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Notificação de parceiros sexuais com infecção sexualmente transmissível e percepções dos notificados

Resumo

OBJETIVO

Conhecer as percepções dos pacientes com infecções sexualmente transmissíveis e parceiros sexuais sobre a notificação da infecção.

MÉTODO

Estudo descritivo e qualitativo, baseado na técnica do discurso do sujeito coletivo, realizado em quatro Unidades de Saúde de referência em Fortaleza/CE, de março a julho de 2014. Amostra composta por 21 sujeitos (11 pacientes-índice e 10 parceiros notificados).

RESULTADOS

Pacientes-índice relataram cumplicidade, preocupação com a saúde do parceiro e revelação do diagnóstico como forma de preservação do relacionamento. Para os parceiros, as percepções foram antagônicas: tranquilidade-traição, medo da morte, da incurabilidade e do diagnóstico, especialmente do HIV. Os motivos para o comparecimento foram: medo de estar doente, atenuação da culpa relativa à transmissão, necessidade do diagnóstico, início precoce do tratamento.

CONCLUSÃO

Predominou o medo da quebra da confiança, inseguranças em lidar com uma infecção sexual e ser responsável ou corresponsável pela transmissão. As formas de comunicação às parcerias sexuais foram diversificadas (verbal, telefone, cartão de comunicação), atendendo a uma conveniência individual. Sugere-se a união de métodos alternativos de notificação e um sistema de notificação integrado.

Descritores:
Doenças Sexualmente Transmissíveis; Infecções por HIV; Parceiros Sexuais; Busca de Comunicante; Enfermagem em Saúde Pública

Abstract

OBJECTIVE

Learn the perceptions of patients with sexually transmitted infections and sexual partners who are notified of the infection.

METHOD

A descriptive and qualitative study, based on the collective subject discourse technique, was conducted in four healthcare centers of reference in Fortaleza, Ceará, from March to July 2014. The sample comprised 21 subjects (11 index patients and 10 notified partners).

RESULTS

The index patients reported complicity, concern about the partner's health and revelation of diagnosis aiming to preserve the relationship. The partners showed antagonistic perceptions: tranquility-betrayal, fear of death, of incurability and the diagnosis, especially of HIV. The reasons for coming to a healthcare center were: fear of being sick, attenuation of guilt of infection transmission, need for diagnosis, early start of treatment.

CONCLUSION

Fear of losing trust, insecurities when dealing with a sexual infection and being responsible or co-responsible for the transmission were the predominant feelings. Various types of partner notification were reported (verbal, telephone, notification card), according to individual convenience. This study suggests the use of alternative methods of notification and an integrated system of notification.

Descriptors
Sexually Transmitted Diseases; HIV Infections; Sexual Partners; Contact Tracing; Public Health Nursing

Resumen

OBJETIVO

Conocer las percepciones de los pacientes con infecciones transmitidas sexualmente y parejas sexuales sobre la notificación de la infección.

MÉTODO

Estudio descriptivo y cualitativo, basado en la técnica del discurso del sujeto colectivo, llevado a cabo en cuatro Unidades Sanitarias de referencia en Fortaleza/CE, de marzo a julio de 2014. Muestra compuesta de 21 sujetos (11 pacientes índice y 10 parejas notificadas).

RESULTADOS

Pacientes índice relataron complicidad, preocupación con la salud de la pareja y revelación del diagnóstico como forma de preservación de la relación. Para las parejas, las percepciones fueron antagónicas: tranquilidad-traición, miedo de la muerte, de la incurabilidad y el diagnóstico, especialmente del VIH. Los motivos para la comparecencia fueron: miedo de estar enfermo, atenuación de la culpa relativa a la transmisión, necesidad del diagnóstico, inicio precoz del tratamiento.

CONCLUSIÓN

Predominó el miedo de la ruptura de la confianza, inseguridades al manejar una infección sexual y ser responsable o corresponsable de la transmisión. Las formas de comunicación a las parejas sexuales fueron diversificadas: verbal (teléfono, tarjeta de comunicación), atendiendo a una conveniencia individual. Se sugiere la unión de métodos alternativos de notificación y un sistema de notificación integrado.

Descriptores
Enfermedades de Transmisión Sexual; Infecciones por VIH; Parejas Sexuales; Trazado de Contacto; Enfermería en Salud Pública

Introdução

Para interrupção do ciclo de transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), é essencial o tratamento das pessoas envolvidas nos relacionamentos sexuais. Para tanto, é necessária a notificação de parceiros sexuais, processo pelo qual os contatos sexuais de um paciente-índice (aquele que recebeu um diagnóstico de IST) são identificados e informados de sua exposição e convidados a realizar testes, aconselhamento e, se necessário, tratamento11 Ward H, Bell G. Partner notification. Medicine (Abington). 2014;42(6):314-7. . Recomenda-se que essa ação seja feita de forma voluntária dentro de ambientes propícios, sociais e legais22 European Centre for Disease Prevention and Control. Public health benefits of partner notification for sexually transmitted infections and HIV. Stockholm: ECDC; 2013.-33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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A notificação realizada corretamente reduz a infecção persistente do paciente-índice, identifica as infecções sexuais assintomáticas, contribui para a redução da transmissão, evita sequelas e oferece oportunidade para discussão sobre sexo seguro11 Ward H, Bell G. Partner notification. Medicine (Abington). 2014;42(6):314-7. ,44 Brown LB, Miller WC, Kamanga G, Nyirenda N, Mmodzi P, Pettifor A, et al. HIV Partner notification is effective and feasible in sub-Saharan Africa: opportunity for HIV treatment and prevention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;56(5):437-42. .

