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Qualidade de vida, ansiedade e depressão de pacientes com câncer de cabeça e pescoço: estudo clínico randomizado* Financial support Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Process no. 2015/09139-7.

Resumo

OBJETIVO

Avaliar um programa educativo baseado nos princípios do autogerenciamento com programa educativo convencional, por meio de instrumentos de qualidade de vida, ansiedade e depressão em período de 12 meses transcorridos do início do tratamento.

MÉTODO

Estudo experimental, randomizado, controlado, realizado com pacientes com câncer de cabeça e pescoço, tratados em hospital universitário do município de São Paulo. Os pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: grupo controle, submetido ao plano educativo convencional, e grupo experimento, submetido ao plano educativo para o autogerenciamento. Para as análises empregaram-se estatísticas descritiva e analítica, utilizando-se o teste t, o teste exato de Fischer e ANOVA de Medidas Repetidas.

RESULTADOS

Foram selecionados 20 pacientes. A maioria dos participantes foi do sexo masculino, em estádios avançados de doença e submetidos a três modalidades terapêuticas. O grupo controle apresentou queda gradual dos escores de qualidade de vida no transcorrer do tratamento, enquanto o grupo experimento aumentou progressivamente. A correlação foi significativa entre a presença de sintomas de ansiedade e depressão e baixa qualidade de vida. Pacientes do grupo controle apresentaram piora significativa do bem-estar social/familiar (P = 0,02) e da prevalência de preocupações adicionais relacionadas ao câncer de cabeça e pescoço (P = 0,01), enquanto o grupo experimento apresentou redução dos sintomas de ansiedade (P = 0,001) e melhora do bem-estar emocional (P = 0,01).

CONCLUSÃO

A intervenção educativa pautada na construção de habilidades para o autogerenciamento favoreceu a qualidade de vida e reduziu a ansiedade e a depressão. Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (RBR 2q53ct).

Descritores:
Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Autocuidado; Educação em Saúde; Qualidade de Vida; Ansiedade; Enfermagem Oncológica

Abstract

OBJECTIVE

To evaluate an educational program based on the principles of self-management with a conventional educational program through quality of life, anxiety and depression instruments within 12 months of starting cancer treatment.

METHOD

An experimental, randomized, controlled study conducted with head and neck cancer patients treated at a university hospital in the city of São Paulo, Brazil. Patients were randomly divided into two groups: the control group submitted to the conventional educational plan, and the experimental group submitted to the educational plan for self-management. Descriptive and analytical statistics were used for the analyzes using the t-test, Fischer’s exact test and Repeated Measures ANOVA.

RESULTS

Twenty (20) patients were selected. Most participants were male, in advanced stages of disease and undergoing three therapeutic modalities. The control group showed a gradual decrease in quality of life scores during treatment, while the experimental group progressively increased. The correlation was significant between the presence of anxiety and depression symptoms and poor quality of life. Patients in the control group had a significant worsening in social/family well-being (P = 0.02) and the prevalence of additional head and neck cancer-related additional concerns (P = 0.01), while the experimental group had reduced anxiety symptoms (P = 0.001) and improved emotional well-being (P = 0.01).

CONCLUSION

The educational intervention based on building self-management skills favored quality of life and reduced anxiety and depression. Brazilian Registry of Clinical Trials (RBR 2q53ct).

Descriptors:
Head and Neck Neoplasms; Self Care; Health Education; Quality of Life; Anxiety; Oncology Nursing Inhalation

Resumen

OBJETIVO

Evaluar un programa educativo basado en los principios de la autogestión con programa educativo convencional, mediante instrumentos de calidad de vida, ansiedad y depresión en período de 12 meses transcurridos desde el inicio del tratamiento.

MÉTODO

Estudio experimental, randomizado controlado, llevado a cabo con pacientes con cáncer de cabeza y cuello, tratados en hospital universitario del municipio de São Paulo. Los pacientes fueron divididos aleatoriamente en dos grupos: grupo control, sometido al plan educativo convencional, y grupo experimento, sometido al plan educativo para la autogestión. Para los análisis se empleó estadística descriptiva y analítica, utilizándose la prueba t, la prueba exacta de Fischer y ANOVA de Medidas Repetidas.

RESULTADOS

Fueron seleccionados 20 pacientes. La mayoría de los participantes fue del sexo masculino, en estadíos avanzados de enfermedad y sometidos a tres modalidades terapéuticas. El grupo control presentó caída gradual de los scores de calidad de vida en el trascurso del tratamiento, mientras que el grupo experimento incrementó progresivamente. La correlación fue significativa entre la presencia de síntomas de ansiedad y depresión y la baja calidad de vida. Pacientes del grupo control presentaron empeoramiento significativo del bienestar social/familiar (P = 0,02) y de la prevalencia de preocupaciones adicionales relacionadas con el cáncer de cabeza y cuello (P = 0,01), mientras que el grupo experimento presentó reducción de los síntomas de ansiedad (P = 0,001) y mejora del bienestar emotivo (P = 0,01).

CONCLUSIÓN

La intervención educativa basada en la construcción de habilidades para la autogestión favoreció la calidad de vida y redujo la ansiedad y la depresión. Registro Brasileño de Ensayos Clínicos (RBR 2q53ct).

