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Competências Relacionais de Ajuda nos enfermeiros: validação de um instrumento de medida

Competencias Relacionales de Ayuda en los enfermeros: validación de un instrumento de medida

Resumos

Considerando a importância da avaliação das competências relacionais de ajuda nos enfermeiros, torna-se necessário utilizar instrumentos fiáveis e adaptados aos contextos. Assim, o objectivo deste estudo foi avaliar as propriedades psicométricas do Inventário de Competências Relacionais de Ajuda (ICRA), através da realização de estudos de fiabilidade e validade, no sentido de aumentar o grau de confiança ou de exatidão que podemos ter na informação obtida por meio da utilização deste instrumento. O estudo quantitativo foi realizado numa amostra de 690 enfermeiros, que exerciam funções em seis hospitais e oito centros de saúde em Portugal. Os resultados obtidos indicam a existência de uma estrutura multidimensional das competências relacionais de ajuda diferenciando-se em quatro dimensões (competências genéricas, empáticas, de comunicação e de contacto), com correlações positivas entre si. O valor de Alpha Cronbach obtido por dimensão foi superior a .79, revelador de uma boa consistência interna dos itens por fator.

Cuidados de enfermagem; Humanização da assistência; Comportamento de ajuda; Relações enfermeiro-paciente; Estudos de validação


Considerando la importancia de la evaluación de las competencias relacionales de ayuda en los enfermeros, se hace necesario utilizar instrumentos fiables y adaptados a los contextos. Este estudio objetivó evaluar las propiedades psicométricas del Inventario de Competencias Relacionales de Ayuda (ICRA), mediante realización de estudios de fiabilidad y validez en sentido de aumentar el grado de confianza o exactitud de la información obtenida a través del uso del instrumento. El estudio cualitativo se realizó con muestra de 690 enfermeros con funciones en 6 Hospitales y 8 Centros de Salud en Portugal. Los resultados obtenidos indican existencia de una estructura multidimensional de competencias relacionales de ayuda, diferenciándose en cuatro dimensiones (competencias genéricas, empáticas, de comunicación, de contacto), con correlaciones positivas entre sí. El valor de Alpha de Cronbach obtenido por dimensión fue superior a .79, lo que revela buena consistencia interna de los ítems por factor.

Atención de enfermería; Humanización de la atención; Conducta de ayuda; Relaciones enfermero-paciente; Estudios de validación


Considering the importance of assessing nurses' helping relationship skills, it was necessary to use reliable and context-adapted instruments. Thus, the objective of this study was to assess the psychometric properties of the Helping Relationship Skills Inventory (Inventário de Competências Relacionais de Ajuda, ICRA), by conducting reliability and validity studies to increase the level of confidence or accuracy of the data obtained using this instrument. This quantitative study was conducted on a sample of 690 nurses who worked in six hospitals and eight health centres in Portugal. The results indicate a multidimensional structure of helping relationship skills, divided into four different dimensions (generic, empathetic, communication and contact skills) with a positive correlation between them. Cronbach's alpha for each dimension was higher than .79, showing a good internal consistency of the items within each factor.

Nursing care; Humanization of assistance; Helping behaviour; Nurse-patient relationships; Validation studies


ARTIGO ORIGINAL

Competências Relacionais de Ajuda nos enfermeiros: validação de um instrumento de medida* * Artigo escrito originalmente em português de Portugal.