A abordagem de parceiros sexuais no Brasil pode ser realizada pela própria pessoa que recebeu o diagnóstico de IST, denominado paciente-índice, ou pelo profissional de saúde. A comunicação pelo paciente-índice ocorre quando este, ao ser encorajado pelo profissional, assume a responsabilidade de comunicar o seu diagnóstico ao parceiro para comparecimento ao serviço de saúde. A comunicação pode ser realizada de forma verbal ou mediante entrega de um cartão de comunicação de parcerias sexuais fornecido pela unidade de saúde. A notificação realizada pelo profissional de saúde pode ser efetuada por meio do envio de correspondência, contato telefônico, eletrônico ou busca ativa, desde que respeitados os princípios do sigilo e da confidencialidade33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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Entretanto, apesar da existência de métodos de recomendação nacional, carecem estudos no país que revelem como os parceiros são comunicados e quais estratégias estão sendo utilizadas atualmente nos serviços de saúde. A notificação inadequada integra um dos principais motivos associados à dificuldade de controle das IST44 Brown LB, Miller WC, Kamanga G, Nyirenda N, Mmodzi P, Pettifor A, et al. HIV Partner notification is effective and feasible in sub-Saharan Africa: opportunity for HIV treatment and prevention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;56(5):437-42. -55 Althaus CL, Turner KME, Mercer CH, Auguste P, Roberts TE, Bell G, et al. Effectiveness and cost-effectiveness of traditional and new partner notification technologies for curable sexually transmitted infections: observational study, systematic reviews and mathematical modelling. Health Technol Assess. 2014;18(2):1-100., especialmente da sífilis, cujo não tratamento de parceiros de gestantes infectadas é frequentemente citado como uma das causas do descontrole da sífilis congênita no país66 Magalhães DMS, Kawaguchi IAL, Dias A, Calderon IMP. Sífilis materna e congênita: ainda um desafio. Cad Saúde Pública. 2013;29(6):1109-20..

Nos Estados Unidos e na Europa, a notificação de parceiros tornou-se uma estratégia de prevenção contra o HIV, relacionando-se ao aumento da procura por aconselhamento e testagem entre os parceiros sexuais notificados pelos seus pacientes-índice diagnosticados com o vírus11 Ward H, Bell G. Partner notification. Medicine (Abington). 2014;42(6):314-7. -22 European Centre for Disease Prevention and Control. Public health benefits of partner notification for sexually transmitted infections and HIV. Stockholm: ECDC; 2013.,44 Brown LB, Miller WC, Kamanga G, Nyirenda N, Mmodzi P, Pettifor A, et al. HIV Partner notification is effective and feasible in sub-Saharan Africa: opportunity for HIV treatment and prevention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;56(5):437-42. . As ações de notificação de parceiros de pacientes com sífilis, gonorreia, clamídia e HIV na maioria dos países da Europa são prioritárias e a principal responsabilidade é dos especialistas de ambulatórios de referência22 European Centre for Disease Prevention and Control. Public health benefits of partner notification for sexually transmitted infections and HIV. Stockholm: ECDC; 2013..

Independentemente da maneira empregada para a notificação de parceiro sexual, durante o atendimento da pessoa com diagnóstico de IST, o profissional necessita discutir sobre a importância da notificação, declarando o processo de confidencialidade das informações, a possibilidade dos contatos estarem infectados e serem assintomáticos, os riscos de reinfecção e as consequências da ausência de tratamento55 Althaus CL, Turner KME, Mercer CH, Auguste P, Roberts TE, Bell G, et al. Effectiveness and cost-effectiveness of traditional and new partner notification technologies for curable sexually transmitted infections: observational study, systematic reviews and mathematical modelling. Health Technol Assess. 2014;18(2):1-100..

Estudos apontam para a necessidade de rever como a abordagem de parceiros está sendo realizada na atenção primária em saúde, com vistas à implementação de estratégias para viabilizar a melhor captação de parceiros sexuais de IST, atendendo à lógica de organização dos serviços de saúde e à perspectiva das pessoas envolvidas nessa ação66 Magalhães DMS, Kawaguchi IAL, Dias A, Calderon IMP. Sífilis materna e congênita: ainda um desafio. Cad Saúde Pública. 2013;29(6):1109-20.-77 Laar AK, DeBruin DA, Craddock S. Partner notification in the context of HIV: an interest-analysis. AIDS Res Ther. 2015; 12: 15. .