Descriptores:
Neoplasias de Cabeza y Cuello; Autocuidado; Educación en Salud; Calidad de Vida; Ansiedad; Enfermería Oncológica

Introdução

O câncer de cabeça e pescoço tem impacto global de mais de 600 mil casos novos a cada ano. No Brasil, encontra-se entre os dez tipos mais frequentes de câncer, atingindo cerca de 1,7% da população11. Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil Internet . Rio de Janeiro: INCA; 2017 citado 2018 jul. 05 . Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2018-incidencia-de-cancer-no-brasil.
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. O câncer de cabeça e pescoço abrange os tumores malignos do trato aerodigestivo superior, sendo 80% das causas atribuídas a influências ambientais, especialmente relacionadas ao estilo de vida, sobretudo o consumo de álcool e tabaco, fatores etiológicos bem estabelecidos e preponderantes nos portadores dessa afecção11. Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil Internet . Rio de Janeiro: INCA; 2017 citado 2018 jul. 05 . Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2018-incidencia-de-cancer-no-brasil.
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. As intervenções terapêuticas, isoladas ou combinadas, normalmente resultam em deficiências funcionais e estéticas significativas, que impactam a qualidade de vida (QV) e a adaptação biopsicossocial11. Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil Internet . Rio de Janeiro: INCA; 2017 citado 2018 jul. 05 . Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2018-incidencia-de-cancer-no-brasil.
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.

Evidências sugerem que o provimento de informações, conhecimentos e habilidades sobre o tratamento e suas consequências torna o paciente mais ativo e participante, reduz os sintomas de ansiedade e depressão (AD), bem como melhora a QV22. Schulman-Green D, Jaser S, Martin F, Alonzo A, Grey M, McCorkle R, et al. Processes of self-management in chronic illness. J Nurs Scholarsh. 2012;44(2):136-44. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.2012.01444.x.
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. As ações educativas em saúde são práticas de ensino e aprendizagem desenvolvidas com a finalidade de capacitar o indivíduo a analisar criticamente sua realidade, estimulando a busca por soluções e tomada de decisões para os problemas vivenciados no processo saúde-doença33. Malta DC, Neto OLM, Silva MMA, Rocha D, Castro AM, Reis AAC, et al. National Health Promotion Policy (PNPS): chapters of a journey still under construction. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(6):1683-94. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015216.07572016.
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.

Dentre as concepções atuais, destaca-se o autogerenciamento (self-management) como um conceito estratégico para ações educativas voltadas para a construção de habilidades no paciente, seu familiar e/ou cuidador para a tomada de decisão sobre diferentes aspectos da condição de adoecimento na cronicidade, sejam eles biológicos, psicossociais e/ou espirituais, numa relação de respeito e planejamento mútuos44. McCorkle R, Ercolano E, Lazenby M, Schulman-Green D, Schilling LS, Lorig K, et al. Self-management: enabling and empowering patients living with cancer as a chronic illness. CA Cancer J Clin. 2011;61(1):50-62. DOI: http://dx.doi.org/10.3322/caac.20093.
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. Em estudo recente de revisão sistemática, a síntese qualitativa narrativa sugeriu que as intervenções educativas para o autogerenciamento melhoraram os sintomas de fadiga, dor, AD e sofrimento emocional e aumentaram a percepção de QV em pacientes diagnosticados com câncer55. Howell D, Harth T, Brown J, Bennett C, Boyko S. Self-management education interventions for patients with cancer: a systematic review. Support Care Cancer 2017;25(4):1323-55. DOI: https://doi.org/10.1007/s00520-016-3500-z.
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A educação para o autogerenciamento deve incluir objetivos de ensino que primem por tornar o paciente capaz de conduzir as situações inerentes a seu diagnóstico, tratamento e reabilitação66. Leppla L, De Geest S, Fierz K, Deschler-Baier B, Koller A. An oral care self-management support protocol (OrCaSS) to reduce oral mucositis in hospitalized patients with acute myeloid leukemia and allogeneic hematopoietic stem cell transplantation: a randomized controlled pilot study Support Care Cancer. 2016;24(2):773-82. DOI: https://doi.org/10.1007/s00520-015-2843-1.
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. De acordo com os objetivos de aprendizado pretendidos, como informar, conhecer, gerar habilidades e atitudes, devem-se escolher estratégias isoladas ou combinadas, estas últimas demonstrando melhores resultados, como as associações entre orientações verbais, demonstrações e simulações, materiais por escrito (cartilhas/folhetos), conteúdos por meio de vídeos, e consultas multiprofissionais presenciais ou por meio de telefonia ou website44. McCorkle R, Ercolano E, Lazenby M, Schulman-Green D, Schilling LS, Lorig K, et al. Self-management: enabling and empowering patients living with cancer as a chronic illness. CA Cancer J Clin. 2011;61(1):50-62. DOI: http://dx.doi.org/10.3322/caac.20093.
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5. Howell D, Harth T, Brown J, Bennett C, Boyko S. Self-management education interventions for patients with cancer: a systematic review. Support Care Cancer 2017;25(4):1323-55. DOI: https://doi.org/10.1007/s00520-016-3500-z.
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-66. Leppla L, De Geest S, Fierz K, Deschler-Baier B, Koller A. An oral care self-management support protocol (OrCaSS) to reduce oral mucositis in hospitalized patients with acute myeloid leukemia and allogeneic hematopoietic stem cell transplantation: a randomized controlled pilot study Support Care Cancer. 2016;24(2):773-82. DOI: https://doi.org/10.1007/s00520-015-2843-1.
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.

