS, Campos LB, Galli NO, Novo NF, Pereira VM. Effect of the music in labor and newborn. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):445-52. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000200029
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) à morte(1515 Silva V, Sales C. Musical meetings as a resource in oncologic palliative care for users of a support home. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(3):626-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000300015
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) dos indivíduos, tendo potencial de utilização em todo o ciclo vital humano.

A música se faz presente não só de maneira informal em nossas vidas, mas tem permeado projetos de pesquisa em todo mundo que investigam seu potencial terapêutico na saúde humana. É um recurso que integra também diversas ações e projetos em nosso meio, conduzido por profissionais com diferentes formações acadêmicas.

A participação em um grupo de música com os pacientes de um Centro de Apoio Psicossocial (CAPS), durante a qual muitas reflexões emergiram, motivou e impulsionou a realização deste estudo. O grupo de música, formado por pacientes, tinha como perfil majoritário indivíduos do sexo masculino, jovens entre 20 e 45 anos, portadores de transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtornos do humor e transtorno de personalidade, alguns com sintomas negativos, como afeto embotado, alucinações e delírios, outros com maior autonomia. Durante a participação no grupo, a partir do desencadeamento de uma crise em um dos pacientes, da escuta dos relatos de outros participantes, e das reflexões sobre como era a abordagem adotada na condução do grupo (e até mesmo os riscos envolvidos na atividade), pôde-se perceber que nem sempre a prática assistencial é crítico-reflexiva, nem sempre os objetivos propostos são avaliados com critérios e, muito menos, os resultados e os riscos eventualmente envolvidos são sistematicamente avaliados, emergindo daí a necessidade da realização deste estudo. Tal situação é ainda mais preocupante quando intervenções com potencial terapêutico são executadas por profissionais sem formação, de base ou complementar, na área da saúde, sobretudo quando direcionadas a populações mais vulneráveis, como os pacientes psiquiátricos.

São conhecidas diversas atividades que envolvem música e até mesmo projetos musicais relacionados à saúde, como o projeto Harmonia Enlouquece (banda de pacientes psiquiátricos do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro) e o grupo Saracura (que atua em hospitais em São Paulo), dentre outros, que buscam favorecer o bem-estar, o equilíbrio emocional e o cuidado humanizado em situações de doença. Todavia, a literatura é limitada quanto ao detalhamento e execução dessas atividades na prática clínica. Parece não existir muita clareza (apesar da boa intenção) quanto aos referenciais teóricos que as suportam, uma análise criteriosa quanto à sua adequação a cada contexto clínico, bem como dados de monitoramento dos resultados que assegurem a adoção das melhores evidências científicas, dificultando a análise de modelos, sua replicação (cada projeto se torna um fim em si mesmo) e a incorporação em um maior número de instituições de saúde, apesar dos benefícios apontados pelas diversas pesquisas sobre o tema.

O número de projetos que utilizam a música na saúde e suas características é desconhecido no Brasil. Para além da utilização da música, existiriam similaridades entre os diversos projetos existentes? De que forma esses projetos têm avaliado e evidenciado seus resultados clínicos? Quais modelos teóricos podem auxiliar na implementação de intervenções musicais em serviços de saúde gerais e especializados? Essas são as questões que nortearam este estudo, cujos resultados podem balizar a discussão sobre a música como intervenção em cenários de cuidado e atenção à saúde, bem como identificar elementos fundamentais que facilitem a introdução e ampliação das práticas musicais de forma segura e efetiva na área da saúde.

