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Rochas metaultramáficas de Lamim, sul do Quadrilátero Ferrífero, MG: contribuição ao conhecimento do protólito da pedra-sabão

Resumos

A região de Lamim, sudeste do Quadrilátero Ferrífero (QF), é constituída de gnaisses e rochas metamáficas e metaultramáficas, estas do Grupo Nova Lima, base do greenstone belt Rio das Velhas. As principais rochas metaultramáficas são pedra-sabão, amplamente explotada no QF, e serpentinito. A região distingue-se por rochas com olivina preservada, interpretadas como o protólito magmático das metaultramáficas. São olivina-anfibólio fels com textura semelhante a cumulus, com inclusão de vários grãos de olivina em anfibólio de porte maior. O teor relativamente alto de ferro da olivina (Fo75Fa25) indica a sua origem magmática. Há dois tipos de anfibólio, cristais centimétricos de tremolita, envolvendo vários grãos de olivina, interpretados como pseudomorfoses, substituindo o piroxênio intercumulus original, e antofilita acicular. Os teores de serpentina, clorita, dolomita e talco variam. A composição química e as texturas sugerem que o provável protólito das rochas metaultramáficas são komatiitos peridotíticos plutônicos e não komatiitos vulcânicos encontrados em outras regiões do QF. O peridotito foi variavelmente metamorfizado em condições de fácies xisto verde alto a anfibolito baixo durante a infiltração de fluidos aquosos que acompanharam o processo metamórfico-metassomático.

petrogênese; rocha metaultramáfica; komatiito; protólito; pedra-sabão; serpentinito; Minas Gerais; Quadrilátero Ferrífero


The region of Lamim, in the southeastern portion of the Quadrilátero Ferrífero (QF), is composed of gnaisses, metamafic and metaultramafic rocks. The last ones belong to the Nova Lima group, base of the Archean Rio das Velhas greenstone belt. The main metaultramafic rocks are soapstone, largely exploited in the QF, and sepentinite. Rocks preserving olivine, interpreted as the magmatic protolith of the metaultramafic rocks, distinguish the region of Lamim. These rocks are olivine-amphibole fels with cumulus-like textures characterized by the inclusion of several grains of olivine within larger amphibole crystals. The relatively high Fe-content of olivine (Fo75Fa25) is an indication of its magmatic origin. Two types of amphibole were identified, centimetric tremolite crystals involving olivine grains, interpreted as pseudomorphs replacing the original intercumulus pyroxene, and acicular anthophyllite. The amounts of serpentine, chlorite, dolomite and talc vary. Rock chemistry and textures suggest that the most probable protolith of the metaultramafic rocks are plutonic komatiitic peridotites and not volcanic komatiites found elsewhere in the QF. The peridotite was variably metamorphosed under conditions of higher greenschist to lower amphibolite facies during infiltration of aqueous fluids accompanying the metamorphic-metassomatic process.

petrogenesis; metaultramafic rock; komatiite; protolith; soapstone; serpentinite; geochemistry; Minas Gerais; Quadrilátero Ferrífero


GEOCIÊNCIAS

Rochas metaultramáficas de Lamim, sul do Quadrilátero Ferrífero, MG: contribuição ao conhecimento do protólito da pedra-sabão

Hanna Jordt-EvangelistaI; Maria Elizabeth da SilvaII

IDepartamento de Geologia - Universidade Federal de Ouro Preto - Morro do Cruzeiro - Ouro Preto - Minas Gerais - Brasil - CEP 35400-000. E-mail: hanna@degeo.ufop.br

IIDepartamento de Geologia - Universidade Federal de Ouro Preto - Morro do Cruzeiro - Ouro Preto - Minas Gerais - Brasil - CEP 35400-000. E-mail: melizth@yahoo.com.br

RESUMO

A região de Lamim, sudeste do Quadrilátero Ferrífero (QF), é constituída de gnaisses e rochas metamáficas e metaultramáficas, estas do Grupo Nova Lima, base do greenstone belt Rio das Velhas. As principais rochas metaultramáficas são pedra-sabão, amplamente explotada no QF, e serpentinito. A região distingue-se por rochas com olivina preservada, interpretadas como o protólito magmático das metaultramáficas. São olivina-anfibólio fels com textura semelhante a cumulus, com inclusão de vários grãos de olivina em anfibólio de porte maior. O teor relativamente alto de ferro da olivina (Fo75Fa25) indica a sua origem magmática. Há dois tipos de anfibólio, cristais centimétricos de tremolita, envolvendo vários grãos de olivina, interpretados como pseudomorfoses, substituindo o piroxênio intercumulus original, e antofilita acicular. Os teores de serpentina, clorita, dolomita e talco variam. A composição química e as texturas sugerem que o provável protólito das rochas metaultramáficas são komatiitos peridotíticos plutônicos e não komatiitos vulcânicos encontrados em outras regiões do QF. O peridotito foi variavelmente metamorfizado em condições de fácies xisto verde alto a anfibolito baixo durante a infiltração de fluidos aquosos que acompanharam o processo metamórfico-metassomático.