Os pacientes com câncer de cabeça e pescoço apresentam extensas demandas de cuidados nos primeiros meses do tratamento, por se encontrarem, invariavelmente, em recuperação cirúrgica de grande porte, com artefatos clínicos como traqueostomias e alimentação enteral, por meio de sonda nasoentérica ou gastrostomia, com perdas funcionais temporárias ou definitivas. Sob essa perspectiva, partiu-se da premissa de que a educação para o autogerenciamento, na presente investigação, deveria agregar estratégias que associassem os sentidos de forma planejada e intencional, por meio de consulta multiprofissional integrada, na qual paciente e familiar pudessem dialogar com médico e enfermeira no mesmo espaço físico, com a disponibilidade de material educativo multimídia (vídeo e impresso), além da simulação de procedimentos, para que os pacientes adquirissem conhecimentos, habilidades e atitudes e conseguissem manejar as situações normais e de risco advindas do processo de adoecimento pelo câncer.

Assim, definiu-se a pergunta de estudo: a exposição a um programa educativo baseado nos princípios de autogerenciamento diminui os níveis de AD e melhora a percepção de QV desses pacientes? O objetivo foi avaliar um programa educativo baseado nos princípios do autogerenciamento de forma comparativa por meio de instrumentos de QV e AD.

MÉTODO

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo experimental, randomizado e controlado, com acompanhamento de 12 meses77. Polit DF, Beck CT. Fundamentos da pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 7a ed. Porto Alegre: ArtMed; 2011., realizado na cidade de São Paulo (SP, Brasil), no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (HSP-Unifesp).

População

A população do estudo foi composta por pacientes recém-diagnosticados com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço, os quais iniciaram o tratamento oncológico na instituição supracitada. A amostra foi composta por pacientes elegíveis no período entre outubro de 2015 e abril de 2016 e os dados foram coletados entre outubro de 2015 e abril de 2017. Os seguintes critérios de inclusão foram considerados: idade entre 18 anos e 80 anos, recém-diagnosticados com tumores malignos do trato aerodigestivo superior, atendidos no ambulatório supracitado e submetidos à primeira linha de tratamento oncológico. Foram excluídos os pacientes que realizaram alguma etapa do tratamento em outra instituição ou que apresentavam diagnóstico de transtorno psiquiátrico documentado no prontuário médico.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada em 4 encontros. Na avaliação inicial (T0), foram coletados os dados referentes às características sociodemográficas e clínicas de cada paciente, tais como: idade, sexo, estado civil, escolaridade, renda, diagnóstico, fatores de risco, estadiamentos (clínico e patológico), e tratamento. Aplicaram-se também os questionários Functional Assessment of Cancer Therapy - Head and Neck (FACT-H&N) para avaliação de QV, composto por 38 itens que avaliam 5 domínios: bem-estar físico (7 itens), bem-estar social/familiar (7 itens), bem-estar emocional (6 itens), bem-estar funcional (7 itens) e preocupações adicionais relacionadas ao câncer de cabeça e pescoço (11 itens)88. Vartanian JG, Carvalho AL, Furia CL, Castro Junior G, Rocha CN, Sinitcovisky IM, et al. Questionários para a avaliação de Qualidade de Vida em pacientes com câncer de cabeça e pescoço validados no Brasil. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço Internet . 2007 cited 2018 jul. 05 ;36(2):108-15. Available from: http://www.sbccp.org.br/wp-content/uploads/2014/11/2007_362-108-115.pdf.
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. Esses itens possuem uma escala de 5 pontos tipo Likert, que varia de nem um pouco a muitíssimo. Para correção e avaliação do instrumento, pontua-se de 0 a 148 para a escala global e de 0 a 28 para as demais subescalas, sendo 0 a 24 para a escala bem-estar emocional. Quanto maior a pontuação melhor a QV88. Vartanian JG, Carvalho AL, Furia CL, Castro Junior G, Rocha CN, Sinitcovisky IM, et al. Questionários para a avaliação de Qualidade de Vida em pacientes com câncer de cabeça e pescoço validados no Brasil. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço Internet . 2007 cited 2018 jul. 05 ;36(2):108-15. Available from: http://www.sbccp.org.br/wp-content/uploads/2014/11/2007_362-108-115.pdf.
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.

Para os sintomas de AD foi aplicada a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), constituída por 14 itens de múltipla escolha, sendo 7 voltados para avaliação de sintomas de ansiedade (HADS-A) e 7, de depressão (HADS-D). A pontuação de cada item varia entre 0 e 3, sendo 21 a pontuação máxima em cada subescala99. Botega NJ, Pondé MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais. J Bras Psiquiatr Internet . 1998 citado 2018 jul. 05 ;47(6):285-9. Disponível: http://psycnet.apa.org/record/1998-10557-001.
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. O escore indicativo de ansiedade é > 8 e o de depressão, > 999. Botega NJ, Pondé MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais. J Bras Psiquiatr Internet . 1998 citado 2018 jul. 05 ;47(6):285-9. Disponível: http://psycnet.apa.org/record/1998-10557-001.
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. Nesse momento, também foram realizadas as atividades educativas propostas.

