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O conflito do trapiche preto: um confronto entre as torcidas dos clubes de remo porto-alegrenses

The black pier conflict: a confrontation between fans of Porto Alegre rowing clubs

Resumos

Os primeiros clubes de remo de Porto Alegre foram fundados por teuto-brasileiros na segunda metade do século XIX. No princípio do século XX, luso-brasileiros também se fizeram representar nesse esporte. Os clubes de remadores representavam identidades culturais de imigrantes europeus na cidade e as regatas eram espaços de disputas acirradas entre esses grupos sociais. No principal campeonato de remo do Rio Grande do Sul, ocorrido no ano de 1911, houve um grande tumulto entre os torcedores dos clubes de remo: o Conflito do Trapiche Preto. Este estudo busca investigar: quais os significados do conflito entre as torcidas dos clubes Ruder Verein Germania e Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré no campeonato de remo ocorrido no ano de 1911 em Porto Alegre? Para responder esta questão de pesquisa, foram analisadas informações coletadas em jornais porto-alegrenses que circulavam no período. O campeonato estadual de remo realizado anualmente expressava a hierarquização de posições entre os clubes. O conflito entre torcidas do Ruder Verein Germania e as do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré expressou as lutas de representações de identidades culturais entre teuto-brasileiros e luso-brasileiros no campo esportivo.

História do Esporte; Remo; Clubes


The first rowing clubs in Porto Alegre were founded by German-Brazilians during the second half of the 19th century. In the early 20th century, Portuguese-Brazilians also attained a greater presence in this sport. Rowing clubs represented cultural identities of European immigrants settled in the city, and regattas were the fields of heated disputes between social groups. In the main rowing championship of Rio Grande do Sul state, held in 1911, there was a great tumult between fans of rowing clubs: the Black Pier Conflict. This study aims to investigate what the meanings of the conflict between the fans of clubs Ruder Verein Germania and Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré in the 1911 rowing championship, in Porto Alegre. To answer this research question, the study analyzed reports in newspapers circulating in Porto Alegre during that period. The annual State Championship expressed the hierarchy of position between the clubs. The conflict between fans of Ruder Verein Germania and Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré expressed the struggles to represent cultural identities between Portuguese-Brazilians and German-Brazilians in the realm of sport.

History of Sport; Rowing; Clubs


ARTIGOS ORIGINAIS

O conflito do trapiche preto: um confronto entre as torcidas dos clubes de remo porto-alegrenses

The black pier conflict: a confrontation between fans of Porto Alegre rowing clubs

Carolina Fernandes da SilvaI; Janice Zarpellon MazoII

IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre–RS, Brasil

IIDoutora. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre–RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carolina Fernandes da Silva carol_ed.fis@hotmail.com Rua Lucas de Oliveira 1659/202 - Petrópolis CEP: 90460-001 - Porto Alegre - RS

RESUMO

Os primeiros clubes de remo de Porto Alegre foram fundados por teuto-brasileiros na segunda metade do século XIX. No princípio do século XX, luso-brasileiros também se fizeram representar nesse esporte. Os clubes de remadores representavam identidades culturais de imigrantes europeus na cidade e as regatas eram espaços de disputas acirradas entre esses grupos sociais. No principal campeonato de remo do Rio Grande do Sul, ocorrido no ano de 1911, houve um grande tumulto entre os torcedores dos clubes de remo: o Conflito do Trapiche Preto. Este estudo busca investigar: quais os significados do conflito entre as torcidas dos clubes Ruder Verein Germania e Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré no campeonato de remo ocorrido no ano de 1911 em Porto Alegre? Para responder esta questão de pesquisa, foram analisadas informações coletadas em jornais porto-alegrenses que circulavam no período. O campeonato estadual de remo realizado anualmente expressava a hierarquização de posições entre os clubes. O conflito entre torcidas do Ruder Verein Germania e as do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré expressou as lutas de representações de identidades culturais entre teuto-brasileiros e luso-brasileiros no campo esportivo.

Palavras-chave: História do Esporte. Remo. Clubes.

ABSTRACT

The first rowing clubs in Porto Alegre were founded by German-Brazilians during the second half of the 19th century. In the early 20th century, Portuguese-Brazilians also attained a greater presence in this sport. Rowing clubs represented cultural identities of European immigrants settled in the city, and regattas were the fields of heated disputes between social groups. In the main rowing championship of Rio Grande do Sul state, held in 1911, there was a great tumult between fans of rowing clubs: the Black Pier Conflict. This study aims to investigate what the meanings of the conflict between the fans of clubs Ruder Verein Germania and Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré in the 1911 rowing championship, in Porto Alegre. To answer this research question, the study analyzed reports in newspapers circulating in Porto Alegre during that period. The annual State Championship expressed the hierarchy of position between the clubs. The conflict between fans of Ruder Verein Germania and Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré expressed the struggles to represent cultural identities between Portuguese-Brazilians and German-Brazilians in the realm of sport.

