Resumos
Objetivo: Investigar o ensino prático de residentes de Enfermagem de uma residência oncológica multiprofissional. Método: Pesquisa descritiva qualitativa, embasada na metodologia da problematização e em suas etapas, representadas pelo Arco de Maguerez. Os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo. Resultados: Elementos potencializadores e limitantes da residência nortearam o desenho de um protocolo de ensino prático na perspectiva dos residentes, estruturado em três etapas: acolhimento e ambiência; cuidados de Enfermagem a partir de situações-problema e processo de avaliação. Conclusão: A sistematização do ensino prático promoveu a autonomia dos sujeitos e a aproximação do ensino à realidade, tornando a residência menos extenuante, aflitiva e estressante.
Educação em enfermagem ; Aprendizagem baseada em problemas ; Internato não médico ; Preceptoria; Enfermagem oncológica
Resumos
Objective: To investigate practical teaching of nurse residents in a multidisciplinary residency in oncology. Method: A qualitative descriptive study grounded in the problematization methodology and its steps, represented by the Maguerez Arch. Data were analyzed using content analysis. Results: Potentiating and limiting elements of the residency guided the design of a practical teaching protocol from the perspective of residents, structured in three stages: Welcoming and ambience; Nursing care for problem situations; and, Evaluation process. Conclusion: Systematization of practical teaching promoted the autonomy of individuals and the approximation of teaching to reality, making residency less strenuous, stressful and distressing.
Education, nursing; Problem-based learning; Internship nonmedical; Preceptorship; Oncology nursing
Objetivo: Investigar la enseñanza práctica de los residentes de enfermería de una residencia oncológica multiprofesional. Método: Investigación descriptiva cualitativa, basada en la metodología de problematización y en sus etapas, representadas por el Arco de Maguerez. Los datos fueron analizados mediante el análisis de contenido. Resultados: Tanto factores potenciadores y limitantes de la residencia guiaron el diseño de un protocolo de enseñanza práctica desde la perspectiva de los residentes, estructurado en tres etapas: acogida y ambiente; cuidados de enfermería a partir de situaciones problema y proceso de evaluación. Conclusión: La sistematización de la enseñanza práctica promueve la autonomía de los sujetos y la aproximación de la enseñanza a la realidad, haciendo la residencia menos agotadora, angustiante y estresante.
Educación en enfermería; Aprendizaje basado en problemas; Internato no médico; Preceptoria; Enfermería oncológica
Introdução
A residência é considerada uma modalidade de treinamento em serviço, tendo como base a aprendizagem pela prática cotidiana. Essa prática se caracteriza pela aquisição progressiva de atributos técnicos e relacionais, fundamentais no desenvolvimento do profissional aprendiz, através da exposição a situações próprias para a formação, não artificiais e nem artificializadas, mas que representam momentos do dia a dia pensados para serem didáticos(1).
A reflexão crítica sobre os processos de trabalho – mesmo em condições de alienação e de subordinação a uma lógica que dificulta o exercício profissional como prática criadora e capaz de dotar os sujeitos de satisfação – é uma condição necessária para ampliar as dimensões realizadoras do trabalho na saúde. Nesse cenário é importante compreender que as principais questões contemporâneas sobre educação estão profundamente relacionadas às novas demandas do processo de trabalho, motivadas pelas mudanças na produção e difusão de bens e conhecimentos gerados pelos avanços científico-tecnológicos em nossa sociedade(2).
Este estudo tem foco em uma residência multiprofissional que busca formar profissionais de saúde críticos e reflexivos, preparados para atuar de forma integral e interdisciplinar na Atenção Oncológica, em diferentes modalidades: promoção da saúde, prevenção de agravos, rastreamento, detecção precoce, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos.
Para tanto, foi necessário adequar todo o processo de formação profissional à diversidade e à complexidade do cotidiano de prática em uma instituição oncológica. O Ministério da Saúde aponta que tal disposição implica o enfrentamento de alguns desafios, tais como(3): a substituição do modelo de ensino focado no professor por atividades de aprendizagem centradas na reflexão sobre a realidade, de maneira a articular teoria e prática;a superação do modelo disciplinar fragmentado pela construção de um currículo interdisciplinar, no qual o eixo da formação articula processos de ensino, pesquisa, gestão e assistência em equipe multiprofissional, tendo a integralidade do cuidado como tema transversal; o rompimento com a polarização individual versus coletivo e biológico versus social; a transformação da concepção de avaliação como processo punitivo para uma avaliação inclusiva, diagnóstica e processual.
