Resumos
O estudo objetivou conhecer e compreender o uso de práticas terapêuticas entre idosos residentes em área urbana. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, realizada no município de Porto Alegre. Processou-se a caracterização sociodemográfica, dos 24 idosos selecionados aleatoriamente e entrevistados, e a análise temática das informações coletadas sobre o uso de práticas terapêuticas. Eram na maioria do sexo feminino, com média de idade de 68 anos e com quatro anos completos de estudo. A principal prática terapêutica referida foi a automedicação. Outra prática terapêutica referida foi a busca por um profissional médico. Considera-se que, por meio da análise e discussão crítica da temática, pode-se subsidiar a capacitação de profissionais no campo da Educação em saúde e do trabalho de Enfermagem em particular, favorecendo os processos de cuidado, autocuidado dos problemas da população idosa.
Saúde do Idoso; Automedicação; Envelhecimento; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Terapias complementares
This study had as its main objective to know, comprehend and analyze the use of therapeutic practices among elders who live in urban areas. With a qualitative approach, this research was carried out in the eastern part of the city of Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul. It processed the socio-demographic characterization of 24 elders randomly chosen and the analysis of the information collected from them regarding the use of therapeutic practices. The elders interviewed were in their majority female, 68-years old in average, with four years of schooling. The main therapeutic practice mentioned by the interviewees was self-medication.Another therapeutic practice that was mentioned is the visit to a health professional. The study considers that through the analysis and critical discussion of the theme it is possible to provide subsidies for the qualification of professionals in the field of Health education and of nursing work in general, thus favoring the care and self-care processes among elders.
Aging health; Self medication; Aging; Health knowledge, attitudes, practice; Complementary therapies
En este se tuvo como objetivo conocer y comprender el uso de prácticas terapéuticas entre ancianos residentes en área urbana. Se trata de una investigación cualitativa realizada en el municipio de Puerto Alegre. Se procesó la caracterización socio-demográfica, de los 24 ancianos seleccionados aleatoriamente y entrevistados, y el análisis temático de las informaciones recolectadas sobre el uso de prácticas terapéuticas. Eran en su mayoría del sexo femenino, con promedio de edad de 68 años y con 4 años completos de estudio. La principal práctica terapéutica referida fue la automedicación. Otra práctica terapéutica referida fue la búsqueda de un profesional médico. Se considera que por medio del análisis y discusión crítica de la temática, se puede subsidiar la capacitación de profesionales en el campo de la Educación en salud y del trabajo de Enfermería en particular, favoreciendo, los procesos de cuidado, autocuidado de los problemas de la población anciana.
Salud del anciano; Automedicación; Envejecimiento; Conocimientos, actitudesl y práctica en salud; Terapias complementarias
ARTIGO ORIGINAL
Práticas terapêuticas entre idosos de Porto Alegre: uma abordagem qualitativa* * Extraído da Dissertação "Como manda o figurino: práticas terapêuticas entre idosos de Porto Alegre", Escola de Enfermagem da UFRGS, 2005.
Therapeutic practices among elders in Porto Alegre: a qualitative approach
Prácticas terapéuticas entre ancianos de Puerto Alegre: una abordaje cualitativa
Aline Corrêa de SouzaI; Marta Julia Marques LopesII
IMestre em Enfermagem. Professora Substituta da Escola de Enfermagem da UFRGS. E-mail:linecs10@yahoo.com.br
IIDoutora em Sociologia. Professora Titular do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da UFRGS.
