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Proposta de implantação de um Programa Interdisciplinar de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem

The proposal of an interdisciplinary programme implementation for support nursing staff

Resumos

Este estudo tem por objetivos refletir sobre a psicodinâmica do trabalho da enfermagem hospitalar e propor a implantação de um Programa Interdisciplinar de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem, com a finalidade de auxiliar esses profissionais na compreensão e resolução dos problemas sociais e administrativos enfrentados no desenvolvimento de seu trabalho.

Sofrimento no trabalho; Saúde mental; Psicologia organizacional; Interdisciplinaridade e administração em enfermagem


The purpose of this paper is to reflect on the psychodynamic of the nursing work developed in the hospital, and to suggest the implementation of an interdisciplinary programme for support the nursing workers to help them to understand and to solve social and managerial problems faced during the work.

Suffering during the work; Mental health; Organizational psychology; Interdisciplinary, work, nursing management


ARTIGO ORIGINAL

Proposta de implantação de um Programa Interdisciplinar de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem

The proposal of an interdisciplinary programme implementation for support nursing staff

Maria do Carmo Lourenço Haddad

Professora adjunta do Departamento de Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina e Diretora de Enfermagem do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná

RESUMO

Este estudo tem por objetivos refletir sobre a psicodinâmica do trabalho da enfermagem hospitalar e propor a implantação de um Programa Interdisciplinar de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem, com a finalidade de auxiliar esses profissionais na compreensão e resolução dos problemas sociais e administrativos enfrentados no desenvolvimento de seu trabalho.

Unitermos: Sofrimento no trabalho. Saúde mental. Psicologia organizacional. Interdisciplinaridade e administração em enfermagem.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to reflect on the psychodynamic of the nursing work developed in the hospital, and to suggest the implementation of an interdisciplinary programme for support the nursing workers to help them to understand and to solve social and managerial problems faced during the work.

Uniterms: Suffering during the work. Mental health. Organizational psychology. Interdisciplinary, work, nursing management.

1 INTRODUÇÃO

As teorias administrativas, desde os seus primórdios, preocupavam-se em identificar as causas que levavam os indivíduos a sentirem o trabalho como atividade penosa, acreditando que era possível a integração entre os objetivos individuais e organizacionais. No entanto, no aprofundamento dos estudos sobre a organização do trabalho, os conflitos indivíduo-organização ficaram cada vez mais demonstrados e explicados por diversas correntes do pensamento administrativo. (MOTTA, 1991).

Uma corrente definia o conflito como sendo, essencialmente, oriundo de fatores externos à organização, localizando-o na estrutura sócio-econômica que distinguia forças contrapostas de capital e trabalho e, portanto, só poderia ser resolvido externamente à organização. Uma outra corrente de pensamento via o conflito como sendo primordialmente de natureza organizacional, inerente à organização, em virtude de fatores estruturais como divisão arbitrária de trabalho, distribuição do poder e autoridade, definição de papéis, características do trabalho, etc., que muitas vezes colocavam os interesses do indivíduo em contraposição aos da organização, tendo assim, de ser administrado e resolvido no nível de cada organização específica. Uma terceira corrente de pensamento via o conflito como sendo essencialmente de natureza individual, isto é, de personalidade, relacionamento interpessoal e percepções com relação à organização.

Foi a partir desta visão conflitiva que começaram a surgir diversas propostas de adaptação do indivíduo à organização, principalmente no sentido de aumentar a autonomia individual, ampliando o conteúdo das tarefas, permitindo maior participação no processo decisório e lideranças mais democráticas.