Observa-se nacionalmente que os serviços não estão preparados para realizar adequadamente a notificação de parceiros, especialmente nas unidades de saúde de referência em IST - serviços responsáveis pelo diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes-índice, nos quais a inclusão de parceiros sexuais é essencial para interrupção da cadeia de transmissão da infecção88 Luz PM, Miranda KCL, Teixeira JMC. As condutas realizadas por profissionais de saúde em relação à busca de parceiros sexuais de pacientes soropositivos para o HIV/aids e seus diagnósticos sorológicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Supl. 1:1191-00. .

Os achados desta pesquisa podem auxiliar a compreensão dos aspectos relativos à subjetividade dos envolvidos na notificação de parceiros para melhor condução dos casos, sobretudo pelas limitações e barreiras existentes na abordagem de casos de IST pelos profissionais, especialmente os enfermeiros que atuam na atenção primária99 Barbosa TLA, Gomes LMX, Holzmann APF, Paula AB, Haikal DSA. Aconselhamento em doenças sexualmente transmissíveis na atenção primária: percepção e prática profissional. Acta Paul Enferm. 2015;28(6):531-8.. Esforços nesse sentido podem oferecer subsídios para conhecer como contatos sexuais estão sendo incorporados no atendimento e para o desenvolvimento de estratégias que ampliem o acesso das parcerias sexuais.

Desse modo, em função de ampliar o conhecimento a respeito das notificações dos parceiros, principalmente na perspectiva dos pacientes-índice e de seus parceiros sexuais, objetivou-se conhecer as percepções dos pacientes com infecções sexualmente transmissíveis e dos parceiros sexuais sobre a notificação da infecção.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado em todas as unidades de saúde que realizavam atendimento de pessoas com IST em Fortaleza, Ceará, totalizando quatro instituições. Elas possuem uma equipe multiprofissional que se destina a atender os casos de demanda espontânea e/ou referenciados pela rede de atenção primária, disponibilizando serviços como aconselhamento, testagem rápida e apoio laboratorial, assegurando a realização dos exames diagnósticos e de acompanhamento. Três unidades são referências para pessoas com HIV e uma é referência para outras com IST.

A coleta de dados foi realizada no período de março a julho de 2014. Adotou-se a amostragem intencional, na qual sujeitos foram identificados a partir de informações dos profissionais de saúde que realizavam consultas nas unidades, no período do estudo. Assim, na medida em que ocorria atendimento de IST que se adequava aos objetivos e critérios do estudo, a pessoa (parceiro sexual ou paciente-índice) era convidada a participar da pesquisa.

Os critérios de inclusão foram: 1. Pessoas com diagnóstico sorológico de infecções sexualmente transmissíveis e/ou síndrome associada às infecções sexualmente transmissíveis33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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, denominadas pacientes-índice, que possuíssem parceiros sexuais a serem notificados, independentemente de vínculo afetivo-sexual, e que manifestassem desejo em realizar a comunicação de seus parceiros; 2. Parceiros sexuais notificados pelos pacientes-índice ou pelos profissionais de saúde e que compareceram às unidades de saúde para atendimento.

Participaram 21 pessoas: 11 pacientes-índice e 10 parceiros notificados. Utilizou-se o critério de saturação e a repetição de informações dos depoimentos. Não houve intenção de se estudar duplas (pacientes-índice e parceiros notificados) de um mesmo caso, mas de se investigar de modo amplo as pessoas com IST e parceiros sexuais.

Para obtenção dos dados utilizou-se entrevista semiestruturada que investigou sexo, idade, escolaridade, ocupação e diagnóstico do paciente-índice que gerou a notificação. Para o paciente-índice, foram empregadas duas questões norteadoras: O que levou você a fazer o convite para seu parceiro sexual comparecer ao serviço? Como você fez para comunicar ao seu parceiro sobre a necessidade de comparecer ao serviço de saúde? Para o parceiro sexual, foram utilizadas as seguintes questões norteadoras: Como você se sentiu ao receber a notificação/comunicação para vir ao serviço? O que fez você atender ao convite?

Para condução da entrevista, utilizou-se gravador digital para registro dos depoimentos na íntegra, com vistas a garantir a qualidade e fidedignidade na captação das informações. As entrevistas foram realizadas em um ambiente reservado para garantia da privacidade, sendo conduzidas por pesquisador treinado, com duração média de 20 minutos, e, posteriormente, transcritas na sua totalidade e analisadas utilizando-se a técnica do discurso do sujeito coletivo (DSC).

Essa técnica é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal a partir de trechos mais representativos do discurso, ou seja, as expressões-chave reveladoras da essência do conteúdo das representações. O DSC é constituído por quatro operadores: expressão-chave, ideias centrais, ancoragem e discurso do sujeito coletivo. As expressões-chaves são trechos do discurso destacados pelo pesquisador que representam a essência do conteúdo do depoimento. As ideias centrais são palavras ou expressões que revelam, de forma clara e objetiva, o sentido dos depoimentos. A ancoragem é uma afirmação genérica usada para "enquadrar" situações particulares. Por fim, o DSC é um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular que reúne expressões-chaves com ideia central ou ancoragem equivalentes1010 Lefèvre F, Lefèvre AC. Discurso do sujeito coletivo: principais conceitos [Internet]. São Paulo: FSP/USP; 2005 [citado 2016 mar. 23]. Disponível em: Disponível em: http://hygeia.fsp.usp.br/quali-saude/Discurso_principais_conceitos.htm
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,1111 Lefévre F, Lefévre AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS; 2005..