Correspondência Correspondência: Aline Corrêa de Souza Rua Gal. Lima e Silva, 1281 - Ap. 02 CEP 90050-103 - Porto Alegre - RS
RESUMO
O estudo objetivou conhecer e compreender o uso de práticas terapêuticas entre idosos residentes em área urbana. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, realizada no município de Porto Alegre. Processou-se a caracterização sociodemográfica, dos 24 idosos selecionados aleatoriamente e entrevistados, e a análise temática das informações coletadas sobre o uso de práticas terapêuticas. Eram na maioria do sexo feminino, com média de idade de 68 anos e com quatro anos completos de estudo. A principal prática terapêutica referida foi a automedicação. Outra prática terapêutica referida foi a busca por um profissional médico. Considera-se que, por meio da análise e discussão crítica da temática, pode-se subsidiar a capacitação de profissionais no campo da Educação em saúde e do trabalho de Enfermagem em particular, favorecendo os processos de cuidado, autocuidado dos problemas da população idosa.
Descritores: Saúde do Idoso. Automedicação. Envelhecimento.Conhecimentos, atitudes e prática em saúde.Terapias complementares/ utilização.
ABSTRACT
This study had as its main objective to know, comprehend and analyze the use of therapeutic practices among elders who live in urban areas. With a qualitative approach, this research was carried out in the eastern part of the city of Porto Alegre, State of Rio Grande do Sul. It processed the socio-demographic characterization of 24 elders randomly chosen and the analysis of the information collected from them regarding the use of therapeutic practices. The elders interviewed were in their majority female, 68-years old in average, with four years of schooling. The main therapeutic practice mentioned by the interviewees was self-medication.Another therapeutic practice that was mentioned is the visit to a health professional. The study considers that through the analysis and critical discussion of the theme it is possible to provide subsidies for the qualification of professionals in the field of Health education and of nursing work in general, thus favoring the care and self-care processes among elders.
Key words: Aging health. Self medication. Aging. Health knowledge, attitudes, practice. Complementary therapies/utilization.
RESUMEN
En este se tuvo como objetivo conocer y comprender el uso de prácticas terapéuticas entre ancianos residentes en área urbana. Se trata de una investigación cualitativa realizada en el municipio de Puerto Alegre. Se procesó la caracterización socio-demográfica, de los 24 ancianos seleccionados aleatoriamente y entrevistados, y el análisis temático de las informaciones recolectadas sobre el uso de prácticas terapéuticas. Eran en su mayoría del sexo femenino, con promedio de edad de 68 años y con 4 años completos de estudio. La principal práctica terapéutica referida fue la automedicación. Otra práctica terapéutica referida fue la búsqueda de un profesional médico. Se considera que por medio del análisis y discusión crítica de la temática, se puede subsidiar la capacitación de profesionales en el campo de la Educación en salud y del trabajo de Enfermería en particular, favoreciendo, los procesos de cuidado, autocuidado de los problemas de la población anciana.
Descriptores: Salud del anciano. Automedicación. Envejecimiento. Conocimientos, actitudesl y práctica en salud. Terapias complementarias/utilización.
INTRODUÇÃO
Este estudo é parte de uma dissertação de Mestrado em Enfermagem(1) e foi elaborado na tentativa de responder a algumas indagações surgidas na prática profissional no campo da saúde coletiva. Em Unidades Básicas de Saúde, observa-se que os indivíduos e, particularmente, os idosos, utilizam diferentes práticas terapêuticas para buscar alívio ou cura de algum desconforto físico ou mental. Assim, fazem uso de chás e remédios caseiros, bem como procuram por atendimentos de terapeutas populares e utilizam a automedicação, entre outras práticas.
Outro fato que motivou a realização deste estudo foi a necessidade de fundamentação para trabalhar com a população idosa(2). Nesse sentido considera-se que a Enfermagem ainda tem dificuldades em oferecer uma assistência especializada a essa população, por isso, a busca pela qualificação dos profissionais com base em novas abordagens teóricas é imperiosa(3). No Brasil, desde a década de 60, essa população vem crescendo aceleradamente em conseqüência da diminuição das taxas de fecundidade e de mortalidade nas faixas etárias mais elevadas; acredita-se, também, que a melhoria das condições de saneamento básico e os avanços tecnológico-científicos na área da Saúde contribuem para esse crescimento.