QV e AD foram reavaliadas nos encontros subsequentes ao início do tratamento aos 3 meses (T1), aos 6 meses (T2) e aos 12 meses (T3). Em cada encontro, a pesquisadora esclareceu como os diferentes instrumentos deveriam ser preenchidos, oferecendo auxílio na leitura para os pacientes que apresentassem dificuldades no entendimento, sem gerar influência sobre suas respostas.

A ação educativa teve início na primeira coleta de dados (T1), com duração aproximada de 60 minutos, para ambos os grupos: controle (GC) e experimento (GE). Tanto na ação educativa como na coleta de dados houve a participação da pesquisadora principal, com o auxílio de outros enfermeiros (residentes de enfermagem) e/ou graduandos treinados para manter a uniformidade das ações ao longo da coleta de dados.

A intervenção no GC consistiu em consultas médica e de enfermagem realizadas individualmente. Em seguida, em sala apropriada, foi realizada a demonstração da simulação do uso de artefatos (cânulas de traqueostomia, sondas de alimentação e materiais para curativo) em manequins apropriados. Ao final, foram entregues folhetos educativos existentes na instituição, contendo informações básicas e gerais sobre o preparo pré-operatório, incluindo orientações para internação e necessidade de jejum, cuidados de higiene (corporal e oral) no pós-operatório, manipulação de sonda para alimentação enteral e cuidados com a cânula de traqueostomia. Cabe ressaltar que a educação tanto do paciente como do familiar no GC já se caracterizava pela associação de estratégias, como consultas multidisciplinares separadas, demonstrações de procedimentos e oferta de material educativo impresso, porém sem que os objetivos educacionais fossem delineados para o autogerenciamento.

A intervenção educativa do GE foi composta por consultas médica e de enfermagem integradas, ou seja, realizadas conjuntamente, exibição de vídeo educativo, gravado no anfiteatro do Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HSP-Unifesp, que contou com a participação dos profissionais desse ambulatório (enfermeiro, fonoaudiólogo, médico cirurgião de cabeça e pescoço e nutricionista), totalizando 7 módulos de vídeo com duração de 2min47s a 11min91s: 1) introdução sobre o que é câncer, 2) orientações para o tratamento cirúrgico, 3) tratamento cirúrgico para o câncer de boca, 4) tratamento cirúrgico para o câncer de laringe, 5) alta hospitalar e cuidados específicos no domicílio com a traqueostomia e sondas de alimentação, 6) radioterapia em cabeça e pescoço, e 7) quimioterapia antineoplásica para o câncer de cabeça e pescoço. Após a exibição do vídeo educativo, os pacientes foram convidados a participar da simulação do uso de artefatos (cânulas de traqueostomia, sondas de alimentação e materiais para curativo) em manequins apropriados. Nesse momento, o diálogo com o paciente e seus acompanhantes primou por destacar os principais conteúdos discutidos no vídeo e o tratamento específico ao qual o paciente seria submetido, além de escuta e verbalização sensíveis de dificuldades e receios para o manejo das situações. Ao final, foram oferecidos, para consulta no domicílio, um disco digital versátil (DVD), contendo o vídeo exibido, e um manual impresso com as mesmas informações contidas no vídeo.

Os conteúdos do vídeo e do material impresso foram validados em estudo anterior e elaborados para atender às demandas da presente pesquisa1010. Hortense FTP, Bergerot CD, Domenico EBL. Construction and validation of clinical contents for development of learning objects. Rev Bras Enferm. 2018;71(2). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0622.
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e estão disponíveis no site da instituição de ensino sede do projeto, podendo ser acessados no endereço http://www.unifesp.br/campus/sao/epe4/destaques/509-cancer-de-cabeca-e-pescoco-orientacoes.

Os desfechos primários do estudo foram a diminuição dos níveis de AD e a melhor percepção da QV.

Para definição do tamanho da amostra tomou-se como base a média de pacientes (M = 40) diagnosticados com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço e que iniciaram o tratamento no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HSP-Unifesp no período de outubro de 2015 a abril de 2016. Considerou-se o intervalo de confiança de 95%, desvio padrão (DP) de 0,5 e margem de erro de 5%. Os pacientes foram randomizados por meio de sorteio aleatório de 1:1, sendo o primeiro paciente direcionado para o GC, o segundo para o GE, e assim sucessivamente77. Polit DF, Beck CT. Fundamentos da pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 7a ed. Porto Alegre: ArtMed; 2011..