Competencias Relacionales de Ayuda en los enfermeros: validación de un instrumento de medida

Rosa Cândida Carvalho Pereira de MeloI; Maria Júlia Paes SilvaII; Pedro Miguel Dinis ParreiraIII; Manuela Maria Conceição FerreiraIV

IMestre em Ciências da Educação. Doutoranda em Enfermagem. Professora Adjunta da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Coimbra, Portugal. rosamelo@esenfc.pt

IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgico da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Diretora do Departamento de Enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. juliaps@usp.br

IIIDoutor em Gestão. Professor Adjunto da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Coimbra, Portugal. parreira@esenfc.pt

IVDoutora em Ciências da Educação. Professora Coordenadora na Escola Superior de Saúde de Viseu do Instituto Politécnico de Viseu. Viseu, Portugal. mmcferrreira@gmail.com

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Rosa Cândida Carvalho Pereira de Melo Rua 5 de Outubro - Apartado 55 3001-901 - Coimbra, Portugal

RESUMO

Considerando a importância da avaliação das competências relacionais de ajuda nos enfermeiros, torna-se necessário utilizar instrumentos fiáveis e adaptados aos contextos. Assim, o objectivo deste estudo foi avaliar as propriedades psicométricas do Inventário de Competências Relacionais de Ajuda (ICRA), através da realização de estudos de fiabilidade e validade, no sentido de aumentar o grau de confiança ou de exatidão que podemos ter na informação obtida por meio da utilização deste instrumento. O estudo quantitativo foi realizado numa amostra de 690 enfermeiros, que exerciam funções em seis hospitais e oito centros de saúde em Portugal. Os resultados obtidos indicam a existência de uma estrutura multidimensional das competências relacionais de ajuda diferenciando-se em quatro dimensões (competências genéricas, empáticas, de comunicação e de contacto), com correlações positivas entre si. O valor de Alpha Cronbach obtido por dimensão foi superior a .79, revelador de uma boa consistência interna dos itens por fator.

DESCRITORES: Cuidados de enfermagem; Humanização da assistência; Comportamento de ajuda; Relações enfermeiro-paciente; Estudos de validação.

RESUMEN

Considerando la importancia de la evaluación de las competencias relacionales de ayuda en los enfermeros, se hace necesario utilizar instrumentos fiables y adaptados a los contextos. Este estudio objetivó evaluar las propiedades psicométricas del Inventario de Competencias Relacionales de Ayuda (ICRA), mediante realización de estudios de fiabilidad y validez en sentido de aumentar el grado de confianza o exactitud de la información obtenida a través del uso del instrumento. El estudio cualitativo se realizó con muestra de 690 enfermeros con funciones en 6 Hospitales y 8 Centros de Salud en Portugal. Los resultados obtenidos indican existencia de una estructura multidimensional de competencias relacionales de ayuda, diferenciándose en cuatro dimensiones (competencias genéricas, empáticas, de comunicación, de contacto), con correlaciones positivas entre sí. El valor de Alpha de Cronbach obtenido por dimensión fue superior a .79, lo que revela buena consistencia interna de los ítems por factor.

DESCRIPTORES: Atención de enfermería; Humanización de la atención; Conducta de ayuda; Relaciones enfermero-paciente; Estudios de validación.

INTRODUÇÃO

As teorias de Enfermagem assumem o cuidar como foco da sua ação(1), mas não existe cuidar se não estabelecermos uma relação de ajuda eficaz(2). Assim, o estabelecimento da relação de ajuda, enquanto intervenção autônoma e inquestionável no cuidar em enfermagem, desempenha um papel central na resposta às necessidades individuais de cada pessoa, concorrendo de forma positiva para a prestação de cuidados mais eficazes e mais humanizados(3-4).

No entanto, a prática da enfermagem, devido à evolução técnico-científica e também influenciada pelo paradigma positivista, nem sempre se tem direcionado para o desenvolvimento de valores fundamentais relacionados com a pessoa, resultando muitas vezes numa prática profissional desumanizada(5).

Neste contexto, um estudo(6) refere que, para prestar atenção às pessoas e responder aos estímulos com habilidades no contato humano, é necessário ter paciência, persistência, auto-observação constante e treino contínuo.

Assim, como procuramos desenvolver conhecimentos e habilidades para o aperfeiçoamento de técnicas de enfermagem para os cuidados físicos, também devia haver a mesma preocupação em relação ao desenvolvimento das competências relacionais de ajuda. Estas competências incluem as habilidades de interação como o contacto, o toque, o olhar, as distâncias, a escuta, a comunicação, a empatia e o respeito(7).