O termo práticas terapêuticas foi adotado para denominar as atitudes postas em prática com o intuito de recuperar a saúde, ou obter o alívio de algum distúrbio de saúde. As práticas terapêuticas foram classificadas(2) da seguinte forma: alternativa profissional, composta por médicos, enfermeiras e outros profissionais da saúde; alternativa popular, na qual se enquadram os curandeiros, as parteiras, os clarividentes, entre outros; alternativa informal que se traduz pelo campo leigo, não-profissional e não-especializado da sociedade, ou seja, familiares, amigos e/ou vizinhos do paciente.
A partir desta problemática e perspectiva teórico metodológica, objetivou-se conhecer, compreender e analisar o uso de práticas terapêuticas entre idosos residentes em área urbana na Zona Leste do município de Porto Alegre/RS, Brasil.
MÉTODO
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa. Foram utilizadas também algumas evidências quantitativas de caráter sociodemográfico para caracterizar os indivíduos entrevistados. A população em estudo foi composta de idosos maiores de 60 anos, residentes na área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), situada em área urbana na Zona Leste do município de Porto Alegre.
Foram selecionados, aleatoriamente, 24 idosos e a escolha quantitativa dos sujeitos foi definida a partir da perspectiva de saturação de dados(4). A seleção partiu de uma amostragem casual simples da relação de 554 idosos do cadastro de usuários de um serviço de Atenção Básica; a cada intervalo de dezoito pessoas, uma foi escolhida.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas(5) no domicílio dos idosos, com a utilização de um guia de entrevista com questões dirigidas a caracterização sociodemográfica e questões abertas destinadas a conhecer atitudes e compor-tamentos relativos as práticas terapêuticas por eles utilizadas.
A análise dos dados foi desenvolvida a partir dos conteúdos das entrevistas. Adotou-se a análise temática(6) que
consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado.
Os núcleos de sentido, nesse caso, partiram dos temas eleitos para a estruturação das questões-guia adaptadas conforme os argumentos constantes nas respostas dos idosos.
Este estudo foi realizado respeitando as normas da Resolução 196, de 10 de outubro de 1996(7). Os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa foi analisada e aprovada para desenvolvimento pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS, Brasil.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 1 está descrito o perfil sociodemográfico dos idosos entrevistados. Observa-se que a maioria encontrava-se na faixa etária de 60 a 69 anos. O sexo seguiu o contingente majoritário da população, refletindo a maioria feminina. Treze dentre os entrevistados eram mulheres. Quando questionados quanto à raça, vinte responderam serem brancos, dois negros e dois pardos/mestiços. Observa-se essa caracterização é semelhante ao perfil encontrado nas informações gerais sobre os idosos do Rio Grande do Sul(8).
Ao considerarem-se os dados sobre escolaridade dados observa-se que 20 idosos têm baixa ou nenhuma escolaridade. Das quatro pessoas analfabetas, três eram mulheres, e as pessoas com maior grau de escolaridade eram homens. Isso demonstra não somente a dificuldade de acesso a escola, na década de 40, como também mostra a influência das relações e hierarquias de gênero na freqüência a escola e na capacitação para o trabalho.
Quanto à atividade econômica, apenas três idosos continuam no mercado de trabalho. Quando questionados sobre a renda familiar, quatro idosos preferiram omitir essa informação. As rendas familiares dos demais variavam entre 1 e 10 salários mínimos, ficando a média em torno de 2 salários mínimos. A maioria dos entrevistados possuía imóvel próprio e ajudava os familiares, cedendo seu terreno para a construção de outro imóvel, freqüentemente para filhos ou parentes. Esse quadro econômico relativamente favorável se comparado ao grau de pobreza no país, refletia-se no acesso facilitado desses idosos aos serviços de saúde, visto que a metade deles era beneficiário de algum plano de saúde.