Para análise dos depoimentos a partir da técnica do DSC, houve seguimento das etapas1010 Lefèvre F, Lefèvre AC. Discurso do sujeito coletivo: principais conceitos [Internet]. São Paulo: FSP/USP; 2005 [citado 2016 mar. 23]. Disponível em: Disponível em: http://hygeia.fsp.usp.br/quali-saude/Discurso_principais_conceitos.htm
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,1111 Lefévre F, Lefévre AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS; 2005.: I. Transcrição integral das respostas de cada sujeito; II. Identificação das expressões-chaves, ideias centrais e ancoragens de cada resposta; III. Descrição da ideia central e da ancoragem retiradas das expressões-chaves, colocando-as na coluna correspondente; IV. Agrupamento das ideias centrais que possuíam significados comuns, com atribuição de uma letra para cada grupo; V. Criação de uma ideia central síntese para cada grupo; VI. Construção do DSC a partir da ideia central síntese.

No presente estudo, os resultados foram apresentados em quadros, um contemplando a percepção dos pacientes-índice e outro dos parceiros sexuais, contendo as questões norteadoras, ideias centrais e discursos do sujeito coletivo.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob o protocolo n. 550.145. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e anuíram no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dos 11 pacientes-índice com IST, cinco eram homens e seis mulheres, na faixa etária entre 20 e 29 anos, grande parte era solteira e heterossexual, com ensino médio completo ou incompleto, emprego fixo e renda familiar entre um e três salários-mínimos (valor de um salário mínimo à época era de R$544,00). A maior parte dos pacientes-índice mantinha um parceiro estável (com vínculo afetivo independentemente de relacionamento conjugal) há um período menor que 12 meses de relacionamento. Quanto aos diagnósticos dos pacientes-índice, houve quatro por infecção pelo HIV, quatro por sífilis, um por coinfecção sífilis/HIV, um por síndrome do corrimento uretral masculino associado à infecção por gonorreia/clamídia e um por verruga anogenital associada à infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV). Portanto, os diagnósticos de infecção pelo HIV e sífilis predominaram entre os motivos da notificação dos parceiros sexuais.

Entre os 10 parceiros sexuais (cinco homens e cinco mulheres) investigados, a faixa etária variou de 20 a 48 anos, e a escolaridade predominante foi ensino médio e superior completos, dos quais seis mencionaram estar solteiros e quatro casados. Destes, sete referiram ser heterossexuais e três homossexuais. A grande maioria relatou renda familiar de um a cinco salários-mínimos. Entre os motivos mencionados pelos parceiros para o comparecimento à unidade, seis decorreram da comunicação da infecção pelo HIV pelos seus pacientes-índice. Ademais, houve destaque para a sífilis e para as síndromes associadas às infecções sexualmente transmissíveis (verrugas anogenitais e corrimento uretral masculino). Observou-se que a ação de notificação possibilitou a identificação de dois casos IST assintomáticos (infecção pelo HIV e outro por sífilis), entre os 10 casos entrevistados.

O Quadro 1 se relaciona às percepções do paciente-índice sobre a notificação da infecção.

Quadro 1
Percepções do paciente-índice sobre a notificação da infecção - Fortaleza, CE, Brasil, mar./jul. 2014.

No tocante às percepções do paciente-índice, o medo e a insegurança ao revelar ao parceiro o diagnóstico foram mencionados, mas também foi destacada a cumplicidade e preocupação com a saúde do parceiro, além da revelação do diagnóstico como forma de preservação do relacionamento. Por outro lado, o ressentimento do paciente pela transmissão foi evidenciado. Dentre as formas de comunicação da notificação, indicou-se o contato verbal, a comunicação telefônica e a entrega do cartão de comunicação de parcerias sexuais, sendo de livre escolha do paciente o método de notificação a partir de orientações realizadas durante o aconselhamento. Apenas uma das unidades de saúde empregava o cartão de comunicação.

O Quadro 2 faz referência aos sentimentos relatados pelo parceiro sexual ao receber a notificação e aos motivos dos comparecimentos ao serviço.

Quadro 2
Sentimentos relatados pelo parceiro sexual ao receber a notificação e motivos dos comparecimentos ao serviço - Fortaleza, CE, Brasil, mar./jul. 2014.

Em relação à percepção do parceiro sexual sobre a notificação da infecção, foi relatada diversidade de sentimentos no momento do recebimento da notificação, tais como tranquilidade, sentimentos negativos (preocupação, insegurança, tristeza, fracasso, impotência), medo da morte e da incurabilidade, traição e temor em relação ao preconceito e à obtenção de apoio diante da possibilidade de conviver com uma doença estigmatizante como o HIV/Aids. Dentre os motivos de comparecimento ao serviço, destacaram-se o medo de estar doente, a atenuação da culpa relativa à transmissão, a necessidade de confirmação do diagnóstico e o início precoce do tratamento.

