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Seguimento clínico de profissionais e estudantes da área da saúde expostos a material biológico potencialmente contaminado* * Extraído da dissertação "Adesão ao seguimento clínico de profissionais e estudantes da área da saúde que sofreram acidente ocupacional com material biológico", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2013

Resumos

OBJETIVO

Avaliar o comparecimento aos agendamentos clínicos de profissionais e estudantes da área de saúde que sofreram acidente com material biológico potencialmente contaminado.

MÉTODO

Estudo de corte transversal, de caráter retrospectivo, que avaliou as fichas de atendimentos, referentes aos acidentes com material biológico ocorridos de 2005 a 2010, em uma unidade especializada.

RESULTADO

Foram atendidas 461 pessoas, sendo 389 (84,4%) profissionais e 72 (15,6%) estudantes da área da saúde que sofreram exposição a material biológico. O comparecimento ao seguimento clínico foi realizado por 307 (66,6%) acidentados. Os sujeitos vítimas de acidente com paciente-fonte identificado tiveram 29 vezes mais chance de comparecer aos retornos agendados (OR: 29,98; IC95%: 16,09-55,83).

CONCLUSÃO

Tanto na análise univariada quanto na multivariada, o preditor para o

comparecimento ao seguimento clínico foi ter o paciente-fonte conhecido e com sorologia não reagente para os vírus da imunodeficiência humana e ou das hepatites B e C.

Exposição a Agentes Biológicos; Exposição Ocupacional; Acidentes de Trabalho; Pessoal de Saúde; Estudantes de Ciências da Saúde


OBJECTIVE

To assess adherence to clinical appointments by health care workers (HCW) and students who suffered accidents with potentially infectious biological material.

METHOD

A retrospective cross-sectional study that assessed clinical records of accidents involving biological material between 2005 and 2010 in a specialized unit.

RESULTS

A total of 461 individuals exposed to biological material were treated, of which 389 (84.4%) were HCWs and 72 (15.6%) students. Of the 461 exposed individuals, 307 (66.6%) attended a follow-up appointment. Individuals who had suffered an accident with a known source patient were 29 times more likely to show up to their scheduled follow-up appointments (OR: 29.98; CI95%: 16.09-55.83).

CONCLUSION

The predictor in both univariate and multivariate analyses for adherence to clinical follow-up appointment was having a known source patient with nonreactive serology for the human immunodeficiency virus and/or hepatitis B and C.

Exposure to Biological Agents; Occupational Exposure; Accidents, Occupational; Health Personnel; Students, Health Occupations


OBJETIVO

Evaluar la asistencia a las consultas clínicas de profesionales y estudiantes del área de salud que sufrieron accidente con material biológico potencialmente contaminado.

MÉTODO

Estudio de corte transversal, de carácter retrospectivo, que evaluó las fichas de atenciones referentes a los accidentes con material biológico ocurridos de 2005 a 2010, en una unidad especializada.

RESULTADO

Fueron atendidas 461 personas, siendo 389 (84,4%) profesionales y 72 (15,6%) estudiantes del área de la salud que sufrieron exposición a material biológico. La asistencia al seguimiento clínico fue realizada por 307 (66,6%) de los accidentados. Los sujetos víctimas de accidente con paciente fuente identificado tuvieron 29 veces más probabilidad de acudir a los retornos citados (OR: 29,98; IC95%: 16,09-55,83).

CONCLUSIÓN

Tanto en el análisis univariado como en el multivariado el pronosticador para la asistencia al seguimiento clínico fue ser el paciente fuente conocido y con serología no reactiva para los virus de la inmunodeficiencia humana y/o las hepatitis B y C.

Exposición a Agentes Biológicos; Exposición Profesional; Accidentes de Trabajo; Personal de salud; Estudiantes del Área de la Salud


Introdução

Profissionais e estudantes da área da saúde estão expostos a material biológico potencialmente contaminado durante a realização de procedimentos com possibilidade de contato com fluídos corporais(1Valim MD, Marziale MH, Hayashida M, Richart-Martinez M. Occurrence of occupational acidentes involving potentially contaminated biological material among nurses. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 [cited 2014 May 15];27(3):280-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_1982-0194-ape-027-003-0280.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_19...