Sobre as condições/concepções de saúde, quatorze idosos responderam que eram pessoas saudáveis, quatro referiram não ter tido nenhum problema de saúde nos últimos seis meses. Os problemas de saúde mais frequentemente referidos foram hipertensão arterial sistêmica; diabetes mellitus; problemas respiratórios e outros problemas cardíacos e circulatórios.
No que se refere ao uso de medicações, as mais utilizadas eram as anti-hipertensivas que apareceram em treze respostas. Quanto à associação de medicações, treze idosos referiram usar mais de um medicamento. Quatro idosos faziam uso de uma única medicação e sete não usavam medicações regularmente.
Analisando as falas dos idosos expressas nas entrevistas, identificou-se duas categorias analíticas (Quadro 2) para a sistematização metodológica, quais sejam: cuidados com o corpo na velhice e práticas terapêuticas entre idosos.
Na categoria denominada cuidados com o corpo na velhice observa-se que os idosos relacionam os cuidados com a saúde àqueles referentes ao corpo. Esta categoria foi dividida em duas subcategorias: a dieta como parte de um tratamento de saúde e a medicalização do corpo na velhice. A maioria das narrativas apontou os cuidados com a alimentação na forma de dieta como terapêutica. Outras referiram os cuidados medicalizados da saúde como exames, medicamentos e consultas.
Na subcategoria a dieta como terapêutica os entrevistados demonstraram preocupação com os cuidados alimentares. As narrativas dos idosos sugeriram que a comida faz parte de um plano terapêutico pessoal para os seus problemas de saúde. Nesse sentido, estudos(2) mostram que a comida não é apenas uma fonte de nutrição e que em muitas sociedades ela pode ser considerada como remédio, a partir de uma gama de significados simbólicos. Acrescenta-se que, além de simbólicos, esses significados mais do que em outro momento histórico assumem hoje um caráter científico o que os classifica como além de terapêuticos, riscos potenciais à saúde.
Dos vinte e quatro idosos entrevistados, quinze referiram realizar cuidados com a alimentação para manter a saúde. Somente um entrevistado admitiu que seus cuidados com a saúde não eram como ele achava que deveriam ser. É comum observar, na prática assistencial em saúde, quase confissões, em que o paciente diz ter realizado os cuidados recomendados, no caso da alimentação, somente na semana anterior à consulta ou, até mesmo, no dia anterior. Esse comportamento atesta, entre outras coisas, dificuldades ou inconformidades na adesão à proposta terapêutica. Nesse sentido, pensa-se que na prática assistencial, antes de impor regras e normas para os pacientes, é preciso investigar e conhecer bem sua realidade, para modificar aspectos dos hábitos alimentares e valorizar a dimensão simbólica que os mesmos adquirem em sua vida e saúde.
Já na subcategoria a medicalização do corpo e das práticas de saúde na velhice encontrou-se nove narrativas que relacionam os cuidados do corpo com a utilização de medicamentos, as consultas médicas com vários especialistas, a realização de exames, bem como a prática de exercícios físicos.
Nesta pesquisa, medicalização do corpo na velhice se traduz na construção do corpo como objeto da Medicina, processo que transforma eventos considerados normais da vida, a partir do poder de coerção e legitimização desenvolvido pelos conhecimentos biomédicos e pelo sistema médico-hospitalar(9).
Seguindo nessa discussão, o fenômeno da velhice concebido de uma forma estritamente biológica, permite apenas aos especialistas dessa área o acesso à causa de qualquer sofrimento, o qual poderá somente ser tratado do ponto de vista farmacológico. Essas concepções limitadas ao biológico refletem-se na postura dos profissionais de saúde e nos tratamentos propostos, e isso dificulta a comunicação; no lugar de diálogos, estão os exames(10).
A partir das narrativas dos entrevistados pode-se observar a grande dependência em relação as consultas médicas e a utilização de medicamentos. Essa necessidade de controles constantes atesta a (re)criação contínua da incapacidade de cuidar de si mesmo e a responsabilização individual pela conquista, preservação e manutenção da saúde.