Análise e tratamento dos dados

Para a avaliação dos dados, a análise descritiva foi utilizada para avaliar a frequência, a média e o desvio padrão das variáveis sociodemográficas e clínicas. Para a homogeneidade dos grupos utilizaram-se os testes t e exato de Fischer. Os escores de QV e AD obtidos em todos os tempos de avaliação foram comparados por meio do teste t e a correlação entre os instrumentos foi obtida por grupo e por tempo. A significância estatística foi determinada com base no alfa de 0,05. Na sequência, a ANOVA de Medidas Repetidas (ANOVA-MR) foi utilizada para verificar a matriz de variância/covariância dos dados em busca de interações significativas entre as variáveis analisadas. Todas as análises foram realizadas com o auxílio do software SPSS, versão 23.0.

Aspectos éticos

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, sob o número 554.220/2014, e registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (RBR 2q53ct). Todos os participantes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde1111. Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos Internet . Brasília; 2012 citado 2018 jul. 05 . Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html.
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.

RESULTADOS

No período estabelecido de 6 meses para inclusão de pacientes na amostra, o ambulatório atendeu 40 novos pacientes, sendo selecionados 20 pacientes de acordo com os critérios de elegibilidade estabelecidos. Assim, 10 pacientes integraram o GC e 10, o GE. Houve uma perda amostral de 3 pacientes no decorrer dos meses de coleta de dados do estudo por óbitos, e 9 pacientes do GC e 8 do GE completaram todos os tempos de avaliação propostos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma CONSORT 2010 com dados finais da coleta de dados - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Quanto às características da amostra, no GC a média de idade foi de 50,4 anos (DP = 13,3), sendo 80% do sexo masculino, 70% casados e 60% com até 9 anos de estudo. A maioria relatou ter alguma ocupação (60%), 11,1% eram aposentados, 80% eram tabagistas e 60%, etilistas. A totalidade dos participantes seguia alguma religião, sendo metade deles católica. No GE, a média de idade foi de 58,8 anos (DP = 11,6), 70% eram do sexo masculino, 60% não eram casados, 60% cursaram até 9 anos de estudo, 60% não tinham ocupação, 25% eram aposentados, 60% eram católicos, 60% eram tabagistas e 40%, etilistas. Todos os pacientes pertenciam à classe econômica C, com predomínio de C2, que representa renda média domiciliar mensal de R$ 1.625,001212. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério Brasil 2015 e atualização da distribuição de classes para 2016 Internet . 2016 citado 2018 jul. 05 São Paulo: ABEP. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil.
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. Nenhuma diferença significativa foi observada entre GC e GE para as variáveis sociodemográficas.

Em 60% dos casos do GC, o câncer estava localizado na cavidade oral, e 80% dos pacientes foram diagnosticados em estádios avançados (III e IV). O tratamento predominante (70%) foi o combinado (cirurgia + radioterapia + quimioterapia). No GE, 60% dos tumores também estavam localizados na cavidade oral, sendo 60% deles diagnosticados tardiamente (III-IV). Dentre as modalidades terapêuticas, 30% foram submetidos a cirurgia e outros 30%, a tratamento combinado (cirurgia + radioterapia + quimioterapia). Apesar das diferenças encontradas, elas não foram estatisticamente significantes.

Na análise descritiva do FACT-H&N foi constatada uma diferença significativa no escore total da QV, considerando a interação grupos e tempos. No T0, o escore do GC foi maior que o reportado pelo GE. Contudo, essa correlação não se manteve até o final do acompanhamento. Ademais, não houve diferença significativa para as demais subescalas, considerando a interação grupos e tempos, tal como apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Análise descritiva do instrumento de qualidade de vida FACT-H&N, comparativa por grupo e por tempo de avaliação - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Escore: bem-estar físico (0-28), bem-estar social/familiar (0-28), bem-estar emocional (0-24), bem-estar funcional (0-28), preocupações adicionais (0-40), com escore total de 0-148.

Análise semelhante foi feita para a HADS, no entanto nenhuma diferença significativa foi encontrada entre os grupos avaliados. No geral, os pacientes do GC reportaram maior média de AD no T3, quando comparados ao GE (Tabela 2).

Tabela 2
Análise descritiva do instrumento de ansiedade e depressão HADS, comparativa por grupo e por tempo de avaliação - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Uma correlação inversa significativa foi observada entre FACT-H&N e HADS, indicando uma relação existente entre maiores escores de AD e piores escores de QV. Essa correlação foi obtida nos tempos de avaliação T0, T1, T2 e T3 para o GC e nos tempos T0, T1 e T2 para o GE. No T0, a correlação inversa foi encontrada para os domínios bem-estar emocional (P = 0,0003) e o escore global do FACT-H&N (P = 0,0057). Nenhuma correlação foi encontrada entre AD nos demais domínios do instrumento. No GE, baixos escores nos domínios bem-estar social/familiar (P = 0,0261) e bem-estar emocional (P = 0,0009) também estiveram associados a sintomas de AD. A correlação não foi significativa para os demais domínios.