Keywords: History of Sport. Rowing. Clubs.

INTRODUÇÃO

No campeonato de remo do estado do Rio Grande do Sul, realizado no ano de 1911, houve um conflito entre as torcidas de dois clubes de remo porto-alegrenses: o Ruder Verein Germania e o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré. Os clubes de remo disputavam no campeonato anual o Wanderpreiss (Prêmio Móvel) – premiação instituída em 1898, pelo Comitê de Regatas. Na regata de 1911, o Ruder Verein Germania foi declarado vencedor, gerando descontentamento da torcida adversária. O confronto entre os torcedores ficou conhecido como o Conflito do Trapiche Preto.

Na época, o remo era o esporte de destaque em Porto Alegre, embora já houvesse na cidade algumas associações esportivas que ofereciam a prática do tênis, ciclismo, futebol, além da ginástica, pela tradicional sociedade de ginástica, atual SOGIPA. Os clubes de remo figuravam no cenário esportivo desde 1888, quando foi fundado o primeiro, pela iniciativa de teuto-brasileiros e, desde então, se multiplicaram até o final da primeira década do século XX (RIO GRANDE DO SUL SPORTIVO, 1919; PIMENTEL, 1945; DAUDT, 1952). Essas associações congregavam diferentes grupos: teuto-brasileiros, luso-brasileiros e ítalo-brasileiros.

As competições – regatas –, entre os clubes se constituíam, portanto, em espaço de disputa não apenas da premiação (ou) do primeiro lugar, mas também de afirmação de identidades culturais dos grupos sociais. Os torcedores, por sua vez manifestavam-se a favor de seu clube, anunciando relações de pertencimento. Nesse cenário, o confronto simbólico entre torcidas torna visível a confrontação para além do esporte.

Em Porto Alegre, nas primeiras décadas do século XX, a violência entre torcedores e atletas não possuía grande incidência nas reportagens de jornais, apesar de notas sobre os acontecimentos no campo esportivo do remo serem frequentes. É possível que os casos de violência fossem escassos. Talvez porque o remo seja um esporte sujeito a regras precisas e com pouco contato entre seus praticantes.

Provavelmente, os confrontos ficaram relegados às lutas de representações (CHARTIER, 2002) entre os clubes, que com a intenção de determinar uma relação simbólica de força, buscavam, nas representações, as suas armas para a diferenciação. Segundo Chartier (2002, p. 94-95), os "confrontos sociais fundados nos afrontamentos diretos, brutais, sangrentos, cedem cada vez mais lugar a lutas que tem por armas e por fundamentos as representações, chamadas de lutas de representações". A não violência do ambiente interno da prática estipulava que apenas no ambiente externo conflitos diretos pudessem ser manifestados, no entanto conflitos diretos entre torcidas não eram habituais. No remo, os confrontos permitem alcançar a vitória sobre os outros por meio de uma luta física, sem provocar danos físicos, caracterizando-se como um esporte moderno, amparado na racionalização (GUTTMANN, 1978).

Diante do exposto, apresentamos a questão norteadora da investigação: quais os significados do conflito entre as torcidas dos clubes Ruder Verein Germania e Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré no campeonato de remo realizado no ano de 1911 em Porto Alegre?

Tendo em vista que a pesquisa histórica configura-se como uma tentativa de voltar ao passado para produzir uma outra versão sobre os acontecimentos, este estudo buscou indícios sobre o Conflito do Trapiche Preto em jornais porto-alegrenses que circulavam no período demarcado para o estudo: A Federação, O Independente e A Gazetinha. Também foram consultados o "Álbum Comemorativo ao 20º aniversário do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré", publicado em 1923, e o álbum "Rio Grande do Sul Sportivo", sendo que nestes álbuns comemorativos, constam atas de fundação, registros das regatas, depoimentos e a trajetória do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré durante os primeiros anos de estabelecimento, assim como dados dos outros clubes de remo fundados no fim do século XIX e início do século XX. As informações obtidas foram submetidas à análise documental, de acordo com Bacellar (2005) e Pimentel (2001). Além disso, foi realizada uma revisão bibliográfica em livros, artigos científicos e dissertações, visando abordar o contexto histórico da cidade, conforme o recorte temporal deste estudo.

A interpretação das informações coletadas nas fontes acessadas para a pesquisa é apresentada em dois tópicos. No primeiro, foi traçada a construção de identidades culturais, bem como as querelas entre os clubes e seus fundadores. Já o segundo apresenta como as lutas identitárias entre os clubes de remo despontaram em uma regata, dando origem ao célebre Conflito do Trapiche Preto.

