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Análise da formação de bandas de cisalhamento por meio de corpos-de-prova de tração especiais

Analysis of shear band formation by special tension tests applied to the samples

Resumos

O presente trabalho tem por objetivo analisar a formação de bandas cisalhantes em chapas metálicas de aço baixo carbono (SAE 1006) submetidas à tração uniaxial. Essa verificação foi feita através de análise numérica utilizando o software Deform2D, bem como a realização dos testes físicos por meio de corpos-de-prova de tração entalhados com geometrias variadas. Foram levantadas a curva de fluxo e a anisotropia do material utilizado para a realização da simulação numérica. A partir dessa simulação, foram feitas análises da formação das bandas, utilizando-se vários passos em cada corpo-de-prova e, posteriormente, comparando essa mesma formação entre os corpos-de-prova com geometrias de entalhes diferentes. Por fim, foi verificado que, tanto a formação de bandas de cisalhamento, quanto às características da fratura no material estudado, estão diretamente relacionadas com a forma geométrica do entalhe.

Fluxo plástico heterogêneo; bandas de cisalhamento; método de elementos finitos


The present study had as main purpose to analyze the formation of shear bands in metallic sheets of low-carbon steel (SAE 1006) submitted to uniaxial tension test. This verification has been made through numerical analysis using the software Deform2D, and the performance of physical tests with the tension's test specimen being notched with varied geometries. The flow curve and the anisotropy of the material used for the realization of numerical simulation have been designed. After this simulation, band formation analysis was performed using varios steps for each sample, and compared with the test specimen of the same formation with different geometrical notches. Finally, it was verified that both the shear band formation and the fracture characteristics of the studied material are directly related with the geometrical shape of the notch.

Heterogeneous plastic-flow; shear bands; finite element method


METALURGIA & MATERIAIS

Análise da formação de bandas de cisalhamento por meio de corpos-de-prova de tração especiais

Analysis of shear band formation by special tension tests applied to the samples

Arisson Carvalho de AraujoI; Frederico Castro MagalhãesII; Paulo Roberto CetlinIII; Paulo César de Matos RodriguesIV; Haroldo Béria CamposV

IEngenheiro Mecânico da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Mestrando do PPGMEC-UFMG. E-mail: arisson.carvalho@oi.com.br

IIDoutor, Bolsista de Pós-Doutorado FAPEMIG-UFMG. E-mail: fredmag@br.inter.net

IIIDoutor, Professor Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica da UFMG. E-mail: pcetlin@demet.ufmg.br

IVDoutor, Professor Associado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG. E-mail: paulocmr@ufmg.br

VDoutor, Professor Associado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG. E-mail: beriacampos@uol.com.br

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a formação de bandas cisalhantes em chapas metálicas de aço baixo carbono (SAE 1006) submetidas à tração uniaxial. Essa verificação foi feita através de análise numérica utilizando o software Deform2D, bem como a realização dos testes físicos por meio de corpos-de-prova de tração entalhados com geometrias variadas. Foram levantadas a curva de fluxo e a anisotropia do material utilizado para a realização da simulação numérica. A partir dessa simulação, foram feitas análises da formação das bandas, utilizando-se vários passos em cada corpo-de-prova e, posteriormente, comparando essa mesma formação entre os corpos-de-prova com geometrias de entalhes diferentes. Por fim, foi verificado que, tanto a formação de bandas de cisalhamento, quanto às características da fratura no material estudado, estão diretamente relacionadas com a forma geométrica do entalhe.

Palavras-chave: Fluxo plástico heterogêneo, bandas de cisalhamento, método de elementos finitos.

ABSTRACT

The present study had as main purpose to analyze the formation of shear bands in metallic sheets of low-carbon steel (SAE 1006) submitted to uniaxial tension test. This verification has been made through numerical analysis using the software Deform2D, and the performance of physical tests with the tension's test specimen being notched with varied geometries. The flow curve and the anisotropy of the material used for the realization of numerical simulation have been designed. After this simulation, band formation analysis was performed using varios steps for each sample, and compared with the test specimen of the same formation with different geometrical notches. Finally, it was verified that both the shear band formation and the fracture characteristics of the studied material are directly related with the geometrical shape of the notch.