DEJOURS et al (1994), afirma ser possível demonstrar que as pressões do trabalho, que causam o equilíbrio psíquico e a saúde mental do trabalhador, provêm da organização do trabalho, em contraposição aos constrangimentos perigosos para a saúde somática que se situam nas condições físicas (barulho, temperatura, irradiações, etc.), químicas (poeira, vapores, gases, entre outras) e biológicas (vírus, bactérias, fungos, etc.) cujo alvo principal é o corpo. Portanto, deve-se entender a organização do trabalho, por um lado como a divisão de tarefas (chegando à definição do modo operatório) que atinge diretamente a questão do interesse e do tédio no trabalho e, por outro lado como a divisão dos homens (hierarquia, comando, submissão) que atinge diretamente as relações estabelecidas pelos trabalhadores entre si, no próprio local de trabalho.

Considerando os conceitos acima mencionados, este estudo tem por objetivos refletir sobre a psicodinâmica do trabalho da enfermagem hospitalar e propor a implantação de um Programa Interdisciplinar de Apoio ao trabalhador de Enfermagem, com a finalidade de auxiliar esses profissionais na compreensão e resolução dos problemas sociais e administrativos enfrentados no desenvolvimento de seu trabalho.

PSICODINÂMICA DO TRABALHO DA ENFERMAGEM HOSPITALAR

A enfermagem é uma profissão essencialmente feminina, relacionada com o ato de cuidar do outro. Vários autores, citados por BORSOI; CODO (1995), reforçam que o cuidar em enfermagem é uma extensão das atividades realizadas na manutenção da família.

SILVA (1986), descreve que etimológicamente a expressão enfermagem vem da palavra nurse que originalmente significa aquela que nutre, que cuida de crianças e que por extensão, a que assiste o doente. O termo enfermeira, em português, é designado para as pessoas que cuidam dos infirmus, ou seja, daqueles que não estão firmes, como crianças, velhos e doentes.

Com estas características, o trabalho de enfermagem, foi executado até o final da idade média, por religiosas, viúvas, virgens e nobres, tendo como objetivo central a caridade. As revoluções sociais ocorridas neste período, incorporaram também neste grupo, as prostitutas que buscavam a própria salvação prestando cuidados aos enfermos.

Na Europa, até o inicio do século XIX, o cuidar de enfermos não era reconhecido como trabalho que exigia treinamento específico para sua realização. A partir do ano de 1854, este cuidado começa a ter caráter profissional com Florence Nightingale, nobre dama inglesa, que serviu na Criméia como voluntária nos hospitais militares ingleses em pleno campo de guerra, dando início a profissionalização da enfermagem. Após seis anos, em reconhecimento ao trabalho de Nightingale o governo inglês financiou a organização da primeira escola para formação de trabalhadores de enfermagem, já estabelecendo separação entre enfermeiras administradoras e as prestadoras de cuidados. No Brasil, somente nas últimas décadas do século XIX é que iniciou-se o processo de profissionalização da enfermagem.

A partir dos anos 30, com a mudança no sistema econômico brasileiro, o crescente aumento de doentes que necessitavam de internações e a formalização da enfermagem como profissão, deu-se a entrada maciça das mulheres nas instituições de saúde, confirmando que este trabalho tem característica essencialmente feminina. Nesta época, a caridade continuava tendo sua importância, mas as diferenças fundamentais foram as exigências de treinamento e remuneração no ato de cuidar. (SILVA, 1986)

Segundo BORSOI; CODO (1995), o cuidado tornado profissão deixa de ser executado pela afetividade expressa e espontânea, seja na forma de carinho ou na forma de agressão, como pode ocorrer no ambiente doméstico. O trabalhador de enfermagem é preparado para auxiliar na recuperação do doente ou assisti-lo em sua dor. Ao remunerar o cuidado prestado, espera-se qualidade e para isso é necessário não só dominar as técnicas mas estar mediado também por afetividade, nem que a expressão deste afeto seja uma representação necessária, pois um dos códigos internalizados pela enfermagem é a devoção e generosidade em relação ao paciente.

