Boas práticas para prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica no serviço de emergência

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a conformidade do conjunto de boas práticas para prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica no serviço de urgência e emergência de um hospital universitário.

Método:

Estudo transversal, analítico e de abordagem quantitativa, realizado em um hospital universitário na cidade de São Paulo. A amostra do estudo foi composta de oportunidades de observações dos cuidados que compõem o conjunto de boas práticas para prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica, prestados aos pacientes intubados internados no serviço de Urgência e Emergência.

Resultados:

Foram realizadas 209 observações em 42 pacientes. Dos pacientes internados, 23,8% desenvolveram pneumonia associada à ventilação mecânica, e 52,4% foram a óbito. Das cinco medidas preconizadas para a prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica, apenas duas apresentaram conformidade acima de 50%.

Conclusão:

Os cuidados prestados aos pacientes não estão em conformidade com o recomendado na literatura, o que demonstra a necessidade de renovação periódica das práticas educativas da equipe e o desenvolvimento de projetos de auditoria para assegurar melhorias no processo assistencial.

DESCRITORES:
Enfermagem em Emergência; Respiração Artificial; Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica; Pacotes de Assistência ao Paciente; Melhoria de Qualidade

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the conformity of the set of good practices for preventing ventilator-associated pneumonia (VAP) in the emergency department of a university hospital.

Method:

A cross-sectional analytical study with a quantitative approach, conducted in a university hospital in the city of São Paulo. The study sample consisted of opportunities for care observations that comprise the set of good practices for preventing ventilator-associated pneumonia provided to intubated patients hospitalized in the emergency department.

Results:

A total of 209 observations were performed in 42 patients. Of the hospitalized patients, 23.8% developed VAP, and 52.4% died. Of the five recommended measures for preventing VAP, only two presented compliance above 50%.

Conclusion:

The care provided to patients is not in line with what is recommended in the literature, which demonstrates the need for periodic renewal of the team’s educational practices and the development of auditing projects to ensure improvements in the care process.

DESCRIPTORS:
Emergency Nursing; Respiration, Artificial; Pneumonia, Ventilator-Associated; Patient Care Bundles; Quality Improvement

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la conformidad del conjunto de buenas prácticas para prevención de neumonía asociada con la ventilación mecánica en el servicio de urgencias y emergencia de un hospital universitario.

Método:

Estudio transversal, analítico y de abordaje cuantitativo, realizado en un hospital universitario de São Paulo. La muestra del estudio estuvo compuesta de oportunidades de observaciones de los cuidados que componen el conjunto de buenas prácticas para la prevención de la neumonía asociada con la ventilación mecánica, prestados a los pacientes intubados hospitalizados en el servicio de Urgencias y Emergencia.

Resultados:

Se llevaron a cabo 209 observaciones en 42 pacientes. De los pacientes hospitalizados, el 23,8% desarrollaron neumonía asociada con la ventilación mecánica, y el 52,4% fallecieron. De las cinco medidas preconizadas para la prevención de neumonía asociada con la ventilación mecánica, solo dos presentaron conformidad por encima del 50%.

Conclusión:

Los cuidados prestados a los pacientes no están en conformidad con lo recomendado en la literatura, lo que demuestra la necesidad de renovación periódica de las prácticas educativas del equipo y el desarrollo de proyectos de auditoría para asegurar mejorías en el proceso asistencial.

DESCRIPTORES:
Enfermería de Urgencia; Respiración Artificial; Neumonía Asociada al Ventilador; Paquetes de Atención al Paciente; Mejoramiento de la Calidad

INTRODUÇÃO

O Serviço de Emergência (SE) tem por objetivo atender o mais precocemente possível pacientes com agravos agudos à saúde, sendo necessário garantir a estabilização destes pacientes críticos¹. Muitos necessitam de cuidados intensivos, porém com o aumento da demanda dos SE, resultante da maior prevalência de doenças crônicas, dos acidentes e da violência urbana, esses serviços ficam sujeitos à superlotação². Acrescenta-se, a essa situação de indisponibilidade imediata de vagas, pacientes críticos que podem permanecer maior tempo no serviço de urgência e emergência necessitando de cuidados intensivos². Entre esses cuidados, inclui-se o uso de suporte ventilatório invasivo, que demanda assistência especializada por parte da equipe multiprofissional.

