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O olhar de professores sobre o bullying e implicações para a atuação da enfermagem

Resumos

Objetivo: Compreender o bullying escolar, na perspectiva dos professores, e refletir sobre as possíveis ações da área da saúde em seu enfrentamento. Para tanto, tomaram-se por base as diretrizes do Programa Saúde na Escola, dos Ministérios da Saúde e da Educação. Método: Estudo de caso qualitativo, realizado com professores de uma escola pública de Minas Gerais. Foram utilizados grupos focais na coleta de dados e o material empírico foi decodificado a partir de técnica de análise temática de conteúdo, resultando em uma categoria analítica: concepções e experiências de professores diante do bullying. Resultados: Foram identificadas percepções pontuais sobre o fenômeno e utilização de recursos de intervenção pouco eficazes. No plano interpretativo, problematizaram-se as contribuições da saúde e da enfermagem no redimensionamento das intervenções e no processo de formação continuada dos professores. Conclusão: Os resultados apontam para a construção de práticas intersetoriais para o enfrentamento do bullying.


Violência; Escolas; Estudantes; Saúde escolar; Enfermagem; Promoção da saúde


Objective: To understand school bullying from the perspective of teachers and reflect about the possible actions of the health area when coping with it. The guidelines of the School Health Program of the Ministries of Health and Education were used to reach that purpose. Method: A qualitative study carried out with teachers of a public school in Minas Gerais. Focus groups were used to collect data and the empirical material was decoded from thematic analysis of content, resulting in an analytical category: conceptions and experiences of teachers on bullying. Results: Specific perceptions about the phenomenon and the use of ineffective intervention resources were identified. In the interpretive plan were problematized the health and nursing contributions with resizing the interventions and the continuing training process of teachers. Conclusion: The results point to the construction of intersectoral practices for coping with bullying.


Violence; Schools; Students; School health; Nursing


Objetivo: Comprender el bullying escolar desde la perspectiva de los profesores, y reflexionar sobre las posibles acciones del área de salud en su enfrentamiento. Tomando como base los lineamientos del Programa de Salud Escolar, de los Ministerios de Salud y de Educación. Método: Estudio de caso cualitativo realizado con los profesores de una escuela pública en Minas Gerais. Para la recolección de datos se utilizaron grupos focales y el material empírico fue decodificado a partir de la técnica de análisis temático de contenido, dando lugar a una categoría analítica: concepciones y experiencias de los profesores sobre el acoso escolar. Resultados: Se identificaron percepciones específicas sobre el fenómeno y la utilización de recursos ineficaces de intervención. En el plano interpretativo, se problematizaron las contribuciones de la salud y de la enfermería en el redimensionamiento de las intervenciones y en el proceso de formación continua de los profesores. Conclusión: Los resultados apuntan a la construcción de prácticas intersectoriales para el enfrentamiento del bullying.

Violencia; Escolas; Estudiantes; Salud escolar; Enfermería


Introdução

O bullying é conceituado como problema de relacionamento, caracterizado por comportamentos violentos, para agredir ou hostilizar alguém, e pelo desequilíbrio de poder entre as partes nele envolvidas (vítimas e agressores)(101 1.Olweus D. Bufllying at school and later criminality: findings from three Swedish community samples of males. Crim Behav Ment Health. 2011;21(2):151-6-202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80). Trata-se de um fenômeno complexo e multideterminado em todas as realidades socioculturais, distinguindo-se como uma forma específica de comportamento agressivo entre crianças/adolescentes e seus pares. É considerado problema de saúde pública(303 3.Knous-Westfall HM, Ehrensaft MK, MacDonell KW, Cohen P. Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: a prospective study. J Child Fam Stud. 2012;21(5):754-66-404 4.Romaní F, Gutiérrez C, Lama M. Auto-reporte de agresividad escolar y factores asociados en escolares peruanos de educación secundaria. Rev Peru Epidemiol Internet]. 2011 [citado 2013 jul. 22];15(2):1-8. Disponible en: http://rpe.epiredperu.net/rpe_ediciones/2011_V15_N02/9AO_Vol15_No2_2011_Autoreporte_bullying.pdf
http://rpe.epiredperu.net/rpe_ediciones/...
), devido à sua alta prevalência, estimada em aproximadamente 30% no Brasil e em outros países, bem como em função das consequências nocivas que acarreta aos sujeitos implicados na sua prática(505 5.Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor; Fundação Instituto de Administração. Bullying escolar no Brasil: relatório final [Internet]. São Paulo: CEATS/FIA; 2010 [citado 2013 ago. 20]. Disponível em: http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Arquivos/pesquisa-bullying_escolar_no_brasil.pdf
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/...
-606 6.Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, et al. Bullying in Brazilian schools: results from the National School-based Health Survey (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(2):365-76).