OS CLUBES DE REMO E SEUS TORCEDORES

O remo foi institucionalizado na capital sul-rio-grandense, quando surgiram os primeiros clubes na segunda metade do século XIX. Na época, já havia a sociedade de ginástica (atual SOGIPA), que fomentava, inicialmente, a prática da ginástica. Tanto essa sociedade quanto os clubes de remo fomentavam práticas corporais/esportivas que produziam representações de identidades culturais teuto-brasileiras. Em oposição, ascendiam, nos espaços de prática do turfe, representações de identidades culturais luso-brasileiras.

As práticas corporais/esportivas foram um dos meios de produzir fronteiras simbólicas entre os teuto-brasileiros e luso-brasileiros na cidade de Porto Alegre, como atestam os estudos de Mazo (2007), Silva e Mazo (2009; 2012), Silva (2011), e Silva, Pereira e Mazo (2012). Todavia, era no universo esportivo do remo que os grupos sociais pleiteavam espaço. Em Porto Alegre, o remo se tornou uma prática institucionalizada na década de 1880, quando teuto-brasileiros apostaram nesse esporte, já disseminado pela Europa, e organizaram o primeiro clube de remo da cidade: Ruder Club Porto Alegre (Clube de Remo Porto Alegre) (RIO GRANDE DO SUL SPORTIVO, 1919; DAUDT, 1952; HOFMEISTER, 1979). Esse clube, fundado em 21 de novembro de 1888, possuía uma estrutura organizacional similar à da Turnerbund (SOGIPA) e, de forma semelhante, privilegiava ações de sociabilidade entre os teuto-brasileiros.

Na primeira ata do Ruder Club Porto Alegre (PIMENTEL, 1945; DAUDT, 1952; HOFMEISTER, 1979), originalmente redigida em alemão, consta, na lista de presentes, 13 homens, que, na sua maioria, possuíam sobrenome alemão: Alfredo Shütt, Félix H. Issler, B. Roechring, Júlio Issler, Fernando Ingwersen, Alberto Bins, Otto Hasche, Luiz Koehler, Gustavo Knoblauch, H. Von Schwerin, A. Voelker, C. Goeden Junior, O. Teichmann, Júlio Issler Filho e John Day (DAUDT, 1952). O primeiro nome da lista, Alfredo Schütt, está entre os fundadores da Turnerbund (SOGIPA) e era uma liderança na manutenção da memória cultural alemã em Porto Alegre. Para Assmann (1995), a especialização dos portadores da memória desenvolve uma autoridade sobre a memória. Ao criar um espaço onde a memória cultural poderia ser cultivada, esse ato proporcionou a Alfredo Schütt tornar-se uma autoridade quanto à preservação da cultura teuto-brasileira.

A comissão de elaboração do estatuto do clube também era composta por teuto-brasileiros: Alfredo Schütt, Felix H. Kessler e Fernando Ingwersen. Esses indivíduos carregavam consigo a herança da memória cultural de seus antepassados alemães, destarte, retratava seus costumes, hábitos, práticas e normas de conduta. Para Assmann (1995), o caráter vinculativo do conhecimento preservado na memória cultural possui, como um de seus aspectos, o aspecto normativo, na sua função de elaboração de regras de conduta. Logo, os autores do estatuto transferem para as normas da associação a sua maneira de ser: "o modo de ser alemão" (SILVA, 2006). Conforme Silva (2005), a identidade teuto-brasileira resultou de um processo de assimilação, sincretismo cultural ou como produto de uma ideologia étnica, por meio da qual os agentes, construtores dessa identidade, arquitetam fronteiras delimitadoras, por meio de traços definidos pelo próprio grupo para estabelecer contraste. Para tanto, utilizam-se de símbolos identitários que fundam a crença em uma origem comum, resgatados na memória cultural.

Tendo como referência a revista alemã Wassersport (esporte aquático), o Ruder Club Porto Alegre almejava promover a prática do remo em Porto Alegre, seguindo os métodos adotados na Alemanha. Além da orientação que constava na revista, começaram a importar barcos da Alemanha e ministrar os treinamentos em idioma alemão. Tais evidências não assentam com a afirmação de Hofmeister (1979) de que não havia preocupação com exclusivismos étnicos, pois a comunicação interna do clube era em idioma alemão, o que obrigava a quem frequentasse o ambiente dominar tal idioma. Havia, assim, um trânsito constitutivo entre o social e o individual, pois a memória individual é produzida à medida que participa de uma memória coletiva (HALBWACHS, 2006). Dessa maneira, o idioma era revivificado na memória dos indivíduos que participavam do coletivo, perpetuando-o.