O trabalho da enfermagem direcionado para um cuidar holístico do paciente, necessitou ser fragmentado para melhorar a organização e a produtividade do serviço, especializando os funcionários em executores de funções específicas. Assim, enquanto um trabalhador realiza cuidados básicos de alimentação e higiene do doente, outro administra os medicamentos e outro faz os curativos, etc.. Segundo BORSOI; CODO (1995), esta é uma divisão de trabalho semelhante ao de uma linha de montagem na qual quem circula é o funcionário. Desta forma, os trabalhadores se transformam em força de trabalho a ser objetivada e comprada de acordo com a demanda da função e por decorrência, o trabalho de cuidar adquire o caráter de mercadoria.

Este aspecto introduz elementos contraditórios na relação de cuidado do paciente, pois na assistência de enfermagem exige-se expressão de afeto na medida em que, na relação constante com o paciente, lida-se com sua dor, sua dependência e sua intimidade. Por outro lado esse cuidado é mediado por pelo menos três fatores complicantes e interrelacionados, tais como o salário, que é a fonte de sobrevivência do trabalhador; o fantasma da perda do paciente, seja por alta ou por óbito; e a obrigação de se mostrar frente ao paciente sempre como profissional, não lhe sendo permitido expressar preferências ou recusas, atração ou repulsa, por este ou aquele paciente.

O cuidar transformado em trabalho adquire caráter de mercadoria, que produzem efeitos danosos na saúde e no psiquismo do trabalhador.

Os trabalhadores de enfermagem prestam cuidados aos doentes, sem se importarem se são adultos, crianças, homens, mulheres, se sua doença é visível ou não, se é contagiosa ou não, enfim o cuidado tem que ser prestado considerando as especificidades dos quadros clínicos, mas não a aparência ou o caráter do paciente enquanto pessoa, o que significa que não deve haver discriminação de espécie alguma. O doente seja ele quem for, deve ser cuidado como alguém que busca alívio e ou cura para seu sofrimento. Para isso a enfermagem tem que prestar seus cuidados com técnicas adequadas a fim de tornar a estadia do paciente no hospital curta e menos dolorosa.

A dinâmica do trabalho de enfermagem não leva em consideração os problemas do trabalhador, onde cada indivíduo enfrenta no seu cotidiano dificuldades de toda ordem, fora e dentro do trabalho, mas se espera do profissional que ele jamais expresse junto ao paciente seus dissabores, ao contrário , espera-se serenidade. O modelo de mãe cuidadosa e abnegada é introjetado pela enfermagem.

DEJOURS (1994), afirma que "a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições emerge um sofrimento que pode se atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos e uma organização do trabalho que os ignora."

BELAND; PASSOS (1978), considera que as necessidades pessoais do trabalhador de enfermagem e sua ansiedade em relação às circunstâncias com as quais ele se defronta geralmente prejudicam o tipo de atendimento que ele sabe dar e que gostaria de poder dar, causando um sofrimento no profissional.

HADDAD (1985), observou um despreparo emocional do trabalhador de enfermagem no cuidado com pacientes terminais. A equipe se sentia ansiosa diante da aplicação de tratamentos agressivos, como a quimioterapia que provoca efeitos colaterais intensos e visíveis. Relatou que os profissionais não se sentiam preparados para enfrentar a morte do paciente, expressando sentimentos de impotência profissional. Muitas vezes a equipe de enfermagem se identifica com os pacientes temendo que lhes possa acontecer a mesma coisa e se sentem culpados quando o paciente morre.

De acordo com Menzies apud SELIGMANN-SILVA (1994), os sistemas sociais de defesa se formam, essencialmente, para possibilitar o convívio com situações potencialmente geradoras de ansiedade. Uma correlação importante pode ser traçada por esta autora entre a rigidez das estruturas defensivas desenvolvidas pela enfermagem e a intensidade do sofrimento mostrado pelos pacientes por eles cuidados. Observou que um caráter de negação e de distanciamento marcava estas defesas, cujo desenvolvimento sacrificava geralmente as possibilidades de sublimação e de vivência significativa dos conteúdos do trabalho. A autora examinou, em especial, como a organização parcelada do trabalho de enfermagem e a desqualificação, que esvazia os seus significados, atingem negativamente a vida psíquica da equipe propiciando o surgimento de um sistema socialmente estruturado de defesas psicológicas. Se por um lado, isto permite ao pessoal de enfermagem um certo grau de desempenho rotinizado, por outro, ocasiona importantes perdas tanto para a vitalidade de seu psiquismo individual, quanto para a qualidade do trabalho que desenvolvem.