A literatura em enfermagem evidencia a associação entre as interações baseadas na relação de ajuda e os resultados obtidos na pessoa cuidada. Torna-se, por isso, fundamental desenvolver investigações que apreciem e avaliem as interações baseadas na relação de ajuda para se documentar a evidência dos seus resultados e permitirem o desenvolvimento de metodologias de cuidados orientados para a pessoa(8).

A preocupação com a investigação nesta área está bem patente nos estudos desenvolvidos por vários autores(9-11). Confirmando esta tendência, uma autora(9) desenvolveu um estudo sobre as Competências Relacionais de Ajuda em estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem e em enfermeiros que estavam a frequentar o Curso de Complemento em Enfermagem. Neste estudo, realizado numa amostra de 314 indivíduos, a autora construiu e validou um instrumento destinado a avaliar as competências relacionais de ajuda (Inventário de Competências Relacionais de Ajuda - ICRA)(9). Este inventário, constituído por 51 itens, tem a forma de uma escala de tipo Likert de 1 a 7, estando cotadas para que quanto maior for a pontuação obtida, mais competências relacionais de ajuda têm os sujeitos(9).

De acordo com pesquisadores(7), as competências relacionais de ajuda organizam-se como um construto multidimensional, diferenciando-se em quatro dimensões: as competências genéricas, as competências empáticas, as competências de comunicação e as competências de contato. Assim, para estes autores, as competências genéricas, que explicam 16,83% da variância total, revelam a forma como o enfermeiro entende o outro, o seu trabalho e a sua pessoa. As competências empáticas, que explicam 12,016% da variância total, são entendidas por estes autores como o modo como o enfermeiro entra no mundo do utilizador de cuidados de saúde, o reconhece como único e aceita os seus pontos de vista, enquanto que as competências de comunicação, que explicam 9,620% da variância total, englobam recursos importantes na comunicação como a escuta, o silêncio, a reformulação e a síntese. As competências de contato, que explicam 8,465% da variância total, referem-se à posição, postura e modo como o enfermeiro se coloca face ao utilizador dos cuidados de saúde. Foi evidenciado neste estudo que estas dimensões apresentam correlações positivas entre si e correlacionam-se de algum modo com as dimensões das competências sociais e interpessoais.

No estudo realizado com os estudantes em Enfermagem, a dimensão que, em termos globais, obteve melhores resultados foi a dimensão competências genéricas e os piores resultados foram nas competências de contato, o que está de acordo com os resultados obtidos(10).

Em outra pesquisa(11), os enfermeiros obtiveram um valor mais elevado na dimensão competências genéricas e mais baixo nas competências de contato.

Ao analisar a relação existente entre o contexto onde trabalham os enfermeiros e o nível de desenvolvimento de competências relacionais de ajuda, a autora concluiu que as diferenças estatísticas encontradas só eram significativas para a dimensão da comunicação(9). Os valores médios das competências relacionais de ajuda foram superiores em todas as dimensões exceto na dimensão competências empáticas para os enfermeiros que exercem funções na área de saúde comunitária.

No estudo realizado em estudantes de enfermagem, utilizando o ICRA, foi demonstrado que as entrevistas realizadas durante o ensino clínico onde foi feita reflexão sobre relação de ajuda influenciaram o desenvolvimento de competências relacionais de ajuda(10).

Utilizando o ICRA em enfermeiros a prestarem cuidados a doentes em fim de vida, verificou-se a existência de relação estatisticamente significativa entre as competências relacionais de ajuda e as variáveis importância atribuída à formação contínua sobre relação de ajuda e a satisfação com a vida(11). Nesta pesquisa, não se verificou relação estatisticamente significativa entre as competências relacionais de ajuda e as variáveis idade, sexo, tempo de experiência profissional e categoria profissional(11).