Após quatro anos da fundação do Ruder Club Porto Alegre, foi organizado o segundo clube de remo na cidade, em 29 de outubro de 1892: o Ruder Verein Germania (Associação de Remo Germania). De acordo com Amaro Júnior (‑, p. 45), seus instituidores eram "um grupo de dez jovens esportistas". Já Hofmeister (1979) afirma que, na lista de fundadores, havia mais de 40 nomes, informação que vai ao encontro dos dados apresentados por Licht (2002b), que reproduz a primeira ata, confirmando a asseveração de Hofmeister (1979). De forma semelhante ao Ruder Club Porto Alegre, no grupo de fundadores do Ruder Verein Germania, também se encontrava um amplo número de nomes teuto-brasileiros (HOFMEISTER, 1979, p. 19). Na lista, encontra-se J. Aloys Friederichs, alemão que posteriormente tornou-se um líder étnico teuto-brasileiro.

Aloys Friederichs, conforme Silva (2006), era a favor de um duplo patriotismo: ser brasileiro, mas cultivar sua herança cultural, principalmente no que tange ao nacionalismo alemão. Trazia seus ideais de germanismo para os círculos onde frequentava; assim, da mesma forma que se transformava numa liderança associativa, crescia como uma liderança étnica. Germanismo, de acordo com Gertz (1991), é uma tradução da palavra Deutschtum e designa o conjunto da população de alemães e seus descendentes, como também pode ser traduzida como uma ideologia e uma prática de defesa da germanidade das populações de origem alemã. Nesse sentido, entende-se a germanidade como "um fator político, baseado na ideia de uma comunidade étnica constituída por ascendência, língua e costumes" (SCHULZE, 2008, p. 21).

Segundo Silva (2005), a atuação de Aloys Friederichs no associativismo teuto-brasileiro privilegiou o incremento de atividades que produzissem, além de desenvolvimento físico, a consciência identitária. As suas ideias foram disseminadas na Turnerbund (SOGIPA), quando cumpriu mandato de presidente dessa sociedade. Do mesmo modo, Aloys Friederichs reconhecia o Ruder Verein Germania como um novo mecanismo de disseminação de seu pensamento, quanto à perpetuação de representações de uma identidade alemã e à criação de uma identidade cultural teuto-brasileira.

Todavia, no Ruder Club Porto Alegre, um movimento dos associados em busca da afirmação de mais representações alemãs no clube tornou-se notícia nos jornais porto-alegrenses. Os jornais A Federação (O CLUB..., 1895) e a Gazetinha (CLUB..., 1895) noticiaram a reunião realizada no mês de agosto de 1895 (O CLUB..., 1895), a qual causou polêmica no cenário porto-alegrense. Os dois jornais posicionaram-se contrários à decisão dos dirigentes dos clubes de remo de "dar-lhe o caracter exclusivo de club allemão" (O CLUB..., 1895).

O jornal Gazetinha, cujo proprietário e editor era o luso-brasileiro Otaviano Manuel de Oliveira, noticiou duras críticas à germanização do Ruder Club Porto Alegre. O título da reportagem refere-se à associação como Club de Regatas Porto-Alegrense, na versão em língua portuguesa, como forma de demonstrar a sua postura de oposição à ideia (CLUB..., 1895). Na reportagem, constam posturas contra o cultivo de representações de identidades culturais teuto-brasileiras e, ainda, cita a nacionalização do Ruder Club Porto Alegre, como exemplo. O texto expõe ideias de reação aos teuto-brasileiros, pois julga que a nacionalização foi "um desafio atirado aos brazileiros, foi um verdadeiro accinte que está mesmo a pedir 'revanche' completa e severa e que produziu o effeito de uma bofetada" (CLUB..., 1895, p. 1).

O jornal revela "lutas de representações", as quais, segundo Chartier (2002), possibilitam a compreensão dos mecanismos que um grupo tenta impor à sua concepção do mundo social, os valores que são seus e seus domínios. A reação do editor do jornal luso-brasileiro ao destaque social de uma representação teuto-brasileira permite visualizar os conflitos identitários, quando luso-brasileiros e teuto-brasileiros disputavam a conquista de espaços sociais, cada um com suas estratégias. Nesse episódio, os teuto-brasileiros se utilizaram dos clubes esportivos e os luso-brasileiros, dos discursos na imprensa.

O discurso do editor Otaviano Oliveira prega uma falta de consideração dos teuto-brasileiros que tiveram a iniciativa de promover a nacionalização alemã. Ele caracteriza tal ato como uma injustiça e uma grosseria para com os consócios brasileiros que o clube possuía, apesar de alguns deles concordarem com a nacionalização. Otaviano Oliveira, um descendente de imigrantes portugueses, identifica-se como brasileiro nato e, assim, permite-se ser o elemento representativo dos brasileiros. Uma estratégia utilizada para fazer parte da unidade nacional, quando utiliza o pronome "nós", é se dizer ofendido pelos teuto-brasileiros, classificando-os como "os outros", os estrangeiros. Essa posição torna-se clara em seu discurso, quando relata que "é doloroso para nós brazileiros natos, apreciar, [...] a grosseria com que certos extrangeiros mal educados pagam a hospitalidade proveitosa que acham em nossa querida Pátria" (CLUB..., 1895, p. 1).