BORSOI; CODO (1995), realizou um estudo com trabalhadores de enfermagem de um hospital escola, identificando um perfil histérico em 19,4% da população pesquisada, destacando que 33,3% desses casos eram de funcionárias lotadas na clínica de ginecologia e obstetrícia, seguida das clínicas médica e pediátrica com 21,3% e 20,3%, respectivamente e a clínica cirúrgica com o menor percentual de casos, 10%.

A histeria tem como base a angústia gerada por alguma forma de conflito. Pode ser tomada como dramatização de sintomas, se expressando ao nível de reações musculares e expressões corporais difusas. Revela uma espécie de falência ou fragilidade corporal frente a conflitos geradores de angústia. (BORSOI; CODO, 1995).

Nesta pesquisa, o autor encontrou vários aspectos curiosos, tais como, na maioria dos hospitais a clínica de ginecologia e obstetrícia é considerada como o setor menos estressante para trabalhar, porque neste serviço atendem-se clientes que não possuem doenças, ou seja, necessitam da instituição só para terem seus filhos. Mas neste hospital, conforme descrito na pesquisa, o serviço era de referência e recebia somente gestantes de alto risco ou pacientes com problemas ginecológicos graves, provocando nas trabalhadoras desajustes emocionais, pois com certeza vivenciavam sua impotência profissional e se identificavam com estas pacientes. Resultados semelhantes foram encontrados por HADDAD et al (1985).

Outro aspecto levantado por BORSOI; CODO (1995), foi que a maior concentração de trabalhadores com perfil histérico ocorreu em funcionárias que exerciam sua função no período diurno fixo, (33,3%), seguido do turno alternado (24,4%) e do turno noturno fixo (15,4%). Esta informação contraria os estudos realizados por PONTES (1992), que aponta que o rodízio do trabalhador em turnos dificulta sua relação familiar e social, e também que o trabalho realizado no período noturno é cansativo, desgastante e estressante, principalmente para os funcionários que tem outra jornada de trabalho durante o dia. Mas se considerarmos que a maioria dos procedimentos de enfermagem e médicos são executados durante o dia, é provável que os trabalhadores deste turno recebam maior pressão na realização das tarefas.

Esta pesquisa também demonstrou que a maior incidência de casos de histeria foi encontrado entre as trabalhadoras de nível universitário (28%), seguidos do nível secundário (19%) e primeiro grau (14,4%). Isto corrobora o que Graham (1987) apud BORSOI; CODO (1995), afirma acerca das pontuações da escala de histeria, ou seja, esta aumenta de acordo com a elevação da escolaridade do indivíduo. Como a enfermeira é o profissional responsável por todo o planejamento, execução e avaliação dos cuidados que são prestados ao paciente e concomitantemente assume toda a administração da unidade, estas atividades exigem que a enfermeira esteja atenta o tempo todo, pois qualquer anormalidade que possa ocorrer com o paciente ou na administração do setor deve ser imediatamente solucionada, provocando neste profissional um constante estado de alerta, o que sem dúvida o mantém estressado durante a sua jornada de trabalho.

Observa-se que apesar da modernização ocorrida nas relações de trabalho e nos métodos administrativos, a formação do profissional de enfermagem, seja a nível de graduação ou auxiliar sofre a influência dos princípios estabelecidos por TAYLOR. Pois ainda é preconizado que para se exercer uma administração científica é necessário otimização do processo produtivo, sendo necessário exercer uma supervisão constante nos integrantes da equipe de enfermagem, além de estabelecer-se uma divisão do trabalho, onde cada categoria profissional é responsável por um procedimento. A autoridade é utilizada como forma de poder, exigindo dos trabalhadores uma dedicação extremada, pois constantemente estão sendo "vigiados" pelos médicos ou outros profissionais da equipe de saúde, por administradores e até mesmo pelos doentes ou seus familiares. (FIGUEIREDO et al, 1996).