A mesma pesquisadora(11) concluiu que os enfermeiros com maior categoria profissional apresentaram valores médios mais elevados em todas as dimensões das competências relacionais de ajuda. Em consonância com estes resultados, o estudo(9) concluiu que são os enfermeiros com categoria de enfermeiro especialista/chefe que apresentam, de um modo geral, um maior nível de competências relacionais de ajuda, sendo as diferenças estatisticamente significativas para as competências de comunicação.

JUSTIFICATIVA DO ESTUDO

Do exposto anteriormente, parece consensual a importância do desenvolvimento das competências relacionais de ajuda no exercício da enfermagem. Para isso, é fundamental a existência de instrumentos de medida destas competências para se poder compreender os fatores que interferem no seu desenvolvimento.

Desta forma, torna-se necessário e imprescindível replicar estudos utilizando instrumentos avaliativos teoricamente atualizados e adequados ao contexto que se quer estudar, permitindo conhecer as suas propriedades psicométricas para se verificar a sua maior ou menor adequabilidade.

Como no estudo de construção e validação do ICRA foi utilizada uma amostra de enfermeiros que estavam em processo de formação (Complemento de Formação em Enfermagem), sendo, portanto, diferente do universo dos enfermeiros, houve necessidade de testar a validade e a fiabilidade do inventário no novo universo(12). Tendo ainda em atenção que este inventário é considerado pelos respondentes como muito extenso, propomo-nos realizar o presente estudo.

OBJETIVO

Avaliar as propriedades psicométricas do ICRA através da realização de estudos de fiabilidade e validade no sentido de aumentar o grau de confiança ou de exatidão que podemos ter na informação obtida através da utilização deste instrumento de medida.

MÉTODO

Na fase inicial, começamos por proceder ao pedido de autorização à autora do ICRA e às instituições de saúde onde iríamos realizar o estudo.

A nossa população constituiu-se pelos enfermeiros que exerciam funções nas unidades de saúde pertencentes às instituições de saúde (hospitais e centros de saúde) em Portugal.

Depois de enviados os pedidos de autorização para estas instituições, obtivemos resposta positiva de oito centros de saúde e seis hospitais públicos. Destas instituições, foram selecionadas unidades de saúde que têm enfermeiros liderados por enfermeiros chefes. Destas unidades de saúde foram excluídos os enfermeiros com menos de um ano de contato com o atual enfermeiro chefe.

Depois de aplicados estes critérios, a amostra foi constituída por oito centros de saúde e 49 unidades de saúde (serviços) a nível hospitalar. Assim, foram enviados 1508 questionários para estas unidades, tendo obtido resposta de 690 enfermeiros, correspondendo a uma taxa de retorno de 45,75%. Todos os enfermeiros tiveram liberdade de participação ou não da pesquisa.

A recolha de dados foi feita através da utilização do Inventário de Competências Relacionais de Ajuda (ICRA), apresentado sob a forma de uma escala de tipo Likert de 1 a 7 (variando entre completamente em desacordo e completamente de acordo), que inclui quatro dimensões, com a designação de competências genéricas, competências empáticas, competências de comunicação e competências de contato. Neste inventário, quanto maior for o score obtido, maior é o nível de competências relacionais de ajuda percebido pelos enfermeiros.

RESULTADOS

Para se fazer a análise fatorial, é preciso primeiro avaliar o valor da medida Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que neste estudo apresentou um valor de ,927, sendo considerado maravilhoso para fazer uma análise fatorial(12).

Passamos em seguida à determinação da análise fatorial para o estudo dos componentes principais, seguida de rotação varimax para conhecer as dimensões subjacentes e independentes entre si. Forçamos a rotação a quatro fatores, de acordo com os resultados da autora do inventário. Os itens foram incluídos nas subescalas correspondentes aos fatores onde obtiveram maiores valores de saturação.