Discussão

O constrangimento dos pacientes-índice em revelar o diagnóstico ao parceiro e o medo da reação deste ao descobrir a possibilidade de estar com uma IST são sentimentos associados a importantes barreiras de notificação de parceiros1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19.-1313 Sabidó M, Gregg LP, Vallès X, Nikiforov M, Monzón JE, Pedroza MI, et al. Notification for sexually transmitted infections and HIV among sex workers in Guatemala: acceptability, barriers, and preferences. Sex Transm Dis. 2012;39(7):504-8.. Contudo, na presente pesquisa, a preocupação com a saúde do outro e a autorreflexão contribuíram com a decisão do paciente-índice em notificar o parceiro. Além das questões psicológicas, observa-se que o sucesso da notificação também pode ser influenciado pelos valores sociais locais e crenças das pessoas sobre os benefícios e desvantagens de notificar os parceiros sexuais1313 Sabidó M, Gregg LP, Vallès X, Nikiforov M, Monzón JE, Pedroza MI, et al. Notification for sexually transmitted infections and HIV among sex workers in Guatemala: acceptability, barriers, and preferences. Sex Transm Dis. 2012;39(7):504-8..

Os sentimentos negativos expressos pelos pacientes-índice e parceiros sexuais mostram o quanto pode ser complexa para ambos a comunicação de um diagnóstico de IST. Na presente pesquisa, o desejo inicial do paciente-índice de não atender à notificação foi manifesto, concordando com resultados de outras pesquisas1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19.

13 Sabidó M, Gregg LP, Vallès X, Nikiforov M, Monzón JE, Pedroza MI, et al. Notification for sexually transmitted infections and HIV among sex workers in Guatemala: acceptability, barriers, and preferences. Sex Transm Dis. 2012;39(7):504-8.
-1414 Morris JL, Lippman SA, Philip S, Bernstein K, Neilands TB, Lightfoot M. Sexually transmitted infection related stigma and shame among African American male youth: implications for testing practices, partner notification, and treatment. AIDS Patient Care STDS. 2014;28(9):499-506..

Neste estudo, o dilema inicial de comunicar ou não a infecção ao parceiro foi semelhante ao resultado de outro estudo realizado com pacientes com infecção pelo HIV, o qual indicou conflitos de interesse em realizar essa comunicação, expressos tanto pelo desejo de não revelar pelo impacto negativo quanto pela responsabilidade moral de fazê-la77 Laar AK, DeBruin DA, Craddock S. Partner notification in the context of HIV: an interest-analysis. AIDS Res Ther. 2015; 12: 15. . Assim, os esforços devem estar centrados em equilibrar moralmente os benefícios e as consequências dessa ação77 Laar AK, DeBruin DA, Craddock S. Partner notification in the context of HIV: an interest-analysis. AIDS Res Ther. 2015; 12: 15. .

No âmbito da relação entre notificação de parceiros e gênero, estudos destacam outros obstáculos que dificultam a revelação do diagnóstico de HIV aos contatos sexuais, como o medo de sofrer violência ou de ser acusado de infidelidade manifestado por mulheres que vivem com o vírus, em decorrência de desigualdades de gênero1313 Sabidó M, Gregg LP, Vallès X, Nikiforov M, Monzón JE, Pedroza MI, et al. Notification for sexually transmitted infections and HIV among sex workers in Guatemala: acceptability, barriers, and preferences. Sex Transm Dis. 2012;39(7):504-8.,1515 Shamu S, Zarowsky C, Shefer T , Temmerman M, Abrahams N. Intimate partner violence after disclosure of HIV test results among pregnant women in Harare, Zimbabwe. Plos One. 2014;9(10):e109447.-1616 Andrade RG, Iriart JAB. Estigma e discriminação: experiências de mulheres HIV positivo nos bairros populares de Maputo, Moçambique. Cad Saúde Pública . 2015;31(3):565-74. .

Consoante, os resultados de uma pesquisa constataram que a intenção de notificar os parceiros representa um desafio a ser superado, pelo estigma associado às IST, cuja falha ou sucesso podem ser influenciados por fatores como a existência de relações sexuais extraconjugais, o gênero sexual, a estrutura de poder e o tipo de vínculo afetivo-sexual1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19..

É importante considerar que a descoberta da IST pode suscitar ressentimento em relação ao parceiro quando decorre de uma relação extraconjugal. A confirmação da traição do parceiro produz mágoa e, posteriormente, o desencontro, afetando o relacionamento. Portanto, o profissional de saúde deve ficar atento para não emitir julgamento, mas, sim, discutir junto com o paciente-índice a melhor forma de revelar o diagnóstico, sobretudo porque o medo de rejeição do parceiro representa uma das principais barreiras para realizar a notificação da infecção1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19..

No momento da revelação do diagnóstico ao paciente-índice, o profissional de saúde deve oferecer o apoio emocional e atendimento igualitário sem julgamentos, prestando orientações sobre a importância do diagnóstico precoce e tratamento das parcerias sexuais, com vistas a empoderar o paciente-índice na tomada de decisão segura quanto à comunicação da infecção ao parceiro, garantindo a adesão à notificação77 Laar AK, DeBruin DA, Craddock S. Partner notification in the context of HIV: an interest-analysis. AIDS Res Ther. 2015; 12: 15. .