Otaviano Oliveira representa a sua ofensa como uma ofensa à nação e tenta reproduzir nos demais indivíduos, que se reconhecem possuidores de uma identidade cultural brasileira, esse mesmo sentimento. Conforme Thiesse (2000), a pedagogia do sentimento de pertença passa pelo emprego repetitivo da primeira pessoa do plural, que lembra constantemente que a identidade é coletiva. Nesse momento, fim do século XIX, durante o período republicano, há uma busca coletiva por uma identidade cultural brasileira. Oliven (1982) afirma que, durante o período da Proclamação da República no Brasil, nota-se que certas manifestações da cultura brasileira passam a ser extremamente valorizadas, exaltando-se os símbolos nacionais.

Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é sustentada pela diferença baseada num oposto: o positivo versus o negativo. Nessa perspectiva, Otaviano Oliveira distingue os brasileiros como bons anfitriões, enquanto os alemães são ingratos. Os brasileiros propiciam o "accolhimento amigo encontrado aqui pelos imigrantes que vêm trabalhar (...) e [os alemães] em vez de agradecer a este povo [brasileiro] os favores que no seio d'elle recebem, atiram-lhe offensas" (CLUB..., 1895, p. 1). No seu discurso, também condena os brasileiros que apoiaram a nacionalização do clube, apontando-os como traidores de sua identidade cultural brasileira e, por consequência, da nação.

Provavelmente, motivados pela sua irmandade teuto-brasileira, bem definida no Ruder Club Porto Alegre, após a mobilização para realçar as suas representações alemãs, os dois clubes apoiavam-se mutuamente para impulsionar o associativismo esportivo no remo em Porto Alegre. Os clubes de remo se uniram para a fundação de uma entidade que fosse responsável pela organização das regatas: o Comitê de Regatas, fundado em 1894. Esse Comitê é considerado a primeira federação esportiva do Brasil (HOFMEISTER, 1979; LICHT, 1986). A fundação aconteceu em virtude do desejo dos teuto-brasileiros, do Ruder Club Porto Alegre e do Ruder Verein Germania em organizar a primeira regata oficial da cidade. A competição entre os clubes de remo se limitava ao âmbito das disputas esportivas, esporadicamente promoviam regatas e desafios individuais, além de excursões recreativas.

Em reação à hegemonia dos clubes de remo identificados com os teuto-brasileiros, os luso-brasileiros, nos primeiros anos do século XX, organizaram novos clubes de remo. O primeiro clube passou a existir oficialmente no dia 18 de janeiro de 1903: o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré. Em conformidade com o livro comemorativo, Rio Grande do Sul Sportivo (1919, p. 161), o acontecimento foi identificado como uma "benéfica reação contra o elemento extrangeiro, que naquella época predominava no sport náutico local". Os esportes que esse clube abarcaria iam para além do remo, como divulgou um jornal da época: "sabemos que, além do sport do remo, o novo club de regatas a fundar-se nesta capital dedicar-se-á também á natação, tiro ao alvo, gymnastica, etc." (REGATAS, 1903a). Os quatro esportes que, possivelmente, seriam oferecidos e foram anunciados pelo jornal, são esportes inseridos em Porto Alegre por clubes identificados, com os teuto-brasileiros. A partir dessa publicação, é possível verificar que a intenção, para esse clube, era oportunizar um novo ambiente esportivo.

Com três dias de antecedência, o jornal A Federação (REGATAS, 1903a) já havia noticiado o acontecimento. Divulgou a hora e o lugar da primeira reunião de instauração, bem como auxiliou na propaganda, com uma divulgação positiva do clube que estava para nascer e de que já estavam inscritos mais de 160 sócios. A notícia da fundação de um clube de remo idealizado por luso-brasileiros foi muito bem recebida pelos periódicos A Federação e O Independente. O editor deste último jornal era Otaviano M. de Oliveira, o mesmo editor da Gazetinha, fechada em 1900, ano de fundação do jornal O Independente.

Os jornais A Federação e O Independente compartilhavam a ideia de que deveria ser fundado um novo clube de remo. Ambos os jornais eram editados por luso-brasileiros e, anteriormente à fundação do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, demonstraram a vontade de que houvesse, em Porto Alegre, um clube de remo dos luso-brasileiros. Isso justifica o amplo espaço dedicado às notícias do novo clube de remo, inclusive com o resultado da primeira reunião, tanto que, a partir desse momento, as regatas receberam mais atenção desses órgãos de divulgação. Assim, as disputas identitárias trouxeram para a prática esportiva maior divulgação da imprensa local.