Para a seleção do número de fatores, seguimos alguns critérios recomendados(13). Valores próprios ou específicos (eigenvalues > 1), exclusão de saturações fatoriais inferiores a 0,3 e aplicação do princípio da descontinuidade. Numa análise global, verificamos que os itens 10, 16, 39, 41 e 26 abandonam a sua dimensão teórica. Os restantes 46 itens saturam na dimensão teórica a que pertencem.

Os itens 39 e 41 abandonam a sua dimensão teórica (competências genéricas), passando a saturar na dimensão competências comunicação. Os itens 10 e 16 abandonam a sua dimensão teórica (competências de contato), passando a saturar na dimensão competências genéricas. O item 26 abandona a sua dimensão teórica, passando a saturar na dimensão competências de comunicação.

Face aos resultados obtidos, após serem retirados os 5 itens que não saturavam convenientemente na dimensão teórica, efetuamos uma segunda análise, que incidiu nos 46 itens. Esta análise em componentes principais com rotação ortogonal varimax forçada a quatro fatores revelou quatro fatores teoricamente coerentes com os encontrados no inventário original.

Nesta análise e com base nos critérios referidos, eliminamos os itens 20 e 23 porque, apesar de saturarem na dimensão teórica a que pertencem (competências genéricas) (,402 e ,393), apresentam valores superiores na dimensão competências empáticas (,459 e 395).

Com a eliminação dos itens 10, 16, 20, 23, 26, 39 e 41 obtivemos uma versão final do inventário reduzida a 44 itens, conforme Tabela 1.

Após as referidas alterações, o ICRA passou a ser constituído por 44 itens que estão distribuídos pelos seguintes fatores: o primeiro fator (competências genéricas - G) é constituído por 15 itens e explica 12,935% da variância total; o segundo fator (competências empáticas - E) é constituído por 13 itens e explica 11,862% da variância; o terceiro fator (competências de comunicação - C) é constituído por nove itens com 10,926% de uma variância explicada e, por último, o quarto fator (competências de contacto - Con), constituído por sete itens, apresenta uma variância explicada de 8,560%. Para a globalidade do inventário, a variância total explicada é de 44,283%. Verificamos que o valor de Alpha de Cronbach obtido em cada dimensão foi superior a 0,795, revelador de uma boa consistência interna dos itens em cada fator.

TABELA 2

No sentido de verificar se cada uma das metades dos itens do ICRA-final é tão consistente a medir o construto como a outra metade, determinamos a correlação Par/ímpar. Assim, o obtido na primeira parte foi de 0,882 e na segunda parte foi de 0,889. Obtivemos um valor de correlação de Spearman Brown de 0,840 (Tabela 3), que nos indica a consistência esperada quando se aplica o instrumento a outras amostras.

A validade dos itens foi avaliada através da correlação interitens e dos itens com a dimensão a que pertencem com e sem sobreposição.

Como pode-se observar nas Tabelas 4 e 5, os valores correlacionais são moderados e fortes. A maioria dos itens apresenta relação mais forte com o fator a que teoricamente pertencem, sendo abonatório de homogeneidade de conteúdo dos itens dentro de cada fator. As correlações de cada item com a dimensão a que teoricamente pertence é superior a 0,40, pelo que pode-se afirmar que o conjunto dos itens define um construto(14).

Da análise dos resultados da correlação bicaudal entre os itens e os fatores, verificou-se que todos os itens apresentam correlações mais fortes com o fator a que teoricamente pertencem do que com outro fator.

Verificamos que as correlações do item com o fator sem sobreposição apresentam valores moderados, sendo na sua maioria superior a 0,40. Em sua maioria, os valores correlacionais sem sobreposição do item são mais elevados com a dimensão a que pertencem do que com outra dimensão.

Como pode-se verificar na Tabela 4, as correlações são globalmente mais elevadas entre os itens e a dimensão a que teoricamente pertencem do que com outras dimensões, sugerindo que os itens de cada dimensão têm proximidade suficiente para constituírem uma dimensão (validade convergente discriminante), sendo indício de validade do construto.