Keywords: Heterogeneous plastic-flow, shear bands, finite element method.

1. Introdução

O fenômeno denominado Bandas de Cisalhamento ou de Deformação é estudado há várias décadas, desde os trabalhos de Zener e Hollomon (1944). No entanto, existem pesquisadores que defendem que esse fenômeno é verificado há mais tempo.

Muitos materiais, quando inicialmente deformados, apresentam fluxo plástico uniforme, mas depois, em alguns pontos, as características da deformação mudam subitamente de tal forma que essa deformação se concentra em estreitas lâminas do material, caracterizando um fluxo consideravelmente heterogêneo. Ao seccionar o material depois de deformado, essas lâminas apresentam uma aparência de bandas (Walley, 2007). Em muitos materiais, essas bandas são muito mais frágeis que o restante do material e, com o prosseguimento da deformação, após a formação dessas bandas, a fratura pode ser iminente ao longo delas.

O trabalho desenvolvido por Zener e Hollomon em 1944 foi um marco nesse assunto, pois eles propuseram a explicação globalmente aceita nos dias de hoje, dizendo que a curva de tensão-deformação dos materiais desenvolve uma inclinação negativa durante a deformação e que "para uma região que sofre mais deformação do que a região em volta, ficando enfraquecida, essa deformação continuará até que a região periférica não mais se submeta a deformação" (Walley, 2007).

Num corpo tracionado uniaxialmente, a estricção começa numa região de instabilidade plástica, onde o aumento da resistência devido ao encruamento não é mais suficiente para compensar a diminuição da área da seção transversal do corpo em questão. Devido à atuação de uma componente hidrostática de tração, no centro da região estrita, começam a se formar microcavidades a partir ou não de partículas de segunda fase. Com a continuação da deformação, tais microcavidades crescem e coalescem numa trinca central (Pertence, 1994). Esse fenômeno tem recebido bastante atenção na literatura por causa da sua considerável importância tecnológica e, principalmente, pelo seu caráter como precursor de falhas catastróficas. As bandas de cisalhamento são facilmente encontradas em regiões que sofreram um cisalhamento concentrado sob a forma de uma estrutura tipicamente lamelar (Lins, 2006). A ocorrência de formação dessas bandas é mais freqüente em metais submetidos a processamento por compressão. No entanto, em alguns metais submetidos a processamentos trativos, dependendo das restrições geométricas, pode também ocorrer a formação de bandas cisalhantes.

Essas bandas já foram observadas por diversas maneiras. Entretanto esse trabalho propõe a comparação entre ensaios mecânicos e a simulação numérica, a fim de se obter uma melhor compreensão da formação dessas bandas de cisalhamento em corpos-de-prova com entalhes especiais, construídos em chapas de aço baixo carbono (SAE 1006), submetidas à tração uniaxial. Isto foi possível levantando as propriedades mecânicas do material utilizado, sua curva de fluxo, identificando as bandas de cisalhamento, física e numericamente, e fazendo uma análise entre os resultados dos ensaios físicos e os resultados da simulação numérica, utilizando-se do software Deform2D.

2. Materiais e métodos

O material utilizado nos experimentos foi o aço carbono SAE 1006. Na determinação das propriedades mecânicas do material, foram levantados o coeficiente de anisotropia e a curva de escoamento. Para se obter o coeficiente de anisotropia do material, foi realizado ensaio de tração em seis corpos-deprova, sendo dois coletados em cada direção de laminação: 0º, 45º e 90º. Para se determinar a deformação na largura e no comprimento dos corpos-de-prova foi adotado o seguinte procedimento em cada direção de laminação, conforme os passos seguintes:

1. Traçar a malha em cada corpo-deprova, conforme a Figura 1.


2. Medição dos comprimentos e larguras iniciais.

3. Ensaio de tração.

4. Medição dos comprimentos e larguras finais.

5. Cálculo das deformações no comprimento e na largura dos corpos-de-prova.

6. Cálculo dos coeficientes de anisotropia (r).

Considerando o coeficiente 0 (zero) para dimensões iniciais e f para finais temos:

Sendo:

wif= Larguras finais, wi0= Larguras iniciais, Lif= Comprimentos finais, Li0= Comprimentos iniciais, w= Deformação média na largura, L= Deformação média no comprimento, rdireção = Coeficiente de anisotropia nas direções de laminação (Hosford & Caddell, 1993).