Ademais, o cuidado direcionado à notificação das IST se associa diretamente à saúde de outras pessoas que se relacionam sexualmente com os pacientes-índice, sendo importante alertá-los sobre a sua responsabilidade ética em oportunizar o diagnóstico e tratamento para o parceiro sexual1717 Bell G, Potterat J. Partner notification for sexually transmitted infections in the modern world: a practitioner perspective on challenges and opportunities. Sex Transm Infect. 2011;87 Suppl 2:ii34-6.. Desta forma, a partir da notificação, os parceiros poderão ser beneficiados com relação ao acesso ao serviço de saúde e às condutas de promoção da saúde, com a possibilidade de atendimento e acompanhamento especializados, favorecendo a interrupção do ciclo de transmissão e o aumento da sobrevida do parceiro sexual77 Laar AK, DeBruin DA, Craddock S. Partner notification in the context of HIV: an interest-analysis. AIDS Res Ther. 2015; 12: 15. .

Um dado importante foi constatar que todas as notificações foram realizadas pelos próprios pacientes-índice, o que pode estar associado ao tipo de relacionamento, sendo essa forma de notificação mais viável para os relacionamentos considerados estáveis (com vínculo afetivo independentemente de relacionamento conjugal), quando comparados aos eventuais (sexo com parceiro não conhecido anteriormente)1313 Sabidó M, Gregg LP, Vallès X, Nikiforov M, Monzón JE, Pedroza MI, et al. Notification for sexually transmitted infections and HIV among sex workers in Guatemala: acceptability, barriers, and preferences. Sex Transm Dis. 2012;39(7):504-8.,1818 Edelman EJ, Gordon KS, Hogben M, Crystal S, Bryant K, Justice AC. Sexual partner notification of HIV infection among a National United States-based sample of HIV-infected men. AIDS Behav. 2014;18(10):1898-903.. Por outro lado, pode ser preocupante se o comportamento sexual com maior potencial de transmissão de IST, em especial do HIV, estiver concentrado entre relacionamentos eventuais44 Brown LB, Miller WC, Kamanga G, Nyirenda N, Mmodzi P, Pettifor A, et al. HIV Partner notification is effective and feasible in sub-Saharan Africa: opportunity for HIV treatment and prevention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;56(5):437-42. . Contudo, a carência de estudos que abordem a temática no Brasil impede que se conheça de que forma os parceiros estão sendo notificados pelos serviços de saúde.

Desse modo, atribuir unicamente ao paciente-índice a responsabilidade de notificar seu parceiro, sem considerar suas aspirações e anseios, a infraestrutura dos serviços de saúde responsáveis pela notificação e os instrumentos disponíveis para esta ação, poderá implicar inefetividade da interrupção do ciclo de transmissão da IST. Assim, os gestores devem considerar a estrutura organizacional das unidades de referência, garantindo a oferta de recursos humanos e materiais, a cobertura de uma rede de serviços integrados, além de oportunidades de educação permanente para garantir o sucesso da notificação de parceiros sexuais1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19..

No presente estudo, não houve menção de barreiras estruturais relacionadas à notificação. Porém, em nível internacional, os serviços de saúde enfrentam desafios para prover condições adequadas para a notificação. Em diferentes locais do mundo, a captação dos contatos sexuais é prejudicada não somente pelas barreiras socioculturais, mas pela infraestrutura inadequada, caracterizada por número limitado de clínicas de IST, pouco tempo para o atendimento, falta de pessoal treinado e ausência de métodos de diagnóstico confiáveis, além da carência de diretrizes para a notificação de parceiros1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19..

Em nível nacional, ressalta-se como importante barreira estrutural o manejo sindrômico de pacientes como IST, uma alternativa para driblar a escassez de métodos laboratoriais de diagnóstico33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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e que pode representar um motivo importante das abordagens às parcerias sexuais não estarem integradas ao atendimento dos profissionais nos serviços de saúde1212 Alam N, Chamot E, Vermund SH, Streatfield K, Kristensen S. Partner notification for sexually transmitted infections in developing countries: a systematic review. BMC Public Health. 2010;10:19.,1919 Cavalcante GFC, Araujo MAL, Galvão MTG, Moura HJ, Gondim APS, Silva RM. Sexually transmitted infections associated syndromes assisted in the primary health care in Northeast, Brazil. BMC Public Health . 2012;12:595. . No estudo, isto pode estar associado ao predomínio dos motivos geradores da notificação de parceiros terem ocorrido por diagnóstico de HIV e sífilis, o que pode indicar possibilidades de falhas no controle das demais IST no país, em decorrência do manejo de casos ocorrer a partir da abordagem sindrômica1919 Cavalcante GFC, Araujo MAL, Galvão MTG, Moura HJ, Gondim APS, Silva RM. Sexually transmitted infections associated syndromes assisted in the primary health care in Northeast, Brazil. BMC Public Health . 2012;12:595. .