No dia 19 de janeiro de 1903, os leitores dos jornais O Independente (PRIMEIRA, 1903) e A Federação (REGATAS, 1903b) depararam com os resultados da reunião de fundação do novo clube de remo em Porto Alegre: o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré. A Federação destaca a escolha da denominação do clube ter sido sugerida por um dos sócios-fundadores, Miguel Macalão, em homenagem a "um grande vulto da marinha nacional" (REGATAS, 1903b, p. 2), o Almirante Tamandaré. Ambos os jornais indicam que a presidência e a vice-presidência do clube seriam ocupadas pelos luso-brasileiros: Gaspar Fróes e Ricardo Machado (NOVO, 1903).

O Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré era um espaço ocupado majoritariamente por luso-brasileiros, mas oferecia práticas esportivas revestidas por representações identitárias teuto-brasileiras em Porto Alegre. O período de fundação desse clube, princípio do século XX, foi marcado pelas iniciativas de configuração de uma identidade cultural brasileira no país. Nessa direção, o clube de remo procurou reproduzir representações que reavivassem uma memória cultural identificada como brasileira.

A negociação de identidades é um fenômeno dinâmico, assim como a memória, que é constantemente complementada com novos significados. Renovar a lembrança, apesar de esta receber novos significados, é uma atualização da memória cultural. Segundo Pollak (1992), a memória é um fenômeno construído em todos os níveis e, sendo assim, podemos dizer que há uma ligação fenomenológica muita estreita entre a memória e o sentimento de identidade. No caso do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, os fundadores ressignificaram alguns símbolos da cultura brasileira, para envolver a prática do remo. Nesse processo de produzir a representação do clube como o primeiro verdadeiramente nacionalizado, utilizou-se como estratégias: adotar a língua portuguesa como idioma oficial, denominar o clube com o nome de um herói nacional e, para batizarem os barcos, reutilizaram palavras no idioma das tribos indígenas que povoavam o Brasil.

O clube, identificado com os luso-brasileiros, desencadeou a abertura de novas identidades culturais no cenário do remo, pois depois do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, surgiram outros clubes de remo, com novas formas de representações identitárias. Em 1905, foi inaugurado o Club de Regatas Almirante Barroso, um clube de remo que congregava representações identitárias brasileiras, teuto-brasileiras e luso-brasileiras.

Na primeira década do século XX, o remo começava a despontar como um dos esportes mais prestigiados de Porto Alegre, porém era considerada uma prática para adultos. Essa visão modifica-se com a fundação do primeiro clube juvenil em 1906, o Ruder Verein Freundschaft. Esse clube foi fundado por seis jovens que assumiam identidades culturais teuto-brasileiras, nascidos no Brasil, o que caracterizava um sentimento de compromisso de colaborar para o progresso do país.

Outro clube, fundado na primeira década do século XX, foi o Club Italiano Canottieri Ducca degli Abruzzi, em 1908 (HOFMEISTER, 1979; LICHT, 1986; PEREIRA; MAZO, 2005; MAZO; FROSI, 2008), majoritariamente por descendentes de italianos. Em sua lista de fundadores, constavam 39 homens. "Assim como ocorreu na fundação de outros clubes em Porto Alegre, as mulheres não participaram (ou não foram vistas), pelo menos diretamente, no período de instalação" (MAZO; FROSI, 2008, p. 41).

Os clubes de remo tinham como principal competição anual o Campeonato do Estado do Rio Grande do Sul, que ocorria desde 1898, e era também chamado Wanderpreiss. Inicialmente, era disputado apenas pelos clubes teuto-brasileiros, mas com a criação de novos clubes, a competição foi ampliada, com a participação dos demais. As disputas tornaram-se acirradas a tal ponto que, no campeonato de 1911, torcedores do Ruder Verein Germania e do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré se afrontaram, em busca da defesa do prêmio principal.

RUDER VEREIN GERMANIA VERSUS GRÊMIO DE REGATAS ALMIRANTE TAMANDARÉ

O campeonato estadual de remo do ano de 1911 foi divulgado pelo jornal A Federação, por meio de um convite para a segunda regata organizada pela Federação Rio-Grandense de Remo (REGATAS, 1911a). Nessa publicação, está descrito o cronograma da competição, os clubes participantes, as cores que os identificam e o local de chegada, assim como os juízes de saída, de percurso e de chegada. Cabe destacar que, para cada posição dos juízes, eram escaladas três pessoas, sendo cada uma delas representante de diferentes clubes de remo. Dentre os juízes de percurso, havia dois teuto-brasileiros e um luso-brasileiro, não havendo um representante ítalo-brasileiro, possivelmente, pela falta de pessoa competente, e por essa atribuição, das três, ser a menos decisiva. Essa escalação mostra a acirrada disputa entre os clubes, pois dividiram o julgamento e tentaram prevenir-se de qualquer possível fraude.

