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Tecnologia na terapia intensiva e suas influências nas ações do enfermeiro

Tecnología en la terapia intensiva y sus influencias en las acciones del enfermero

Resumos

Objetivou-se identificar as representações sociais de enfermeiros sobre a tecnologia aplicada em cuidados intensivos, e relacioná-las aos seus modos de agir no cuidado do paciente. Pesquisa qualitativa, cujo referencial teórico-metodológico foi o das representações sociais. Realizou-se entrevistas com 24 enfermeiros, observação sistemática e análise de conteúdo temática. Os resultados se organizaram em três categorias sobre o desconhecimento da linguagem tecnológica, estratégias de aproximação, seu domínio e sua aplicação. O saber/conhecimento necessário para o manuseio da tecnologia, e o tempo de experiência do seu manejo orientam as representações sociais dos enfermeiros, incidindo nas suas ações de cuidado. Conclui-se que a política de contratação de pessoal para trabalhar em cenário de terapia intensiva deve considerar as experiências e a formação especializada dos enfermeiros.

Cuidados de enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnologia; Desenvolvimento tecnológico


Se objetivó identificar las representaciones sociales de enfermeros sobre la tecnología aplicada en cuidados intensivos y relacionarlas a sus modos de actuar en el cuidado del paciente. Investigación cualitativa, con referencial teórico-metodológico de Representaciones Sociales. Se realizaron entrevistas con 24 enfermeros, observación sistemática y análisis de contenido temático. Los resultados se organizaron en tres categorías sobre el desconocimiento del lenguaje tecnológico, estrategias de aproximación, dominio y aplicación. El conocimiento, necesario para la utilización de la tecnología y la experiencia en su manejo orientan las representaciones sociales de los enfermeros, incidiendo en sus acciones de cuidado. Se concluye en que la política de contratación de personal para trabajar en escenario de terapia intensiva debe considerar las experiencias y formación especializada del enfermero.

Atención de enfermería; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnología; Desarrollo tecnologico


The objective of this study was to identify the social representations that nurses have about technology applied to intensive care, and relate them to their ways of acting while caring for patients. This qualitative study was performed using social representations as the theoretical-methodological framework. Interviews were performed with 24 nurses, in addition to systematic analysis and thematic content analysis. The results were organized into three categories about the lack of technological knowledge, approach strategies, mastering that knowledge and using it. The knowledge necessary to handle the technology, and the time of experience using that technology guide the nurses' social representations implying on their care attitudes. In conclusion, the staffing policy for an intensive care setting should consider the nurses' experiences and specialized education.

Nursing care; Intensive Care Units; Technology; Technological development


ARTIGO ORIGINAL

Tecnologia na terapia intensiva e suas influências nas ações do enfermeiro* * Extraído da dissertação "A tecnologia e o enfermeiro no ambiente da Terapia Intensiva: um encontro mediado pelas representações sociais", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.

Tecnología en la terapia intensiva y sus influencias en las acciones del enfermero

Rafael Celestino da SilvaI; Márcia de Assunção FerreiraII

IMestre em Enfermagem. Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Professor Assistente da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. rafaenfer@yahoo.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. marciadeaf@ibest.com.br

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Rafael Celestino da Silva Av. N. S. de Copacabana, 1181 - Apto 504 - Copacabana CEP 22070-010 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Objetivou-se identificar as representações sociais de enfermeiros sobre a tecnologia aplicada em cuidados intensivos, e relacioná-las aos seus modos de agir no cuidado do paciente. Pesquisa qualitativa, cujo referencial teórico-metodológico foi o das representações sociais. Realizou-se entrevistas com 24 enfermeiros, observação sistemática e análise de conteúdo temática. Os resultados se organizaram em três categorias sobre o desconhecimento da linguagem tecnológica, estratégias de aproximação, seu domínio e sua aplicação. O saber/conhecimento necessário para o manuseio da tecnologia, e o tempo de experiência do seu manejo orientam as representações sociais dos enfermeiros, incidindo nas suas ações de cuidado. Conclui-se que a política de contratação de pessoal para trabalhar em cenário de terapia intensiva deve considerar as experiências e a formação especializada dos enfermeiros.

DESCRITORES: Cuidados de enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnologia; Desenvolvimento tecnológico.

RESUMEN

Se objetivó identificar las representaciones sociales de enfermeros sobre la tecnología aplicada en cuidados intensivos y relacionarlas a sus modos de actuar en el cuidado del paciente. Investigación cualitativa, con referencial teórico-metodológico de Representaciones Sociales. Se realizaron entrevistas con 24 enfermeros, observación sistemática y análisis de contenido temático. Los resultados se organizaron en tres categorías sobre el desconocimiento del lenguaje tecnológico, estrategias de aproximación, dominio y aplicación. El conocimiento, necesario para la utilización de la tecnología y la experiencia en su manejo orientan las representaciones sociales de los enfermeros, incidiendo en sus acciones de cuidado. Se concluye en que la política de contratación de personal para trabajar en escenario de terapia intensiva debe considerar las experiencias y formación especializada del enfermero.

DESCRIPTORES: Atención de enfermería; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnología; Desarrollo tecnologico.

INTRODUÇÃO

A alocação de enfermeiros em setores hospitalares nem sempre considera as experiências, preferências ou especialidade do profissional. Os enfermeiros que trabalham por longo tempo num setor não têm garantias de que irão permanecer atuando no mesmo(1). Como consequência, atuam em campos nos quais não têm experiência com a clientela ou não dominam as ferramentas necessárias ao cuidado desta, sendo, portanto, entendidos como enfermeiros novatos.