Palavras-chave: petrogênese, rocha metaultramáfica, komatiito, protólito, pedra-sabão, serpentinito, Minas Gerais, Quadrilátero Ferrífero.

ABSTRACT

The region of Lamim, in the southeastern portion of the Quadrilátero Ferrífero (QF), is composed of gnaisses, metamafic and metaultramafic rocks. The last ones belong to the Nova Lima group, base of the Archean Rio das Velhas greenstone belt. The main metaultramafic rocks are soapstone, largely exploited in the QF, and sepentinite. Rocks preserving olivine, interpreted as the magmatic protolith of the metaultramafic rocks, distinguish the region of Lamim. These rocks are olivine-amphibole fels with cumulus-like textures characterized by the inclusion of several grains of olivine within larger amphibole crystals. The relatively high Fe-content of olivine (Fo75Fa25) is an indication of its magmatic origin. Two types of amphibole were identified, centimetric tremolite crystals involving olivine grains, interpreted as pseudomorphs replacing the original intercumulus pyroxene, and acicular anthophyllite. The amounts of serpentine, chlorite, dolomite and talc vary. Rock chemistry and textures suggest that the most probable protolith of the metaultramafic rocks are plutonic komatiitic peridotites and not volcanic komatiites found elsewhere in the QF. The peridotite was variably metamorphosed under conditions of higher greenschist to lower amphibolite facies during infiltration of aqueous fluids accompanying the metamorphic-metassomatic process.

Keywords: petrogenesis, metaultramafic rock, komatiite, protolith, soapstone, serpentinite, geochemistry, Minas Gerais, Quadrilátero Ferrífero.

1. Introdução

A região de Lamim situa-se a leste de Conselheiro Lafaiete e a sul de Ouro Preto, porção sudeste do Estado de Minas Gerais. Em termos da geologia, a área está inserida no extremo sul do Quadrilátero Ferrífero.

Na região que abrange os municípios de Lamim e Senhora de Oliveira, ocorrem rochas metaultramáficas do tipo pedra-sabão e serpentinito, que constituem um dos importantes bens minerais na região do Quadrilátero Ferrífero. Ao contrário das ocorrências do Quadrilátero Ferrífero, totalmente metamorfizadas, nessa região as metaultramáficas ainda preservam, ocasionalmente, alguma textura ou mineral da rocha ígnea original, sendo, portanto, importantes na interpretação do protólito dessas rochas.

O objetivo desse trabalho é a interpretação da gênese das rochas metaultramáficas da região de Lamim, contribuindo para o entendimento da geração da pedra-sabão/serpentinito. Verifica-se que, na literatura geológica do Quadrilátero Ferrífero, são raros os estudos sobre o protólito de esteatitos e serpentinitos porque ele não se encontra mais preservado.

2. Métodos analíticos

Na descrição mineralógica e textural de seções delgadas de amostras de rochas selecionadas, utilizou-se um microscópio de polarização, marca Zeiss, modelo Axiophot, do laboratório de óptica do Departamento de Geologia da UFOP.

As análises químicas de rocha total foram realizadas por fluorescência de raios X no laboratório da Universidade de Bonn, Alemanha, em equipamento da marca Phillips, modelo PW 1480. A margem de erro nas determinações varia em torno de 1% em peso. As análises por microssonda eletrônica de varredura de minerais selecionados foram obtidas no laboratório do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília num equipamento Cameca SX-50, condições analíticas de 20 kV e 25 mA.

3. Aspectos geológicos da região de Lamim

A região de Lamim apresenta, basicamente, três litotipos de caráter metaígneo, a saber, ortognaisses de composição granítica, rochas metamáficas e rochas metaultramáficas (Figura 1). Os ortognaisses apresentam ampla distribuição, ocupando a maior parte da área. São poucas as exposições de rocha fresca dessa unidade e, em geral, são cartografadas pelos rególitos de cor rósea, avermelhada e variegada. Em menor proporção, as rochas metaultramáficas e metamáficas ocorrem a norte e centro-leste da cidade de Lamim (Figura 1).