As cores dos uniformes identificavam e diferenciavam os clubes competidores: o Ruder-Verein Germania, com o uniforme branco e vermelho; o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, de azul marinho e branco; Club de Regatas Almirante Barroso, listrado de azul e branco; Grêmio Náutico Rio-Grandense, representante da cidade de Rio Grande, com as cores creme, verde e vermelho; e o Club Italiano Canottieri Ducca degli Abruzzi, de verde, branco e vermelho (REGATAS, 1911b). As cores escolhidas pelos clubes são representações utilizadas estrategicamente para diferenciá-los. O Club Italiano Canottieri Ducca degli Abruzzi, por exemplo, se diferenciava dos demais, pois utilizava as cores da bandeira da Itália no uniforme.

Apesar dos cuidados da organização da regata, a competição no final não ficou livre de desconfianças e protestos. O local dos protestos foi na chegada da competição, na sede da Federação Rio-Grandense de Remo, situada à Rua Voluntários da Pátria, no cais do porto, região próxima dos clubes e do Trapiche Preto. O Trapiche Preto foi construído inicialmente para proteger a incursão de água do Lago Guaíba para a cidade e, posteriormente, as imediações desse local foram escolhidas para a prática do remo; inclusive, facilitava o posicionamento dos espectadores para assistir às regatas. Esse Trapiche foi remodelado em 1908, quando mudou de cor, mas continuou a ser chamado Trapiche Preto (SANHUDO, 1979).

O acontecimento que ficou conhecido como "Conflito do Trapiche Preto" ocorreu no dia 15 de maio de 1911 na raia dos Navegantes (HOFFMEISTER, 1979, p. 76). O conflito ocorreu em decorrência de uma acirrada competição, na prova de quatro remos com timoneiro, na qual a dianteira era comandada pela guarnição do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, seguida pela guarnição do Ruder Verein Germania, representantes de luso-brasileiros e teuto-brasileiros, respectivamente. De acordo com A Federação, o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré e o Ruder Verein Germania eram os dois clubes que haviam levantado, no ânimo dos espectadores, "uma formidável expectativa, tal o equilíbrio das suas forças, tal a confiança que depositavam nas suas adestras guarnições" (REGATAS, 1911b, p. 2). A vitória era certa para ambas as torcidas, que não aceitariam outro resultado.

A guarnição do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré chegou à frente, seguida, logo após, pela do Ruder Verein Germania, porém a equipe do primeiro fora desclassificada por delito de raia. Ao perceber que o primeiro lugar fora concedido para o clube teuto-brasileiro, a torcida do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, no momento em que os juízes hasteavam a bandeira do clube rival, não admitiu a ausência da bandeira de seu clube no mastro da vitória. "Os tamandaristas, não se conformando, pediram para ser retirado o referido pavilhão, não sendo atendidos, como era de esperar" (REGATAS, 1911b, p. 2), fato que causou imensa revolta nos torcedores. Assim, o foco dos torcedores foi ferir a principal representação da associação adversária: a sua bandeira.

Na época, era comum fretarem barcos a vapor para o público acompanhar as regatas: "o magestoso Guahyba estava literalmente qualhado de embarcações de toda a espécie" (REGATAS, 1911b, p. 2). De uma das embarcações, que transportava torcedores do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, bradou uma voz altissonante: "Bandeira do Germania abaixo" (REGATAS, 1911b, p. 2). Quando o barco com os torcedores chegou ao trapiche, onde estavam juízes, autoridades e convidados, foi abordado, e a circunstância transformou-se em uma verdadeira batalha entre as torcidas. Inclusive, os membros da banda que animava o evento foram envolvidos no tumulto e muitos caíram nas águas do Guaíba (REMOSUL, 2012).

Os torcedores pareciam soldados, defendendo a sua nação, representada naquela ocasião pelo seu clube, e arriaram a bandeira adversária, rasgando-a e passando os pedaços de mão em mão, como troféus. O conflito se generalizou quando os torcedores do Ruder Verein Germania enfrentaram a torcida adversária, reagindo ao ataque à sua bandeira, um dos mais significativos símbolos dos clubes. Para Durkheim, citado por Oliven (1982, p. 14), "o soldado que cai defendendo sua bandeira certamente não crê ter-se sacrificado por um pedaço de pano, mas sim pelo país, representado pela bandeira". Os clubes não representavam apenas um local de lazer e de prática esportiva, mas um pedaço da pátria, onde as identidades culturais eram reforçadas e reafirmadas perante as demais. Os ânimos dos torcedores somente se atenuaram quando os juízes conseguiram explicar os motivos da desclassificação da guarnição do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré.