Por outro lado, a infecção pelo HIV ainda é marcada pelo estigma e medo da transmissão. Assim, há preocupação com a gravidade da doença e a percepção de incurabilidade, situação que contribui para ações mais concretas por parte dos serviços e também para decisão do paciente-índice em comunicar ao parceiro a infecção, uma vez que a revelação pode desencadear questionamentos, suspeitas de infidelidade conjugal e culpabilização pela infecção1616 Andrade RG, Iriart JAB. Estigma e discriminação: experiências de mulheres HIV positivo nos bairros populares de Maputo, Moçambique. Cad Saúde Pública . 2015;31(3):565-74. -1717 Bell G, Potterat J. Partner notification for sexually transmitted infections in the modern world: a practitioner perspective on challenges and opportunities. Sex Transm Infect. 2011;87 Suppl 2:ii34-6..

Já no âmbito da sífilis, o maior número de notificações, além de reduzir as complicações graves, sobretudo na gravidez, representa um componente importante na interrupção da transmissão, principalmente pelo crescente número de casos no país, especialmente de sífilis congênita cujo parceiro não tratado representa um dos motivos do seu descontrole no Brasil66 Magalhães DMS, Kawaguchi IAL, Dias A, Calderon IMP. Sífilis materna e congênita: ainda um desafio. Cad Saúde Pública. 2013;29(6):1109-20..

As formas de notificação de parceiros sexuais pelos pacientes-índice foram diversificadas, destacando-se o contato verbal, telefônico ou entrega de um cartão de comunicação de parcerias sexuais. Contudo, a escolha do método de notificação mais conveniente pode estar relacionada ao desejo de fazê-la de uma forma menos traumática em decorrência de possíveis reações negativas que o parceiro possa ter no ato da revelação2020 Paiva V, Segurado AC, Filipe EMV. Self- disclosure of HIV diagnosis to sexual partners by heterosexual and bisexual men: a challenge for HIV/AIDS care and prevention. Cad Saúde Pública . 2011;27(9):1699-710. .

No caso do próprio paciente-índice se responsabilizar pela notificação de parceiros, o Ministério da Saúde orienta o profissional a entregar o cartão de comunicação de parcerias sexuais, o qual permite a identificação dos contatos sexuais no dia do comparecimento à unidade de saúde. Nas situações em que o paciente se nega a entregar o cartão ou se o parceiro sexual não comparecer no prazo de 15 dias, os profissionais podem utilizar a comunicação por meio de correspondência ou outros meios que garantam a confidencialidade da informação (contato telefônico e/ou eletrônico)33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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A respeito da aplicabilidade do cartão de comunicação de parceiros, o paciente-índice indicou que este foi um meio que lhe permitiu comunicar sem oferecer mais informações, o que indica ser um método conveniente para evitar constrangimentos. Contudo, há necessidade de mais estudos para conhecer a eficácia desse tipo de notificação no Brasil.

Em face do avanço na área da tecnologia de informação e comunicação, tem sido recomendado no campo das IST a inserção de novos elementos de intervenção para ampliar o acesso de parceiros sexuais, tais como internet, telefone, dispositivos de tecnologia móveis e aplicativos2121 Clark JL, Segura ER, Perez-Brumer AG, Reisner SL, Peinado J, Salvatierra HJ, et al. Potential impact and acceptability of internet partner notification for men who have sex with men and transgender women recently diagnosed with STD in Lima, Peru. Sex Transm Dis . 2014;41(1):43-5.-2222 Hochberg CH, Berringer K, Schneider JA. Next-generation methods for HIV partner services: a systematic review. Sex Transm Dis . 2015;42(9):533-9. . Um exemplo de uma ação inovadora empregada no Reino Unido foi disponibilizar a consulta por telefone ou com o farmacêutico aos contatos sexuais de pessoas com IST bacterianas como meio de ampliar o acesso de parceiros ao tratamento55 Althaus CL, Turner KME, Mercer CH, Auguste P, Roberts TE, Bell G, et al. Effectiveness and cost-effectiveness of traditional and new partner notification technologies for curable sexually transmitted infections: observational study, systematic reviews and mathematical modelling. Health Technol Assess. 2014;18(2):1-100..

No presente estudo, a percepção de tranquilidade manifestada durante o recebimento da notificação pelo parceiro sexual pode estar relacionada ao fato de a maioria dessas infecções ser assintomática, fator que não atenua as complicações das IST nessa fase. Embora as infecções bacterianas sejam tratáveis e curáveis, as virais, em especial o HPV, e a infecção pelo HIV podem provocar complicações mais graves, principalmente em mulheres. A sífilis, a gonorreia e a clamídia em mulheres e a hepatite viral B, quando não detectadas, levam às mais graves complicações, como sífilis congênita, doença inflamatória pélvica, infertilidade e cirrose hepática33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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. Sendo assim, é oportuno durante o aconselhamento abordar aspectos relacionados às consequências da não inclusão de parceiros sexuais no tratamento, questões de gênero e vulnerabilidades de contrair IST, sobretudo pelo não uso habitual do preservativo masculino e feminino.