Tal desafio pressupõe domínio teórico-metodológico da concepção de educação problematizadora por parte dos atores envolvidos no panorama da residência: gestão, docência, preceptoria, tutoria.
Nesse sentido, há tempos são reconhecidos métodos de aprendizagem ativa, organizados a partir de situações-problema que valorizam o aprender a aprender. A reflexão sobre problemas cotidianos desencadeia a busca de fatores explicativos e a proposição de soluções. Os conteúdos são reconstruídos pelo aprendiz que reorganiza e adapta o conteúdo à sua estrutura cognitiva prévia, descobrindo relações, leis ou conceitos que precisará assimilar(4).
A Metodologia da Problematização (MP), enquanto proposta educacional ativa e crítica de trabalho pedagógico, encontra fundamentação e respaldo na Filosofia da Práxis de Adolfo Sánchez Vásquez e na Pedagogia Libertadora/Problematizadora de Paulo Freire com inspiração nos princípios do Materialismo Histórico Dialético(5).
Este artigo tem com o objetivo aprofundar o conhecimento sobre o ensino prático em uma residência oncológica multiprofissional, advindo da aplicação da metodologia da problematização com residentes de enfermagem.
Método
A pesquisa descritiva de abordagem qualitativa foi desenvolvida durante o ano de 2012 em um hospital-ensino da rede pública do Rio de Janeiro, que oferece o Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia (PRMO).
O estudo envolveu residentes de Enfermagem do 1º ano do PRMO, ingressos em 2012. Os participantes da pesquisa compuseram um grupo jovem (23 a 29 anos), com no máximo dois anos de formados, sendo a maioria mulheres solteiras e naturais de outros estados, totalizando nove sujeitos.
O método da pesquisa está embasado na MP e em suas etapas, representadas pelo Arco de Maguerez (Figura 1).
O arco de Maguerez tem como base a realidade vivida, na qual se procura trabalhar a vida real, ou seja, a realidade como ponto de partida. O estudo processa-se em cinco fases: observação da realidade → pontos-chave → teorização → hipóteses de solução → aplicação à realidade, voltando para essa mesma realidade, na intenção de transformá-la em algum nível(6).
Logo, os dados foram obtidos por meio de observação participante e registros em diário de campo, a partir de encontros com os residentes participantes da pesquisa, conduzidos e baseados nas etapas do Arco de Maguerez e MP, e detalhados na Figura 2.
No 1º encontro os residentes, pela observação da realidade, identificaram em seu ambiente profissional possíveis situações-problema relacionadas à residência. Nesta etapa, a pesquisadora buscou instigar, motivar e debater as principais situações, questões ou problemas de cunho teórico ou prático vivenciados pelos residentes. Na sequência, o grupo selecionou uma situação-problema principal que atendia de maneira geral aos seus anseios, refletindo e expressando individualmente seu entendimento quanto às possíveis razões e dimensões para a existência e manutenção do problema destacado, listando seus questionamentos (pontos-chave). No próximo passo da coleta (dispersão), os residentes tiveram quinze dias para buscar, individualmente ou em grupo, dados e informações para fundamentação das dimensões/razões da situação-problema – teorização – e, assim, levantaram as hipóteses de soluções. No 2º encontro, a pesquisadora retomou a situação-problema principal, questionando quais as estratégias de busca utilizadas pelos participantes. Posteriormente, foram apresentadas e debatidas as informações trazidas por estes, gerando uma síntese com sua percepção individual sobre o problema, fatores potencializadores e limitantes, suas causas/dimensões e se houve mudança em seu grau de conhecimento. Imediatamente, os residentes expuseram possíveis soluções, compromissos, encaminhamentos e novas ações práticas aplicáveis para a problemática em questão, findando com a elaboração de um protocolo de ensino prático – aplicação à realidade.
Durante cada um dos encontros, as pesquisadoras mediaram as discussões do grupo, digitando e projetando em data show simultaneamente as sínteses para garantir visualização e análise coletiva. Após as sessões, foram solicitadas análises individuais dos participantes e efetuados registros em diário de campo, resultantes da observação participante das pesquisadoras. Os registros individuais foram digitados, identificando-se os participantes através de letras de A a I.