Quanto à natureza e aos conteúdos, o bullying pode assumir formas mais tradicionais, que incluem comportamentos agressivos de natureza física (socos, pontapés, empurrões, etc.), verbal (fofocas, xingamentos, apelidos, entre outros) e psicológica (ameaças, insultos e chantagens). Formas mais recentes, como o cyberbullying, pela internet e pelo telefone celular, têm sido utilizadas para espalhar mensagens caluniosas ou difamatórias. Pode, ainda, ser vivenciado de forma direta (agressões praticadas à vítima na sua presença) ou indireta (que geralmente acontecem na ausência da vítima, como, por exemplo, espalhar fofocas, estragar pertences, entre outros)(101 1.Olweus D. Bufllying at school and later criminality: findings from three Swedish community samples of males. Crim Behav Ment Health. 2011;21(2):151-6-202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80,707 7.Vlachou M, Andreou E, Botsoglou K, Didaskalou E. Bully/victim problems among preschool children: a review of current research evidence. Educ Psychol Rev. 2011;23(3):329-58).

Evidências observadas na literatura científica sobre o tema sugerem que a dinâmica do bullying escolar abrange não apenas as vítimas ou os agressores, congregando indiretamente em seu mecanismo também colegas, professores, demais funcionários da instituição escolar, pais e comunidade(808 8.Hernandez D, Floden L, Bosworth K. How safe is a school? An exploratory study comparing measures and perceptions of safety. J Sch Violence. 2010;9(4):357-74

09 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7
-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59). Isso aponta para a extensão do alcance de seus efeitos que atingem não somente os alunos diretamente envolvidos, mas também todos os sujeitos que com eles se relacionam, independentemente de qual seja a força ou a intensidade das agressões praticadas.

Nesse sentido, a pesquisa sobre o bullying apresenta relevância científica e social, pelo potencial de transformação das relações por ele afetadas e pelo que sinaliza de possibilidades de intervenção relacionadas com a educação e a saúde coletiva e individual. Talvez, por isso, tornou-se um tema cada vez mais valorizado pelas pesquisas e intervenções nas áreas da educação e saúde(202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80-303 3.Knous-Westfall HM, Ehrensaft MK, MacDonell KW, Cohen P. Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: a prospective study. J Child Fam Stud. 2012;21(5):754-66,909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59). Delas têm emergido importantes estratégias intersetoriais para o enfrentamento do bullying, ao mesmo tempo em que se problematiza o papel dos profissionais nelas atuantes (professores, pedagogos, psicólogos, enfermeiros, médicos, entre outros).

No Brasil, um exemplo disso é o Programa Saúde na Escola, criado em 2007 pelos Ministérios da Saúde e da Educação, como resultado de um denso trabalho das políticas nacionais nas áreas de educação e saúde. O seu objetivo é a ampliação do acesso a ações específicas de saúde aos alunos atendidos pelas escolas públicas de todo o território nacional, com uma perspectiva a ser gerenciada e operacionalizada pela atenção básica, mediante a atuação dos profissionais que a compõem (enfermeiros, médicos e técnicos de saúde)(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)).

Em seu mote, o programa recomenda a esses profissionais que considerem a escola como locus de cuidado em saúde. Entretanto, sem perder de vista as características peculiares das instituições educacionais, voltadas para o desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem e para a formação dos alunos para a atuação na vida social, tendo como base a conjugação de esforços de educadores e demais membros da comunidade escolar. O que se pretende é que a interface entre a saúde e a educação permita o estabelecimento de inúmeras articulações entre o desenvolvimento de hábitos e práticas saudáveis de vida e o processo educativo dos alunos, resultando em benefícios para toda a sociedade (escola, família e comunidade)(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)). Portanto, a saúde na e da escola é uma alternativa de trabalho interdisciplinar com possibilidades concretas de intervenções que podem ser bem-sucedidas e eficientes.

Na operacionalização do programa na escola, o papel desempenhado pela equipe escolar, especialmente pelos professores, é essencial ao planejamento e à efetivação das propostas. Inclusive existe a recomendação de que se assuma

como ponto de partida ‘o que eles sabem’ e ‘o que eles podem fazer’, desenvolvendo em cada um a capacidade de interpretar o cotidiano e atuar de modo a incorporar atitudes e/ou comportamentos adequados (...) no desempenho de suas funções(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)).

Por seu turno, diante de situações de bullying, os próprios professores percebem esse fenômeno como obstáculo para a efetivação de ambientes saudáveis e capazes de contribuir para a efetivação de uma cultura de não violência(909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59).