O reconhecimento da importância do diagnóstico precoce e tratamento pelos parceiros sexuais conduzem à redução do comportamento sexual de risco a partir do diagnóstico precoce de infecção pelo HIV, e ao tratamento, que diminui significativamente a contagem da carga viral plasmática, tendo assim um papel importante na intervenção de prevenção e na tentativa de reduzir a transmissão2323 National Aids Trust. HIV partner notification: a missed opportunity? [Internet]. London: NAT; 2012 [cited 2015 June 22]. Available from: Available from: http://www.nat.org.uk/media/Files/Publications/May-2012-HIV-Partner-Notification.pdf
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No campo da vulnerabilidade programática, a atenção integral às pessoas com IST na rede de atenção primária no Brasil apresenta fragilidades, principalmente em relação ao acesso de parceiros ao diagnóstico e tratamento, o que indica a necessidade de reorganização dos serviços a partir da integração da rede de serviços e do diálogo entre as partes interessadas2424 Val LF, Nichiata LYI. Comprehensiveness and programmatic vulnerability to STDS/HIV/AIDS in primary care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2015 June 22];48(n.spe):145-51. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe/0080-6234-reeusp-48-esp-149.pdf
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Em geral, as dificuldades na revelação da condição de uma pessoa infectada por uma IST estão associadas ao estima, ao receio de ser discriminado ou ter sua imagem abalada perante o outro2525 Maksud I. Silêncios e segredos: aspectos (não falados) da conjugalidade face à sorodiscordância para o HIV/AIDS. Cad Saúde Pública . 2012;28(6):1196-204.. Assim, são aspectos importantes a serem abordados pelos profissionais durante o aconselhamento, especialmente o enfermeiro, pela sua evidente atuação nas ações de educação, aconselhamento e identificação de casos de IST2626 Mark H, Dhir A, Roth C. CE: sexually transmitted infections in the United States: overview and update. Am J Nurs. 2015;115(9):34-44. mediante testagens rápidas99 Barbosa TLA, Gomes LMX, Holzmann APF, Paula AB, Haikal DSA. Aconselhamento em doenças sexualmente transmissíveis na atenção primária: percepção e prática profissional. Acta Paul Enferm. 2015;28(6):531-8.. Ademais, recomenda-se para atenção integral às pessoas com IST e suas parcerias sexuais no Brasil que os profissionais estejam aptos a exercer a prevenção individual e coletiva; oferta de diagnóstico das IST assintomáticas; manejo de IST sintomáticas com fluxogramas com/sem laboratório; abordagem às parcerias sexuais e notificação epidemiológica dos casos33 Brasil. Ministério da Saúde; Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infecções Sexualmente Transmissíveis [Internet]. Brasília: CONITEC; 2015 [citado 2015 jun. 22]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
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Conclusão

Os pacientes-índice, mesmo motivados a comunicar o seu diagnóstico aos parceiros sexuais, apresentaram sentimentos negativos quanto à notificação, os quais variaram desde o ressentimento, a insegurança, sobretudo o medo da reação do parceiro, até a quebra de confiança no relacionamento, retratando a complexidade de incluir parceiros sexuais no manejo de casos de IST.

Ao receberem a notificação, os parceiros apresentaram percepções antagônicas de tranquilidade-traição, medo da morte, da incurabilidade e do diagnóstico, especialmente do HIV. Ademais, o medo de estar doente, a atenuação da culpa relativa à transmissão, a necessidade de diagnóstico e de início do tratamento precocemente motivaram o comparecimento à unidade de saúde.

Diferentes modalidades de comunicação de parceiros foram mencionadas pelos pacientes-índice variando desde a abordagem verbal ao contato telefônico e à entrega de um cartão para comunicação de parcerias sexuais. Dentre as modalidades, somente a busca ativa não foi mencionada, fato que pode estar associado à falta de detalhamento no protocolo nacional de IST sobre como realizá-la com base em uma estrutura organizacional que garanta a legalidade desta ação.

Esforços para valorizar o desenvolvimento da notificação de parceiros nos serviços de saúde são necessários, uma vez que essa ação ultrapassa o interesse individual. Assim, torna-se primordial a elaboração de diretrizes com definição de responsabilidades de todos os envolvidos, infraestrutura necessária, além de orientações sobre abordagem de pacientes-índice e seus parceiros, respeitando-se os princípios da confidencialidade da ação e a singularidade para cada caso. Para esse fim, é essencial reconhecer essa ação como um dos pilares do controle das IST, em especial do HIV, por permitir a redução da probabilidade de adquirir ou de transmitir infecções futuras.

Sugere-se a união de métodos alternativos de notificação aos convencionais, incorporando a internet, aplicativos de telefonia móvel, redes sociais ou um sistema de notificação integrado aos serviços de saúde para facilitar a comunicação dos contatos sexuais. Diante da existência de diferentes modalidades de métodos, pesquisas futuras sobre aplicabilidade ou avaliação da eficácia dos mesmos na ótica de todos os atores envolvidos ajudariam na construção de diretrizes de notificação de parceiros mais apropriadas para os serviços de saúde do Brasil.

A limitação do estudo residiu na impossibilidade de se investigar casais ou duplas de pacientes-índice e seus respectivos parceiros sexuais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2015
  • Aceito
    20 Abr 2016
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