Para tratamento dos dados foi adotada a técnica de Análise de Conteúdo(7), seguindo três etapas: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; e 3) o tratamento dos resultados e interpretação. Assim, o material de pesquisa oriundo dos registros do diário de campo e das sínteses foi reunido e organizado a partir da leitura flutuante. Num segundo momento, os dados foram codificados a partir das unidades de registro e, na sequência, foram categorizados, classificando os elementos segundo suas semelhanças e por diferenciação, com posterior reagrupamento, em função de características comuns(7).
Ressalta-se que o projeto foi aprovado por um Comitê de Ética sob registro CAAE/03454912.0.0000.5243, atendendo aos princípios éticos da Resolução 466/2012(8).
Resultados
A análise dos dados permitiu identificar fatores potencializadores e limitantes do ensino prático no PRMO que permearam todo o processo de pesquisa. Foram considerados elementos potencializadores: o avançado aporte de recursos tecnológicos; e a estrutura física/equipamentos à disposição do PRMO, que são apropriados para as atividades de ensino, pesquisa e assistência, possibilitando o aprimoramento do conhecimento científico e tecnológico em saúde pelos residentes. Quanto aos fatores limitantes, foram identificados: a (pouca) percepção do preceptor sobre seu papel educativo; a dissociação entre teoria e prática; e a inadequação dos processos de supervisão e avaliação das atividades dos residentes.
Assim, tendo como pressupostos os fatores limitantes, foram identificadas categorias ligadas ao ensino prático na referida residência, a saber: 1) a estruturação de uma sistemática de acolhimento e ambiência para novos residentes; 2) o planejamento e a implementação dos cuidados de Enfermagem a partir de situações-problema; e 3) a reorganização do processo de avaliação. Partindo da análise destas categorias, pôde-se desenhar um Protocolo de Ensino Prático. Este foi proposto pelo grupo participante da pesquisa, na perspectiva de orientar ações educativas fundamentais a serem desempenhadas pelos diversos profissionais envolvidos com o PMRO, conectando os responsáveis e suas ações, conforme descrito no Quadro 1.
Protocolo de Ensino Prático, com seus respectivos responsáveis e ações - Rio de Janeiro, Brasil, 2013
Cabe lembrar que tais atores no cenário da residência multiprofissional desempenham papéis distintos em diferentes momentos, a saber: coordenação geral de ensino (coordenador designado pelo diretor-geral do instituto), coordenação da área de ensino multiprofissional e coordenador específico da área de Enfermagem (coordenadores indicados pela comissão de ensino e homologados pelo coordenador geral), tutoria (líder do serviço – enfermeiro administrativo do setor e/ou supervisor, gerente de Enfermagem), docentes (profissionais vinculados à área educacional da instituição e profissionais gerenciais/assistenciais com expertise nas áreas trabalhadas), preceptoria (enfermeiros assistenciais) e comissão de ensino (comissão formada pela participação do coordenador da área de ensino, membro da coordenação do curso/programa, representante de cada unidade do instituto, representante docente e discente).
Discussão
A discussão dos resultados remete aos apontamentos do Protocolo de Ensino Prático, detalhado no Quadro 1.
Estruturação de uma Sistemática de Acolhimento e Ambiência
O dicionário Aurélio descreve acolhimento como ato ou efeito de acolher; recepção; refúgio, guarida(9). Já a Política Nacional de Humanização define acolhimento como
recepção do usuário, desde sua chegada, responsabilizando-se integralmente por ele, ouvindo sua queixa, permitindo que expresse suas preocupações, angústias, e ao mesmo tempo, colocando os limites necessários, garantindo atenção resolutiva e a articulação com os outros serviços de saúde para a continuidade da assistência quando necessário(10).
O outro ponto, a ambiência para a Enfermagem, é tida como uma preocupação há tempos. Florence Nightingale idealizou a Teoria de Ambientes, afirmando que o indivíduo tem suas defesas naturais influenciadas por um ambiente saudável ou não, um ambiente com condições externas capaz de prevenir doenças, suprimi-las ou agravá-las(10). Assim, cabe à Enfermagem, enquanto profissão de contato com o paciente, modificar os aspectos não saudáveis da atmosfera, promovendo melhores condições para a natureza agir. Florence referia-se a este ambiente como terapêutico, favorável ao processo reparativo mediante o uso do ar puro, da luz e do calor, da limpeza, do repouso, com o mínimo dispêndio das energias vitais do paciente(11).