As rochas metamáficas encontradas in situ constituem diques de largura de poucos metros e incipiente foliação, classificando-se como xisto verde, anfibolito e granada anfibolito (Silva, 1997).

As rochas metaultramáficas ocorrem sob a forma de corpos isolados, freqüentemente como matacões ao longo das drenagens nas áreas onde aparecem também rochas metamáficas (Silva, 1997). Não foi possível, porém, encontrar afloramentos que permitissem verificar as relações de contato entre essas duas unidades litológicas. Na porção norte (região do Quebra, Figura 1), mas também em outros locais (por exemplo, ponto 4 da Figura 1), predominam serpentinito, esteatito, tremolitito e clorita xisto. Nos corpos localizados próximos a Lamim, Ribeiro e Senhora de Oliveira (Pontos 1, 2 e 3, Figura 1), as rochas apresentam menor grau de transformação metamórfica e são olivina-antofilita fels ou olivina-tremolita-antofilita fels, com incipiente serpentinização, cloritização e/ou talcificação.

O posicionamento estratigráfico dos litotipos, uns em relação aos outros, não pôde ser claramente definido, devido ao estado de alteração intempérica que oblitera as relações de campo, dificultando a observação dos contatos geológicos, a cartografia contínua, bem como a análise estrutural (Silva, 1997). No entanto, a semelhança com rochas da Unidade Inferior do Grupo Nova Lima, pertencente ao cinturão de rochas verdes arqueano Rio das Velhas (e.g. Ladeira et al. 1983), descritas no Quadrilátero Ferrífero, como em Conselheiro Lafaiete e Catas Altas da Noruega, localidades próximas a Lamim, sugere que as rochas metamáficas e metaultramáficas estudadas são estratigraficamente correlacionáveis àquela Unidade. A transição das rochas metaultramáficas parcialmente preservadas do metamorfismo (olivina-anfibólio fels) para serpentinitos e esteatitos semelhantes aos do Quadrilátero Ferrífero corrobora a possibilidade de os tipos pouco metamorfizados pertencerem ao Grupo Nova Lima e não constituírem uma outra unidade mais jovem.

Na região de Lamim, foram cartografados dois tipos de gnaisse. O primeiro tipo, encontrado na região de Cedro, a sul de Lamim, possui bandas anfibolíticas, biotíticas e quartzo-feldspáticas complexamente dobradas. É interpretado como sendo o embasamento das demais unidades. Essa interpretação é corroborada por Delgado (2004) para gnaisses semelhantes da região de Catas Altas da Noruega, a 11km ao norte de Lamim. O segundo tipo, que é o mais abundante na região estudada, são ortognaisses não-bandados e com foliação incipiente e que podem apresentar fenocristais tabulares de álcali-feldspato. Em afloramento a NE da cidade de Lamim, destaca-se a ocorrência de porções félsicas, em forma de lentes e bolsões irregulares, que intrudiram as rochas metaultramáficas/ metamáficas. Portanto o ortognaisse deve ser mais jovem do que as rochas metaultramáficas/ metamáficas, correlacionando-se à Unidade Metagranítica descrita por Delgado (2004) na região de Catas Altas da Noruega. Esse autor relaciona a colocação sin- a tardi-tectônica das rochas da Unidade Metagranítica à intrusão sin- a tardi-tectônica do Trondhjemito Ribeirão Pinheirinho, localizado na região de Piranga, ocorrida no Transamazônico, conforme datação de Jordt-Evangelista et al. (2000).