Estudos desenvolvidos por DEJOURS et al (1994), criticam o modelo taylorista e demonstram que é a organização do trabalho a responsável pelas conseqüências penosas ou favoráveis para o funcionamento psíquico do trabalhador.

Este autor, afirma que contra o sofrimento, a ansiedade e a insatisfação se constróem sistemas defensivos. Apesar de vivenciado, o sofrimento não é reconhecido. Se a função primeira dos sintomas de defesa, é aliviar o sofrimento, seu poder de ocultação volta-se contra os seus criadores. Pois sem conhecer a forma e o conteúdo desse sofrimento, é difícil lutar eficazmente contra ele.

DEJOURS et al (1994), ressalta que a ideologia defensiva é funcional a nível do grupo, de sua coesão, de sua coragem e é importante também a nível do trabalho, pois é a garantia da produtividade.

Nos dias atuais, com o aparecimento da AIDS, o aumento do número de pacientes portadores de doenças crônico-degenerativas e também com o desenvolvimento tecnológico da medicina, observa-se que o trabalho da enfermagem tem causando um grande sofrimento aos trabalhadores, que na maioria das vezes não sabem nem identificar o que está acontecendo, mas reagem faltando ao serviço, em muitos casos agridem os próprios pacientes ou seus colegas e superiores, não seguem as normas e rotinas da empresa, apresentam doenças como hipertensão arterial, diabetes mellitus, distúrbios gástricos e psicológicos, etc.. Acrescido a esses fatores, encontram-se as dificuldades econômicas enfrentadas por estes profissionais, pois como o trabalho de enfermagem recebe baixa remuneração, torna-se necessário que o funcionário mantenha duas jornadas de trabalho para poder sustentar sua família e ter uma vida digna. Neste contexto, o trabalhador de enfermagem suporta grandes sofrimentos e dificuldades para desempenhar seu trabalho.

PROGRAMA INTERDISCIPLINAR DE APOIO AO TRABALHADOR DE ENFERMAGEM

Para que a equipe de enfermagem possa prestar uma assistência adequada aos pacientes, com seus sentimentos de impotência profissional, ansiedade e medo minimizados, necessita receber apoio e acompanhamento de uma equipe interdisciplinar composta por profissionais especializados, que possam auxiliar o trabalhador na identificação do seus problemas e no entendimento da psicodinâmica do trabalho de enfermagem dentro das instituições hospitalares.

Schein (1982) apud ZANELLI (1996), reconhece as organizações como sistemas sociais complexos, recomendando que as questões levantadas com referência aos fatores do comportamento humano individual, dentro das organizações, têm de ser focalizadas de acordo com a perspectiva do sistemas social em sua totalidade.

ZANELLI (1994), descreve que existem várias possibilidades de abordar os problemas que ocorrem no contexto do trabalho, ressaltando que alguns autores insistem em demarcar a área do psicólogo, do sociólogo, do administrador, do antropólogo, do economista, etc. E óbvio que na prática, esses limites apresentam-se retóricos e uma multiplicidade de fatores intercruzam-se na produção dos fenômenos organizacionais, em qualquer de seus níveis. O campo dos estudos organizacionais faz parte do domínio de profissionais provenientes de diversas disciplinas científicas, muitas vezes com considerável superposições entre si.