Este estudo teve como objetivos: Identificar e caracterizar as intervenções musicais de projetos conduzidos na área de saúde em cenários gerais (hospitais) e especializados (CAPS, Cuidados Paliativos e outros); Identificar os objetivos terapêuticos e os referenciais teóricos dos projetos que se caracterizam por intervenções musicais na área da saúde; Conhecer a forma de avaliação, monitoramento e disseminação dos resultados obtidos pelos referidos projetos; Verificar se as experiências encontradas possibilitam propor um modelo de estrutura e acompanhamento de projetos que tenham a música como instrumento de cuidado em saúde.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, conduzido por meio de estudo de casos múltiplos e análise documental. O potencial da metodologia de estudo de casos múltiplos está na possibilidade do uso de múltiplas fontes de coleta de dados por meio de revisão de literatura, entrevistas, questionários e pesquisa documental(1616 Silva LA, Mercês NN. Estudo de casos múltiplos aplicado na pesquisa de enfermagem: relato de experiência. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1194-7. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0066
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-1717 Triviños A. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo; Atlas; 2015. O positivismo; a fenomenologia; o marxismo.).

AMOSTRA

Para identificação dos projetos musicais e seus respectivos coordenadores, foram adotados os seguintes procedimentos: 1) pesquisa bibliográfica no PUBMED compreendendo o período de 20 anos (1995 a 2015), com utilização dos descritores: música; enfermagem; canto; promoção da saúde; musicoterapia; saúde mental relacionada à música; 2) busca de projetos na internet, por meio da ferramenta Google e da rede social Facebook , ambos direcionados à música e saúde.

Para identificação dos projetos, foi realizada também busca por meio da Plataforma Lattes; todavia, essa estratégia não demonstrou eficácia, pois não constava no currículo a informação dos nomes e dados dos projetos em que o profissional pudesse eventualmente estar participando.

Foram identificados 37 projetos musicais na área da saúde no Brasil. Desses, foi constatado o encerramento de dois projetos. A identificação de seus coordenadores, entretanto, foi encontrada em apenas 11 projetos. Dos 11 questionários que foram acessados e respondidos pelos coordenadores dos projetos de música em instituições de saúde, dois projetos foram excluídos da amostra, uma vez que os dados se mostraram incompletos, o que poderia comprometer a análise, restando, portanto, nove projetos musicais que constituíram a amostra por conveniência deste estudo.

COLETA DE DADOS

Para atender aos objetivos propostos, um questionário foi construído e aplicado aos coordenadores dos projetos de saúde via Plataforma SurveyMonkey , para facilitar o envio, a participação e o recebimento das informações.

O modelo conceitual, que fundamentou o questionário, pautou-se na literatura no que tange às diretrizes para relatórios de intervenções musicais(1818 Robb SL, Burns DS, Carpenter JS. Reporting guidelines for music-bases interventions. J Health Psychol. 2011;16(2):342-52. doi: https://doi.org/10.1177%2F1359105310374781
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) e à gestão de projetos de ação(1919 Carvalho MCB. Avaliação de projetos sociais. In: Ávila CM. Avaliação de projetos sociais. 3ª ed. São Paulo: AAPCS; 2001. p. 59-90.). O questionário foi composto por: dados de caracterização do participante, coordenadores dos projetos; dados de caracterização da intervenção musical e referencial teórico do projeto; e dados relativos à avaliação, monitoramento e disseminação dos resultados obtidos pelo projeto.

O e-mail com o link de acesso ao questionário da pesquisa foi enviado para todas as 37 instituições responsáveis por esses projetos. Quando não se obtinha respostas por parte expressiva das instituições, outras medidas foram adotadas, no intuito de obter informações sobre os dados de contato dos coordenadores dos projetos e ampliar as possibilidades de coleta de dados. Tais medidas foram o contato telefônico com todas as instituições identificadas e a identificação e contato com os coordenadores, o que resultou em 24 projetos para os quais foi encaminhado o e-mail com o link de acesso ao questionário, por pelo menos duas vezes.

Foi solicitado ainda aos participantes o encaminhamento eletrônico de documentos relativos aos projetos musicais, tais como relatórios, artigos científicos e materiais veiculados na mídia sobre o projeto.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

O conteúdo da descrição de cada caso foi elaborado por meio das respostas dos coordenadores dos projetos ao questionário e dos dados das fontes secundárias fornecidas por eles, além daquelas encontradas nas mídias digitais, as quais foram analisadas em busca de informações complementares às respostas emitidas nos questionários.