Pacientes em ventilação mecânica invasiva podem desenvolver a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV), que surge quando há invasão bacteriana do parênquima pulmonar em pacientes submetidos à intubação e ventilação mecânica por mais de 48 horas^{3), (4}, relacionada à aspiração de secreções, colonização do trato aerodigestivo e uso de equipamentos ou medicações contaminados^{3), (4}. A PAV pode ser classificada como precoce, quando ocorre até o quarto dia de intubação, ou tardia, quando ocorre após esse período⁵.

A diminuição das defesas primárias do organismo, o maior risco de contaminação das vias aéreas e a presença de microrganismos multirresistentes no ambiente são os fatores de risco para o desenvolvimento da PAV⁶, assim como o uso de antimicrobianos de amplo espectro como tratamento empírico e o tempo prolongado do uso do ventilador mecânico^{5), (7}.

Os dados epidemiológicos referentes à PAV mostram que a morbidade e mortalidade são elevadas^{6), (7}: a mortalidade global varia de 20% a 60%⁷. Nos EUA ocorrem de cinco a 10 episódios de pneumonia relacionada à assistência de saúde a cada 1.000 internações por ano, com cerca de dois casos por 1.000 dias de uso de ventilador mecânico⁶. No Brasil estima-se que mais de 90% dos casos de infecções nosocomiais correspondam à pneumonia em pacientes intubados⁷, e o maior risco é na primeira semana, com acréscimo de 3% ao dia nas chances de ocorrer a infecção^{4), (6}. Dados do estado de São Paulo do ano de 2015 indicam que a mediana da incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica foi de 9,87 casos por 1.000 dias de uso de ventilador, sendo diferente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de hospitais de ensino e de hospitais privados⁷.

Além da elevada morbidade e mortalidade, essa complicação resulta em aumento do tempo de internação hospitalar e dos custos^{3), (7}. Pacientes com PAV podem permanecer hospitalizados, com um acréscimo de 12 dias no período de internação, e os custos hospitalares podem exceder 40.000 dólares por episódio^{6), (7}.

Por ser um problema em escala mundial, no ano de 2003, o Institute for Healthcare Improvement (IHI) criou um conjunto de medidas que visa à prevenção da ocorrência de PAV, o qual ficou conhecido como bundle da PAV, e teve a sua última atualização no ano de 2012, com todas as recomendações de fortes a moderadas⁷. Depois da implementação dessas medidas em diversos hospitais, obteve-se uma queda acentuada da incidência desse evento^{7), (9}.

As cinco medidas consistem em elevação da cabeceira de 30º a 45º, interrupção diária da sedação, profilaxia de úlcera péptica, profilaxia de trombose venosa profunda (TVP) e higiene oral com clorexidina¹⁰. No Brasil, além das medidas supracitadas, recomenda-se ainda a aspiração de secreção subglótica rotineiramente e a mensuração da pressão do cuff, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária⁷.

Para facilitar a assistência à saúde e assegurar a segurança do paciente, muitos hospitais desenvolvem protocolos e diretrizes que visam uniformizar e facilitar as decisões no momento do cuidado, fatores inclusive considerados na avaliação da qualidade de assistência de determinados serviços de saúde¹¹.

Os protocolos são instruções desenvolvidas que podem facilitar a disseminação de práticas eficazes e a redução de erros, podendo diferir entre si quanto ao formato e método de desenvolvimento, porém, devem estar sempre baseados em evidências científicas¹².

O grande desafio é a sua implementação, uma vez que se busca modificar o comportamento de profissionais da saúde. Porém, adotando-se as técnicas corretas, por meio de uma abordagem participativa de todos os profissionais da equipe interprofissional da saúde, pode haver a disseminação das boas práticas¹¹.