Considerando todos os aspectos acima levantados e fundamentados em nossa prática profissional, onde somos responsável por 850 trabalhadores de enfermagem que atuam num hospital escola, e também em nossas dificuldades no enfrentamento de todos os problemas sociais e administrativos, que se assemelham aos que foram descritos, acreditamos que somente um trabalho efetivo e desenvolvido por uma equipe interdisciplinar, poderá minimizar este sofrimento vivido tanto pelos trabalhadores que atuam diretamente com o paciente como também pelos administradores dos serviços de enfermagem.

Sugerimos que esta equipe seja coordenada por um psicólogo organizacional e constituída por assistente social, enfermeira, pedagogo, sociólogo e médico, com a finalidade de desenvolver um Programa de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem. Outros profissionais poderão ser incluídos na equipe de acordo com as necessidades da instituição. Ressaltamos que este grupo deverá ser administrativa e politicamente vinculado a divisão de recursos humanos do hospital.

Fundamentados nos estudos realizados por ZANELLI (1996), e baseados em nossa vivência e necessidade profissional, esta esquipe poderá realizar as seguintes atividades:

. recrutamento, seleção e colocação de pessoal - considerando que o profissional de enfermagem desempenha uma atividade altamente estressante, por ser exercida diante de situações críticas pelas quais passa o ser humano, é necessário que esta equipe durante o processo de recrutamento expresse com clareza o perfil do profissional que deseja selecionar, ou seja indivíduos com experiência na área, portador de cursos de aperfeiçoamento e especializações, etc. No processo de seleção deverão ser utilizados instrumentos que avaliem a capacidade técnica do candidato como também a sua capacidade emocional em enfrentar situações críticas. Poderá ser utilizado além de instrumentos escritos, a técnica de entrevista coletiva, onde será avaliado a resposta do candidato em comparação aos demais.

É muito importante que o enfermeiro da equipe faça o acompanhamento do indivíduo, principalmente no primeiro mês de trabalho, para proporcionar uma adequada integração e adaptação à instituição, oferecendo oportunidades de familiarizá-lo com os objetivos, filosofia e dinâmica do hospital.

. avaliação de desempenho - este processo é considerado complexo e desagradável para muitos gerentes de enfermagem, mesmo quando existem sistemas de avaliações padronizados, portanto é necessário que esta equipe prepare e acompanhe os avaliadores, destacando sempre que o importante é o relacionamento entre o chefe e o subordinado, e que uma boa comunicação e parceria no trabalho, aumenta a produtividade e qualidade do serviço. Quando o trabalhador é ouvido e respeitado pelos seus superiores, com certeza realiza suas tarefas com mais envolvimento e responsabilidade.

. treinamento e desenvolvimento de pessoal - esta é uma das atividades mais importante para serem desempenhadas por esta equipe. O treinamento em serviço é o processo pelo qual não só se capacita o profissional tecnicamente, mas principalmente desenvolve nos trabalhadores o senso crítico e a motivação para a gerência participativa, processo pelo qual poderão ser partilhadas as responsabilidades e as dificuldades encontradas no serviço. É importante ressaltar que os treinamentos deverão ser realizados durante o horário de trabalho, através de metodologias ludo-pedagógicas e dinâmicas de grupos, possibilitando a participação ativa do trabalhador. Os conteúdos deverão sempre ser determinados em conjunto com os funcionários. Nesta atividade é muito importante refletir juntamente com o servidor sobre as políticas trabalhistas e a necessidade de se desenvolverem profissionalmente, estimulando-os a freqüentarem outros cursos que os capacite para promoção dentro da instituição ou mesmo fora dela. Esta equipe deverá também, desenvolver programas para promoção da qualidade de vida no trabalho, conscientização do trabalhador sobre lazer e para preparação dos funcionários para aposentadorias, etc..

. desenvolvimento organizacional, solução de problemas e tomada de decisões - Implantar programas de desenvolvimento e acompanhamento permanente dos líderes de equipe é extremamente necessário, pois uma das principais solicitações dos gerentes é:" qual estratégia posso utilizar para manter a equipe motivada e produtiva para o trabalho, diante de salários tão baixos?", "como resolver os conflitos entre os funcionários?", entre outros questionamentos. Esta equipe deverá assessorar os gerentes na implantação de modernas técnicas de administração dos serviços e principalmente incentiva-los e apoia-los a assumirem riscos.