Para o levantamento da curva de fluxo do material, os corpos-de-prova foram submetidos à tração uniaxial com velocidade de deformação constante igual a 50 mm/min. Para a determinação dos valores, o valor de k, coeficiente de resistência, e n, coeficiente de encruamento, da equação de Hollomon σ = kεn, foi feita regressão linear da reta log σ = f(log εp) no intervalo entre 10% de deformação plástica logarítmica até o início da instabilidade (Rocha,1992). Esse procedimento foi repetido para as direções 0º, 45º e 90º, em relação à direção de laminação. Na Tabela 1, são apresentados os valores de k, n e obtidos através dos procedimentos descritos.

Para a análise da formação de bandas de cisalhamento em tração, foram utilizados corpos-de-prova especiais, ou seja, com entalhes de geometrias diferentes, conforme Figura 2. Esses corpos-de-prova foram retirados na direção de laminação e tracionados com uma velocidade de deslocamento do cabeçote de 50 mm/min, numa máquina de ensaios universal SHIMADZU, do DEMEC/UFMG, modelo Autograph AG-IS 100 kN, com sistema de controle e aquisição de dados TRAPEZIUM 2 e extensômetro axial eletrônico SHIMADZU, modelo SG50-100 de 50 mm e célula de carga de 100kN.


Para a simulação numérica dos corpos-de-prova entalhados, foi desprezada a região elástica do material, utilizando-se dos dados referentes à região plástica, coletados no ensaio físico de tração. Foram consideradas, também, as curvas de fluxo nas três direções de laminação, importando os dados para o aplicativo numérico.

Os desenhos dos corpos-de-prova foram feitos utilizando-se do software Solidworks e importados para o software Deform2D. Tais desenhos sofreram pequenos ajustes. Em seguida, foi gerada uma malha, conforme a Figura 3, com elementos retangulares, no total de 3197 elementos e 3348 nós, podendo esses dados serem conferidos no préprocessador do programa. O método de iteração utilizado na simulação foi o Newton-Raphson, selecionando-se o material plástico para esse trabalho. Foi considerado, para a taxa de convergência, o limite de erro, para a força, no valor de 0,01 e, para velocidade, de 0,001. O fator de penalidade considerado foi de 1,0 x 1012. Durante a simulação, foi, também, considerada a função de remalha automática e utilizados 200 passos para a simulação com tempo de interação igual a 0,1s. Por fim, o tipo de solução empregada foi o Skyline, que é o solver mais rápido para modelos com até 30.000 elementos.


Uma das extremidades apresentou restrição de movimento, tanto em x quanto em y, portanto permanecendo fixa. Entretanto a extremidade oposta apresentou apenas velocidade em y, sendo o valor igual à velocidade do cabeçote no ensaio de tração e a velocidade em x ficou restringida. Os resultados obtidos na simulação foram comparados com os resultados obtidos experimentalmente.

3. Resultados e discussão

A seguir são apresentados os resultados da simulação numérica, bem como algumas considerações acerca da formação das bandas de cisalhamento formadas a partir da análise experimental. Os símbolos contidos nas imagens (Δ e

) são, respectivamente, os valores de máximo e mínimo da grandeza observada. Nesse caso, representam a deformação efetiva.

A) Corpo-de-prova 1 a 0º da direção de laminação:

A Figura 4 mostra que, no passo 20 do CP 1, há uma pequena concentração da deformação na região central, indicando que a fratura provavelmente se iniciará mais próxima do centro do entalhe.


Na Figura 5, observa-se que, no passo 50 do CP 1, a deformação atinge o valor-limite, concentrando-se mais no centro do entalhe.