Enfermeiros novatos caracterizam-se por ter um comportamento limitado e inflexível. Isto porque, pelo fato de não terem experiência, são dados passos para que sigam no desempenho das suas atividades, com a finalidade de servir como uma espécie de guia facilitador no desenvolvimento das ações. Porém, esses mesmos passos podem agir contra o desempenho, já que as regras não ditam as tomadas de decisão mais adequadas frente a uma situação real(2).

Os enfermeiros novatos têm uma atuação restrita quando se pensa na complexidade tecnológica inerente ao cuidado na terapia intensiva. Neste cenário, para manter a vida e recuperar a saúde, os pacientes são acoplados a aparelhos que realizam momentaneamente suas funções vitais. Assim, além dos cuidados diretos aos pacientes, é fundamental o conhecimento teórico e prático do manuseio das máquinas para que se compreenda seu funcionamento e se interprete os dados, o que garante a confiabilidade dos resultados e o direcionamento da assistência(3).

Os enfermeiros experientes no cuidado à clientela que se utiliza de aparatos tecnológicos tendem a exibir uma prática mais segura, na qual a tecnologia é utilizada como um instrumento que o auxilia no cuidado. Os enfermeiros novatos, que têm uma atuação mais limitada, encontram dificuldades para articular o uso da tecnologia de modo fundamentado no cuidado ao cliente. Face ao exposto, o problema da pesquisa se situa na seguinte questão: a inserção de enfermeiros sem experiência em ambientes tecnológicos, articulada ao tempo no manejo da tecnologia, incide na sua ação de cuidar dos clientes nestes setores?

Pela sua inexperiência na prática de cuidar, o novato pode negligenciar determinadas ações aos clientes em uso de aparatos tecnológicos(4). Outro aspecto a ser destacado é a criação de vínculo de dependência do enfermeiro considerado experiente, para a execução de determinadas atividades e resolução de problemas cotidianos relacionados ao uso da tecnologia no cuidado, principalmente em situações emergenciais, que requerem imediata atuação do enfermeiro.

A tecnologia modifica o modo de vida e determina influências em diversos campos, social, econômico e ambiental, impactando nos estilos de vida, exercendo controle cultural e social sobre o ser humano(5). No trabalho da enfermagem houve mudanças significativas, mormente nos cuidados intensivos, repercutindo na infraestrutura do atendimento hospitalar. Por conta da incorporação das tecnologias nos cuidados de enfermagem, observa-se a geração de sentimentos como o medo e angústia e condutas ambivalentes de proximidade ou afastamento do cliente.

A tecnologia em saúde é um fenômeno complexo que gera reflexões e conversações cotidianas sobre as diversas experiências de cuidado ao cliente que dela depende. Nesse sentido, à luz dos conceitos que sustentam uma concepção socioconstrucionista sobre a tecnologia, esta se conforma como objeto de conhecimento psicossociológico, implicando modos de agir específicos no cuidado de enfermagem(6). Portanto, esta pesquisa justifica-se porque compreender como os enfermeiros constroem a ideia sobre a tecnologia e conhecer os elementos que interferem nesta construção nos dará subsídios para entender o modo como ele age perante o cliente, possibilitando a implementação de estratégias futuras tendo em vista a qualidade da assistência. Identificar as representações sociais de enfermeiros sobre a tecnologia aplicada em cuidados intensivos e relacioná-las aos seus modos de agir no cuidado do cliente.

MÉTODO

Estudo descritivo, qualitativo e com aplicação da vertente processual da Teoria das Representações Sociais (TRS). As Representações Sociais (RS) são uma forma de conhecimento prático, estabelecendo os nexos entre o pensamento e as ações dos sujeitos, ajudando-os a se orientarem no mundo(7). Os objetos de representações sociais são socialmente relevantes e fazem parte das conversas cotidianas dos sujeitos sociais. A tecnologia, principalmente a que integra o universo da terapia intensiva, importa para os enfermeiros, mormente para aqueles que lidam com ela nas suas práticas. Há um imaginário sobre as tecnologias usadas na terapia intensiva. Consideradas complexas, admiradas e temidas, se configuram em objeto de representação social por serem relevantes e adquirirem espessura social(8) para o grupo de enfermeiros, justificando a aplicação da teoria das representações sociais na abordagem deste objeto.

O cenário foi a Unidade Cárdio-Intensiva de um hospital federal de grande porte do município do Rio de Janeiro. Esta unidade compunha-se de 30 enfermeiros, sendo este o universo da pesquisa. Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro em atividade no setor de estudo no período da pesquisa; atuar na assistência ao cliente em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca em qualquer turno e aceitar participar da pesquisa. A amostra constou de 24 enfermeiros, pois quatro estavam de férias ou licença e dois recusaram-se a participar. Os sujeitos foram classificados em dois grupos: novatos - com atuação profissional de até dois anos em setores altamente tecnológicos; e veteranos - com atuação profissional superior a dois anos em setores altamente tecnológicos.