Acolhimento e ambiência são dois conceitos que na ótica da saúde referem-se ao paciente ou usuário dos serviços. Porém, tais definições podem perfeitamente ser aplicadas a profissionais e residentes. Uma instituição de saúde que se propõe a formar trabalhadores, precisa recebê-los com cuidado, desde sua chegada, responsabilizando-se integralmente por eles, ouvindo suas expectativas, permitindo que estes expressem suas preocupações, dúvidas, integrando-os a uma equipe de saúde multiprofissional, supervisionando suas atividades, além de promover um espaço tranquilo e propício ao aprendizado.
Dentre os responsáveis institucionais pelo ensino do residente, predomina a figura do preceptor, visto sua atuação direta com este, ao assumir inúmeras funções. Algumas vezes mostra o caminho, serve como guia, outras vezes estimula o raciocínio e a postura ativa do residente. Muitas vezes planeja, controla o processo de aprendizagem e analisa o desempenho. Mas também aconselha, usando de sua experiência, cuidando do crescimento profissional e pessoal do jovem aprendiz(12).
A interação entre preceptor e residente é permeada por relações, seja profissionais ou pessoais, advindas do convívio diário no âmbito do trabalho, onde trabalhadores especialistas compartilham saberes e vivências com enfermeiros residentes, em sua maioria, recém-formados e inexperientes. Para dar início a uma relação produtiva, é essencial que os envolvidos se interessem e aceitem suas atribuições no contexto em questão. As falas abaixo representam a interpretação dos enfermeiros residentes frente a sua recepção, seu acolhimento e sua ambientação na residência.
As possíveis causas para este problema são: falta de tempo da parte dos preceptores para com os residentes; falta de interesse em querer ensinar da parte do preceptor escolhido, que, por sua vez, não aceita o cargo (Fala registrada em diário de campo).
Os preceptores não são preparados/capacitados para tal, não têm perfil, não gostam de ensinar, consideram o residente trabalho em dobro (Fala registrada em diário de campo).
Planejamento e Implementação dos Cuidados de Enfermagem a partir de Situações-Problema
Historicamente, o ensino na saúde tem sido pautado no uso de métodos tradicionais, oriundos do padrão mecanicista, cartesiano, flexneriano. Nesse modelo conservador de ensino-aprendizagem, o professor é colocado no centro do processo educativo como transmissor de conteúdos, enquanto cabe ao aluno ser um mero expectador, passivo e repetidor(13).
Paralelamente, o mercado de trabalho tem exigências crescentes de produtividade e de qualidade, com competências para além da destreza técnico-instrumental, requerendo também a flexibilidade intelectual, tendo em vista as necessidades de melhoria contínua dos processos de produção de bens e serviços. Consequentemente, o trabalho não qualificado, fragmentado, repetitivo e rotineiro é substituído por novas formas de organização, por um trabalho polivalente, integrado, em equipe, com mais flexibilidade e autonomia(14).
Tradicionalmente a formação em saúde, e na Enfermagem, está centrada na reiteração rígida de tarefas, normas e rotinas distantes da realidade, realizadas sem reflexão prévia, gerando profissionais submissos, alienados e acríticos. Decorre daí a necessidade de mudanças no campo educacional desde a graduação, com a adesão de métodos pedagógicos alternativos, como a problematização da realidade, almejando a formação de profissionais ativos e capazes de intervir na realidade em questão. Além disso, a mudança é paradigmática, com necessidades explícitas de incorporação de novas tecnologias que contemplem a integralidade, a diversidade, a globalização e a incerteza do cotidiano dos trabalhadores da saúde(15).
Considerando a constante transformação na instrução do docente de Enfermagem quanto à evolução no ensino, proveniente da mutabilidade da saúde, esta deve trazer consigo a perspectiva de um aprender reflexivo, uma formação crítica, que construa autonomia e criatividade(16).
Dentre as atribuições do enfermeiro com o cuidar, está o processo de Enfermagem, um movimento de identificação do problema/necessidade do cliente assistido, operacionalizando-se em etapas, como a coleta de dados ou histórico de enfermagem; diagnóstico de enfermagem; planejamento de enfermagem; implementação e avaliação de enfermagem. Portanto, trata-se de uma sistemática dinâmica, que requer do profissional base científica, conhecimento, habilidades e atitudes pautados no compromisso ético, na responsabilidade e no assumir o cuidar do outro(17).