Nesse cenário, a enfermagem assume importante papel, na medida em que oportuniza respostas aos processos do desenvolvimento ou de adaptação pelos quais passam os alunos, os professores e a comunidade escolar como um todo. Compete a ela, como área de conhecimento e profissão, contribuir para a promoção de processos de autonomia, saúde e convívio com as diferenças, identificando sinais de risco, comportamentos e modalidades de envolvimento de alunos em situações de bullying, bem como o impacto que estas situações exercem neles em termos de aprendizagem, formação, saúde e qualidade de vida. Dadas as características formativas e de inserção em diversos contextos, ela pode favorecer o alerta às famílias para as consequências deste fenômeno, orientando-as para a intervenção, além de incentivar e colaborar com as escolas na implementação de programas de prevenção e redução da violência(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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13.Jones SN, Waite R, Clements PT. An evolutionary concept analysis of school violence: from bullying to death. J Forensic Nurs. 2012;8(1):4-12

14.Liu JH, Graves N. Childhood bullying: a review of constructs, concepts, and nursing implications. Public Health Nurs. 2011;28(6):556-68
-1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9).

Internacionalmente, estas perspectivas já são adotadas, principalmente com a inserção do enfermeiro no contexto escolar. Nestes casos, no rol das possibilidades de intervenção dos enfermeiros diante do fenômeno da violência escolar, a literatura sinaliza a relevância da atuação junto aos professores, na medida em que esses profissionais desempenham papel fundamental na identificação e intervenção no bullying entre os alunos. Estudos recentes indicam o nível de comprometimento do professor na realização de intervenções como um componente essencial para o êxito de medidas de prevenção e combate à violência escolar(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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,1616.Craig K, Bell D, Leschied A. Pre-service teachers’ knowledge and attitudes regarding school-based bullying. Can J Educ. 2011;34(2):21-33).

Contudo, identifica-se que a atuação dos enfermeiros nas instituições escolares, com vistas à prevenção e enfrentamento do bullying, é composta de ações direcionadas exclusivamente aos alunos, especialmente às vítimas, mediante técnicas de diálogo/reflexão, dramatização, desenvolvimento de habilidades de enfrentamento(1717.Joronen K, Häkämies A, Astedt-Kurki P. Children’s experiences of a drama programme in social and emotional learning. Scand J Caring Sci. 2011;25(4):671-8-1818.Vessey JA, O’Neill KM. Helping students with disabilities better address teasing and bullying situations: a MASNRN study. J Sch Nurs. 2011;27(2):139-48), entre outros. São raras intervenções da enfermagem que consideram igualmente a figura do professor enquanto fundamental para o controle e erradicação de atitudes de violência em sala de aula(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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).

Com base nessas considerações, enfocando a relevância da atuação dos professores na redução dos incidentes de violência em sala de aula, o presente estudo teve como objetivos compreender o bullying no contexto escolar, a partir da percepção de professores do Ensino Fundamental, bem como refletir sobre as possíveis ações para seu enfrentamento, relacionadas à área da saúde, especialmente em relação à enfermagem.

Método

Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa. O estudo de caso é um meio de organizar dados sociais, utilizando-se de estratégias de investigação qualitativa para mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito da situação, fenômeno ou episódio em questão (1919.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2012).

O estudo foi desenvolvido em uma escola pública de um município do interior de Minas Gerais, selecionado por conveniência por constituir um campo de estágio e pesquisa em saúde e educação de uma universidade local. Participaram da pesquisa professores que lecionavam nas turmas de 6º ano do Ensino Fundamental, sendo este o critério de inclusão para participação na pesquisa. A escolha deste período da escolarização se deu em função de estudos(505 5.Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor; Fundação Instituto de Administração. Bullying escolar no Brasil: relatório final [Internet]. São Paulo: CEATS/FIA; 2010 [citado 2013 ago. 20]. Disponível em: http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Arquivos/pesquisa-bullying_escolar_no_brasil.pdf
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/...
,2020.Wynne SL, Joo H. Predictors of school victimization: individual, familial, and school factors. Crime Delinq. 2011;57(3):458-88) que indicam a existência de picos de vulnerabilidade às práticas de bullying nas transições no ensino (mudanças de ciclo entre o 5º e o 6º ano do Ensino Fundamental e entre o 9º ano do Ensino Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio), conforme dados da literatura nacional e internacional(202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80,505 5.Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor; Fundação Instituto de Administração. Bullying escolar no Brasil: relatório final [Internet]. São Paulo: CEATS/FIA; 2010 [citado 2013 ago. 20]. Disponível em: http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Arquivos/pesquisa-bullying_escolar_no_brasil.pdf
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/...
). Além disso, a transição para o 6º ano coincide, para a maioria dos alunos, com o período da adolescência (caracterizado por transformações biológicas, de inteligência, caráter e personalidade), no qual aumentam a probabilidade da manifestação de comportamentos de risco e a exposição à violência(202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80,1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)).

Assim sendo, os 12 professores das quatro turmas de 6º ano da escola investigada foram convidados a participar do estudo. Entretanto, somente metade deles (n=6) aceitou colaborar com a pesquisa sob a exigência de que os encontros fossem realizados durante o período das aulas, uma vez que todos realizavam jornada dupla ou tripla de trabalho. A composição do grupo de participantes apresentou a seguinte configuração: quatro pertencentes ao sexo feminino e dois pertencentes ao sexo masculino. A média das idades dos professores foi de 40,5 anos, e o tempo médio de docência foi de 10,8 anos. A formação inicial dos participantes foram os seguintes cursos: Biologia, Filosofia, História, Matemática e dois em Letras. Todos faziam jornada dupla de trabalho, lecionando em duas ou três escolas.