Realizou-se entrevista individual, com roteiro de questões semiestruturadas, e 40 horas de observação sistemática da prática dos enfermeiros. Os dados da observação foram registrados em diário de campo e para sua análise aplicou-se a descrição densa, o que implica na interpretação do sujeito e do pesquisador sobre o dado observado(9). Nas entrevistas foram aplicadas as técnicas de análise temática de conteúdo(10). O corpus de dados foi desmembrado em unidades de registro, a partir da ocorrência de temas, obedecendo-se a tendência majoritária de suas aparições. A recorrência da análise foi feita remetendo-se as unidades de registros às unidades de contexto, no delineamento final das categorias empíricas, as quais se agregaram em torno da linguagem tecnológica e seu domínio, evidenciando estratégias de aprendizagem para lidar com a tecnologia.

Os sujeitos foram identificados por códigos alfa-numéricos: E: enfermeiro; N: novato; V: veterano; F: feminino; M: masculino; N: turno de trabalho noturno; D: turno de trabalho diurno; e o número corresponde à ordem sequencial das entrevistas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital dos Servidores do Estado-RJ (protocolo nº 000.298) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados ocorreu no período de dezembro de 2007 a março de 2008.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O enfermeiro novato e o ente desconhecido: a linguagem tecnológica

O encontro com o novo e desconhecido marcou 21 dos 24 depoimentos de novatos e veteranos. Quando se é novato, a tecnologia emerge como um ente desconhecido, novo, estranho, uma vez que o enfermeiro passa a lidar com duas novidades: a própria tecnologia e a atuação em um ambiente desconhecido, assistindo a uma clientela para a qual não tem experiência e na qual sujeito e máquina passam a ser vistos como algo único, pois a tecnologia se incorpora ao cliente.

A princípio foi difícil, era recém-formada, não tinha contato com a tecnologia, a gente sente um pouco de dificuldade. Trabalhar em terapia intensiva é muito novo e você não tem experiência. Às vezes, as pessoas não te explicam direito como funciona (ENFN14).

Logo no início da carreira, trabalhei em CTI pediátrico, fiquei desesperada porque não sabia como trabalhar, vinha de clínica médica. Estar de frente a um aparelho novo, não saber e ter que manusear, porque senão pode (pausa) é a vida daquele paciente que pode ir embora (EVFD7).

O ente desconhecido tem uma linguagem própria, com códigos específicos de manipulação que precisam ser decifrados para seu adequado uso. Seus sons e cores precisam ser interpretados porque a tecnologia tem uma forma peculiar de comunicação e, para lidar com ela, os enfermeiros precisam compreender sua linguagem para aplicá-la no cuidado ao cliente.

Quando você olha de primeira, você vê que tem um paciente ali, totalmente entregue a várias máquinas, e você não sabendo mexer e interpretar os sinais que ela está te dando. No início é uma dificuldade e um desafio entender o que o respirador está tentando te dizer (ENFD10).

A tecnologia mostra-se desconhecida e impossibilita o cuidado apropriado caso não ocorra o processo de familiarização. Para isto, é primordial conhecer sua linguagem. Para cuidar do cliente que depende de tecnologia, o enfermeiro precisa, além dos fundamentos essenciais do cuidado, deter um conhecimento relativo à especificidade da clientela, que neste caso passa pelo manuseio da tecnologia e interpretação de suas informações, de modo a direcionar a assistência. O enfermeiro precisa entender e dominar a linguagem tecnológica de modo que a traduza em prol do cuidado ao cliente. A tecnologia amplifica os sinais que emanam do corpo do cliente e a sua não-compreensão contribui para que o enfermeiro se afaste do cliente.

Você tem que aliar o que a tecnologia traz ao seu uso. Você tem que dominar a tecnologia. Depois que você aprende a dominar, aquela tecnologia não te assusta mais (ENFN14).

Eu acho que foi a necessidade de aprender para poder dominar. Dominar (pausa). Tipo, se acontecer alguma coisa eu sei interagir (EVFN17).

As unidades de registros reafirmam a existência desta linguagem tecnológica e a necessidade do enfermeiro dominá-la. Dominar tecnologias é sinônimo de maior valorização no mercado de trabalho e lhe possibilita maior inserção no campo empregatício.

Quando você vai procurar emprego em uma instituição privada, o currículo conta muito. Ter experiência em unidade intensiva te destaca em relação ao enfermeiro que trabalha em unidade aberta. Você não vai ser tão bem visto quanto uma pessoa que trabalha em um CTI. A tecnologia, na visão das pessoas, te destaca quanto ao trabalho mesmo de enfermagem (ENFD15).

No caso do enfermeiro novato, como não conhece a linguagem tecnológica, falta-lhe o domínio e segurança para cuidar do cliente que está sob aparatos tecnológicos. Esta situação interdita o cuidado a este tipo de clientela.

No início, eu até me impedia de chegar à beira do leito, pelo medo de tocar no cliente e desconectar algo e eu não saber o que e como fazer. Chorei várias vezes (risos) e enfrentei. Tinha um livrinho de bolso, mas nada serviu porque a prática é no dia-a-dia. Eu vejo nesses enfermeiros recém-formados o medo de chegar perto do leito, de fazer higiene, curativo (EVFN12).

A tecnologia se constitui para o enfermeiro novato como um obstáculo que o impede de desempenhar sua função precípua, que é cuidar do cliente. A representação da tecnologia vai se construindo como se ela fosse uma adversária ou inimiga. No processo de formação das representações sociais da tecnologia, os enfermeiros se utilizam de imagens que objetivam a existência desta concepção da tecnologia como algo exótico, que precisa ser decifrado, tornado conhecido para, depois, transformar-se em aliado. Observa-se um elemento de ancoragem quando a figura do novato se aproxima com a de uma criança descobrindo as coisas.