Sabe-se que o transcurso do diagnóstico de Enfermagem consiste numa gama de atividades cognitivas e perceptivas em que as observações conduzem às inferências que, por sua vez, conduzem a mais observações, tornando-se um método cíclico. Deste modo, entende-se que esse conjunto de atividades exige diversas competências, como o pensamento crítico para a assimilação e categorização das informações obtidas, na expectativa de se compreender a heterogeneidade e complexidade das respostas humanas aos problemas de saúde ou situações de vida. Frente a esse contexto, acredita-se que a tomada de decisão do enfermeiro deverá ser pautada na avaliação criteriosa de sinais e sintomas apresentados pelo paciente, na compreensão de suas relações, e na relevância para o cuidado. Assim sendo, salienta-se a necessidade de utilização de estratégias que desenvolvam habilidades de pensamento crítico, tanto no ensino como na prática clínica de enfermagem(18).
Para o aprendizado do sujeito, é fundamental que este assimilar e compreender estejam articulados com a realidade do aprendiz, partindo de seu contexto e valorizando seus conhecimentos empíricos, ou seja, seus saberes construídos além do mérito do ensino propriamente dito. Inexiste ensinar sem aprender, exigindo a existência de quem ensina e de quem aprende(19). Assim se consolida uma aprendizagem significativa, baseada na experiência ancorada em conhecimentos prévios dos alunos. Novas informações adquiridas lhe dão sentido e não representam somente simples memorização.
Ensino é o processo pelo qual o aprender é facilitado por outra pessoa, possibilitando que o educando vivencie situações com potencial de modificações na vida concreta. Este progresso é baseado fundamentalmente em três componentes: alguém que ensina e alguém que aprende, e algo que o primeiro ensina ao segundo. Aprender é reflexo manifesto da experiência do aluno ao ensino dos conhecimentos específicos facilitados pela instrução do professor, e se baseia em determinadas táticas propostas pela formação que se anseia, contribuindo com a vivência do educando antes de tudo como ser no mundo(20).
É amplamente aceito que estratégias de aprendizado que incluem uma aproximação integradora ao conhecimento proporcionam melhores resultados do que uma aproximação superficial (ou reprodutora) baseada na memorização, em que a motivação advém do medo de falhar associado com a alta demanda de trabalho. O aprendizado obtido sofre fortes influências de motivação para tal e estratégias que despertem essa motivação são influenciadas pelo contexto no qual o aprendizado acontece, assim, almeja-se com a MP, uma aproximação profunda e motivada pelo desejo intrínseco de aprender, que resulte num entendimento integrado e pessoal(21).
A fala de um dos participantes da pesquisa sintetiza a angústia do grupo, por não se considerarem ativos em seu próprio processo de ensino-aprendizagem.
Alguns preceptores não dão relevância à opinião, considerações teóricas e até práticas apontadas pelos residentes. Muitos, sequer ouvem, outros nem sequer discutem (Fala registrada em diário de campo).
Tal discurso reforça a ideia trabalhada em um estudo(22), segundo o qual o educador necessita, neste processo de ensino-aprendizagem fundamentado nos pressupostos da MP, oferecer oportunidades de cuidado, ter a sensibilidade para selecionar as situações da realidade consideradas problemáticas e reconhecer as potencialidades e dificuldades dos estudantes, valorizando experiências anteriores e saberes prévios, sendo uma força motivadora para a construção coletiva dos conhecimentos. Isso para que os conteúdos possam emergir da realidade vivida pelos educandos e educador, a partir do contexto de cuidado da clientela.
A ação pedagógica precisa levar em conta as potencialidades dos alunos, contribuindo para a formação de profissionais mais bem qualificados e mais humanos; oportunizando o resgate de suas necessidades e valorizando seu contexto e individualidade, minimizando as falhas e desigualdades das políticas de saúde e educação de nosso país(23).
Reorganização do Processo de Avaliação
Na problematização, professores e estudantes são mediados pela realidade que aprendem e da qual extraem o conteúdo da aprendizagem, a fim de atuarem nela, possibilitando a transformação social. Portanto, o que é aprendido não decorre da imposição ou da memorização, mas do nível crítico de conhecimento ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica(24). Assim, a MP constitui uma estratégia de ensino que vislumbra a formação de profissionais mais atuantes, meditativos e questionadores, capazes de trabalhar em equipe e de aprender juntos.
Ao final do processo de ensino, o professor e aluno realizam uma avaliação. Particularmente na problematização, o professor avalia seu trabalho e o de cada aluno. Os estudantes também se autoavaliam e avaliam seus pares e o professor. Esta etapa torna-se parte constituinte na construção do próprio conhecimento e requer habilidades e posturas diferenciadas de professores e de estudantes. É um rico momento de compreensão sobre si e sobre o outro(25).