Para a coleta dos dados, utilizou-se a técnica do grupo focal a fim de verificar a posição assumida pelos professores diante das práticas de violência entre os adolescentes, as atitudes adotadas e os critérios e referenciais em que baseavam suas intervenções. Foram realizados três encontros que seguiram um roteiro, com questões norteadoras que foram organizadas em três blocos: 1) conhecimento dos professores sobre bullying; 2) formas de identificação da violência, durante as aulas, e sua distinção de outros comportamentos como a indisciplina, por exemplo; 3) comportamentos adotados diante da identificação de situações de bullying entre os alunos. Esses blocos favoreceram o movimento de discussão e debate grupal.

O grupo focal é uma técnica da pesquisa qualitativa, não diretiva, cujo resultado visa ao conhecimento e ao controle da discussão de um grupo de pessoas sobre um determinado tema. Nesta técnica, o mais importante é a interação que se estabelece no grupo. O facilitador da discussão deve estabelecer e facilitá-la e não realizar uma entrevista em grupo(2121.Backes DS, Colomé JS, Erdmann RH, Lunardi VL. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. Mundo Saúde. 2011;35(4):438-42-2222.Hektner JM, Swenson CA. Links from teacher beliefs to peer victimization and bystander intervention tests of mediating processes. J Early Adolesc. 2011;32(4):516-36). A técnica pode servir à pesquisa de um determinado objeto e, ao mesmo tempo, à formação dos envolvidos.

Os encontros do grupo focal foram gravados, transcritos e, posteriormente, analisados. A análise dos dados seguiu as diretrizes da análise de conteúdo, em sua modalidade temática. Cumprindo-se as etapas de: a) pré-análise, b) exploração do material, c) tratamento dos resultados e d) interpretação(1919.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2012). Neste sentido, após a leitura exaustiva do material, considerando-se os dados em conjunto, a partir da frequência das unidades de significação segmentadas e comparáveis, foram projetados núcleos temáticos presentes na decodificação dos encontros e se identificou uma categoria analítica, a saber: Concepções e experiências de professores diante do bullying. Desta forma, elaborou-se uma síntese interpretativa, capaz de relacionar os temas categorizados com o objetivo e a proposta da pesquisa, tendo como referencial as diretrizes do Programa Saúde na Escola.

O projeto de pesquisa foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa, protocolado sob o nº 0011.0.227.000-10 e aprovado, conforme Parecer 031-2010. Para preservar a identidade dos participantes, seus nomes foram codificados pela letra P (de professor) seguida por um número atribuído ao participante (participante 1 - P1, participante 2 - P2, por exemplo).

Resultados

Concepções e experiências de professores diante do bullying

Foram obtidas as seguintes definições de bullying, a partir das discussões nos grupos focais:

Bullying é constrangimento, violência, agressão (P5); humilhação (P3); é quando um grupo xinga, cai em cima (P2); bulinar, mexer, agredir, hostilizar, ridicularizar (P1); brincadeiras de mau gosto (P6); é um constrangimento a nível emocional, a nível físico, até mesmo espiritual (P4).

Outras características essenciais à definição também foram identificadas, por exemplo, a existência de desequilíbrio de poder entre agressores e vítimas:

Eles nunca praticam com alguém que tem a mesma força que eles, pode ver (P1); bem como a existência de um caráter intencional nas agressões praticadas: (...) provocam porque eles querem mesmo, não é porque eles não sabem o que é bullying, eles não precisam saber o que é bullying. O negócio é o que está por trás, o que está por trás é que ele quer provocar, ele quer constranger, ele quer humilhar, então é bullying (P4).

No entanto, os professores demonstraram desconhecer alguns aspectos, como a falta de motivação evidente para as agressões, a repetitividade dos atos praticados e o fato de estes acontecerem, na maioria das vezes, longe dos adultos. Evidencia-se, portanto, que os professores participantes do estudo conheciam o bullying, porém de modo incompleto. Isso dificulta a sua identificação na sala de aula e a diferenciação de outros comportamentos recorrentes no ambiente escolar, tais como brincadeiras e indisciplina, conforme comenta o participante P2:

Eu tenho uma dificuldade em saber até em qual faixa vai o bullying e a brincadeira de mau gosto. (...). O que eu tenho que perceber que seja bullying e o que eu tenho que perceber que não seja.

Em contrapartida, outros professores alegam não ser apenas a falta de conhecimentos específicos que dificulta a identificação e intervenção na violência escolar, porém questões relacionadas ao modo de organização do ensino e às exigências institucionais direcionadas ao trabalho que executam.