Há de se destacar que não se trata aqui de pessoalizar a tecnologia, uma vez que se entende que ela não é por si, mas depende da presença do ser humano para sua adequada incorporação no cuidado. Contudo, já que seu uso comporta um universo de saberes estruturados para que se alcance determinados objetivos assistenciais, a falta de tais saberes pelo sujeito que a manipula impede-o de atingir os objetivos. Como consequência, a tecnologia passa a ser vista como obstáculo/barreira, ente exótico/desconhecido, em, algumas situações, um inimigo a ser vencido.

Disco voador chegando. Aí todo mundo: Ohhhh o que é aquilo? Eu estou nessa fase. O parque tecnológico baixou na minha frente, estou olhando, abrindo a porta para entrar e conhecer. Busco a informação para conhecer e dominar e me tornar amigo daquele ET [extra-terrestre], o filme do ET (risos). Aquela coisa caiu, todo mundo ficou olhando, então a pessoa tem medo, tem ansiedade. Depois se torna amigo e vê que é humano, é do bem. Tem carinho, é meigo e pode ser usado por qualquer um. Até por criança, desde que seja treinado. A criança seria a pessoa que acabou de chegar, recém-formado ou não, está conhecendo pela primeira vez (ENFN21).

Sabe o que veio a minha cabeça, é uma doideira, mas eu pensei em uma selva, porque assim, no início a pessoa que está começando se sente numa selva, cheia de bichos, aparelhagens, leões, zebras, girafas, isso tudo, uma selva mesmo cheia de bichos te olhando, quase te atacando. Criam uma imagem que com a prática, vê que não é esse bicho de sete cabeças (EVFD5).

Ao estabelecer relações entre o conhecimento e a experiência, compreende-se que a experiência na enfermagem fornecerá a proficiência (expertise), a autoridade intelectual e científica que pode ser entendida como a associação entre o conhecimento teórico e da prática e que, por sua vez, distingue a enfermeira(2). Em virtude da complexidade do cuidado na terapia intensiva, pela presença de recursos tecnológicos cada vez mais avançados, os enfermeiros precisam de um desempenho técnico e científico com maior atenção. A experiência orienta o modo de cuidar do enfermeiro, de tal modo que a qualidade do cuidado se relaciona com a experiência da enfermeira e seu feeling, ou seja, suas impressões adquiridas a partir da experiência profissional(11).

A inserção de um enfermeiro que não tem experiência numa área especializada representa a transição de um mundo social conhecido para um desconhecido, marcado por inquietações e mudanças. Nesta etapa de modificações, o novato sente-se despreparado para lidar com situações específicas, havendo uma discrepância entre o que ele sabe e faz para aquilo que deverá saber e fazer(12). A novidade produz vivências marcadas por extremos de sentimentos e valores, atitudes e comportamentos, pensamentos e práticas, os quais vão desde uma conotação positiva até uma negativa, como a raiva e a revolta(12). O impacto do encontro com o novo pode encorajar o enfermeiro a vivenciar a mudança ou levá-lo à desistência.

Reconhece-se que os sujeitos interpretam de maneira diferente as situações ou objetos que se deparam no cotidiano. Desse modo, não se comportam da mesma forma frente a um fenômeno que permanece idêntico, isto é, eles se organizam conforme as suas representações(7).

Neste sentido, os enfermeiros novatos constroem representações sociais sobre a tecnologia de maneira diferente dos veteranos. Os novatos relacionam a tecnologia a um obstáculo ao desempenho de sua profissão. Por conta da falta ou pouco saber, não conseguem se aproximar do cliente para praticar o que deveria estar preparado para fazer: o cuidado. Esse obstáculo se objetiva nas comparações da tecnologia com algo que lhe é estranho, desconhecido e pouco comum, utilizando-se de metáforas como bicho de sete cabeças, monstros, disco voador, ser extraterrestre, quase como inimigos a serem dominados, de modo a tornar possível o cuidado na presença da tecnologia.

A representação social constitui-se num ato de pensamento pelo qual um sujeito se relaciona com um objeto. É re-apresentar, tornar presente ao espírito, à consciência, um ato de pensamento que restitui simbolicamente algo ausente, que reaproxima algo distante. Um dos processos que concorre para a elaboração desta representação é a objetivação. Objetivar significa se utilizar de imagens para dar concretude a noções abstratas, dar textura material às ideias, dar corpo a esquemas conceituais(7). Ao associar a imagem das tecnologias em uso no cliente a entes exóticos, o enfermeiro restitui o entendimento de que numa luta entre dois combatentes adversários é preciso vencer o inimigo, através das armas que lhe estão disponíveis. Neste caso, a arma refere-se à apreensão do conhecimento - o da máquina e o da enfermagem - que lhe possibilite dominar a tecnologia e se aproximar do cliente para cuidá-lo.

Amparadas em tais elementos, as representações construídas sobre a tecnologia levam o novato a entendê-la como não aliada; logo, não consegue utilizá-la a seu favor no cuidado à clientela, por não compreender sua linguagem. Esta falta/déficit de conhecimento se coaduna com a possibilidade desta tecnologia tornar-se sua inimiga (não aliada), podendo ocasionar malefícios ao cliente que depende dela, pelo seu mau ou inadequado uso, não trazendo as vantagens esperadas.