A Figura 6 mostra o CP após o rompimento. Comparando a simulação com a Figura, observa-se que o rompimento ocorreu entre o passo 20 e 50, na região central do entalhe.


Para o corpo-de-prova 1, a profundidade do rasgo influenciou, diretamente, no não surgimento das bandas ao longo do CP.

B) Corpo-de-prova 2 a 0º da direção de laminação:

A Figura 7 mostra que, no passo 20 do CP 2, ocorreu a formação de bandas de deformação com formato losangular. Além disso, há uma concentração da deformação nos vértices da banda, fenômeno este mais evidente nas extremidades do entalhe.


Na Figura 8, observa-se, no passo 50 do CP 2, a formação das bandas de cisalhamento com uma forte concentração nas extremidades do entalhe e uma diminuição significativa da região central sem ocorrência de deformação.


A Figura 9 mostra o CP após o rompimento. Comparando a simulação com a Figura, observa-se que o rompimento ocorreu próximo ao passo 50 e que a maior deformação ocorre próxima ao canto do entalhe, provocando a nucleação do rasgo nessa região, devido à concentração de deformação nas bandas de cisalhamento.


C) Corpo-de-prova 3 a 0º da direção de laminação:

Na Figura 10, no passo 50 do CP 3, observa-se um padrão de banda cisalhante na forma losangular em dois dos seus vértices e um padrão na forma de cone nas extremidades do entalhe. A Figura 11 mostra, no passo 100 do CP 3, a formação de dois padrões da banda de cisalhamento, um padrão em V e outro em cone, este localizado nas extremidades do entalhe.



A Figura 12 mostra o CP após o rompimento. Comparando a simulação com a Figura, observa-se que o rompimento ocorreu entre o passo 50 e 100 e que a maior deformação efetiva ocorre próxima ao canto do entalhe, provocando a nucleação do rasgo nessa região, devido à concentração de deformação nas bandas de cisalhamento.


A Figura 13 mostra o ensaio metalográfico do CP 3, indicando regiões com o início da formação de bandas de cisalhamento.


4. Conclusões

Corpos-de-prova entalhados, quando tracionados, podem apresentar formação de bandas cisalhantes, entretanto a formação dessas bandas é dependente da geometria do entalhe.

O local de nucleação e a forma da fratura estão relacionados com a formação das bandas de cisalhamento e, consequentemente, dependem, também, da geometria do entalhe. Quando não houve a formação das bandas de cisalhamento, a fratura aconteceu de forma paralela ao eixo do CP e na região central do entalhe, enquanto que, quando a formação da banda é evidenciada, a forma da fratura é inclinada e nucleada no canto do entalhe.

5. Agradecimentos

Ao CNPq e a FAPEMIG pelo apoio financeiro ao trabalho.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 11/05/2009 e aprovado em 17/03/2010.

  • HOSFORD, W. F., CADDELL, R. M. Stress and strain. Metal Forming: Mechanics and Metallurgy (2. ed.). New Jersey: PTR Prentice Hall, 1993. p. 1-24.
  • LINS, J. F. C., SANDIM, H. R. Z., KESTENBACH, H. J., VECCHIO, K. S., RAABE, D. Caracterização microestrutural de grãos ultrafinos formados no interior de bandas de cisalhamento adiabáticas num aço IF. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 17. Anais... São Paulo: IPEN, 2006. p. 1-4.
  • PERTENCE, A. E. M. Uso de materiais-modelo para a simulação da ductilidade de metais Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1994. 241f. (Tese de Doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Minas).
  • ROCHA, A. B. da, DUARTE, J. F. Análise experimental de deformações e curvas-limite de embutidura. Tecnologia da Embutidura Lisboa: Associação Portuguesa das Tecnologias de Conformação Plástica, 1992. p. 30-41.
  • WALLEY, S. M. Shear localization: a historical overview. Metallurgical and Materials Transactions A, Orlando, v. 38, Issue 11, p.2629-2654, mar. 2007.
  • ZENER, C., HOLLOMON, J. H. Effect of strain rate upon plastic flow of steel. Journal of Applied Physics, v. 15, p. 22-32, 1944.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2009
  • Aceito
    17 Mar 2010
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