Cheung K, Ching SS, Chang KK, Ho SC. Prevalence of and risk factors for needlestick and sharps injuries among nursing students in Hong Kong. Am J Infect Control. 2012;40(10):997-1001.
-3Julio RS, Filardi MBS, Marziale MHP. Acidentes de trabalho com material biológico ocorridos em municípios de Minas Gerais. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):119-26.).

Após a exposição, profissionais e estudantes devem procurar atendimento em serviço especializado, para que seja avaliado o risco de infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite B (VHB) e vírus da hepatite C (VHC)(4Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV - 2008. Brasília: MS; 2010.-5U.S. Public Health Service; Centers for Disease Control and Prevention. Update U.S. Public Health Service Guidelines for the Management of Occupational Exposures to HBV, HCV and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR11):1-52.).

O conhecimento do status sorológico da fonte é de fundamental importância para a indicação da quimioprofilaxia, além da avaliação da gravidade da exposição e do potencial benefício do esquema antirretroviral. Recomenda-se a coleta de sangue do acidentado e do paciente-fonte, mediante autorização do mesmo. O teste rápido anti-HIV do paciente-fonte deve ser realizado sempre que possível, quando sua condição sorológica for desconhecida. Os profissionais devem ainda notificar o acidente por meio da Comunicação do Acidente de Trabalho no seu local de trabalho(4Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV - 2008. Brasília: MS; 2010.-5U.S. Public Health Service; Centers for Disease Control and Prevention. Update U.S. Public Health Service Guidelines for the Management of Occupational Exposures to HBV, HCV and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR11):1-52.).

Para cada tipo de vírus existe uma conduta diferenciada, no caso de haver risco para soroconversão para o VHB, as recomendações pós-exposição são determinadas com base no status sorológico do paciente-fonte e na imunidade adquirida do acidentado. Assim, pessoas que possuem esquema de vacinação completo e níveis adequados de anticorpo contra o antígeno de superfície da hepatite B (anti-HBsAg) não necessitam de nenhuma recomendação profilática. Aqueles sem esquema vacinal ou com esquemas incompletos e ou sem resposta imunológica vacinal adequada devem receber imunoglobulina humana anti-hepatite B e avaliação de esquema vacinal(4Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV - 2008. Brasília: MS; 2010.-5U.S. Public Health Service; Centers for Disease Control and Prevention. Update U.S. Public Health Service Guidelines for the Management of Occupational Exposures to HBV, HCV and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR11):1-52.).

Em situações de exposição ao VHC, não há nenhuma medida eficaz para reduzir o risco de soroconversão e, em relação ao HIV existe a recomendação de antirretrovirais(5U.S. Public Health Service; Centers for Disease Control and Prevention. Update U.S. Public Health Service Guidelines for the Management of Occupational Exposures to HBV, HCV and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR11):1-52.).

Nos casos de exposições graves, o acompanhamento clínico deverá ser feito em quatro momentos, ou seja, logo após o acidente, na sexta semana, na décima segunda semana e seis meses após a sua ocorrência. E quando se tratar de paciente-fonte com VHC, o seguimento deverá ser estendido até um ano após a exposição(5U.S. Public Health Service; Centers for Disease Control and Prevention. Update U.S. Public Health Service Guidelines for the Management of Occupational Exposures to HBV, HCV and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR11):1-52.).