Quando questionados sobre se a tecnologia trazia algum malefício, nove entrevistados (três novatos e seis veteranos) destacaram que os malefícios só acontecem quando o enfermeiro não sabe manusear a tecnologia. Para um terço dos entrevistados, a tecnologia em si não causa malefícios: estes ocorrem na dependência do uso correto pelo usuário.

Quando o profissional não sabe manusear o aparelho, pode trazer malefícios, não conhece ou se usa inadvertidamente, se aquele cliente não precisa de determinado aparelho, então você está usando sem saber, não é o momento de usar aquilo, pode trazer algum malefício (EVFD6).

Os dados da observação de campo mostram que o não-domínio da linguagem tecnológica pode trazer implicações diretas para a manutenção da vida do cliente, pois, em uma das cenas registradas, identifica-se a de um cliente sob uso de um monitor multiparamétrico que revelava pressão arterial de 180 x 90mmHg, traçado eletrocardiográfico compatível com uma arritmia cardíaca. O cliente demonstrava sinais de angústia, tensão e ansiedade. O enfermeiro entra no boxe, observa a terapêutica administrada por bomba infusora, se distancia do leito e nada identifica.

Não deter o conhecimento para lidar com a tecnologia significa não dominar sua linguagem e a ter como estranha. O estranho é o desconhecido; aquilo que não reconhecemos, por vezes, assusta, amedronta ou nos é insignificante, como a exemplo do relato da observação de campo. O medo justifica-se por não saber manusear ou não dar resolução às situações que venham a acontecer com o cliente, comprometendo o seu quadro clínico e evolução terapêutica. Sobre essa experiência do medo amparada na falta do conhecimento, houve nove ocorrências nos depoimentos de novatos e 11 nos dos veteranos.

No início, se você não sabe como lidar com aquilo, te mete medo, o desconhecido assusta. O medo existe sim por você não saber manusear, algo desconhecido na sua vida (EVFD7).

O medo é não saber lidar com a tecnologia, haver uma intercorrência e não saber como agir. A pessoa prefere ficar com outro paciente que teoricamente ela sabe o que fazer (ENFD15).

A insegurança constitui-se num sentimento natural vivenciado pelo enfermeiro quando está diante de uma situação nova que precisa ser enfrentada. Esta insegurança, inclusive, é algo que pode ajudá-lo no processo de tomada de decisões, pois o obriga a pensar nos prós, contras e nas consequências das suas escolhas. A insegurança possui várias causas, sendo a principal delas relacionada à pressão psicológica, isto é, ao fato de fazer algo que ainda não sabe ou que não possui o conhecimento suficiente que lhe propicie substância nas ações(12).

Desvelando o ente desconhecido: do letramento tecnológico ao domínio

Para dominar a linguagem tecnológica e cuidar integralmente do cliente que depende da tecnologia, o novato necessita de aprender todos os códigos de manipulação e os modos de comunicação da tecnologia. Precisa passar por um processo de letramento tecnológico, que envolve a adoção de uma série de estratégias, de modo a superar os obstáculos que a tecnologia lhe impõe. Um dos meios diz respeito à aquisição de conhecimentos, o que requer disponibilidade.

Tem que ter disponibilidade para conhecer sobre a tecnologia, saber operá-la. Não adianta atuar num setor deste se não souber utilizar a tecnologia a seu favor (ENFD1).

Frente a esta necessidade de aprender sobre a tecnologia, que o possibilite a cuidar do cliente que dela depende, há dois grupos de enfermeiros: o dos que querem e o dos que não querem dominá-la. Entre os que a querem dominar, o processo de letramento se inicia pelo enfrentamento do medo, acompanhado pela adoção de estratégias para conhecer o aparato para poder dominá-lo.

Com o tempo, perdi o medo e resolvi realmente enfrentar, à beira do leito, eu realmente arregacei a manga e comecei a atuar. Foi enfrentando o medo, desligando e ligando o monitor, respirador alarmando, chamando as pessoas: Me ensina: por que está alarmando? (EVFN12).

Quando o enfermeiro se sensibiliza com um problema que foi identificado no seu cotidiano de trabalho, surge a motivação para aprender e transformar. Esta motivação emerge da prática, guardando relações com a identidade do profissional(13). Contudo, admite-se que os enfermeiros também vivenciem sentimentos como o de negação, que passa a interferir de tal maneira que eles, frente à novidade que precisa ser aprendida, adotem um comportamento de descrença, não demonstrando interesse em movimentar-se diante desta realidade inovadora(12).

Para apreensão de conhecimentos, adotam estratégias de cunho formal: novos aprendizados em treinamentos e cursos de aperfeiçoamento; e informal: aliança com enfermeiros mais experientes no domínio dos recursos tecnológicos disponíveis, estratégia identificada no depoimento de 15 sujeitos, entre novatos e veteranos; e aproximação do maquinário.

A partir das experiências práticas e conhecimentos acumulados durante a vida profissional do enfermeiro experiente, o novato apreende elementos que futuramente irão alicerçar sua atuação e fornecerão subsídios para cuidar do cliente sob uso de tecnologias.

Sempre que tenho dúvida, peço ajuda a alguém. As enfermeiras que trabalharam comigo, mais antigas, que já tinham experiência, foram as que me ajudaram (EVFD5).