Neste artigo, os projetos são identificados com nomes fictícios de músicas do repertório de música popular brasileira, escolhidas aleatoriamente pelos pesquisadores para garantir o anonimato dos projetos, assim como seus dados e informações.

Os dados numéricos foram organizados mediante análise estatística descritiva e apresentados em gráficos e tabelas. A análise qualitativa seguiu a metodologia proposta para análise de estudos de caso(2020 Yin RK. Estudos de casos: planejamento e métodos. 4ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2010.), em que cada caso foi descrito por meio de relatórios individuais e uma matriz final de casos cruzados.

ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa teve aprovação ética mediante parecer nº 1.369.165/2015 e o consentimento dos participantes foi devidamente obtido em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

O Quadro 1 apresenta a identificação dos projetos musicais participantes do estudo.

Quadro 1
Identificação dos projetos musicais segundo nome fictício, localização geográfica e tipo de instituição de Saúde onde se desenvolvem - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

Observamos uma concentração dos projetos participantes do estudo na região sudeste do Brasil, especialmente na cidade de São Paulo, e realizados predominantemente em instituições hospitalares públicas, assim como CAPS - Centro de Atenção Psicossocial - e em unidades especializadas de psiquiatria e de idosos. Um projeto abrange outros países além do Brasil, com formação especializada para a atuação dos músicos em hospitais(2121 Leão ER, Flusser V. Music for institutionalized elderly: perceptions of the intervening musicians. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(1):73-80. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-62342008000100010
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).

O perfil dos coordenadores dos grupos musicais na área da saúde foi composto predominantemente por mulheres, com idade entre 30 e 60 anos, especialistas, com nível superior completo, ligados à área da saúde ou de música e até mesmo profissionais com formação nessas duas áreas. Quatro coordenadores informaram realizar as atividades de forma remunerada.

Observa-se, pelas respostas apresentadas no Quadro 2, que as motivações têm suas principais raízes em interesses e formação pessoais e poucos apresentaram como motivação, a priori , uma perspectiva terapêutica.

Quadro 2
Motivação dos coordenadores na idealização e ou participação nos grupos musicais - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

A maioria dos projetos tinha a população adulta como foco de atuação. Quanto ao tempo de existência dos projetos, dos nove projetos musicais estudados, três se iniciaram havia bastante tempo: Garota de Ipanema , 20 anos; Aquarela do Brasil , 11 anos; e Um violeiro Toca , 10 anos. Os demais projetos estudados existiam havia menos de cinco anos.

A frequência de atividades semanal foi a mais observada, sendo que um dos projetos acontece apenas mediante convite, sem uma frequência específica. Quanto ao tempo de duração de cada encontro musical, prevaleceu a duração média de 60 minutos.

Quanto à composição e formação dos profissionais, três grupos eram compostos apenas pelos músicos coordenadores. Os seis demais grupos tinham composição variada, de dois a três tipos de profissionais com formações diferentes, envolvendo assistente social, psicólogo, alunos de graduação, enfermeiro, médico e músicos.

Em relação à existência de planejamento físico-financeiro do projeto, apenas dois grupos musicais estudados informaram possuí-lo.

Nos quesitos seleção do repertório musical, os critérios, a forma de apresentação e instrumentos, observou-se um repertório musical, na sua maioria, selecionado pelos pacientes, ou seja, pelos próprios participantes dos projetos musicais. Todos os projetos musicais estudados realizavam apresentação ao vivo e os principais instrumentos musicais utilizados foram os de percussão e o violão. Um grupo se diferenciou por utilizar instrumentos feitos de materiais recicláveis.

Quanto à privacidade e isolamento acústico do local onde se realizavam, todos relataram não possuir infraestrutura com isolamento acústico e privacidade.

Em relação à adoção de algum referencial teórico para a condução do projeto musical no ambiente de saúde e sobre a existência ou não de objetivos terapêuticos, cinco projetos musicais referiram não possuir referencial teórico como base para suas intervenções. Todavia, sete indicaram possuir objetivos terapêuticos.