4. Petrografia e mineralogia das rochas metaultramáficas

As rochas metaultramáficas caracterizam-se por tipos petrográficos variados em função do grau de transformação metamórfica. Tipos completamente metamorfizados são carbonato-talco-serpentina fels, tremolitito, clorita xisto, serpentinito e esteatito. As menos transformadas classificam-se como olivina-antofilita-tremolita fels. Não apresentam foliação metamórfica e são compostas principalmente por anfibólios (60 a 80% em volume), olivina (5 a 30%) e volumes menores de clorita, carbonato, serpentina e talco, que são secundários. Minerais opacos, identificados como magnetita, ilmenita e pirita, são acessórios. O olivina-anfibólio fels dos pontos 1 e 3 (Figura 1, Tabelas 1 e 2) possui cristais equidimensionais e de porte centimétrico (até 3cm) de tremolita, envolvendo, de modo poiquilítico, vários grãos menores de olivina de até 5mm de diâmetro, num intercrescimento semelhante à textura cumulus dos magmatitos (Figura 2A e B). A tremolita é incolor e possui abundantes inclusões de finos minerais opacos. Pode estar intercrescida com lamelas de antofilita ou com envoltório fibroso desta (Figura 3). Mg-clorita é tardia e parece ligada à deformação rúptil da rocha, pois é comum ocorrer preenchendo fraturas na tremolita (Figura 4). Olivina ocorre como grãos arredondados, envolvidos pela tremolita, com alteração parcial em antofilita ou serpentina.




A rocha do ponto 2, também submetida à análise química e de microssonda eletrônica (Tabelas 1 e 2), diferencia-se das rochas 1 e 3 pelo maior grau de alteração da olivina e do anfibólio (cloritização, serpentinização e carbonatação). Verifica-se que dos dois tipos de anfibólio, somente o ortoanfibólio substitui olivina (Figura 5) e é substituído, de modo pseudomórfico, por talco (Figura 6). Serpentina é formada tardiamente, alterando preferencialmente olivina e ortoanfibólio (Figura 5). Quando a transformação metamórfica tardia se acentua, a rocha passa a ser constituída por serpentina e talco (Figura 7), em proporções variáveis, que podem associar-se a minerais opacos, dolomita ou clorita. A rocha do ponto 4 (Figura 1 e Tabela 2) é um típico exemplo onde olivina e anfibólios não resistiram às transformações metamórficas. É constituída por serpentina (45% em volume), talco (45%), carbonato (10%) e traços de minerais opacos.




As feições texturais observadas na Figura 2 mostram que o clinoanfibólio cálcico (tremolita) pode ocorrer envolvendo olivina, logo é posterior a ela. O sobrecrescimento pelo ortoanfibólio (antofilita) indica que este é posterior ao primeiro. Clorita, serpentina e talco são gerados às custas de olivina e anfibólios (Figuras 2, 4 e 5), isto é, são tardios. O talco só é abundante nas rochas em que não há olivina, associando-se à serpentina (Figura 7) ou constituindo rochas monominerálicas.

5. Química mineral

Análises químicas por microssonda eletrônica foram obtidas para olivina, anfibólios, opacos e carbonatos de duas amostras de olivina-anfibólio fels (Tabela 1). Foram identificados dois tipos de anfibólio, um ortoanfibólio magnesiano, classificado como antofilita, e um clinoanfibólio cálcico, que se classifica como tremolita segundo Leake et al. (1997). As fórmulas unitárias dos anfibólios encontram-se no final da Tabela 1.

A fórmula estrutural média da olivina é Mg1,5Fe0,5SiO4 correspondente a cerca de 75% do componente forsterita e 25% do componente fayalita.

O carbonato foi identificado como dolomita, com razão Ca/Mg de cerca de 1:1 e valores insignificantes de Mn e Fe.

As análises químicas dos opacos revelam tratar-se de magnetita, com até 3,2% em peso de Cr2O3, e ilmenita.

6. Geoquímica das rochas metaultramáficas

Rochas metamórficas podem preservar feições primárias como minerais ou texturas, que permitem determinar a natureza do protólito. Nesse caso, a composição química pode comprovar a interpretação, desde que as rochas metamórficas tenham sofrido poucas transformações químicas durante o metamorfismo, exceto pela introdução ou retirada de H2O e CO2.

Para a caracterização do protólito das metaultramáficas de Lamim, quatro amostras foram selecionadas para análise química, sendo três menos metamorfizadas e uma com total recristalização metamórfica dos minerais primários. As análises 1, 2 e 3 são de amostras de olivina-tremolita-antofilita fels (vide localização na Figura 1), diferenciando-se na proporção de antofilita e tremolita. A amostra 4 é um carbonato-talco-serpentina fels e compõe-se de serpentina, carbonato, talco e opacos, não preservando olivina e nem anfibólios.

Os resultados das análises químicas das amostras estudadas e de algumas rochas ultramáficas da literatura constam na Tabela 2.