Eu tentei me ligar às pessoas nas quais eu via uma maior inteiração com a máquina, as pessoas que entendiam a máquina, pedia para elas me explicarem e qualquer dúvida que eu tinha no momento, se eu não soubesse o que era eu chamava a pessoa para me explicar (ENFD10).

Os enfermeiros veteranos funcionam como uma espécie de tradutores da linguagem das máquinas, que precisa ser desvelada, conduzindo os novatos no cuidado ao cliente, até que estes se encontrem letrados e aptos a assumirem a responsabilidade pela assistência de enfermagem.

Hoje eu tenho experiência e ajudo as pessoas que não têm, estão chegando novos, não conhecem, porque você se deparar com um paciente grave e não saber é complicado (EVFD5).

Uma estratégia informal adotada por seis enfermeiros entrevistados se refere a um maior contato estabelecido com a máquina na tentativa de desvelá-la, conhecer seus significados, revelar suas nuances e particularidades para que possa ser utilizada a favor do cliente como uma aliada do cuidado. O enfermeiro mexe na máquina e a observa, buscando por seus códigos de manipulação, modos de uso, os significados dos elementos que a compõe e os detalhes de seu funcionamento.

Para aprender e entender, na hora que a máquina está parada sem paciente, ligar, mexer, entender mesmo, saber o que é que eu estou utilizando como facilitador do meu cuidado (ENFD1).

Eu procuro, lidando com o equipamento, tirar as minhas dúvidas nos momentos vagos. Não estar vendo só com os colegas, mas eu mesma vendo mais de perto o equipamento (EVFD2).

As estratégias de aprendizagem utilizadas pelas pessoas dependem do tempo de experiência com determinada tarefa ou função. Quando iniciante na profissão, ou no primeiro contato com uma situação nova, o enfermeiro busca aprender através de modelos, tentando encontrar elementos que assegurem a reprodução das rotinas de serviço(13). O enfermeiro novato, pelo fato de não ter experiência, busca aprender reproduzindo. Assim, numa etapa inicial, procura conhecer as regras, normas e rotinas do serviço, para que posteriormente, a partir da experiência advinda com o tempo, consiga questionar determinadas situações vivenciadas(2).

Para diminuírem a insegurança, os novatos atuam de forma guiada, através de rotinas que sistematizem os procedimentos ou por intermédio de um enfermeiro experiente. Tais mecanismos os ajudam a aprender de forma mais suavizada e menos traumática(12).

Dentre as estratégias formais, houve 11 ocorrências nos depoimentos relacionadas à busca por informações de cunho científico acerca do cuidado aos clientes nas mais diversas condições clínicas e cirúrgicas e sobre a tecnologia como instrumental no cuidado. Tal busca é feita nos cursos de aperfeiçoamento, atualização e especialização, em congressos e livros.

Estudo e pesquiso na Internet, manual do aparelho é algo que descobri. Ajuda muito pegar o manual e ver como é o funcionamento do aparelho. Tem uma pessoa que em uma semana conseguiu ler uns três livros de cardiologia. Algumas pessoas estão se dedicando a estudar mesmo por conta própria, uma já está procurando fazer uma pós (ENFD15).

As leituras sobre as situações específicas vivenciadas no cotidiano têm o intuito de ampliar a teorização sobre os assuntos, de modo a melhor direcionar as ações de cuidado profissional, e integram o conjunto de estratégias formais para lidarem com o desconhecido, na tentativa de superar o senso comum sobre a tecnologia, integrando-as no universo reificado (da ciência).

Os enfermeiros que investem no letramento tecnológico passam por um processo de mudança, que envolve pensamentos e práticas. O novato, ao aprender sobre as aparelhagens utilizadas no cuidado, muda as condições de produção dos discursos e, consequentemente, seus modos de agir, caracterizando o processo de transição de saberes, que vai do universo consensual ao reificado. A informação obtida repercute-se nos processos de objetivação, já que as fases de descontextualização normativa, formação de núcleo figurativo e naturalização partem de outra referência e, consequentemente, encontram outro solo para a ancoragem(7).

Entre os que não se dispõem a dominar a tecnologia, observa-se a manutenção do comportamento de afastamento do cliente. Nos momentos em que se faz necessário manusear a tecnologia, estes enfermeiros se retiram da linha de frente do cuidado. Agindo assim, não avançam no processo de construção do conhecimento, não naturalizam e não dominam a tecnologia.

Tem pessoas que, quando você vai fazer escala, procuram evitar ficar com pacientes que são mais dependentes de tecnologia, têm dificuldades, medo e preferem recuar (ENFD15).

Alguns tentam adquirir o conhecimento, a experiência adequada e ao longo dos plantões vão evoluindo. Outros parecem que não têm interesse, não se adaptaram e procuram se afastar desses pacientes. Procuram pacientes que dependam menos de tecnologia (EVMD19).

Há os enfermeiros que não se afastam do cliente, mas assumem uma postura acomodada, sem buscar o conhecimento necessário para cuidar do cliente e realizam a assistência sem embasamento científico, o que aumenta a possibilidade de riscos ao cliente.

Há outros que se mantêm na mesma situação, fazendo por fazer. As pessoas emburrecem, fazem aquilo o resto da vida, não sabem o porquê e nem se o que faz está certo (EVFN17).