Apesar de ser diagnosticada frequentemente na Unidade de Terapia Intensiva, o risco da ocorrência da PAV se inicia no momento da intubação, que pode ocorrer no serviço de emergência ou mesmo nos atendimentos pré-hospitalares¹², o que demonstra a necessidade de adoção de boas práticas para os cuidados desses pacientes durante todo o processo de assistência, com início no serviço de emergência ou pré-hospitalar.

Reconhecendo o impacto que a PAV tem na morbidade e mortalidade, no tempo de permanência hospitalar e nos custos, este estudo justifica-se devido à contribuição para a melhoria do processo assistencial, fomentando a aplicação de boas práticas, a fim de diminuir os índices desse evento.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a conformidade do conjunto de boas práticas para prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica no serviço de urgência e emergência de um hospital universitário.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo do tipo transversal, analítico e de abordagem quantitativa, realizado no Serviço de Emergência do Hospital São Paulo (HSP).

CENÁRIO

O cenário do estudo foi o HSP, que é o hospital de ensino da Universidade Federal de São Paulo e presta atendimento público e de alta complexidade para uma área que abrange mais de cinco milhões de pessoas, além das demandas de outras cidades e estados. O serviço de emergência é dividido em Pronto-Atendimento, Pronto-Socorro e unidades de retaguarda, que incluem a Unidade de Terapia Intensiva, Semi-Intensiva e de Internação^13).

POPULAÇÃO

A população do estudo foi composta de todos os pacientes internados no Serviço de Emergência, maiores de 18 anos e que estavam em ventilação mecânica durante o período de coleta de dados. O critério de exclusão foram pacientes que apresentavam incompletude de informações nos prontuários.

COLETA DE DADOS

A etapa de coleta de dados foi realizada no período de maio a agosto de 2017. Para obtê-los, a pesquisadora compareceu diariamente ao serviço de emergência, em todos os turnos de trabalho. A observação do conjunto de boas práticas para prevenção da PAV foi sigilosa, além da obtenção de dados por meio da consulta ao prontuário, prescrição médica e de enfermagem.

Os cuidados que foram avaliados em relação à conformidade com as boas práticas para prevenção da PAV foram: a angulação correta da cabeceira da cama (de 30º a 45º), que foi confirmada com o uso do goniômetro; a realização do despertar diário, com interrupção ou redução da infusão de sedativos nas 24 horas; a prescrição e devida administração de protetores gástricos para pacientes que apresentassem histórico de úlcera péptica (omeprazol, ranitidina ou quaisquer outros medicamentos antiácidos); a realização de medidas profiláticas para Trombose Venosa Profunda (medicamentosa - anticoagulantes, como Heparina, Enoxaparina ou outros; ou não medicamentosas - meia elástica de alta compressão ou compressor pneumático) e a realização de higiene oral com clorexidina 0,12% nos pacientes intubados, de três a quatro vezes por dia¹⁰.

As observações relacionadas à elevação da cabeceira foram divididas de acordo com o recurso utilizado, camas ou macas, estas últimas são utilizadas somente da Sala de Emergência.

O critério diagnóstico para definição de PAV foi a piora da imagem radiológica, alteração de temperatura, leucometria, piora da troca gasosa (relação PaO2/FiO2) ou piora do aspecto da secreção traqueal⁷.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Para a análise e tratamento dos dados, as variáveis foram digitadas em planilhas do programa Microsoft Office Excel 2016. Para as variáveis contínuas foram calculados média, desvio-padrão, mediana, mínimo e máximo; para as variáveis categóricas, frequência e percentual. A associação entre as variáveis idade e desenvolvimento da PAV foi realizada por meio do Teste t; a do tempo de internação hospitalar e de ventilação mecânica com desenvolvimento da PAV foi feita pelo teste de Mann-Whitney. Para a associação das medidas de controle de prevenção do desenvolvimento da PAV foi utilizado o Teste Exato de Fisher, e para verificar qual setor apresentou maior adequação às medidas de boas práticas para prevenção da PAV foi utilizado o teste da Razão de Verossimilhança. Foi considerado um nível de significância de 5% (p-valor < 0,05).