7. Discussão e conclusões

Geoquímica

Verifica-se que as rochas de Lamim possuem altos teores de MgO (em média, 31% em peso, Tabela 2), baixos de álcalis (em média, 0,20% em peso de K2O+Na2O), Cr e Ni muito elevados (em média, 1829 e 1976ppm, respectivamente) e razão CaO/Al2O3 de 0,35. Para determinar o possível protólito, os resultados das análises químicas foram plotados em diagramas discriminantes de rochas ultramáficas. Nos diagramas ternários Al2O3-(FeO+Fe2O3 +TiO2)-MgO (Figura 8) e MgO-CaO-Al2O3 (Figura 9), verifica-se que as rochas analisadas caem no campo dos peridotitos komatiíticos. No entanto, deve-se lembrar que rochas cumuláticas de origens diversas podem ter composição komatiítica, o que leva a se procurar distinguir os komatiitos s.s., que são rochas vulcânicas, por evidências texturais como a spinifex, que indicam derivação de uma lava ultrabásica (Arndt & Nisbet, 1982).



Uma das assinaturas geoquímicas diagnóstica de komatiitos é a elevada razão CaO/Al2O3 (superior a 1), embora Viljoen et al. (1982) mencionem que razões elevadas são característica particular dos komatiitos de Barberton. Segundo Arndt e Nisbet (1982), komatiitos podem ser subdivididos naqueles pertencentes à chamada alumina-depleted suite (suíte desfalcada em alumina), com Al baixo, e à alumina-undepleted suite (suíte não-desfalcada em alumina), com Al mais normal. No caso das amostras desse trabalho, mas também em rochas da região de Lamin analisadas por Raposo (1991, análises FR-50 e FR-50L na Tabela 2), e em metakomatiitos do Quadrilátero Ferrífero com textura blastospinifex (Sichel, 1983, in Raposo, 1991), a razão CaO/Al2O3 é menor do que 1, isto é eles seriam da alumina-undepleted suite. No caso das rochas estudadas, essa característica pode ter sido acentuada secundariamente, já que, durante o metamorfismo de rochas ultramáficas, comumente ocorrem também processos metassomáticos (ver, por exemplo, Roeser, 1987), devido ao intercâmbio de elementos com rochas encaixantes. É típica a geração de zonas mineralogicamente distintas, sendo que, junto à encaixante, pode formar-se uma auréola de clorita e biotita, denominada black wall (e.g. Winter, 2001). Na rochas estudadas, verifica-se que a clorita (mineral aluminoso) é secundária (Figuras 3 e 4), o que pode ter contribuído para um aumento relativo do teor de Al.

A composição química das rochas analisadas indica afinidade komatiítica (Figura 8 e 9), mas as texturas relícticas, semelhantes às cumuláticas (Figura 2), são características de ambiente plutônico e não de ambiente vulcânico. Sabe-se que, na base do greenstone belt Rio das Velhas, ocorrem komatiitos que localmente preservam texturas spinifex. O magma komatiítico gerador das vulcânicas atravessou a crosta primitiva gnáissica para derramar-se na superfície, porém uma parte pode ter ficado preenchendo os condutos/fraturas por onde o magma mantélico ascendeu, cristalizando-se como rocha plutônica. Na evolução geológica proposta por Ladeira e Roeser (1983), para o Supergrupo Rio das Velhas, no Grupo Nova Lima, haveria ultramáficas, tanto na forma de derrames quanto de intrusivas, o que corrobora a suposição descrita anteriormente. Conclui-se que é provável que as rochas metaultramáficas de Lamin são derivadas de peridotitos e que estes são os equivalentes plutônicos de komatiitos, isto é, são peridotitos komatiíticos que sofreram processos de cristalização fracionada, levando à formação de texturas cumuláticas. Os teores elevados de MgO (cerca de 35% em peso calculados em base anidra) dão suporte à origem cumulática, já que os komatiitos vulcânicos, isto é, que não sofreram cristalização fracionada, não chegam a 30% de MgO (Arndt & Nisbet, 1982).

Origem da olivina

As rochas metaultramáficas de Lamim apresentam teores variáveis de olivina, antofilita, tremolita, serpentinas, cloritas, talco, dolomita e opacos (magnetita, ilmenita e pirita). Minerais ígneos preservados do metamorfismo são olivina e, provavelmente, magnetita, a qual contém teores relativamente altos de cromo (até 3,2% em peso de Cr2O3), que é um elemento altamente compatível com rochas de derivação mantélica.