Esta questão mostra-se delicada e os enfermeiros, ao falarem sobre este tema, o da opção pelo não-domínio, não assumem este comportamento para si, mas falam em relação aos outros. Dentre os fatores que justificam este tipo de escolha destaca-se o fato de o enfermeiro estar trabalhando em um setor que não é o de sua preferência. Como se encontra num ambiente com o qual não se identifica, não se sente estimulado a conhecer as novidades que se apresentam no cotidiano de trabalho. Outro aspecto é o do acolhimento do novato pelos colegas do setor em que ele está ingressando. Conjectura-se que o mau acolhimento seja um obstáculo para que o novato se dedique ao aprendizado sobre a tecnologia e se aproxime do cliente sob seu uso.

Por fim, gostar do tipo de assistência prestada, da clientela e da tecnologia aparece como determinante para impulsionar o enfermeiro de forma positiva diante das situações desafiadoras do dia-a-dia do cuidado. O processo de naturalização ocorre quando o enfermeiro passa pelo letramento tecnológico e chega ao domínio. Quem não investe neste processo continua entendendo a tecnologia como uma estranha e não consegue lidar com ela.

Pode acontecer de ter pessoas que vêm um monitor a vida inteira, você pedir para fazer alguma alteração e ela não saber. Convive com a tecnologia e não sabe manusear (EVFD3).

O domínio: o olhar tecnológico

Os enfermeiros que cumpriram o letramento e alcançaram o domínio da linguagem tecnológica se credenciam para o manuseio adequado da tecnologia e conseguem cuidar do cliente. Atingem um patamar no qual a tecnologia deixa de ser uma inimiga que desperta sentimentos indesejáveis e se torna uma aliada que pode ser usada em benefício do cliente e do profissional.

Pode provocar medo quando não a domina, é algo desconhecido, mas quando é revelada, compreendida, assimilada, deixa de ser, de causar medo e acaba sendo uma aliada (EVMN13).

Mas mudou da seguinte forma: eu aprendi a lidar, aprendi a perder o medo que eu tinha de trabalhar com a tecnologia. Então, o que mudou em mim foi isso: perder o medo e cuidar melhor do paciente que precisa ser assistido com a tecnologia (ENFN14).

No momento em que o enfermeiro atinge o estágio de domínio, as novidades tecnológicas não mais se configuram como entes desconhecidos, pois por mais que as máquinas se renovem, conseguem ancorar o novo naquilo que já lhe é familiar, ou seja, nas experiências anteriores de contato com a tecnologia.

Várias vezes chegam equipamentos que eu não sei mexer. Aquilo não vai explodir na sua mão, você consegue desvendar, ir além e tornar aquilo a seu favor, um aliado (ENFD11).

Esta unidade de registro exemplifica um dos processos de elaboração da representação social - ancoragem -, através da qual é atribuído o sentido da representação, instrumentalizando o saber e permitindo o enraizamento em um sistema de pensamento. A ancoragem promove uma rede de significados que possibilita atribuir coerência, instituindo o pensamento antecipado sobre o objeto a partir dos valores sociais. O sujeito faz um trabalho de memória em que o pensamento em construção se ampara naquele já constituído, organizando o novo nos quadros antigos, no que já é conhecido(7).

Quando o enfermeiro adquire o saber teórico-prático que o habilita a cuidar do cliente sob tecnologia, se sente mais seguro com tais recursos, o que lhe dá tranquilidade e conforto na assistência aos clientes. A segurança proporcionada pelas mais variadas tecnologias no ambiente de cuidado justifica-se, pois, ao conseguir dominá-las, consegue aplicá-las em benefício do paciente.

Ao dominar as tecnologias, o enfermeiro consegue substanciar a sua avaliação clínica por um segundo olhar, semelhante ao de uma sentinela avançada, que seria então o olhar tecnológico, que amplia a capacidade de seus sentidos quando assiste clientes críticos, deixando-o mais seguro e confiante nas tomadas de decisão. A tranquilidade e a segurança experimentadas pelo enfermeiro que domina a tecnologia apareceram claramente citadas nos depoimentos de cinco sujeitos.

Te deixa mais tranquila porque você não está vendo só com o seu olho. Você tem dados da tecnologia em si, que está te mostrando. Deixa mais tranquila para lidar com o paciente, quando se sabe mexer com aquilo tudo. Se você não souber, vai se sentir inseguro (ENFN23).

Eu me sinto segura frente a essas tecnologias porque eu sei que elas me dão uma certeza maior, um parâmetro melhor para observar a hemodinâmica do paciente, para ter certeza do que está acontecendo, eu sinto uma segurança grande em ter esse tipo de aparato comigo (ENFD10).

O uso da tecnologia no processo diagnóstico-terapêutico traz precisão, rapidez e segurança(14) e seu domínio traz benefícios aos clientes quando o enfermeiro diagnostica alterações no quadro hemodinâmico, interpreta as informações dos aparelhos, prontamente intervém em uma intercorrência, acompanha sua evolução clínica e redireciona a assistência. Tais benefícios foram citados nos depoimentos de 13 entrevistados.

A tecnologia influencia na precisão de sinais e sintomas do paciente, detecção rápida das situações, o diagnóstico tende a ser preciso, o tratamento imediato e adequado (EVMD19).

Na observação de campo detectou-se que quando o enfermeiro domina a tecnologia e a usa corretamente, esta o auxilia na identificação das alterações clínicas do cliente, liberando-o para a realização de outras tarefas inerentes ao cuidado ou o deixa mais relaxado. A tecnologia amplia a capacidade dos sentidos do enfermeiro para identificar possíveis alterações na clínica do cliente, sendo assim entendida como um meio que possibilita o cuidado de enfermagem.