ASPECTOS ÉTICOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), conforme o Parecer 2.014.904, no ano de 2017. O estudo atendeu aos preceitos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos, pois foi conduzido de acordo com as recomendações das Boas Práticas Clínicas e da Resolução n.º 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.

RESULTADOS

No total foram realizadas 209 observações, com inclusão de 42 pacientes, sendo 50,0% do sexo masculino, com média de idade de 65,5 anos (DP 16,9). Do total de observações, 49 (23,4%) foram feitas no período da manhã, 53 (25,4%) no período da tarde e 107 (51,2%) no período noturno, sendo 25 (12,0%) realizadas na Sala de Emergência, 151 (72,2%) na UTI do Pronto-Socorro, 25 (12,0%) na Unidade Semi-Intensiva e 8 (3,8%) na Unidade de Internação do Pronto-Socorro.

O tempo médio de internação hospitalar dos pacientes (n=42) foi de 25,3 dias, uma paciente permaneceu internada após o término do período de coleta de dados. As principais causas de internação desses pacientes foram decorrentes de afecções pulmonares (26,2%), seguidas de causas neurológicas (23,8%) (Tabela 1). Do total de pacientes, 23,8% desenvolveram PAV durante a internação, e 52,4% evoluíram a óbito.

Tabela 1
Variáveis clínicas dos pacientes com via aérea artificial internados no Serviço de Emergência - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variáveis clínicas	Total (%)
Tempo de ventilação mecânica
Média (DP)	14,6 (14,8)
Causas de internação
Pulmonar	11 (26,2)
Neurológico	10 (23,8)
Infeccioso	6 (14,3)
Outros	6 (14,3)
Cardiovascular	5 (11,9)
Gastrointestinal	4 (9,5)

• *DP: desvio-padrão.
• Nota: (n=42)

Das observações, 157 (75,1%) foram realizadas em pacientes com tubo orotraqueal e 52 (24,9%) em pacientes com traqueostomia.

A conformidade das medidas de boas práticas para a prevenção da PAV realizadas nos pacientes está apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Frequência de realização das medidas de boas práticas para prevenção de PAV em pacientes com via aérea artificial internados no Serviço de Emergência - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Medidas de boas práticas	Frequência de realização (%)
Elevação da cabeceira da cama em graus (n = 199)	85 (42,8)
Elevação da cabeceira da maca em graus (n = 10)	07 (70,0)
Interrupção diária da sedação (n = 126)	65 (51,6)
Profilaxia de úlcera péptica (n = 209)	178 (85,2)
Profilaxia para TVP* (n = 209)	143 (68,4)
Realização de higiene oral (n = 209)	101 (48,2)

• *PAV: pneumonia associada à ventilação mecânica; TVP: trombose venosa profunda.
• Nota: (n=42)

A medida mais realizada foi a profilaxia de úlcera péptica, e as realizadas com menor frequência foram a elevação da cabeceira e a higiene oral. Alguns dos pacientes internados não estavam em uso de sedativos durante as observações, motivo pelo qual há diferença do N.

A Tabela 3 apresenta as associações entre a idade, o tempo de internação e ventilação mecânica e o desenvolvimento de PAV. Pacientes que desenvolveram PAV tiveram maior tempo de internação (p=0,0178) e de ventilação mecânica (p=0,0014) do que aqueles que não a desenvolveram.

Tabela 3
Associação entre idade, tempo de internação hospitalar e de ventilação mecânica e o desenvolvimento de PAV - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

	Desenvolveu PAV* durante a internação		Total	p-valor
	Sim	Não
	n (%)	n (%)
Idade
Média (DP**)	66,4 (20,6)	65,2 (16,0)	65,5 (16,9)	0,8497
Tempo de internação hospitalar em dias (n = 41)
Média (DP)	38,7 (21,6)	21 (18,7)	25,3 (20,6)	0,0178
Mediana (Mín.§-Máx.§§)	30 (15-84)	18 (0-69)	23 (0-84)
Tempo de ventilação mecânica em dias
Média (DP**)	27,1 (15,8)	10,7 (12,3)	14,6 (14,8)	0,0014
Mediana (Mín.§-Máx.§§)	23 (11-56)	5,5 (0-45)	11 (0-56)

• *PAV: Pneumonia associada à ventilação mecânica. **DP: desvio-padrão. ^§Mín.: Mínimo. ^§§Máx.: Máximo.
• Nota: (n=42).