Eu trabalho cinquenta minutos de um dia de vinte e quatro horas numa semana que tem sei lá quantas horas (...) (P4).

E outra coisa também, nós temos um conteúdo, que é cobrado em avaliação, às vezes, nem sempre, nem toda aula que acontece você tem aquele tempo pra parar realmente (P3).

A redistribuição da carga horária, a partir do sexto ano, com a fragmentação do ensino em diferentes matérias ministradas por professores diferentes, e as exigências pela qualidade da aprendizagem, são vistas pelos participantes como dificultadoras da rotina pedagógica, interferindo negativamente na forma como se relacionam com os alunos e intervêm nas situações de bullying. A esse respeito, um professor teceu o seguinte comentário:

Dá pra identificar muitas coisas exatamente por estar trabalhando valores, mas quando eu identifico depende do dia, da hora, do meu humor, da minha criatividade (P4).

Outro dado a ser destacado corresponde à média de anos de experiência profissional por eles apresentada (10,8 anos). Ou seja, a experiência acumulada dos professores revelou-se como tendo pouca determinação no domínio que estes demonstram em relação ao bullying, bem como no modo como o identificam e realizam as intervenções. Eles demonstraram que conseguem, em geral, identificar situações pontuais e específicas:

Brincadeiras de mau gosto (P3); apelidos (P2 e P4); críticas (P5); brigas (P2); deboche, chute, pancada (P6); cutucar, comentários, críticas (P4).

Outra faceta do problema apresentada pelos professores refere-se à sensação de despreparo para lidar com as situações de violência, no contexto escolar:

Eu acho que primeiro a gente tinha que fazer psicologia, depois licenciatura (P3).

Decorre desse contexto o surgimento de sentimentos de frustração, já que são confrontados com situações difíceis e multifacetadas para as quais se sentem ou efetivamente estão pouco preparados para enfrentar.

Os professores reconhecem que as situações de violência na escola são complexas e necessitam de intervenções mais abrangentes e articuladas, porém encontram dificuldades em localizar as soluções necessárias, conforme sugere o posicionamento a seguir:

(...) a solução para se estar lidando com isso também é outro cristal, com outras partes, e muitas vezes a gente fica com atitude repetitiva. (...) Por isso é que talvez exista tanto, porque a gente não está com uma criatividade pra interferir (P4).

No que se refere às estratégias de enfrentamento da questão, em geral, os participantes do estudo utilizam o diálogo ou transferem a responsabilidade da intervenção para a direção da escola.

Geralmente eu puxo para o lado da reflexão também, de colocar o aluno no lugar daquele que está sendo agredido, pra ver se ele percebe o tamanho da agressão que está sendo, se ele gostaria de estar no mesmo lugar (P3). Falo com eles sobre as situações que aconteceram nos países desenvolvidos, nos Estados Unidos, daqueles meninos que saíram atirando na escola inteira (P1). Eu já peguei dois meninos brigando e os levei para a direção (P2).

Identifica-se, também, que as intervenções acontecem com maior ou menor intensidade, dependendo de quais alunos estejam envolvidos nas agressões, de modo que, quando aqueles considerados problemáticos assumem a posição de vítima, geralmente, a tendência dos professores é de se omitir, ou então, apenas chamar a atenção de modo superficial e retomar a aula:

(...) nesses casos que me incomodam muito eu paro, mas em alguns momentos, como o que a própria P1 disse, nos grupinhos que entre si eles trocam muitas agressões verbais, geralmente eu chamo só a atenção e volto pra aula (P5). Ah, então eu estou errada porque eu digo: deixa pra lá, vamos cuidar da nossa tarefa? (P2).

Discussão

Considerando a importância estratégica da atuação do enfermeiro na atenção à saúde do escolar e à luz da necessidade de soluções eficazes para as situações de bullying, a escassez de intervenções realizadas por enfermeiros destinadas a trabalhar a comunidade escolar de forma interdisciplinar e intersetorial, de modo a envolver alunos, professores, família, comunidade e serviços de saúde(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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), e as lacunas e necessidades de ações e programas de prevenção do bullying reconhecidas pelos professores que participaram deste estudo, problematizam-se as potencialidades das ações intersetoriais e as implicações e contribuições de outras áreas de atuação, como a saúde, por exemplo, no enfrentamento desta problemática. O Programa Saúde na Escola desponta, então, como uma possiblidade de auxílio aos professores, porquanto se propõe a construir medidas de educação e promoção de saúde, com vistas à prevenção de violências como o bullying.