As diferentes especialidades médicas também são apontadas pelos idosos como conseqüência da procura por diversos e diferentes serviços de saúde resultando em um grande consumo de medicamentos. Entre alguns idosos essa situação dificultava o cuidado da saúde.
Na seqüência, apresentam-se os elementos analíticos que partem da categoria práticas terapêuticas entre idosos a qual foi subdividida em três subcategorias: alternativa informal, alternativa profissional e alternativa popular. Nessa perspectiva, 15 dentre os entrevistados referiram a utilização de práticas terapêuticas informais, que são a automedicação e utilização de chás caseiros.
Essas alternativas informais foram utilizadas para problemas de saúde considerados leves e, caso não resolvessem o problema, um profissional de saúde era consultado. A principal influência na escolha da alternativa informal foi a mídia, através de programas de rádio e televisão e panfletos de farmácia, seguida da família e amigos e por último dos profissionais de saúde.
Os medicamentos utilizados na automedicação eram, em sua maioria, analgésicos e provinham de farmácia caseira. A dor foi uma das maiores influências na adoção e escolha da automedicação, fato este já relatado em outros estudos(2). O descumprimento da prescrição médica, através da alteração da dosagem prescrita, quando, por exemplo, não ingeriam o medicamento, pois estavam se sentindo bem, que foi expresso muitas vezes pelos idosos, também é considerada uma forma de autodeterminação que atesta formas de automedicação.
Essa problemática exige que se analise também a dimensão da autonomia do indivíduo em realizar o tratamento caseiro sem a consulta ao profissional de saúde, ou a necessidade de procurar um serviço de saúde. Acredita-se que a condenação pura e simples da automedicação, interfere no poder do indivíduo de decidir sobre o próprio corpo. Questiona-se a necessidade imperativa dos tratamentos prescritos por profissionais, quando essa prática não pode ser relativizada. Essa questão merece ser pensada à luz dos processos que têm influenciado a medicalização crescente das práticas de saúde. Um autor(11) que discute essa concepção de medicalização da saúde, refere que na cultura contemporânea o corpo se torna um objeto de constante preocupação, gerando uma visão superficial e egocêntrica do que é saúde, além de cuidados excessivos e obsessivos com o corpo. Concorda-se com o autor quando ele comenta que esses cuidados excessivos impossibilitam a conquista de uma vida saudável, de maneira espontânea e tranqüila.
No que se refere a subcategoria alternativa profissional, observou-se que o fato de os idosos possuírem convênio de saúde influenciou a escolha da prática terapêutica profissional. A partir das informações dos idosos, observou-se que a alternativa profissional foi citada pela quase totalidade dos entrevistados, quando questionados sobre sua trajetória terapêutica nos últimos seis meses. As causas para a procura de profissionais de saúde foram as mais variadas, sendo os problemas respiratórios, gástricos e músculos-esqueléticos os mais citados.
Na subcategoria alternativa popular observou-se que essa foi a opção menos relatada, quatro dentre os idosos. Esse fato sugere que, os entrevistados poderiam estar constrangidos em referirem ao profissional de saúde que utilizam este meio de cura popular, visto que são práticas não legitimizadas pela Ciência e pela Medicina.
Observou-se, então, que a evolução do conhecimento médico e as tecnologias em saúde favorecem a diminuição da utilização de práticas terapêuticas populares, entre os entrevistados desta pesquisa.
Alguns autores(12) apontam para um processo de diluição dos conhecimentos da alternativa popular, havendo conseqüentemente a quebra da corrente de tradição oral. Eles sugerem que a perda dos referenciais explicativos e da estrutura familiar tradicional, termina por diluir o conhecimento, criando generalistas ou curiosos dessa alternativa terapêutica. Dessa forma, identificam-se resquícios desses conhecimentos em pessoas mais velhas e oriundas do meio rural, fato esse referido pelos entrevistados desta pesquisa.