A Tabela 4 apresenta a associação entre as medidas de controle de prevenção de PAV e o seu desenvolvimento. Na população deste estudo, não houve associação estatística significante entre a realização das medidas de prevenção e o desenvolvimento do evento.

Tabela 4
Associação da realização das medidas de boas práticas e o desenvolvimento de PAV - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Medidas de boas práticas	Desenvolveu PAV* durante a internação		Total	p-valor
	Sim	Não
	n (%)	n (%)
Elevação da cabeceira em graus (cama)
Sim	8 (32,0)	17 (68,0)	25 (100)	0,2786
Não	2 (14,3)	12 (85,7)	14 (100)
Total de pacientes	10 (25,6)	29 (74,4)	39 (100)
Elevação da cabeceira em graus (maca)
Sim	-	3 (100)	3 (100)	-
Não	-	-	-
Total de pacientes	-	3 (100)	3 (100)
Interrupção diária
Sim	7 (30,4)	16 (69,6)	23 (100)	0,0695
Não	-	12 (100,0)	12 (100)
Total de pacientes	7 (20,0)	28 (80,0)	35 (100)
Profilaxia de úlcera péptica
Sim	9 (25,7)	26 (74,3)	35 (100)	1,0000
Não	1 (14,3)	6 (85,7)	7 (100)
Total de pacientes	10 (23,8)	32 (76,2)	42 (100)
Profilaxia para TVP**
Sim	9 (29,0)	22 (71,0)	31 (100)	0,2451
Não	1 (9,1)	10 (90,9)	11 (100)
Total de pacientes	10 (23,8)	32 (76,2)	42 (100)
Realização de higiene oral
Sim	9 (28,1)	23 (71,9)	32 (100)	0,4038
Não	1 (10,0)	9 (90,0)	10 (100)
Total de pacientes	10 (23,8)	32 (76,2)	42 (100)

• *PAV: Pneumonia associada à ventilação mecânica; ** TVP: Trombose Venosa Periférica.

Quando se comparou o local de internação do paciente com a adesão às medidas de controle de prevenção de PAV, identificou-se que na UTI o percentual de profilaxia de úlcera péptica (p=0,0016) e o de profilaxia de TVP (p=0,0001) foram maiores do que na Sala de Emergência.

DISCUSSÃO

A PAV impacta significantemente a sobrevida dos pacientes e causa um acréscimo de até 40.000 dólares por episódio nos custos em saúde para os cuidados, o que determina a importância de realizar as medidas para a sua prevenção⁷.

Neste estudo, a média de idade dos pacientes foi de 65,5 anos, do tempo de internação foi de 25,3 dias e do tempo de ventilação mecânica foi de 14,6 dias, dados semelhantes aos encontrados na literatura nacional. Em dois estudos, um em Minas Gerais (n=190) e outro em Santa Catarina (n=120), realizados nos setores de UTI Adulto e Serviço de Emergência, foi evidenciada média de idade entre 56,9 e 58,6 anos e tempo de internação entre 9,5 e 15,2 dias, respectivamente. Além disso, nesses locais a média de tempo de ventilação mecânica foi entre 13,1 e 17,4 dias^{14), (15}. Já em outros dois estudos internacionais, um realizado na Arábia Saudita (n = 3.665) e outro nos Estados Unidos (n=5.539), a média de idade foi entre 56,4 e 61,2 anos, e o tempo de hospitalização de 25 dias^{16), (17}. Porém, houve diferença na média de tempo de ventilação mecânica, que foi de 6,9 e 8,8 dias^{16), (17}.