Estudos apontam que os profissionais muitas vezes não procuram por atendimento médico especializado após o acidente e ou abandonam o seguimento(6Oliveira AC, Paiva MHRS. Analysis of occupational acidentes with biological material among professionals in pre-hospital services. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(1):309-15.-7Pimenta FR, Ferreira MD, Gir E, Miyeko H, Canini SRMS. Care and specialized clinical follow-up of nursing professionals who have been victims of accidents with biological material. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):198-204.). Da mesma forma, com relação aos estudantes, têm se observado subnotificação dos acidentes e condutas inadequadas após exposição, bem como a falta de comunicação(8Canalli RTC, Moriya TM,. Hayashida M Acidentes com material biológico entre estudantes de Enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2010;18(2):259-64.).

Diante do exposto, o objetivo desse estudo foi identificar o percentual de não adesão ao seguimento e os fatores associados de profissionais e estudantes da área de saúde que sofreram acidente com material biológico potencialmente contaminado.

Método

Trata-se de um estudo de corte transversal, retrospectivo, realizado no Centro de Referência (CR) ao atendimento a pessoas expostas a situações de risco com material biológico potencialmente contaminado, localizado em um município do interior paulista. Este serviço atende indivíduos do município e região que não possuem atendimento especializado em seu local de trabalho, os quais compreendem profissionais autônomos, com vínculo institucional público e ou privado. No CR, o atendimento à exposição ocupacional teve início em 2003, e em 2005 foi implantando instrumento específico para estes atendimentos e, no ano de 2011, os seguimentos foram transferidos para outro local.

Foram analisadas todas as ocorrências do período entre janeiro de 2005 a dezembro de 2010, e selecionaram-se os atendimentos a profissionais e estudantes da área da saúde que sofreram exposição a material biológico potencialmente contaminado.

Para a coleta de dados foi utilizado um formulário semiestruturado adaptado da Ficha de Investigação do Sistema de Agravos de Notificação - Acidentes de Trabalho com Exposição a Material Biológico, do Ministério da Saúde, e submetido à validação quanto à forma e conteúdo por três especialistas da temática. O instrumento contemplou as seguintes variáveis: idade; sexo; nível de escolaridade; categoria profissional; mecanismos envolvidos no acidente (perfuração por agulha, corte, sangue sobre mucosa, pele íntegra ou pele lesada); ato e material; e adesão ao seguimento clínico.

Considerou-se adesão ao seguimento clínico o comparecimento a todos os agendamentos, no Centro de Referência, do profissional ou estudante da área da saúde que sofreu exposição a material biológico potencialmente contaminado, até a alta médica, conforme o protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde(3Julio RS, Filardi MBS, Marziale MHP. Acidentes de trabalho com material biológico ocorridos em municípios de Minas Gerais. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):119-26.). A não adesão ao seguimento clínico foi considerada como a interrupção ou o não comparecimento aos atendimentos ambulatoriais/agendamentos.

Os dados coletados foram digitalizados e organizados em planilhas do programa Microsoft Excel 2010, e analisados estatisticamente por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0. Utilizou-se estatística descritiva, para caracterizar os sujeitos quanto às variáveis coletadas.

Para verificar a associação entre as variáveis do estudo com relação à variável adesão ao seguimento clínico, utilizou-se o Teste Qui-quadrado. Posteriormente, a associação foi mensurada por modelos de regressão logística univariada e multivariada(9Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. New York: Wiley; 2000.), nos quais se calcularam o Odds Ratio (OR) bruto e o OR ajustado com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Valores de p menores que 0,05 foram considerados significativos.

O projeto foi apreciado e aprovado pela Secretaria de Saúde Municipal e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP (Protocolo nº 0957/2008). Para a consulta às fichas de atendimento dos profissionais e estudantes acidentados, foi aprovada a solicitação de dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por se tratar de dados secundários obtidos a partir das informações contidas em registros de atendimento. As recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram atendidas e foi assegurado o sigilo e anonimato das informações a todos os participantes.

Resultados

Dos 461 indivíduos da área da saúde que sofreram exposição a material biológico potencialmente contaminado e que foram atendidos no centro de referência, 389 (84,4%) eram profissionais e 72 (15,6%) estudantes da área da saúde.