No T1, resultado semelhante foi encontrado para baixos escores nas escalas bem-estar físico (P = 0,0063), bem-estar emocional (P = 0,0233), bem-estar funcional (P = 0,0025) e FACT-H&N (P = 0,0420) associados à presença de sintomas de AD no GC. O mesmo ocorreu no GE, com baixos escores nas escalas bem-estar social/familiar (P = 0,0070), bem-estar emocional (P = 0,0000), bem-estar funcional (P = 0,0070), preocupações adicionais (P = 0,0498) e FACT-H&N (P = 0,0003) associados à presença de sintomas de AD. No T2, novamente baixos escores nas escalas bem-estar físico (P = 0,0246), bem-estar emocional (P = 0,0087), bem-estar funcional (P = 0,0053) e FACT-H&N (P = 0,0051) associaram-se a piores sintomas de AD no GC. No GE, a associação inversa se manteve entre sintomas de AD e baixos escores no bem-estar físico (P = 0,0206), bem-estar emocional (P = 0,0309), bem-estar funcional (P = 0,0002), preocupações adicionais (P = 0,0453) e FACT-H&N (P = 0,0015). No último tempo de avaliação (T3), baixos escores nas escalas bem-estar físico (P = 0,0013), bem-estar social/familiar (P = 0,0204), bem-estar emocional (P = 0,0000), bem-estar funcional (P = 0,0055) e FACT-H&N (P = 0,0008) estiveram associados a sintomas de AD no GC. No GE nenhuma correlação foi encontrada.

Ao verificar a ANOVA-MR, no GC o teste Greenhouse-Geisser indicou efeito significativo para piora do bem-estar social/familiar (P = 0,02) e das preocupações adicionais (P = 0,01) ao longo dos tempos de avaliação. Demais escalas não apresentaram efeito significativo entre os tempos de avaliação. No GE, entretanto, o mesmo teste indicou efeito significativo para redução da prevalência de ansiedade (P = 0,001) e melhor bem-estar emocional (P = 0,01) ao longo do tempo. Demais subescalas não apresentaram efeito significativo entre os tempos de avaliação.

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas e clínicas da população avaliada estão de acordo com as características descritas nos registros nacionais, a maioria masculina, na quinta ou sexta décadas de vida, o que corrobora os dados encontrados na literatura1313. Carlson RW, Nardi E, Bacigalupo J, Darlow S, McClure JS, Pfister D. NCCN framework for resource stratification: a framework for providing and improving global quality oncology care. J Natl Compr Canc Netw. 2016;14(8):961-9.. Os participantes estavam, na maioria, casados e esse dado é relevante na perspectiva do auxílio no cuidado e suporte afetivo. Sabe-se que a família participa do processo de adoecimento e sua dinâmica se altera de acordo com as demandas da doença, do tratamento e da hospitalização. Conhecer a composição e a estrutura familiares, os papéis desempenhados pelos seus membros e as disponibilidades deles para o cuidado assistencial é fundamental para a estruturação de ações educativas1414. Oliveira TR, Souza JR. Avaliação do impacto psicossocial do diagnóstico e tratamento do câncer na vida de familiares cuidadores de pacientes em regime de internação hospitalar. Tempus, Actas Saúde Colet Internet . 2017 citado 2018 jul. 05 ; 11(1):215-27. Disponível em: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/03/880750/lgbt-11-portug.pdf.
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.

Em relação ao nível educacional, a maioria apresentou baixa escolaridade. A baixa escolaridade pode refletir diretamente na falta de acesso a serviços de saúde e em dificuldades em compreender informações, orientações e recomendações relacionadas ao cuidado da saúde. Nesse sentido, os pacientes se tornam mais vulneráveis a fatores de risco para comorbidades e mortalidade e aos baixos padrões de cuidado à saúde1515. Boing AF, Antunes JL. Condições socioeconômicas e câncer de cabeça e pescoço: uma revisão sistemática de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(2):615-22. DOI: 10.1590/S1413-81232011000200025.
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. Além disso, a maioria foi classificada com renda domiciliar mensal correspondente a R$ 1.625,001212. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério Brasil 2015 e atualização da distribuição de classes para 2016 Internet . 2016 citado 2018 jul. 05 São Paulo: ABEP. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil.
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(aproximadamente US$ 433,33 na cotação atual do dólar comercial). Apesar de o GC ter um porcentual maior de pacientes ativos profissionalmente, o GE apresentou maior porcentual de aposentados, o que pode explicar que ambos apresentavam condições financeiras semelhantes pela classificação econômica empregada. Os achados caracterizam a vulnerabilidade financeira de ambos os grupos, bem como reforçam a condição como fator de risco para o câncer de cabeça e pescoço1515. Boing AF, Antunes JL. Condições socioeconômicas e câncer de cabeça e pescoço: uma revisão sistemática de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(2):615-22. DOI: 10.1590/S1413-81232011000200025.
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-1616. Felippu AWD, Freire EC, Silva RA, Guimarães AV, Dedivitis RA. Impact of delay in the diagnosis and treatment of head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82(2):140-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.009.
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Esse cenário expressa a importância do cuidado multidisciplinar, fundamental para auxiliar no atendimento das demandas biológicas, sociais, econômicas e psicológicas dos pacientes e respectivas famílias, na perspectiva da adoção de comportamentos adaptativos, seguros e pró-ativos, bem como do acesso a programas sociais, que contribuam com o paciente e a família economicamente1515. Boing AF, Antunes JL. Condições socioeconômicas e câncer de cabeça e pescoço: uma revisão sistemática de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(2):615-22. DOI: 10.1590/S1413-81232011000200025.
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. Notoriamente, o processo de adoecimento e o diagnóstico de câncer impactam em diferentes áreas da vida do paciente e de seus familiares, podendo resultar em medo, insegurança, preocupações, desesperança e sensação de perdas, condições que foram observadas na presente investigação. Nesse contexto, a adoção de uma religião, que foi unanimidade entre os participantes, pode ser utilizada como um recurso para o enfrentamento do adoecimento e auxiliar na adaptação ante às demandas impostas pela doença e pelo tratamento1515. Boing AF, Antunes JL. Condições socioeconômicas e câncer de cabeça e pescoço: uma revisão sistemática de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(2):615-22. DOI: 10.1590/S1413-81232011000200025.
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16. Felippu AWD, Freire EC, Silva RA, Guimarães AV, Dedivitis RA. Impact of delay in the diagnosis and treatment of head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82(2):140-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.009.
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-1717. Peteet JR, Balboni MJ. Spirituality and religion in oncology. CA Cancer J Clin. 2013;63(4):280-9. DOI: 10.3322/caac.21187.
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Alta prevalência de tabagismo e de uso de álcool por parte dos pacientes de ambos os grupos foi identificada. O uso do tabaco pode ser entendido como uma questão sociocultural e, para alguns usuários, o fumo e o álcool são utilizados como estratégias para lidar ou evitar sentimentos negativos como medo, preocupação, raiva e tristeza1818. Hortense FTP, Carmagnani MI, Bretas AC. O significado do tabagismo no contexto do câncer de laringe. Rev Bras Enferm. 2008;61(1):24-30. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672008000100004.
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.