. identificar a cultura organizacional - a psicodinâmica do trabalho da enfermagem é muito complexa, portanto a equipe interdisciplinar deve estar em sintonia com a administração e desenvolver mecanismos para identificar a motivação no trabalho, as atitudes pessoais frente a determinados assuntos. a satisfação pessoal, moral e clima no trabalho, formação e funcionamento dos grupos no trabalho, resolução de conflitos interpessoais e intergrupais, desenvolvimento de lideranças, promoção e manutenção da saúde mental no trabalho, avaliação dos custos psicológicos e fisiológicos do trabalho, avaliação da psicologia do cliente, avaliação e acompanhamento do trabalhador com disfunções psicológicas, avaliação e acompanhamento dos sistemas de trabalho, avaliação das estruturas do poder, identificação dos setores que produzem mais estress no trabalhador, avaliação da produtividade, rotatividade e absenteísmo, etc.. Este processo é uma das atividades mais complexas e demoradas que deve ser desenvolvida pela equipe, mas que trará muitos subsídios para os gerentes das instituições, principalmente dos hospitais públicos que mudam de governantes a cada 4 anos.

Recomendamos que as instituições que consigam desenvolver este programa exijam que os novos administradores analisem profundamente a cultura do hospital antes de iniciar seu trabalho.

A equipe poderá recorrer aos estudos realizados por SHINYASHIKI (1995), que fez um amplo levantamento bibliográfico sobre cultura organizacional. Este autor destaca que no processo de mudança da cultura, o conceito de socialização torna-se cada vez mais útil para o administrador planejar ações que podem ser tomadas no nível das políticas de recursos humanos para manter ou desencadear um processo de mudança, entretanto, reconhece o quanto o processo de socialização é complexo para identificar os pressupostos básicos que sofrem influência pela socialização ocorrida na empresa, enfatizando que o processo de planejamento de mudanças precisa ser mediado pela cultura organizacional. Afirma que o conceito de cultura é cada vez mais relevante para o estudo da Administração, considerando que o conhecimento da cultura torna-se essencial para viabilizar as estratégias e o processo de mudanças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para atingir seus objetivos é necessário que a equipe responsável pelo Programa Interdisciplinar de Apoio ao Trabalhador de Enfermagem desenvolva suas atividades com harmonia, centralizando seu trabalho na identificação dos problemas, no planejamento das estratégias a serem adotadas e na avaliação constante dos resultados obtidos, sempre em conjunto com a administração e trabalhadores da instituição.

ZANELLI (1996), ressalta que nascemos e morremos dentro das organizações de trabalho. As sociedades se organizam em função do trabalho. O trabalho é um núcleo definidor do sentido da existência humana. Toda a nossa vida é baseada no trabalho, portanto, devemos torná-lo o mais prazeroso possível.

  • BELLAND, I. L.; PASSOS, J. Y. Enfermagem clínica: aspectos fisiopatológicos e psicossociais. São Paulo, EPU/EDUSP, 1978. v. 1.
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  • FIGUEIREDO, N.M.A. et al. (Trans)cuidar: (re)visitando a administração de Taylor "um outro paradigma". Rio de Janeiro, Gráfica UERJ, 1996.
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  • SELIGMANN - SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado . Rio de Janeiro, Cortez, 1994.
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  • SILVA, G.B. da Enfermagem profissional : análise crítica. São Paulo, Cortez, 1986. cap. 3, p. 73-81: Medicina e enfermagem na sociedade brasileira.
  • ZANELLI, J. C. O psicólogo nas organizações de trabalho Florianópolis, Paralelo, 1994. p. 27-34.
  • __________________ . Significado do trabalho . Florianópolis,Universidade Federal de Santa Catarina, 1996. /Apostila/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1998
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