De modo geral, a compreensão dos professores sobre o fenômeno coincide com alguns aspectos identificados pela literatura referentes à natureza das agressões (física, verbal e psicológica), uma vez que é compreendido enquanto comportamentos negativos, intimidações, insultos, assédios, exclusões e discriminações de todo gênero que provocam na vítima sentimentos de inferioridade e, em geral, contribuem para o desenvolvimento de desordens psicológicas e sociais(101 1.Olweus D. Bufllying at school and later criminality: findings from three Swedish community samples of males. Crim Behav Ment Health. 2011;21(2):151-6

02 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80

03 3.Knous-Westfall HM, Ehrensaft MK, MacDonell KW, Cohen P. Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: a prospective study. J Child Fam Stud. 2012;21(5):754-66

04 4.Romaní F, Gutiérrez C, Lama M. Auto-reporte de agresividad escolar y factores asociados en escolares peruanos de educación secundaria. Rev Peru Epidemiol Internet]. 2011 [citado 2013 jul. 22];15(2):1-8. Disponible en: http://rpe.epiredperu.net/rpe_ediciones/2011_V15_N02/9AO_Vol15_No2_2011_Autoreporte_bullying.pdf
http://rpe.epiredperu.net/rpe_ediciones/...
-505 5.Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor; Fundação Instituto de Administração. Bullying escolar no Brasil: relatório final [Internet]. São Paulo: CEATS/FIA; 2010 [citado 2013 ago. 20]. Disponível em: http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Arquivos/pesquisa-bullying_escolar_no_brasil.pdf
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/...
,909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7,1313.Jones SN, Waite R, Clements PT. An evolutionary concept analysis of school violence: from bullying to death. J Forensic Nurs. 2012;8(1):4-12,1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9). Outras características essenciais à definição foram identificadas, tais como, por exemplo, a existência de desequilíbrio de poder entre agressores e vítimas(101 1.Olweus D. Bufllying at school and later criminality: findings from three Swedish community samples of males. Crim Behav Ment Health. 2011;21(2):151-6-202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80).

Os professores sumarizam uma dificuldade do processo formativo docente, muitas vezes aliado à falta de conteúdos significativos e necessários para a atuação prática. Neste sentido, percebe-se que o sistema de ensino tem otimizado o tema do bullying e o levado para as pautas de discussão nas escolas, porém nem sempre as ações formativas oferecidas apresentam qualidade ou vão ao encontro das necessidades dos professores, o que não colabora para a melhoria da situação(2222.Hektner JM, Swenson CA. Links from teacher beliefs to peer victimization and bystander intervention tests of mediating processes. J Early Adolesc. 2011;32(4):516-36).

Isso pode ser considerado preocupante em função de diversos estudos indicarem que a maioria dos professores apresenta dificuldade em identificar as agressões praticadas pelos alunos, com destaque para as mais sutis, devido principalmente a fragilidades na formação inicial para a docência e à complexidade que as situações de violência assumem na interação entre os alunos(1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59,1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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,1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9). Mas, em muitos casos identificados, os professores são solicitados a adotar medidas para lidar com o fenômeno em questão, nas suas diferentes formas de manifestação, embora nem sempre estejam ou se sintam preparados para tanto.

Cumpre ressaltar que a precisão na identificação, que subsidia intervenções eficazes, não ocorre devido à falta de conhecimentos mais completos sobre o tema, o que impede que situações mais sutis ou as nuances do bullying sejam reconhecidas, ficando, portanto, negligenciadas, limitando o foco às agressões físicas e verbais de manifestação mais evidentes(909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59). Estes dados sugerem que a experiência por si só não é suficiente, se não for entremeada ou correlacionada à formação e/ou ao desenvolvimento profissional que permita subsidiar ações técnicas consistentes e adequadas ao contexto e às especificidades das situações.

No que se refere às estratégias de enfrentamento da questão, em geral, os participantes do estudo realizam discussões acerca do ato praticado com os agressores e com a classe em sua totalidade ou encaminham a situação à direção da escola, sem considerar, na maioria das vezes, a participação da família dos alunos na solução do problema, ou intervenções articuladas com outros setores da comunidade, com vistas à intervenção e prevenção(202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80,909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59,2323.Bibou-Nakou I, Tsiantis J, Assimopoulos H, Chatzilambou P. Bullying/victimization from a family perspective: a qualitative study of secondary school students’ views. Eur J Psychol Educ. 2013;28(1):53-71-2424.Hong JS, Espelage DL. A review of research on bullying and peer victimization in school: an ecological system analysis. Aggress Violent Behav. 2012;17(4):311-22). Nota-se que aspectos de natureza pessoal e o estresse vivenciado no trabalho também interferem no modo como os professores se posicionam frente à violência(909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7).

Depreende-se que as reflexões, em sala de aula, e os encaminhamentos à direção escolar são percebidos pela literatura como medidas mais reacionárias e pouco preventivas em relação ao bullying. Por ser um fenômeno multifacetado e complexo, ações mais eficazes de prevenção requerem conjugar métodos igualmente complexos e que atinjam toda a escola e, ainda no viés preventivo, de modo que as atividades possuam abordagens indiretas e com foco na evitação do problema, não se restringindo às medidas pós-fato(202 2.Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9(1):751-80,909 9.Fung ALC. Intervention for aggressive victims of school bullying in Hong Kong: A longitudinal mixed-methods study. Scand J Psychol. 2012;53(4):360-7-1010.Gázquez Linares JJ, Cangas Díaz AJ, Pérez Fuentes MC, Lucas Acién F]. Teachers’ perception of school violence in a sample from three European countries. Eur J Psychol Educ. 2009;24(1):49-59,1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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).