Os dados clínicos dos pacientes deste estudo ratificam os descritos na literatura, confirmando tratar-se de uma população de alto risco. Em vista desse achado, medidas apropriadas precisam ser desenvolvidas para mudar a realidade do diagnóstico tardio no Brasil, otimizando o intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico1616. Felippu AWD, Freire EC, Silva RA, Guimarães AV, Dedivitis RA. Impact of delay in the diagnosis and treatment of head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82(2):140-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.009.
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. Assim, ações educativas precisam ser propostas na fase anterior ao diagnóstico clínico, auxiliando a população na identificação dos sintomas e na procura por uma assistência adequada nos sinais e sintomas iniciais.

Os achados da presente investigação reforçam a importância da ação educativa planejada e intencional para a abordagem integral dos pacientes com câncer. A educação em oncologia deve ser eficiente o suficiente para gerar comportamentos e atitudes para a prevenção do câncer, para a detecção precoce e, na vigência do adoecimento, para também gerar habilidades para o autogerenciamento44. McCorkle R, Ercolano E, Lazenby M, Schulman-Green D, Schilling LS, Lorig K, et al. Self-management: enabling and empowering patients living with cancer as a chronic illness. CA Cancer J Clin. 2011;61(1):50-62. DOI: http://dx.doi.org/10.3322/caac.20093.
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Retomando os achados, as oscilações nas percepções de QV com menores escores nos tempos T2 e T3 de tratamento são justificáveis pela complexidade das intervenções, como cirurgias extensas e terapia antineoplásica combinada, associando-se quimioterapia e radioterapia. Estudos anteriores evidenciaram a relação entre tumores avançados, extensa ressecção cirúrgica, irradiação pós-operatória e piores escores de QV22. Schulman-Green D, Jaser S, Martin F, Alonzo A, Grey M, McCorkle R, et al. Processes of self-management in chronic illness. J Nurs Scholarsh. 2012;44(2):136-44. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.2012.01444.x.
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,1919. Brucker PS, Yost K, Cashy J, Webster K, Cella D. General population and cancer patient norms for the Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G). Eval Health Prof. 2005;28(2):192-211. DOI: https://doi.org/10.1177/0163278705275341.
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Com o passar do tempo, houve processo adaptativo favorável a melhor percepção da QV no presente estudo, com leve e progressivo aumento nos demais tempos de avaliação. O desenho da intervenção educativa do GE, com consultas médica e de enfermagem integradas e exibição do vídeo educativo, elaborado a partir da intencionalidade de construção de habilidades para o autogerenciamento, e com a posterior simulação dos cuidados com os artefatos e fornecimento de material educativo, ambos correspondentes ao vídeo, certamente foi um fator colaborador, pois a associação das estratégias de ensino, repetindo-se e reforçando-se conhecimentos, habilidades e atitudes de forma coerente e articulada para a autonomia e o empoderamento do paciente, está no cerne da ação educativa para o autogerenciamento.