A média de idade elevada bem como o maior tempo de ventilação mecânica e de internação podem ser justificados pela diminuição das defesas do organismo, assim como maior exposição a fatores de risco e doenças crônicas¹⁸. Já o menor tempo de ventilação mecânica nos hospitais internacionais pode estar relacionado à aplicação mais efetiva das medidas de prevenção da PAV e maior acesso à tecnologia.

A prevalência de PAV neste estudo foi de 23,8%. Esse achado corrobora estudos nacionais, nos quais a prevalência de PAV foi de 23,2%¹⁴ e 31,8%¹⁵. Estudos internacionais demonstraram que a incidência de PAV varia de 8,0% a 25,0%, chegando a 31,0% nos Estados Unidos^{19), (20}. A diferença nesses achados pode ser atribuída aos critérios diagnósticos para a PAV, o que pode sub ou superestimar essa condição²¹.

Quanto à mortalidade, este estudo apresentou 52,4%, taxa semelhante à encontrada na literatura nacional (60,0%)^{7), (22} e alta se comparada à literatura internacional (35,0%)²⁰. O elevado número de óbitos no Brasil pode indicar a necessidade de melhorias nos processos assistenciais e na capacitação da equipe interprofissional que atua nos cuidados²³.

Neste estudo, a elevação da cabeceira foi observada em 42,8% das vezes. Na literatura, o cumprimento desta recomendação variou de 37,7%, em estudos nacionais^{22), (24}, a 99,0%²⁰, em estudos internacionais. De maneira geral, esses estudos tiveram como objetivo identificar a incidência da PAV, verificar se as medidas de prevenção foram devidamente realizadas, avaliar a sua conformidade e investigar o impacto da implementação do bundle da PAV nas taxas de ocorrência^{20), (22), (24}, de modo que os desenhos foram semelhantes ao deste estudo. A variação desses achados pode ser explicada pela diversidade cultural, assim como pelo nível de desenvolvimento socioeconômico, que pode resultar em diferenças na infraestrutura hospitalar e de recursos materiais e humanos, aumentando, consequentemente, a adesão aos protocolos.

A interrupção diária de sedação foi realizada em 51,6% das observações neste estudo. Estudo nacional que avaliou a realização das medidas de prevenção da PAV e sua incidência, realizado no estado da Bahia, evidenciou que a interrupção diária de sedação foi realizada 100% das vezes e foi observada média menor de tempo de ventilação mecânica, de 5,9 dias²². Estudo realizado em 10 instituições de Taiwan, que avaliou o impacto da implementação do bundle nas taxas de PAV, demonstrou que essa medida foi realizada em 93,0% ou mais nas observações²⁰. Nesse ponto, é importante frisar que, para a correta realização do despertar diário e o desmame de sedação, recomenda-se o uso de um protocolo institucional que possa padronizar essas ações, a fim de garantir a segurança do paciente²⁵.

A profilaxia de úlcera péptica foi a medida mais realizada neste estudo, em 85,2% das observações. Estudos encontraram desde a não utilização²⁴ até adesões entre 56,0%¹⁹ e 100%²². Essa medida pode ser contestada na prática, uma vez que se deve ponderar os riscos e benefícios da sua aplicação para o paciente. O uso de inibidores de bomba de prótons altera o pH do suco gástrico, mudando o padrão de colonização de diversos patógenos, podendo até elevar o risco de ocorrência da PAV, porém o sangramento gastrintestinal é uma complicação comum em pacientes em estado crítico²⁶.

Neste estudo, a profilaxia da TVP foi realizada em 68,4% das observações. Estudos com o objetivo de identificar a realização desta medida para a profilaxia de PAV ainda são escassos, tendo em vista que esse cuidado não está diretamente relacionado à ocorrência da PAV, mas à prevenção de eventos tromboembólicos, entre eles o tromboembolismo pulmonar²⁶, que pode piorar a condição clínica do paciente e prolongar o tempo de ventilação mecânica.