Observou-se, ainda, que a tecnologia reduz o tempo e o esforço na realização das tarefas e do cuidado, aumentando a eficiência dos enfermeiros porque facilita seu trabalho. Na medida em que agiliza, traz maior precisão e rapidez nas ações, propiciando maior tempo para a equipe de enfermagem se dedicar ao cuidado, melhorando a qualidade da assistência(11).

As representações sociais dos enfermeiros que atingiram o domínio da tecnologia ou que já se encontravam neste patamar trazem a perspectiva de que ela seja sua aliada no cuidado, objetivada pelo emprego da imagem de um olho, que seria o olhar tecnológico. O domínio permite traduzir o olhar da máquina de tal maneira que, baseado no seu conhecimento e interpretações, conduz-se a assistência de enfermagem ao cliente, integrada com a equipe multiprofissional. Ao naturalizar a tecnologia e aplicá-la no cuidado, o enfermeiro cumpre com suas responsabilidades de forma mais autônoma. Responde por suas ações e decisões, fazendo fluir o processo de trabalho em cooperação com a equipe e agregando valor a esta. Os resultados da pesquisa mostraram que a aprendizagem adquirida com o processo de letramento tecnológico muda a posição do enfermeiro no espaço do cuidado. Com mais autonomia, opera de forma segura o seu objeto de trabalho - cuidado - na interface com a tecnologia.

CONCLUSÃO

As representações sociais da tecnologia se dão amparadas no saber/conhecimento especializados necessários para o seu manuseio, assim como toma como referência o tempo de experiência no seu manejo. O saber especializado (tecnológico + cuidado), advindo da experiência profissional, configura-se como elemento fundamental na compreensão do modo como o enfermeiro irá construir o pensamento sobre a tecnologia. Isto porque o novato elabora o pensamento sobre a tecnologia compreendendo-a como uma inimiga/estranha, bicho de sete cabeças, como uma ameaça ao enfermeiro. Consequentemente, age de forma dependente, e interdita o cuidado ao cliente. Já o veterano representa a tecnologia como uma aliada, um olhar/sentinela, como algo que lhe é favorável e, em razão disso, age de forma independente, se utilizando da tecnologia em suas ações.

Há um período de desvelamento do novato com a linguagem da tecnologia. Ao atingir o domínio desta linguagem, familiariza-se com o estranho. Mas, até chegar ao domínio e utilizar a tecnologia como ferramenta complementar no cuidado, o mesmo vivencia formas de lidar que lhes são próprias e características, bem como adota estratégias de enfrentamento das dificuldades e que, a depender da forma como estas etapas se desenvolvem, a atuação deste enfermeiro novato pode trazer implicações na assistência ao cliente.

As representações sociais dos enfermeiros sobre a tecnologia repercutem no cuidado e orientam formas particulares/modos de agir dos enfermeiros - novatos e veteranos. Logo, o fato de o enfermeiro se aproximar ou se afastar do cuidado do cliente em uso de tecnologias é orientado pelas representações sociais que tem sobre elas. Tais formas particulares de agir dos enfermeiros apresentam características opostas: afastamento/aproximação, medo/segurança, malefícios/benefícios, desconhecido/familiaridade. Estes elementos impactam na qualidade da assistência ao cliente, com repercussões positivas e negativas, sobretudo em termos de riscos e benefícios.

Os impactos de uma assistência prestada por um profissional não qualificado perpassam pelo negligenciamento/subutilização do uso da tecnologia no cuidado, assim como o uso não fundamentado da mesma pode prejudicar a saúde do cliente de modo irreversível, visto que se encontra num quadro em que suas funções vitais estão suscetíveis a rápidas mudanças.

Assim, a relevância desta pesquisa reside em mostrar a importância da utilização de critérios na política de contratação/admissão de enfermeiros, considerando as especificidades do cenário e clientela a ser atendida. Em termos de aplicação prática, esta pesquisa revela os elementos constitutivos das formas de agir dos enfermeiros novatos, fornecendo subsídios para intervenções, no sentido de minimizar os impactos da inserção deste profissional quando no momento de sua admissão numa instituição, através da adoção de estratégias que o façam assumir uma posição transformadora, crítico-reflexiva frente ao cuidado do cliente que depende de tecnologia. Atribui-se, pois, aos gerentes a responsabilidade de assegurarem que o enfermeiro tenha conhecimentos e habilidades que são exigidos como requisitos para cuidar do cliente criticamente enfermo.

Ratifica-se a relevância da experiência profissional e qualificação especializada, as quais devem ser ressignificadas no atual contexto de contratação de enfermeiros, sobretudo na esfera pública. Os cursos de graduação em Enfermagem precisam se envolver cada vez mais com um processo de formação de profissionais que atendam às necessidades do mercado de trabalho, principalmente no que se refere à aplicação da tecnologia no cuidado e seu adequado domínio.

Recebido: 26/09/2009

Aprovado: 28/02/2011

Pesquisa financiada pela CAPES

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  • Endereço para correspondência:

    Rafael Celestino da Silva
    Av. N. S. de Copacabana, 1181 - Apto 504 - Copacabana
    CEP 22070-010 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "A tecnologia e o enfermeiro no ambiente da Terapia Intensiva: um encontro mediado pelas representações sociais", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2009
    • Aceito
      28 Fev 2011
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