Posteriormente, uma comissão do clube dos luso-brasileiros compareceu à sede dos teuto-brasileiros com uma bandeira recomposta e um pedido de desculpas, visando reconstituir a paz (HOFMEISTER, 1979). A confecção da bandeira pelos luso-brasileiros carrega um capital simbólico de reconstrução das relações, contudo tal ato não evitou a crise e a Federação Rio-Grandense de Remo foi dissolvida. Consta que a diretoria da Federação Rio-Grandense de Remo renunciou (REMOSUL, 2012). O jornal A Federação se manifestou sobre o acontecimento: "foi pena que o brilhante meeting [reunião; encontro] náutico houvesse terminado com lamentável incidente, abalando em sua constituição íntima a útil Federação" (REGATAS, 1911b, p. 2).

Durante um período, sucedeu um marasmo esportivo e os clubes ficaram restritos apenas às competições internas, gerando um isolamento entre os clubes. Todavia, em outubro de 1911, essa situação foi rompida, quando Carlos S. Arnt, presidente do Ruder Verein Freundschaft (atual Grêmio Náutico União), que não era filiado à Federação Rio-Grandense de Remo, convidou os clubes de remo para uma regata de estafetas, em que barcos da mesma equipe se revezavam no percurso. Durante essa festividade, os clubes decidiram reunir-se em uma nova associação: a Liga Náutica Rio-Grandense (MAZO, 2010). Após 15 dias, houve uma reunião no mesmo local do conflito, na sede da ex-Federação Rio-Grandense de Remo, onde foi instaurada a Liga Náutica Rio-Grandense no dia 30 de novembro de 1911.

O ato simbólico não teve repercussão imediata, pois as competições entre os clubes de remo retornaram apenas três anos depois. Nem mesmo a inauguração de uma nova entidade e a ausência de competições fez com que o momento crítico se desfizesse, evidenciando que a rivalidade entre os clubes de remo demoraria algum tempo. As disputas identitárias enfraqueceram os clubes de remo no período, conjuntura que abalou a concorrência entre eles, pois as competições eram uma maneira de manter relações de forças simbólicas das identidades culturais.

As consequências do conflito duraram alguns anos e reforçaram a rivalidade entre os remadores e torcedores. De acordo com Castello (1923), a crise manteve-se até fins de 1914, quando a Liga Náutica Rio-Grandense conseguiu efetuar a primeira demonstração externa dos clubes locais, retomando as competições. A Liga Náutica Rio-Grandense dirigiu a sua primeira competição oficial do Estado em 1915. Os clubes de remo retomavam sua visibilidade no cenário esportivo porto-alegrense.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática do remo foi instituída em Porto Alegre, na segunda metade do século XIX, por clubes teuto-brasileiros. No princípio do século XX, outros grupos sociais se apropriaram dessa prática e fundaram seus clubes. Tal situação favoreceu a organização de uma federação esportiva, bem como o incremento das competições de remo.

Para além das regatas, havia a concorrência entre identidades dos clubes de remo, como assinalam as fontes consultadas. Nas primeiras décadas do século XX, os novos clubes de remo romperam com a hegemonia teuto-brasileira e as disputas identitárias acentuaram-se nas regatas. O caso do "conflito do Trapiche Preto" ocorrido no campeonato estadual de remo no ano de 1911 é um indício das lutas simbólicas entre os clubes porto-alegrenses marcados por uma identidade étnico-cultural.

O conflito entre torcidas não era recorrente em notas jornalísticas naquele período. Talvez, por isso, o confronto entre as torcidas do Ruder Verein Germania e do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré foi destacado pelos jornais como um tumulto violento. De fato, teve uma repercussão significativa, pois abalou a entidade representativa dos clubes de remo, que também foi responsabilizada pelo conflito.

A altercação entre os grupos representativos dos clubes, os torcedores, era saciada por meio do prazer mimético proporcionado pelas regatas, em que os resultados ofereciam uma estrutura simbólica de hierarquização. A busca pelo primeiro lugar gerou tensões, que foram expressas a partir de um ato que levou as torcidas a exporem o nível de concorrência entre os teuto-brasileiros e luso-brasileiros. Embora o Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré tenha se desculpado publicamente, a aversão entre os clubes não se dissipou imediatamente, até porque em 1914, com o começo da I Guerra Mundial, os teuto-brasileiros foram novamente hostilizados e os clubes identificados com esse grupo social sofreram forte pressão ao abrasileiramento.

O conflito ocorrido no Trapiche Preto expressou concorrências identitárias desenvolvidas no contexto sociocultural de Porto Alegre, quando luso-brasileiros e teuto-brasileiros cultivavam representações de identidades culturais, bem como buscavam espaços sociais.

Recebido em 30/05/2012

Revisado em 29/09/2012

Aceito em 07/07/2013

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    Carolina Fernandes da Silva
    Rua Lucas de Oliveira 1659/202 - Petrópolis
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Maio 2012
    • Aceito
      07 Jul 2013
    • Revisado
      29 Set 2012
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