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Maria Isabel Baltar da Rocha Rodrigues: fazendo da ciência uma política

HOMENAGEM

Maria Isabel Baltar da Rocha Rodrigues: fazendo da ciência uma política

Luzinete Simões Minella

Universidade Federal de Santa Catarina

No dia 14 de outubro de 2008, Maria Isabel Baltar da Rocha Rodrigues - conhecida como Bel Baltar -, socióloga, docente e pesquisadora da Unicamp, feminista comprometida com várias causas relacionadas aos direitos reprodutivos e à saúde das mulheres, faleceu aos 61 anos num acidente de carro em uma rodovia que liga São Paulo a Campinas. Segundo o jornal Estado de São Paulo, em matéria publicada em 16 de outubro do mesmo ano, "o carro em que a professora estava foi atingido por um caminhão carregado na Rodovia Anhangüera, próximo ao distrito de Aparecidinha, em Campinas, interior do Estado".

Em nota divulgada no dia seguinte, o Instituto Patrícia Galvão esclarecia que "Bel estava a caminho da Unicamp, onde iria tratar da organização do Seminário sobre a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS 2006), do qual era coordenadora e que estava agendado para 24 de outubro".1 1 http://www.patriciagalvao.org.br/ Acesso em: 12 fev. 2009.

A equipe da Revista Estudos Feministas inteirou-se dessa terrível notícia através de mensagem enviada pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) na data do acidente. Ao lamentar profundamente essa perda irreparável e - na falta de outras palavras diante de um acontecimento tão drástico e definitivo - nos solidarizamos com os colegas da ABEP e do NEPO comunicando a nossa certeza de que o campo de pesquisa sobre população e saúde no Brasil e na América Latina sofreria seriamente a falta do seu jeito sereno, competente e humano de fazer da ciência uma política.

A sua trajetória profissional foi marcante, conforme atesta o seu movimentado currículo. Ao longo de vários anos atuando no Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp, onde participou da coordenação entre 1993 e 1999, Bel desenvolveu pesquisas sobre política de população, saúde reprodutiva e saúde da mulher trabalhadora, destacando a análise dos aspectos políticos, sempre na interface com a demografia. Pernambucana radicada desde os vinte anos de idade em São Paulo, graduou-se em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica desse Estado em 1969 e concluiu o mestrado em Ciência Política na Universidade de São Paulo em 1980. Realizou o doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, concluído em 1992 e, por último, fez o pós-doutorado no Centro de Estudos Demográficos da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, em 2000.

O seu dinamismo a impulsionaria para outras áreas de atuação acadêmica. Além das atividades desenvolvidas no NEPO, ela foi professora colaboradora e membro do Conselho do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Integrou vários Comitês Editoriais de periódicos científicos e foi membro do Grupo de Pesquisa População e Saúde do CNPq. Coordenou os Grupos de Trabalho "Saúde Reprodutiva" do Programa Latino-Americano de Atividades em População (PROLAP) e "População e Gênero" da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP). Nos últimos anos, integrou o Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP).

Sua capacidade de intenso diálogo com os movimentos feministas fica evidente nas suas participações em importantes organizações: entre 2001 e 2002 foi secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (Rede Feminista de Saúde), tendo integrado o seu Conselho Diretor. A partir de 2003, participou também do Conselho Consultivo da Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe (RSMALC) e da organização Católicas pelo Direito de Decidir. Além disso, entre 2004 e 2006, fez parte do Comitê Assessor Nacional da Comissão Intergovernamental de Saúde Sexual e Reprodutiva do Mercosul do Ministério da Saúde.

Paralelamente às atividades que desempenhou nesses diversificados espaços de atuação, sua produção científica se avolumava, o que testemunha a capacidade de articulação entre suas ações e suas idéias. Sua tese de doutorado constitui uma referência central para pesquisadoras/es que trabalham com o tema, seja no país, seja na América Latina.2 2 RODRIGUES, Maria Isabel Baltar da Rocha. Política demográfica e Parlamento: debate e decisões sobre o controle da natalidade. 1992. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, SP. Publicou vários artigos em periódicos científicos, inclusive na Revista Estudos Feministas, além de inúmeros capítulos de livros, tendo organizado várias publicações em parceria com especialistas das suas áreas de pesquisa. Sua presença nos eventos acadêmicos e militantes não foi menor, destacando-se pelo exercício de uma característica marcante: a habilidade de ouvir várias opiniões e argumentos, para articulá-los de modo propositivo.

O último projeto de pesquisa que coordenou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), iniciado em 2007, dava continuidade aos seus interesses teóricos e políticos e se intitulava "Saúde da mulher e regulação do trabalho: o debate parlamentar sobre saúde reprodutiva e sexual e relações de trabalho". O projeto anterior, realizado entre 2004 e 2007, estabelecia relações entre anticoncepção e aborto, focalizando Brasil e Espanha.

Nos dias posteriores ao seu falecimento, testemunhando sua significativa participação nos debates políticos, inúmeras instituições de ensino e pesquisa manifestaramo seu pesar e várias organizações a homenagearam em seus sites, como por exemplo, além do Instituto Patrícia Galvão, a Rede Feminista de Saúde, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a organização Católicas pelo Direito de Decidir, a Comissão de Cidadania e Reprodução, entre outras.

Hoje, com muita tristeza, juntando-se a todas essas vozes, a Revista presta esta homenagem àquela que soube colocar inúmeros estudantes nas trilhas das investigações sobre suas áreas de interesse, multiplicando pesquisadoras/es, docentes, lideranças, gestores de políticas públicas, através das suas incessantes contribuições para o surgimento, implementação e/ou desenvolvimento de núcleos, cursos, associações, organizações, grupos de pesquisa, eventos, redes, etc., sabendo que, por trás da sua trajetória brilhante, havia uma pessoa simples, da qual todas/os que a conhecemos continuaremos sentindo muitas saudades.

  • 1
    http://www.patriciagalvao.org.br/ Acesso em: 12 fev. 2009.
  • 2
    RODRIGUES, Maria Isabel Baltar da Rocha.
    Política demográfica e Parlamento: debate e decisões sobre o controle da natalidade. 1992. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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