Uma outra contribuição para o estudo da validade do instrumento foi a realização de uma matriz de correlação de Person entre os diversos factores, conforme Tabela 5. Encontramos correlações moderadas cujos valores oscilam entre 0,356 e 0,641 e as diferenças estatísticas encontradas são bastante significativas, indicando, portanto, que os factores são sensíveis a aspetos diferentes do mesmo construto.

DISCUSSÃO

Para ser útil, um instrumento de medida deve ser válido e confiável. A validade refere-se ao poder do instrumento para medir aquilo que se quer medir(15). Assim, para avaliarmos as qualidades psicométricas de um instrumento de medida, necessitamos de efetuar estudos de fiabilidade e validade, que no seu conjunto nos indicam o grau de generalização que os resultados poderão alcançar(16).

Os estudos de fiabilidade indicam o grau de confiança ou de exatidão que podemos ter na informação obtida. Estes estudos avaliam a estabilidade temporal e a consistência interna ou homogeneidade dos itens(12). A estabilidade temporal, ou fiabilidade teste-reteste, não foi efetuada neste estudo dado este inventário ser um instrumento para medir um estado que poderá ser modificado, não sendo, por isso, relevante como medida de fiabilidade(17).

A consistência interna corresponde à homogeneidade dos enunciados de um instrumento de medida(16). Para este autor, quanto mais os enunciados estiverem correlacionados, maior é a consistência interna do instrumento. Assim, para calcular a consistência interna, recorremos ao coeficiente de Alpha Cronbach, dado ser a técnica mais utilizada para avaliar a consistência interna de um instrumento quando existem várias opções de resposta com diferentes pontuações como na escala de likert(16).

Os estudos de validade incluem três aspectos principais: validade de conteúdo, validade teórica e validade prática. "O questionário tem validade de conteúdo adequado quando os itens formam uma amostra representativa de todos os itens disponíveis para medir os aspectos das componentes"(12). Também, para estes autores, há três tipos de validade teórica: a validade convergente, a validade discriminante e a validade fatorial.

A validade fatorial pode ser avaliada através da técnica estatística análise fatorial. Esta técnica analisa, no essencial, as correlações entre várias variáveis para encontrar um conjunto de fatores que, teoricamente, representam o que têm em comum as variáveis analisadas(12). Alguns autores(13) acrescentam que a análise fatorial é um conjunto de técnicas cujo objetivo é reduzirem um número elevado de varáveis a um conjunto menos numeroso de fatores que procurem, tanto quanto possível, reter a natureza das variáveis iniciais. Estes autores consideram que se trata de um procedimento multivariado que, embora tenha um elevado grau de subjetividade, não deixa de constituir uma ferramenta muito poderosa e com enorme aplicabilidade(13). Para outros, a vantagem desta técnica é apresentar medidas mais sofisticadas do que a validade discriminante e a validade convergente(12).

A análise fatorial desenvolve inter-relações complexas com as referidas variáveis e vai identificar aquelas com que se intercorrelacionam. Deste modo, obtém-se uma estrutura que se denomina de fatores. Existem vários métodos para efectuar a análise fatorial, mas o mais utilizado é o designado por método dos componentes principais. Como resultado deste procedimento, obtemos o que se designa por matriz fatorial(13).

Esta matriz, assim determinada, partilha o máximo de variâncias, tornado difícil a sua leitura e interpretação, havendo necessidade de se efetuar a rotação de fatores. Através deste processo de rotação ortogonal, as variáveis (itens) que se associam a cada fator são as que se correlacionam mais fortemente com cada um deles. Mas para avaliar a validade fatorial de um questionário é preciso seguir algumas recomendações, como o tamanho da amostra, que, apesar de haver diferentes opiniões a esse respeito na literatura, pesquisadores(18) consideram que o N da amostra deve ser no mínimo igual a cinco vezes o número de itens da escala e nunca inferior a 100 indivíduos por análise. Como no nosso estudo a amostra é de 690 indivíduos e tendo em consideração o número de itens (51), pensamos não se colocarem problemas de validação.