A realização de higiene oral foi observada em 48,2% das vezes neste estudo. A literatura nacional demonstra conformidade dessa medida entre 84,7%²⁴ e 100,0%²², enquanto em um estudo internacional a média foi de 99%²⁰. Ou seja, no presente estudo a frequência de realização de higiene oral esteve bem abaixo do esperado, o que pode ser justificado pela indisponibilidade recorrente do material necessário para sua realização no serviço de saúde e ausência de supervisão da realização dessa medida.

Outras duas intervenções recomendadas como práticas rotineiras, apesar de não pertencerem ao bundle para prevenção de PAV, são a aspiração subglótica e a monitorização de pressão do cuff^{20), (22), (24}. Esses cuidados não foram incluídos nas observações deste estudo devido à indisponibilidade de material necessário para sua realização na instituição de pesquisa.

Em relação às unidades observadas, na UTI houve maior adesão às medidas do bundle para prevenção de PAV em comparação com a Sala de Emergência e a Unidade de Internação do Serviço de Emergência. Isso pode estar relacionado ao fato da UTI se caracterizar por um setor que recebe pacientes críticos e necessitam de cuidados de alta complexidade por período de tempo prolongado, o que não é o caso dos demais locais²⁷. No entanto, a realidade da maioria das instituições com o perfil do local deste estudo é o Serviço de Emergência que atende à demanda espontânea de usuários, combinada com a carência de leitos de terapia intensiva no Sistema Único de Saúde, o que ocasiona a permanência desses pacientes críticos internados no setor de Urgência e Emergência, acarretando superlotação nos serviços, sobrecarga da equipe e, consequentemente, diminuição da segurança e qualidade dos cuidados prestados².

Outro fator a ser considerado é a heterogeneidade entre os membros da equipe quanto à diferença de capacitação e experiências do cotidiano, o que pode causar divergências no modo de executar o cuidado e dificultar a adesão a novas práticas²⁸. Por esse motivo, a educação continuada da equipe interprofissional não atua apenas no processo educativo e de qualidade assistencial, mas também na supervisão do cuidado e gerenciamento das unidades, garantindo, desse modo, que novas normas sejam incorporadas à prática clínica, possibilitando a diminuição da ocorrência de eventos adversos, como a PAV^{23), (29}.

A principal limitação deste estudo foi o fato de ter sido realizado em centro único, e, por ser hospital-escola, os pacientes permanecem internados por longos períodos, com consequente diminuição da rotatividade. Outro fator limitante foi a incompletude das informações dos prontuários, que resultaram na exclusão de alguns pacientes.

Em reconhecimento à necessidade de melhorar a conformidade do conjunto de boas práticas e à carência de estudos nacionais que visam identificar as falhas na prevenção de PAV no contexto dos Serviços de Emergência, ressalta-se a importância da contribuição desta pesquisa, com o objetivo de melhorar as práticas assistenciais, a segurança no cuidado e os desfechos dos pacientes.

CONCLUSÃO

Na avaliação da conformidade do conjunto de boas práticas para prevenção da PAV no Serviço de Emergência, este estudo concluiu que, entre as cinco medidas, a elevação da cabeceira e a higiene oral apresentaram conformidade inferior a 50%, a interrupção diária da sedação e a profilaxia de TVP apresentaram entre 50% e 70% de conformidade e a profilaxia de úlcera péptica, conformidade superior a 80%. Esses resultados evidenciam o impacto negativo que a insuficiência de recursos materiais e humanos e a superlotação de pacientes em cuidados intensivos no serviço de emergência podem ter na qualidade assistencial, uma vez que demandam ambiente e equipe altamente especializados. Tais fatores dificultam ainda a prática baseada em recomendações internacionais e evidências científicas, reforçam a necessidade de melhorias nos serviços públicos de saúde, a necessidade de constantes melhorias no processo assistencial, assim como a renovação periódica de práticas educativas da equipe interprofissional e o desenvolvimento de projetos de auditoria, para que os cuidados possam efetivamente diminuir a incidência da PAV e aprimorar a segurança do paciente, melhorando a qualidade assistencial.

REFERENCES

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Jun 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  26 Mar 2018
• Aceito
  25 Set 2018