Sete projetos musicais informaram não possuir publicações em artigos científicos ou divulgação em mídias digitais, bem como nenhum tipo de monitoramento das atividades e avaliação de riscos relacionados à intervenção musical.

Uma síntese das principais características dos projetos musicais é apresentada no Quadro 3.

Quadro 3
Principais características dos projetos musicais (matriz final dos casos cruzados) - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

A partir das experiências estudadas, não foi possível identificar aspectos congruentes para a elaboração de um modelo de estrutura e acompanhamento de projetos que tenham a música como instrumento de cuidado em saúde.

DISCUSSÃO

Dos 37 projetos identificados por meio da metodologia do estudo, nove (24%) foram incluídos e aceitaram participar da pesquisa. Essa porcentagem está de acordo com a estimativa de participação em outros estudos, uma vez que questionários que são enviados para os entrevistados por meio eletrônico alcançam em média 25% de devolução(2222 Manfreda K L, Bosnjak M, Berzelak J, Haas I, Vehovar V. Web surveys versus other survey modes: a meta-analysis comparing response rates. Int J Market Res. 2008;50(1):79-104. doi: https://doi.org/10.1177/147078530805000107
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).

O perfil dos coordenadores dos grupos musicais na área da saúde foi composto, na sua maioria, por mulheres, especialistas, com idade entre 30 e 60 anos. Salienta-se que, com exceção de um projeto, a coordenação era realizada por profissionais da área da saúde e a maior parte dos coordenadores possuía também formação em música. Aqueles que referiram não ter formação em música mencionaram desejar estudá-la, denotando o quanto profissionais da saúde buscam na arte formas de enfrentamento do estresse cotidiano e acabam por associá-la às suas atividades profissionais.

Com essa formação, é explícito o desejo de produzir algum efeito benéfico durante a intervenção musical, caracterizada por uma intenção de trazer para seu trabalho a experiência com a música e o que ela lhes proporciona, bem como para os pacientes das unidades, ao lhes possibilitar contato com a linguagem musical e, por meio dela, fortalecer o protagonismo e o enfrentamento dos estigmas e das situações diversas que o adoecimento, assim como os tratamentos e a hospitalização, ocasiona.

Ressalta-se ainda que a musicoterapia, como disciplina, foi mencionada por um único projeto coordenado por uma enfermeira e como referencial teórico adotado por um projeto coordenado por um psicólogo/músico. Entretanto, como se trata de uma disciplina da qual nenhum dos dois participantes tem formação específica, acredita-se que a palavra foi utilizada aleatoriamente. Existem diversas formas pelas quais a música pode chegar aos pacientes e diversas concepções adotadas por outros profissionais da saúde que não são musicoterapeutas, as quais são muito semelhantes em sua essência, uma vez que utilizam como meio a música e seus elementos. Diferem entre elas as atividades específicas que cada um desenvolve e as bases teóricas que as sustentam. O processo musicoterapêutico é desenvolvido somente por musicoterapeutas, ou seja, no setting musicoterapêutico, paciente e musicoterapeuta criam (e recriam) situações da vida, visando alcançar mudanças a partir da própria queixa do paciente(2323 Leubner D, Hinterberger T. Reviewing the effectiveness of music interventions in treating depression. Front Psychol. 2017;8: 1109. doi: https://dx.doi.org/10.3389%2Ffpsyg.2017.01109
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). A amostra deste estudo foi formada por diversos profissionais (nenhum musicoterapeuta) que se utilizaram da música, muitas vezes com objetivos terapêuticos, aproximando-se, portanto, da definição de musicoterapia mais adequada a ser adotada nesse contexto, que se baseia no campo de conhecimento e não em uma categoria profissional específica relacionada a ela, conforme apresentada pelo vocabulário estruturado e multilíngue DeCS - Descritores em Ciências da Saúde, como o "uso da música como uma terapia adicional no tratamento de distúrbios neurológicos, mentais ou comportamentais"(2424 Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME). Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH) [Internet]. São Paulo: BIREME/OPAS/OMS; 2019 [citado 2019 set. 22]. Disponível em: http://decs.bvsalud.org
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).