Atividades que reservem tempo para discutir o tema e formas de prevenção que incluam a criação de regras de comportamento para a sala de aula e espaços escolares, pautados na construção de outros modelos mais positivos de relação e interação social, podem ressignificar a escola e contribuir para um ambiente seguro. Tudo isso favorece a cultura de não violência(2424.Hong JS, Espelage DL. A review of research on bullying and peer victimization in school: an ecological system analysis. Aggress Violent Behav. 2012;17(4):311-22

25.Fu Q, Land KC, Lamb VL. Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th Graders in the United States, 1989 to 2009: repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indic Res. 2013;6(1):1-21

26.Shetgiri R, Lin H, Flores G. Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry Hum Dev. 2013;44(1):89-104
-2727.Silva MAI, Pereira B, Mendonça D, Nunes B, Oliveira WA. The involvement of girls and boys with bullying: an analysis of gender differences. Int J Environ Res Public Health. 2013;10(12):6820-31).

Portanto, conforme se depreende dos dados da pesquisa, é importante que os professores sejam estimulados a criar estratégias múltiplas para responder ao bullying, recorrendo àquelas cuja intensidade dependa da cronicidade e/ou da natureza da vitimização/intimidação. Em outras palavras, os professores podem modificar suas intervenções, de acordo com algumas variáveis: a) se é a primeira vez que a violência ocorreu, b) se envolveu outras crianças ou c) se a natureza da agressão foi física, verbal ou psicológica. É claro que, para tanto, são necessárias ações de formação e de suporte para que, após a identificação do bullying, possam lidar com ele eficazmente.

Diante de demandas dessa natureza, as equipes de saúde da atenção básica têm sido incentivadas a atuar no âmbito das escolas para minimizar as agressões ou auxiliar na construção de respostas para o problema da violência e do bullying nestas instituições. O exemplo mais palpável destes esforços intersetoriais é o Programa Saúde na Escola, idealizado como potencial política para auxiliar na efetivação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e na garantia de condições para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)).

O desenho adotado pelo Programa Saúde na Escola reconhece a saúde como multideterminada, atravessada por processos sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que vislumbra que o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem estão relacionados com questões igualmente psicossociais e também com determinantes relacionados à saúde. A escola passa a ser entendida, então, como locus privilegiado de relações e espaço para o desenvolvimento de ações de saúde que priorizem a construção de hábitos saudáveis, relações positivas, emancipação e construção da autonomia dos sujeitos(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)-1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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).

A partir da compreensão de que uma ação intersetorial e de valorização da articulação entre os atores da atenção básica e da escola nos territórios em que a produção de vida e da saúde de crianças e adolescentes acontece, fomentam-se respostas para conhecimento e controle de agravos à saúde e do bullying. É neste cenário que os profissionais das equipes de saúde são estimulados a entrar na escola para agenciar ações de prevenção e promoção da saúde. As intervenções anti bullying passam, então, a não ser confiadas exclusivamente às escolas, mas consideradas como de uma complexidade tal que requer a colaboração de outros protagonistas(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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13.Jones SN, Waite R, Clements PT. An evolutionary concept analysis of school violence: from bullying to death. J Forensic Nurs. 2012;8(1):4-12

14.Liu JH, Graves N. Childhood bullying: a review of constructs, concepts, and nursing implications. Public Health Nurs. 2011;28(6):556-68
-1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9,2828.Hektner JM, Swenson CA. Links from teacher beliefs to peer victimization and bystander intervention: tests of mediating processes. J Early Adolesc. 2012;32(4): 516-36).

Nesse sentido, a intervenção da área da saúde na escola reúne seus profissionais e propõe que as funções sejam redesenhadas. Especificamente no caso da enfermagem, continuarão sendo exigidas atribuições profissionais para atuar neste nível de complexidade da atenção, mas serão incorporadas outras perspectivas, uma vez que ao profissional de enfermagem cabe desempenhar avaliações e intervenções que precisarão envolver toda a equipe. Desse modo, depreende-se que a atuação das equipes necessita se respaldar na uniformidade do discurso e na leitura da realidade dos territórios, com vistas a contribuir para o desenvolvimento de ambientes saudáveis, relacionados com a proposta de enfrentamento do bullying e da construção de uma cultura de não violência(303 3.Knous-Westfall HM, Ehrensaft MK, MacDonell KW, Cohen P. Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: a prospective study. J Child Fam Stud. 2012;21(5):754-66,1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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).