A queda do domínio bem-estar social/familiar foi gradual ao longo dos tempos de avaliação no GC e no GE, sugerindo uma possível dificuldade de comunicação entre o paciente, o familiar e/ou o cuidador. A história pregressa de relacionamento familiar, as sequelas do tratamento e o provável desgaste no relacionamento entre o paciente e o familiar podem justificar esse resultado. Os familiares são a principal fonte de apoio tanto social como emocional para os pacientes, desempenhando papel importante no gerenciamento das consequências do processo de adoecimento1919. Brucker PS, Yost K, Cashy J, Webster K, Cella D. General population and cancer patient norms for the Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G). Eval Health Prof. 2005;28(2):192-211. DOI: https://doi.org/10.1177/0163278705275341.
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. A existência de possíveis problemas de relacionamento anteriores pode estar ligada à dependência de álcool, principalmente, tabaco e outras drogas ilícitas. Nessas condições, a abordagem do cuidado centrado no paciente e na família pode auxiliar na recuperação dos laços afetivos, possibilitar as reaproximações, bem como proteger os familiares/cuidadores de sobrecarga emocional negativa1818. Hortense FTP, Carmagnani MI, Bretas AC. O significado do tabagismo no contexto do câncer de laringe. Rev Bras Enferm. 2008;61(1):24-30. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672008000100004.
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19. Brucker PS, Yost K, Cashy J, Webster K, Cella D. General population and cancer patient norms for the Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G). Eval Health Prof. 2005;28(2):192-211. DOI: https://doi.org/10.1177/0163278705275341.
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20. Miotto AP, Parente J. Antecedents and consequences of household financial management in Brazilian lower-middle-class. Rev Admin Empr 2015;55(1):50-64. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020150106
https://doi.org/10.1590/S0034-7590201501...
-2121. Murphy BA, Deng J. Advances in supportive care for late effects of head and neck cancer. J Clin Oncol. 2015;33(29):3314-21. DOI: 10.1200/JCO.2015.61.3836.
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.

Com relação aos sintomas de AD, o período próximo ao diagnóstico e à decisão terapêutica mostrou-se mais propício para a presença de sintomas de ansiedade no GC e no GE. Nos demais tempos de avaliação, em ambos os grupos, a média reportada pelos pacientes esteve próxima à descrita na literatura2222. Brintzenhofe-Szoc KM, Levin TT, Li Y, Kissane DW, Zabora JR. Mixed anxiety/depression symptoms in a large cancer cohort: prevalence by cancer type. Psychosomatics. 2009;50(4):383-91. DOI: 10.1176/appi.psy.50.4.383.
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. Essa equivalência e a não oscilação nos tempos do estudo podem ser advindas de intervenções e encaminhamentos propostos pela equipe. Pelo fato de este estudo ter sido conduzido em “mundo real” (real world), os pacientes foram orientados a conversar com membros da equipe médica sempre que apresentassem sintomas clínicos de AD. Ademais, a presença de sintomas de AD esteve associada a pior QV em todos os tempos de avaliação.

Ressalta-se que, quando não tratados da AD, esses sintomas tendem a se agravar, prejudicando, por exemplo, a adesão ao tratamento, favorecendo a readmissão no serviço de saúde, prolongando a reabilitação e, não invariavelmente, resultando na diminuição do tempo de sobrevida2323. Bergerot CD, Laros JA, de Araujo TC. Avaliação de ansiedade e depressão em pacientes oncológicos: comparação psicométrica. Psico USF. 2014;19(2):187-97. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712014019002004.
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. Na presente investigação, as ações de monitoramento dos pacientes realizadas no GE foram de fácil execução e viáveis. O diálogo, a partir dos conteúdos dos materiais educativos e a utilização de instrumento apropriado, auxiliaram e capacitaram a equipe no diagnóstico e na definição de tratamentos para AD.

Os resultados obtidos com a investigação reforçam o pressuposto de que a ação educativa deve ser cientificamente alicerçada e delineada para atender as demandas dos pacientes e seus familiares com múltiplas intervenções, que, uma vez empreendidas, devem ser sistematicamente avaliadas com indicadores que sinalizem sua efetividade e sua eficiência.

As limitações do presente estudo concentram-se no tamanho reduzido da amostra provocado pela diminuição do número de pacientes atendidos na instituição, que inviabilizou algumas análises estatísticas. Apesar dessa limitação, acredita-se que os diferentes critérios adotados para avaliação do material educativo tenham sido suficientes para indicar e evidenciar o benefício e a qualidade da intervenção.

CONCLUSÃO

A intervenção educativa pode ter interferido no aumento gradativo dos escores do FACT-H&N no transcorrer do tratamento, reforçando o benefício da ação educativa, sugerindo maior adaptabilidade ao tratamento, conhecimento e habilidades desenvolvidas, para a identificação da evolução da doença e dos sintomas adversos, além de estratégias para resolução ou minimização desses sintomas.

Na análise longitudinal de QV e AD, houve redução dos sintomas de ansiedade e melhor bem-estar emocional no GE. No GC, foi possível atestar um resultado insatisfatório, com piora do bem-estar social/familiar e maior presença de preocupações adicionais relacionadas à doença.

Espera-se que os resultados encontrados na presente experimentação possam motivar os profissionais e favorecer a análise acerca dos benefícios diretos e indiretos da implantação de programa educativo, multimidiático, estruturado e pautado nos princípios do autogerenciamento e em protocolos existentes de mensuração de QV e AD no período de adoecimento pelo câncer.

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    Extraído da tese: “Educação para o autoregenciamento de pacientes com câncer de cabeça e pescoço apoiada em multimídia”, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, 2017.
  • Apoio financeiro

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Processo nº. 2015/09139-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2018
  • Aceito
    21 Maio 2019
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