Uma das características dos projetos musicais estudados é a apresentação ao vivo, com escolha de repertório musical feita, na sua maioria, pelos pacientes que participam dos projetos. Não fica claro, contudo, o envolvimento dos profissionais na escolha e na análise dessas músicas. Nos objetivos terapêuticos, é mencionado o uso da música e dos encontros para o fortalecimento do protagonismo, como um exercício e resgaste de cidadania dos participantes dos grupos para posteriormente promover sua reinserção social; por outro lado, revela-se a inexistência de reflexão sobre os riscos que essa atitude encerra. A música produz emoções(2525 Casarotto FD, Vargas LS, Mello-Carpes PB. Música e seus efeitos sobre o cérebro: uma abordagem da neurociência junto a escolares. Rev Elo Diálogos Extensão. 2017; 6(2):55-60. doi: https://doi.org/10.21284/elo.v6i2.243
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) e pode trazer sensações e lembranças maravilhosas, de bem-estar, alegria e euforia, mas também pode conduzir a sensações não tão boas, remetendo a algo negativo, alguma situação ou lembrança que leve a um estado de tristeza, sofrimento, angústia ou mesmo sentimentos e emoções que não se sabe explicar. Essa reflexão é necessária antes de se estabelecer como, quando e de que forma ela será utilizada, bem como, caso ocorra alguma situação crítica, qual conduta profissional será adotada.

Também chama a atenção o fato de os projetos conduzidos há bastante tempo possuírem objetivos terapêuticos sem, contudo, explicitarem um referencial teórico. O referencial teórico serve para balizar não só uma pesquisa científica, mas também a prática profissional, qualquer que seja ela. Em nosso cotidiano, no senso comum, ao julgarmos qualquer fenômeno, o fazemos a partir de uma infinidade de referenciais teóricos, que adquirimos em nossa família, com amigos, na escola, na faculdade, em leituras, etc.

Como é possível, portanto, utilizar a música com objetivos terapêuticos, se não há um referencial teórico claro? Sem referencial teórico, não é possível estimar o que se espera, sua magnitude, limitações, tampouco compreender qualquer fenômeno que se dê a partir da experiência musical. É utilizar a música pautada apenas no senso comum, o que é desaconselhável e até mesmo perigoso, em se tratando de saúde.

O referencial teórico não indicado por músicos no contexto da saúde - que não a própria música - não surpreende e, de certa forma, guarda maior coerência no desempenho de sua atividade, voltada, ao que parece, ao entretenimento. O que baliza sua prática é a própria técnica e conhecimentos musicais, mas que não são indicados ou reivindicados como promotores de efeitos terapêuticos por esses profissionais, que não são da área da saúde. Preocupação maior recai sobre os projetos que têm profissionais de saúde (médico, enfermeiro e psicólogo) e que não explicitam referenciais para sua prática musical no hospital, uma vez que almejam resultados terapêuticos. Os referenciais existem, mas, desses profissionais, poucos referiram utilizá-los na coordenação das atividades musicais. Na medicina, podemos citar o processamento cerebral da música e seus efeitos psicofisiológicos(2626 Chanda ML, Levitin DJ. The neurochemistry of music. Trends Cogn Sci. 2013;17(4):179-93. doi: https://doi.org/10.1016/j.tics.2013.02.007
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), a Teoria da Musicoterapia(2727 Benenzon R. Teoria da musicoterapia. São Paulo: Summus; 1988.), dentre outras possibilidades. Na enfermagem, a adoção da Teoria ambientalista ou da Teoria do Ser Humano Unitário, por exemplo, podem nortear a busca de alterações no ambiente ou nos padrões de energia individual que implicam também alterações psicofisiológicas, considerando o princípio da ressonância(2828 Onieva-Zafra MD. The impact of Martha Rogers' nursing science in Spain. J Nurs Care. 2015;4(5):1-3. doi: https://doi.org/10.4172/2167-1168.1000283
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).