Um estudo(13) sobre a desagregação das terapêuticas tradicionais ou populares mostra que esse processo teve início no Brasil no século XIX, quando a medicina oficial desejava reservar para si o monopólio dos cuidados à saúde. Inicialmente os noticiários transformavam todos os agentes terapêuticos populares em charlatães, denunciando feitiçarias e superstições. Em seguida a atuação dos médicos tornou-se cada vez mais abrangente, e passou a relacionar-se com domínios da vida social de ordem jurídica, social e política. Dessa forma, a medicina tornou-se um apoio científico cada vez mais indispensável ao poder político do Estado.
Esse processo, porém, não foi uniforme, pois ainda existiam notícias de remédios caseiros e havia crença nos curandeiros populares. Somente após o aperfeiçoamento da tecnologia médico-sanitarista é que a medicina começa a se impor principalmente nos grandes centros urbanos, concomitante a industrialização. Portanto, a desorganização da rede de relações sociais que sustentam as terapêuticas populares, acabou limitando o acesso a essas práticas(13).
CONCLUSÕES
De maneira geral, o que se pôde observar nas narrativas dos idosos entrevistados é que suas práticas terapêuticas eram influenciadas profundamente por um processo de medicalização do corpo e da velhice e do mercado da saúde. Isso pode ser evidenciado tanto nas concepções de saúde que possuíam, como nas práticas utilizadas.
Observou-se que as escolhas dos idosos basearam-se em diferentes fatores como, por exemplo: a disponibilidade e acesso a assistência médica; pouca disponibilidade financeira; fracasso de tratamentos com alternativas informais ou populares; maneira como o paciente entende o problema e, finalmente, o modo como outras pessoas do ambiente do paciente compreendem e encaminham a situação. Um dos fatores que mais se destacou foi a possibilidade de ter ou não convênio particular de saúde. Verificou-se a relação direta entre ter convênio particular de saúde e o consumo e utilização de práticas terapêuticas profissionais.
Constatou-se que o processo de medicalização crescente entre os entrevistados, era fortemente influenciado pelo mercado de saúde e pela mídia. Isso pode ser verificado pela busca de soluções mágicas e sem esforços, as quais são as primeiras opções, pois respondem à lógica da urgência e do mercado farmacêutico que acaba por induzir esses comportamentos que buscam respostas imediatas e definitivas.
Nesse sentido, os idosos desta pesquisa, embora, em muitas situações, insatisfeitos com os serviços e as práticas profissionais mostraram a obrigação de levarem a vida e gerenciarem seus problemas de saúde seguindo as condutas normativas veiculadas pelos profissionais de saúde e pelas práticas legítimas de saúde.
Refletindo sobre essa realidade idosa, faz-se necessária a compreensão desse processo de crescente medicalização, a fim de que se insista na valorização das potencialidades dos idosos e no estímulo da autonomia, autodeterminação e preservação da independência física e mental. Essa valorização das potencialidades influenciando condutas e práticas pode instrumentalizar a manutenção da máxima capacidade funcional, pelo maior tempo possível entre essa população significativamente usuária e consumidora de práticas terapêuticas.
Esta pesquisa detectou indícios para se conhecer e compreender as interpretações e atitudes dos idosos, residentes em área urbana, frente a situações de saúde e doença. Dessa forma, pensa-se que pode subsidiar a capacitação de profissionais no campo da Educação em saúde e do trabalho da Enfermagem em particular, favorecendo os processos de cuidado, autocuidado e de resolutividade terapêutica para os problemas de saúde da população idosa.
Recebido: 17/10/2005
Aprovado: 24/01/2006
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Ago 2007 -
Data do Fascículo
Mar 2007
Histórico
-
Recebido
17 Out 2005 -
Aceito
24 Jan 2006