Avaliar vem do latim a + valere, que significa atribuir valor e mérito ao objeto em estudo(25). Portanto, avaliar é atribuir um juízo de valor sobre a propriedade de um processo para a aferição da qualidade do seu resultado. A partir desse conceito é possível entender que a verificação pode não ser o único propósito da apreciação, assim, o objetivo da aferição do desenvolvimento do ensino poderá não ser a aprovação ou reprovação do aluno, mas o direcionamento da sua aprendizagem e seu consequente desenvolvimento(25).
O processo avaliativo do residente deve compreender sua formação na dimensão teórica, científica, na capacidade de reflexão, arguição e decisão, além dos aspectos práticos, técnicos, destreza e habilidades manuais. Considera o aprendizado adquirido pelo residente através da troca de experiências vividas no trabalho, na criação do novo saber e prática, obtidos pela reflexão no fazer e vivência do processo. Deste modo, ao se lidar com estratégias pedagógicas inovadoras e críticas, é imprescindível que a avaliação também seja inovadora, considerando não apenas pontos quantitativos, mas o desenvolvimento qualitativo e crescimento profissional do residente.
Posto isto, a avaliação é a propulsão de todo o ciclo de ensino-aprendizagem, visto ser por meio desta que diagnosticamos as fragilidades e potencialidades, traçamos e executamos o planejamento do que deve orientar os processos de mudança e acompanhamos os resultados(26).
As críticas feitas pelos residentes aos preceptores não são levadas de fato em consideração. Não é dado o real valor à opinião do residente (Fala registrada em diário de campo).
(...) falta uma avaliação clara para pontuar a atuação de cada um e assim ter um feedback entre as mesmas (Residente A).
Conclusão
O ensino em saúde é tarefa complexa e requer dos implicados no contexto, um olhar diferenciado e sensível à dinamicidade deste processo, que exige escuta, flexibilidade, sensatez, disponibilidade e pró-atividade. Considerando o panorama da residência, o profissional de saúde/enfermeiro/preceptor é fundamentalmente um educador e sua atuação envolve não apenas o residente, mas a equipe multiprofissional, o paciente e os familiares/cuidadores. Dessa forma, deve haver comprometimento com um aprendizado crítico e libertador. No entanto, na atividade laboral os métodos educativos convencionais ainda são hegemônicos, priorizando o repasse de informações, a individualidade e a prática repetitiva. A ausência de uma sistematização do ensino prático na residência, principalmente oncológica, com toda a carga emocional associada, contribui para torná-la extenuante, aflitiva e estressante para os atores envolvidos.
Em contrapartida, a problematização se configura de maneira flexível, podendo ser adotada de maneira isolada em um conteúdo, seja teórico ou prático, ou ainda implementada em todo o currículo do programa em questão. Mas esta pedagogia inovadora requer de seus atores maior envolvimento, cabendo aos professores a tutoria do processo, habilidade em promoção e condução do diálogo, estimulando a autonomia dos alunos e a estes alunos compete a corresponsabilização por seu aprendizado.
Assim, o processo de pesquisa permitiu a construção de um protocolo de ensino prático no cenário da residência oncológica, oportunizando o estímulo à autonomia dos sujeitos e aproximação do ensino à realidade. Os residentes foram provocados pela MP, que emergiu como uma tática pedagógica, ressignificando conceitos e valores.
A aplicação da problematização no ensino prático em saúde guarda o potencial de transformar o olhar curioso do senso comum em um ato contextualizado, avançando irreversivelmente e qualitativamente no processo de formação do profissional e do ser humano. Nesse movimento é preciso ter consciência de que novos processos pressupõem ações para além da prática, que implicam desacomodação e muitas vezes ruptura com o conhecido na direção de uma assistência transformadora. Esta, sim, capaz de elevar todos os sujeitos ao papel de protagonistas na superação de limitações e na construção de um indivíduo e trabalhador construtivo, criativo, questionador, interessado e ativo, atuante e transformador dos diversos cenários de sua realidade e empenhado na melhoria do cuidar em saúde.
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Extraído da dissertação "A residência como cenário educativo para enfermeiros: o uso da metodologia da problematização", do Programa de Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, 2013
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Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, processo nº 1236/2010
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Ago 2014
Histórico
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Recebido
18 Out 2013 -
Aceito
13 Maio 2014