A maioria das exposições ocupacionais acometeu os profissionais da enfermagem, com 218 (47,3%) registros. Destes, 146 (31,7%) eram auxiliares de enfermagem, 36 (7,8%), técnicos de enfermagem e 36 (7,8%), enfermeiros. A outra categoria que se destacou pelo número de acidentes foi a equipe odontológica, com 103 (22,3%) acidentes, sendo que 66 (14,3%) eram dentistas e 37 (8,0%), auxiliares de dentista. Considerando-se a frequência decrescente das ocorrências, mencionam-se os estudantes com 72 (15,6%) acidentes; médicos com 39 (8,5%); farmacêuticos 15 (3,3%); biomédicos 7 (1,5%); auxiliares de farmacêutico 3 (0,7%); fisioterapeutas 3 (0,7%); e técnico em radiologia 1 (0,2%).

Um total de 375 (81,3%) sujeitos era do sexo feminino. A idade variou entre 16 e 63 anos, predominantemente na faixa etária de 20 a 29 anos, média de 35 anos e mediana de 33 anos.

A maioria dos acidentes ocorreu devido à perfuração por agulha 326 (70,7%), tanto com os profissionais, como com os estudantes da área da saúde. A agulha oca foi responsável pelo maior número de acidentes: 292 (63,3%).

Dos 461 acidentados, 400 (86,8%) possuíam identificação do paciente-fonte. Destes, foi possível identificar resultado reagente para 43 fontes, sendo que 28 (67,4%) apresentaram sorologia reagente para um exame, 10 (23,3%) tiveram resultado reagente para dois exames, três (7,0%) para três exames, e um (2,3%) para quatro exames. A condição sorológica dos pacientes-fonte, cujos resultados não foram identificados ou que apresentaram sorologia inconclusiva foram agrupados na categoria sorologia como outro (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados sorológicos dos pacientes-fonte envolvidos na exposição com material biológico potencialmente contaminado - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2005-2010.

A respeito do comparecimento aos agendamentos clínicos relacionados à alta médica, constatou-se que ele ocorreu em 307 (66,6%) dos acidentes. O abandono ou a interrupção do seguimento foi identificado em 151 (32,8%) casos. Em três (0,7%) fichas não havia essa informação.

Na análise entre o mecanismo de acidente e a adesão ao seguimento clínico entre as categorias profissionais e de estudantes não houve diferença estatisticamente significante na adesão ao seguimento clínico. Destaca-se que a maioria dos profissionais que teve acidente com material biológico envolvendo perfurocortante aderiu ao seguimento clínico e compareceu aos retornos até a alta médica, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. Entretanto, observou-se expressiva representatividade de abandono diante de exposições envolvendo instrumento perfurocortante (perfuração por agulha ou corte), na categoria dos estudantes (22, 36,7%) e na equipe médica (12, 42,8%) (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre o mecanismo de acidente e a adesão ao seguimento clínico em cada categoria profissional ou acadêmica - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2005-2010.

Na análise de regressão logística entre a adesão ao seguimento clínico e a variável paciente-fonte, observou-se que a chance do acidentado que teve a fonte conhecida e com sorologia negativa aderir ao seguimento foi 29 vezes maior do que aqueles cuja fonte era positiva ou desconhecida (p<0,01; OR= 29,98; IC=95%: 16,09-55,83). As variáveis sexo, idade, categoria profissional e tipo de mecanismo envolvido no acidente não apresentaram significância estatística (p>0,01).

Em relação ao tempo de serviço na função, não houve diferença estatisticamente significante (p=0,147) entre os profissionais que compareceram ao seguimento clínico (n=234) e os que não compareceram (n=116) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre a adesão ao seguimento clínico dos profissionais expostos a acidente ocupacional envolvendo material biológico, e o tempo de atuação na função - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2005-2010.