Portanto, os projetos que indicaram não possuir referenciais teóricos, seguem, no nosso entendimento, de maneira bastante solta, nos quais os repertórios não são escolhidos pelos profissionais. Os profissionais não sabem o que eles produzem e se atendem, portanto, aos objetivos terapêuticos indicados; tal atitude parece constituir mais "um desejo de ajudar" do que saber "como" fazer isso de forma mais estruturada e efetiva. Percebe-se que existe boa vontade, mas despreparo teórico sobre o tema.

Se os objetivos terapêuticos se relacionam com inserção social, tal inserção pode estar comprometida se não são discutidos elementos e conceitos que auxiliem no desenvolvimento da atividade musical para atingir esse fim. É necessário também saber conduzir de forma apropriada quando os resultados não saem dentro do esperado, como a situação mencionada e presenciada na prática profissional em saúde mental. O desafio está em manter o protagonismo dos pacientes em saúde mental alinhado ao domínio do profissional sobre o que está ocorrendo em todo o processo, que inclui o saber musical, assim como o conhecimento farmacológico utilizado nos tratamentos, uma vez que se trata de uma intervenção em saúde.

Por outro lado, mesmo nos projetos que indicaram referenciais teóricos, a relação entre a teoria e os objetivos terapêuticos não é muito clara.

É provável que o projeto siga a linha teórica na qual o coordenador se inscreve; porém, infelizmente, quando se questionou abordagem teórica, as respostas não apresentaram o nível esperado de aprofundamento que possibilitasse apontar algum caminho a ser replicado.

A expectativa, portanto, de delinear algum caminho nesse sentido, isto é, identificar elementos para desenhar um modelo de embasamento para projetos musicais na área da saúde, foi frustrada, tendo em vista, que, mesmo entre os projetos que apontaram algum referencial teórico, não houve congruência entre eles, sugerindo que cada categoria profissional tende a se pautar em referenciais familiares à sua formação acadêmica. Tal asserção equivale dizer que a música atende a uma diversidade de possibilidades teóricas, que tornam únicas as abordagens de cada categoria profissional. Carece ainda de construção um modelo de caráter mais universal para tornar a prática da música mais efetiva e segura nos diversos contextos clínicos em que estase insere e nos quais os princípios que fundamentam a prática se apresentem ainda obscuros. Nesse aspecto, outras inconsistências foram observadas. Se o psicodrama baliza a intervenção musical em um dos projetos, conforme mencionado, como a seleção do repertório pode ser feita pelos pacientes? A música em sessões de psicodrama incorpora técnicas de aquecimento grupal e/ou individual articulada às técnicas psicodramáticas auxiliares, com o objetivo de fazer emergir material terapêutico em estado subliminar. O manejo terapêutico da música em sessões de psicoterapia é considerado delicado, uma vez que é necessário dispor de um grande repertório musical a cada sessão, além da necessidade de desenvolver alguma, se não muita, sensibilidade musical em relação ao grupo e ao protagonista para poder usá-la com adequação, pois são sempre os objetivos terapêuticos em cena que conduzem à escolha dessa opção de manejo clínico junto ao paciente(2929 Leão ER, Silva MJP. Música e dor crônica músculoesquelética: o potencial evocativo de imagens mentais. Rev Latino Am Enfermagem. 2004;12(2):235-41. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692004000200013
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).

Também foi mencionada como referencial teórico a teoria Junguiana, na qual a humanidade compartilha de padrões de comportamento que se encontram na música, no simbolismo religioso e na arte, constituindo valores universais e da consciência coletiva. Esses valores, universais e coletivos, estariam contidos no nosso inconsciente(2929 Leão ER, Silva MJP. Música e dor crônica músculoesquelética: o potencial evocativo de imagens mentais. Rev Latino Am Enfermagem. 2004;12(2):235-41. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692004000200013
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) e, portanto, trabalhar com música pode acionar arquétipos que precisarão ser trabalhados e conhecidos a priori , assim como o potencial musical para seu desencadeamento, para que a atividade venha a ser desenvolvida de forma segura.