No que se refere ao alcance da própria profissão, a enfermagem pode ultrapassar a dimensão da assistência, inserindo-se em vários contextos e contribuindo para a efetivação ou implementação de políticas públicas, ações intersetoriais e integrais. Este tipo de intervenção pode fortalecer o entendimento dos professores, auxiliando-os na identificação de situações mais complexas e não apenas naquelas pontuais e/ou específicas. Esta dimensão também favorece estratégias para lidar com o sentimento de despreparo por eles manifestado diante de situações de violência no contexto escolar, na medida em que os enfermeiros podem articular ações e redimensionar as respostas ao bullying, pois conseguem envolver outros atores da comunidade no enfrentamento, como a família e outros equipamentos sociais(1212.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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13.Jones SN, Waite R, Clements PT. An evolutionary concept analysis of school violence: from bullying to death. J Forensic Nurs. 2012;8(1):4-12

14.Liu JH, Graves N. Childhood bullying: a review of constructs, concepts, and nursing implications. Public Health Nurs. 2011;28(6):556-68
-1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9,2828.Hektner JM, Swenson CA. Links from teacher beliefs to peer victimization and bystander intervention: tests of mediating processes. J Early Adolesc. 2012;32(4): 516-36).

Em outra perspectiva, o papel do enfermeiro pode subsidiar uma melhor preparação dos professores e demais profissionais da educação e da saúde para identificar situações de bullying, mesmo quando o tempo e o contato com os alunos sejam reduzidos ou atravessados pelas questões pedagógicas. Assim, podem-se conjugar a percepção dos professores acerca da carência existente no processo formativo e as possibilidades de atuação da saúde no que se refere à educação permanente, já comum na área e também amplamente estimulada na educação. Daí, as contribuições de outros profissionais e áreas para a ampliação deste processo de formação continuada serem tão significativas e valorizadas pelas políticas intersetoriais(1111.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola. Brasília; 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 24)

12.Mendes CS. Preventing school violence: an evaluation of an intervention program. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2013 jul. 25];45(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a05.pdf
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13.Jones SN, Waite R, Clements PT. An evolutionary concept analysis of school violence: from bullying to death. J Forensic Nurs. 2012;8(1):4-12

14.Liu JH, Graves N. Childhood bullying: a review of constructs, concepts, and nursing implications. Public Health Nurs. 2011;28(6):556-68
-1515.Perron T. Peer victimisation: strategies to decrease bullying in schools. Br J Sch Nurs. 2013;8(1):25-9).

Depreende-se da análise dos dados que, nos cenários do bullying, outra possibilidade de ação da enfermagem está relacionada com as possibilidades de pesquisa na área da saúde, tendo em vista o subsídio de compreensões e intervenções sobre este fenômeno social, de impacto significativo na saúde de crianças e adolescentes. Estas pesquisas assumem caráter de intervenção, uma vez que levam para a escola os profissionais da saúde envolvidos com a temática e dispostos a auxiliar no conhecimento sobre bullying, contribuindo com atividades oferecidas pelas escolas no referente à prevenção, à minimização e ao enfrentamento da questão.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa sinalizam a compreensão de professores sobre a violência escolar e fornecem subsídios para o planejamento e implantação de atividades de intervenção intersetorial referentes ao bullying, uma vez que este se manifesta e é influenciado por múltiplos contextos. Desse modo, na operacionalização do Programa Saúde na Escola, os enfermeiros podem atuar diretamente nas instituições escolares com vistas à realização de diagnósticos acerca desta problemática, bem como na identificação e no planejamento de intervenções específicas para a comunidade educacional, vítimas, agressores, famílias e comunidade em geral, mediante articulação com os agentes comunitários de saúde e os programas desenvolvidos na atenção básica.

Os profissionais da atenção básica, especificamente enfermeiros, podem ainda intervir neste cenário, com vistas a identificar situações que podem estar ou não relacionadas à manifestação do bullying, como a dinâmica e as relações familiares, por exemplo. Na atenção básica, estes profissionais oportunizam, ainda, a organização de projetos para a redução de comportamentos agressivos, a resolução de conflitos ou o desenvolvimento de habilidades sociais, além do trabalho junto às famílias, o que ganha força com as propostas de cultura de não violência e de políticas na área.

Ações profissionais integradas podem favorecer intervenções escolares que incorporem aspectos contextuais mais amplos, considerando as características individuais, familiares, escolares e comunitárias ligadas à manifestação do bullying na escola. Importa que diagnóstico, intervenções e iniciativas de prevenção, bem como a formação dos professores, levem em conta os processos multifatoriais que dão origem aos comportamentos violentos. Para finalizar, sugere-se que outros estudos sejam realizados para ajudar a compreender as questões e nuances do bullying e as possibilidades de intervenção intersetorial, possibilitando maior visibilidade e a consequente discussão sobre o fenômeno e as potencialidades para sua minimização.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2013
  • Aceito
    12 Jun 2014
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