Discussão

Do total de exposições com material biológico potencialmente contaminado houve predomínio dos profissionais da enfermagem. Resultados semelhantes foram evidenciados em outras pesquisas(1Valim MD, Marziale MH, Hayashida M, Richart-Martinez M. Occurrence of occupational acidentes involving potentially contaminated biological material among nurses. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 [cited 2014 May 15];27(3):280-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_1982-0194-ape-027-003-0280.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_19...

Cheung K, Ching SS, Chang KK, Ho SC. Prevalence of and risk factors for needlestick and sharps injuries among nursing students in Hong Kong. Am J Infect Control. 2012;40(10):997-1001.
-3Julio RS, Filardi MBS, Marziale MHP. Acidentes de trabalho com material biológico ocorridos em municípios de Minas Gerais. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):119-26.,1010 Vieira M, Padilha MICS, Pinheiro RDC. Analysis of accidents with organic material in health workers. Rev Latino Am Enfermagem.2011;19(2):332-9.-711 Paiva MHRS,. Oliveira AC Fatores determinantes e condutas pós-acidente com material biológico entre profissionais do atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm.2011;64(2):268-73.).

Em estudos sobre exposições com material biológico, os estudantes da área da saúde representaram uma parcela dos dados. Em um levantamento realizado no estado de São Paulo utilizando-se os registros dos acidentes com material biológico, 52,0% ocorreram com auxiliares e técnicos de enfermagem, seguidos por médicos (10,8%), enfermeiros (6,7%) e estudantes (6,3%)(1212 São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação Estadual de DST/Aids. Vigilância epidemiológica dos acidentes ocupacionais com exposição a fluidos biológicos no Estado de São Paulo - 2007 a 2010. BEPA [Internet]. 2011 [citado 2014 maio 15];8(94): Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/bepa94_acid_biologico.htm
http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/...
). Outra investigação desenvolvida no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador na macrorregião de Florianópolis identificou que 49,5% dos acidentes envolveram profissionais da enfermagem(1010 Vieira M, Padilha MICS, Pinheiro RDC. Analysis of accidents with organic material in health workers. Rev Latino Am Enfermagem.2011;19(2):332-9.).

Tendo em vista a ocorrência das exposições entre os estudantes, os resultados do presente estudo apontam para a necessidade da abordagem desta temática no início da realização dos cursos, visando assegurar seu conhecimento antes de expô-los a situações de risco. A baixa adesão às medidas preventivas entre estudantes de enfermagem e medicina refletem o conhecimento insuficiente sobre as recomendações vigentes(1313 Souza-Borges FR, Ribeiro LA, Oliveira LC. Occupational exposures to body fluids and behaviors regarding their prevention and post-exposure among medical and nursing students at a Brazilian public university. Rev Inst Med Trop São Paulo. 2014; 56(2):157-63.).

Além disto, é recomendado que as instituições de saúde notifiquem os acidentes, no caso de profissionais da área da saúde, encaminhem o acidentado para correta profilaxia, e forneçam informações a respeito do calendário vacinal e sua importância na prática clínica(1414 Miotto MHMB, Rocha RM. Acidente ocupacional por material perfurocortantes entre Acadêmicos de Odontologia. Rev Bras Prom Saúde. 2012;25(1):97-102.).

Quanto ao sexo dos acidentados houve o predomínio do feminino. Da mesma forma, estudos têm encontrado percentuais similares(1515 Rozanska A, Szczypta A, Baran M, Synowiec E, Bulanda M, Wałaszek M. Healthcare workers' occupational exposure to bloodborne pathogens: a 5-year observation in selected hospitals of the Małopolska province. Int J Occup Med Environ Health. 2014; 27(5):747-56.-1616 Yang L, Mullan B. Reducing needle stick injuries in healthcare occupations: an integrative review of the literature. ISRN Nurs [Internet]. 2011 [cited 2014 May 15]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3169876/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). No estado de São Paulo, entre 2007 e 2010, foram notificados 33.856 acidentes, dos quais 25.788 (76,2%) envolveram a categoria feminina(1212 São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação Estadual de DST/Aids. Vigilância epidemiológica dos acidentes ocupacionais com exposição a fluidos biológicos no Estado de São Paulo - 2007 a 2010. BEPA [Internet]. 2011 [citado 2014 maio 15];8(94): Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/bepa94_acid_biologico.htm
http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/...
).