Outro aspecto de destaque é que apenas um projeto era coordenado por uma enfermeira, ainda que a música esteja presente na Classificação de Intervenções de Enfermagem - Nursing Intervention Classification (NIC) e a sua primeira utilização como forma de cuidado à saúde tenha sido relatada por Florence Nightingale no século XIX(2929 Leão ER, Silva MJP. Música e dor crônica músculoesquelética: o potencial evocativo de imagens mentais. Rev Latino Am Enfermagem. 2004;12(2):235-41. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692004000200013
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). Nesse sentido, surpreende também o fato de a coordenadora desejar buscar o referencial teórico em outra disciplina (a musicoterapia), demonstrando desconhecer que o berço dessa profissão decorreu, em parte, do trabalho de Florence e de enfermeiras americanas por ocasião das guerras mundiais, além de pesquisas desenvolvidas por enfermeiros brasileiros que têm apresentado os referenciais teóricos da enfermagem para sustentar esse tipo de intervenção na atenção à saúde(3030 Gonçalez DF, Nogueira AT, Puggina AC. O uso da música na assistência de enfermagem no Brasil: uma revisão bibliográfica. Cogitare Enferm. 2008;13(4):591-6. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v13i4.13121
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).

O presente estudo apresenta algumas limitações, como o número reduzido de projetos avaliados, ainda que adequado para a metodologia proposta (estudo de casos múltiplos), não possibilitando generalizar a discussão apresentada. Isso não permitiu a obtenção de um panorama mais amplo de como os projetos musicais são conduzidos no país nas instituições de saúde, uma vez que a literatura envolvendo esses projetos é bastante escassa. Todavia, a baixa adesão dos projetos identificados sugere uma fragilidade que pode ter sido detectada pelos coordenadores ao perceberem que não dispunham das informações solicitadas pelos pesquisadores. Entrevistas presenciais também poderiam ter aprofundado melhor alguns aspectos estudados e, ainda que dependam de recursos financeiros e de tempo, devem ser consideradas em futuros estudos.

Por outro lado, nossos resultados apontam para reflexões importantes para a prática clínica dos profissionais de saúde que trabalham ou desejam trabalhar com esse tipo de intervenção. A qualificação profissional para atuar nessa área, independentemente da área de atuação, é imprescindível. Serve de alerta também para os gestores de instituições de saúde, quando da autorização da entrada de projetos musicais realizados junto aos pacientes, demonstrando que, embora seja uma intervenção com potencial para a saúde, esta não é totalmente isenta de riscos, mesmo quando voltada ao entretenimento. São aspectos necessários a serem considerados para que a música como cuidado venha a ser cada vez mais reconhecida, valorizada e incorporada em nosso meio.

CONCLUSÃO

Este estudo analisou nove projetos musicais desenvolvidos em instituições públicas de saúde. A indicação de referenciais teóricos que balizem a intervenção musical no contexto clínico é quase ausente, ainda que objetivos terapêuticos tenham sido amplamente mencionados.

Cerca de metade dos projetos analisados indicou possuir algum tipo de avaliação das atividades realizadas e divulgação em algum tipo de mídia; contudo, somente dois projetos relataram possuir monitoramento de riscos e produção científica de seus resultados.

Não foi possível propor, a partir dos achados deste estudo, um modelo de estrutura e acompanhamento para projetos que tenham a música como intervenção de cuidado à saúde, em decorrência da baixa adesão dos projetos que foram contatados à pesquisa, da heterogeneidade dos projetos avaliados e da ausência de elementos que pudessem subsidiar uma proposta dessa natureza. Reconhece-se assim a necessidade de novos estudos para consolidar essa prática de forma efetiva, crítico-reflexiva e segura em nosso meio, principalmente no que tange à área de saúde mental.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2020
  • Aceito
    25 Set 2020
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