A olivina, que contém cerca de 25% do componente ferroso fayalita, é considerada como de origem ígnea e não metamórfica, já que olivinas produzidas pelo metamorfismo de rochas magnesianas são essencialmente forsteríticas, isto é, magnesianas (Bucher & Frey, 1994). Quando olivina ígnea é metamorfizada, transformando-se em, por exemplo, crisotila, o ferro é incorporado em magnetita metamórfica. O metamorfismo progressivo de crisotila + magnetita produz uma nova olivina muito mais magnesiana do que a original, já que o ferro continua fixado na magnetita, não se dissolvendo nas fases produzidas pelo metamorfismo progressivo (Bucher & Frey, 1994).

Um outro argumento que corrobora para a origem magmática e não metamórfica para a olivina de Lamim baseia-se nas condições metamórficas a que a região foi submetida, de fácies xisto verde até anfibolito baixo. Olivinas magnesianas podem formar-se nessas condições nos sistemas químicos MSH (MgO-SiO2-H2O) ou CMSH (CaO-MgO-SiO2-H2O). De acordo com Bucher e Frey (1994, p. 159), a adição de Fe ao sistema MSH ou CMSH complica a interpretação geral do processo metamórfico. Tanto Bucher e Frey (1994) quanto Spear (1995, p. 473) trazem grades petrogenéticas para os sistemas isentos de Fe. Nessas grades, as temperaturas relativamente baixas (~400ºC) de formação de olivina no metamorfismo progressivo referem-se à formação de forsterita essencialmente magnesiana. A adição de Fe pode levar a um considerável aumento nas temperaturas de formação de olivina. No sistema de rochas máficas deficientes em sílica, por exemplo, a formação de olivina mais ferrosa só acontece na fácies granulito (T>800ºC, Spear 1995, p. 425). Logo, se a olivina analisada fosse metamórfica, a sua formação implicaria temperaturas bem mais elevadas, para as quais não há registro nessa região.

Evolução metamórfica

A rocha ultramáfica inicial, provavelmente um peridotito komatiítico, era composta majoritariamente por olivina e piroxênios, num intercrescimento do tipo cumulático, em que diversos grãos de olivina foram incluídos em grãos maiores, possivelmente de piroxênio. Um processo metamórfico, acompanhado pela introdução de fluido aquoso, causou, inicialmente, a transformação pseudomórfica de piroxênio em tremolita (Figura 2). Durante essa substituição do piroxênio ígneo pela tremolita, houve sobra de Fe, responsável pela geração dos finos opacos que turvam aquele mineral. Com o progresso das transformações metamórficas acompanhadas de percolação de fluido aquoso, formou-se antofilita em substituição à tremolita e à olivina (Figuras 3, 5 e 6). Por serem olivina e antofilita silicatos de Mg, a transformação da primeira na segunda deu-se com pouca modificação química, principalmente adição do fluido aquoso e introdução de sílica ou lixiviação de Mg, o que causa o mesmo efeito, isto é, um aumento do teor de sílica. Na transformação de tremolita, por outro lado, foi liberado Ca, o qual pode ter sido a fonte para gerar dolomita. A formação de dolomita significa que o fluido também continha CO2, conforme discutido por Roeser et al. (1980) e Roeser (1987). Com a continuação do processo metamórfico, acompanhado do aporte de fluido aquoso, houve, a seguir, a formação de serpentina, que altera preferencialmente olivina e antofilita, e do talco, sendo que este substitui, de modo pseudomórfico, a antofilita, a qual, em termos de teor de sílica, muito se aproxima do talco. A geração da clorita (Figura 4), que é um mineral rico em Al, significa que esse elemento deve ter alcançado um certo grau de mobilidade, podendo ter-se derivado das rochas encaixantes gnáissicas. Portanto as texturas de substituição dos anfibólios e da olivina por clorita, serpentina e talco não refletem, necessariamente, variação das condições metamórficas, que foram de fácies xisto verde superior a anfibolito inferior, mas, sim, modificações químicas que acompanharam a circulação de fluidos.

8. Agradecimentos

À Universidade de Brasília pelas análises de microssonda, à Universidade de Bonn pelas análises químicas de rocha, a C. E. Delgado pelos trabalhos gráficos, ao revisor anônimo pelas sugestões ao texto original.

9. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 16/09/2002 e aprovado em 09/03/2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2005
  • Data do Fascículo
    Mar 2005

Histórico

  • Aceito
    09 Mar 2005
  • Recebido
    16 Set 2002
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