Os mecanismos mais frequentes das exposições foram a perfuração por agulha e corte. Pesquisa desenvolvida com profissionais de saúde na Coreia do Sul constatou que dentre as exposições ocupacionais 71,3% envolveram agulha oca e 27,9%, materiais cortantes(1717 Oh HS, Yoon CSW, Choi JS, Park ES, Jin HY. Costs of post exposure management of occupational sharps injuries in health care workers in the Republic of Korea. Am J Infect Control.2013;41(1):61-5.).. O descarte inadequado de materiais perfurocortantes foi o principal preditor para a ocorrência de acidentes em uma pesquisa realizada em 50 municípios na região sul do estado de Minas Gerais(1515 Rozanska A, Szczypta A, Baran M, Synowiec E, Bulanda M, Wałaszek M. Healthcare workers' occupational exposure to bloodborne pathogens: a 5-year observation in selected hospitals of the Małopolska province. Int J Occup Med Environ Health. 2014; 27(5):747-56.).

Para a maior parte dos acidentados, houve identificação do paciente-fonte. Em uma investigação acerca da vigilância epidemiológica dos acidentes ocupacionais com exposição a fluidos biológicos no estado de São Paulo, foi evidenciado que em 73,6% dos acidentes notificados o paciente-fonte era conhecido(1212 São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação Estadual de DST/Aids. Vigilância epidemiológica dos acidentes ocupacionais com exposição a fluidos biológicos no Estado de São Paulo - 2007 a 2010. BEPA [Internet]. 2011 [citado 2014 maio 15];8(94): Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/bepa94_acid_biologico.htm
http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/...
).

Quanto ao status sorológico do paciente-fonte, para a maioria o resultado foi não reagente para o anti-HIV. Pesquisa desenvolvida em Goiânia evidenciou resultado semelhante com anti-HIV não reagente em 72,0% dos pacientes-fonte(1818 Guilarde AO, Oliveira AM, Tassara M, Oliveira B, Andrade SS. Acidentes com material biológico entre profissionais de hospital universitário em Goiânia. Rev Patol Trop. 2010;39(2):131-6.). Em outro estudo, realizado com profissionais da enfermagem em um hospital universitário no interior de São Paulo, identificou-se que 23,1% dos pacientes-fonte apresentaram sorologia negativa, destacando-se que este fato, relatado pelos profissionais participantes do estudo, foi fator para que não aderissem ao seguimento clínico(7Pimenta FR, Ferreira MD, Gir E, Miyeko H, Canini SRMS. Care and specialized clinical follow-up of nursing professionals who have been victims of accidents with biological material. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):198-204.).

Com relação ao seguimento clínico, a maior parte resultou em alta médica. Resultado semelhante foi identificado em uma pesquisa desenvolvida com profissionais de enfermagem acidentados atendidos em um hospital escola de Ribeirão Preto(1919 Loureiro LA, Gomes AC, Malaguti SE, Canini SRMS, Machado AA, Gir E. Adesão de profissionais de enfermagem ao seguimento clínico após exposição ocupacional com material biológico. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2009 [citado 2014 maio 15]; 11(2):303-8. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n2/v11n2a10.htm
http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n2...
). No entanto, a taxa de abandono ou interrupção do seguimento correspondeu 32,8% dos casos. Segundo dados do Boletim Epidemiológico Paulista(1212 São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação Estadual de DST/Aids. Vigilância epidemiológica dos acidentes ocupacionais com exposição a fluidos biológicos no Estado de São Paulo - 2007 a 2010. BEPA [Internet]. 2011 [citado 2014 maio 15];8(94): Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/bepa94_acid_biologico.htm
http://www.cve.saude.sp.gov.br/bepa/txt/...
), publicado em 2011, a taxa de abandono no estado de São Paulo foi de 8,8%, no entanto, não foi identificado o percentual de abandono por parte dos estudantes.