Temos, portanto, o Inventário de Competências Relacionais de Ajuda (ICRA) como um instrumento de autoresposta, constituído por 44 itens que se destina a avaliar as competências relacionais de ajuda de um enfermeiro.

Na amostra constituída por 690 enfermeiros que serviram para a sua validação, obtivemos um valor de Spearman-Brown de 0,840 e os valores de Alpha de Cronbach obtidos em cada dimensão foi superior a 0,826, revelador de uma boa consistência interna dos itens em cada fator. No estudo realizado pela autora do inventário, numa amostra de 314 estudantes de Enfermagem, obteve um valor de Spearman-Brown de 0,879 e um índice de Alpha de Cronbach de 0,747.

A análise fatorial, com rotação ortogonal do tipo varimax, revelou a existência de quatro fatores com raízes lactentes superiores a 1 que explica 44,283% da variância total. O primeiro fator (competências genéricas) é o mais significativo e explica 12,935% da variância total. O segundo fator (competências empáticas) explica 11,862% da variância, o terceiro fator (competências de comunicação) tem 10,926% de uma variância explicada e, por último, o quarto fator (competências de contato) apresenta uma variância explicada de 8,560%.

O estudo realizado pela autora do inventário também revelou a existência de quatro fatores com raízes latentes superiores a 1 que explica 46,939% da variância total. Os fatores competências genéricas e de comunicação foram os mais significativos, com variâncias de 16,838% e 12,016%.

Verificamos que a estrutura fatorial empírica do nosso estudo se ajusta à organização conceptual inicial e também está de acordo com os dados obtidos pela autora do inventário(9) e com as definições conceptuais que estiveram na sua concepção(19- 21).

Tais fatos indicam que há equivalência conceitual entre as duas versões, isto é, ambas medem os mesmos fenômenos(22).

Nos estudos(9-11), utilizando este Inventário, os valores encontrados para o coeficiente de Alpha de Cronbach para as dimensões do ICRA foram respectivamente .81, .74 e .80, estando em consonância com o encontrado neste estudo, que foi .80.

CONCLUSÃO

Consideramos que a análise de confiabilidade e validade do ICRA são aspectos fundamentais, dado que o valor dos resultados obtidos nos estudos efetuados utilizando este inventário e as conclusões deles retiradas vão depender das suas qualidades conceptuais e psicométricas.

Para a validade conceptual do construto, concorreram o fato da estrutura fatorial dos itens resultante da análise em componentes principais e com rotação varimax quase coincidir com a organização multidimensional dos itens, estando de acordo com os resultados obtidos pela autora do inventário.

O argumento a favor da validade do ICRA tem a ver com o fato de apresentar correlações moderadas e estatisticamente significativas entre as dimensões, não sendo redundantes, o que pode ser indiciador de avaliarem aspectos diferentes do mesmo construto.

A análise efetuada permite-nos validar este inventário e assim considerá-lo com qualidades psicométricas adequadas à avaliação das competências relacionais de ajuda nos enfermeiros em Portugal.

Espera-se, no entanto, novos contributos de outros estudos para melhorar a sua fiabilidade e validade no sentido de aumentar o grau de confiança ou de exatidão obtida na informação recolhida através da utilização deste instrumento de medida.

Recebido: 10/05/2010

Aprovado: 02/02/2011

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  • Endereço para correspondência:

    Rosa Cândida Carvalho Pereira de Melo
    Rua 5 de Outubro - Apartado 55
    3001-901 - Coimbra, Portugal
  • *
    Artigo escrito originalmente em português de Portugal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 2010
    • Aceito
      02 Fev 2011
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