Diversos fatores têm sido relacionados ao abandono do seguimento clínico especializado, incluindo a demora no atendimento, o conhecimento da sorologia do paciente-fonte como sendo negativa, o esquecimento da consulta, o julgamento desnecessário e a ausência de tempo(7Pimenta FR, Ferreira MD, Gir E, Miyeko H, Canini SRMS. Care and specialized clinical follow-up of nursing professionals who have been victims of accidents with biological material. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):198-204.). Destaca-se também que os efeitos adversos da droga, a falta de conscientização e o desconhecimento sobre a conduta recomendada, consistem em aspectos que podem favorecer o abandono do seguimento clínico(1Valim MD, Marziale MH, Hayashida M, Richart-Martinez M. Occurrence of occupational acidentes involving potentially contaminated biological material among nurses. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 [cited 2014 May 15];27(3):280-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_1982-0194-ape-027-003-0280.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_19...
,2020 Voide C, Darling KE, Kenfak-Foguena A, Erard V, Cavassini M, Lazor-Blanchet C. Underreporting of needlestick and sharps injuries among healthcare workers in a Swiss University Hospital. Swiss Med Wkly. 2012;142:w13523.).

Por meio de estudos realizados em dois momentos diferentes, em um hospital de grande porte no interior paulista, foi possível evidenciar a redução na taxa de abandono ao seguimento clínico dos profissionais acidentados da instituição. O fator contribuinte para esta redução foi relacionado ao aumento de investimentos da instituição de saúde na divulgação de informações referentes à importância das precauções após o acidente ocupacional(7Pimenta FR, Ferreira MD, Gir E, Miyeko H, Canini SRMS. Care and specialized clinical follow-up of nursing professionals who have been victims of accidents with biological material. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):198-204.,1919 Loureiro LA, Gomes AC, Malaguti SE, Canini SRMS, Machado AA, Gir E. Adesão de profissionais de enfermagem ao seguimento clínico após exposição ocupacional com material biológico. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2009 [citado 2014 maio 15]; 11(2):303-8. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n2/v11n2a10.htm
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).

O alto risco de exposição e o fato da sorologia do paciente-fonte ser positiva constituem fatores de risco para a soroconversão. Por outro lado, o baixo risco de exposição e o fato da sorologia do paciente-fonte ser negativa, constituem fatores que fazem com que o acidentado não procure atendimento especializado(7Pimenta FR, Ferreira MD, Gir E, Miyeko H, Canini SRMS. Care and specialized clinical follow-up of nursing professionals who have been victims of accidents with biological material. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):198-204.).

Porém, ressalta-se que mesmo com as sorologias negativas existe o risco de transmissão do HIV, HCV e HBV, caso o paciente-fonte esteja no período de janela imunológica. Sendo assim, destaca-se a importância do seguimento clínico até a alta médica, considerando-se as características de cada acidente.

Conclusão

O comparecimento aos agendamentos clínicos relacionados à alta médica ocorreu na maior parte dos acidentes. No entanto, foi possível identificar taxas de abandono do seguimento clínico por profissionais e estudantes.

O profissional de saúde com paciente-fonte conhecido e com sorologia não reagente teve maior chance em aderir ao protocolo de atendimento pós-exposição a material biológico, quando comparado ao exposto à fonte conhecida e com sorologia positiva.

As taxas de abandono encontradas reafirmam a necessidade de direcionamento de estratégias com o intuito de aumentar a adesão ao seguimento clínico. Desta forma, faz-se necessária a conscientização de profissionais e estudantes acerca da importância do seguimento clínico após exposição com material biológico, até a alta médica, independentemente da sorologia do paciente-fonte ser não reagente.

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  • Apoio Financeiro

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES), Programa de Excelência Acadêmica (Proex)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2014
  • Aceito
    26 Jun 2015
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