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Financial Liberalization and Economic Performance in Emerging Countries

RESENHAS

Financial Liberalization and Economic Performance in Emerging Countries

Philip Arestis e Luiz Fernando de Paula (eds.)

Palgrave Macmillan, 2008, 221 p.

Nos últimos anos, vários trabalhos têm procurado avaliar os impactos da globalização financeira sobre os países em desenvolvimento. As recorrentes crises financeiras nos mercados emergentes, em um primeiro momento, e, agora, a crise no mercado imobiliário estadunidense, mudaram a percepção convencional acerca dos custos e benefícios do processo de constituição de um mercado financeiro globalizado e desregulamentado. Se, no final dos anos 1980, início dos anos 1990, o establishment acadêmico, oficial e de mercado proclamava as virtudes da liberalização financeira, agora, as mesmas vozes não podem deixar de reconhecer que há um mal-estar crescente na cidadela liberal. Como tem dito o Professor Paul Krugman, "não há ateus no front, nem liberais em meio a crises financeiras".

Com a vantagem do olhar retrospectivo é possível afirmar que a aventura da liberalização financeira deixou um rastro apreciável de vítimas e poucas histórias de sucesso na promoção de crescimento da renda, com estabilidade macroeconômica e inclusão social. Em geral, os casos mais bem-sucedidos de inserção na economia globalizada foram caracterizados por uma abordagem mais cautelosa no tratamento da integração financeira. Quando o FMI, o Banco Mundial e a nata do "mainstream economics" admitem que não há relações robustas entre a liberalização financeira e o crescimento e, pior, que se alguma regularidade empírica existe é aquela que liga liberalização e instabilidade, pouco parece restar para ser avaliado. Neste sentido, caberia perguntar se vale a pena ler mais um trabalho que procura identificar os efeitos da liberalização financeira sobre os mercados emergentes. Ou, ainda, seria legítimo questionar se um trabalho sobre este tema, na conjuntura atual, não seria um simples exercício de oportunismo. No caso de Financial Liberalization and Economic Performance in Emerging Countries, editado por Philip Arestis e Luiz Fernando de Paula, resultado de um workshop realizado no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, a resposta parece ser clara: o livro merece ser lido e se revela extremamente oportuno.

Seus capítulos traduzem a visão de vários autores, que comungam de uma formação fortemente influenciada pelo pensamento keynesiano, e que têm mantido, ao longo de muitos anos, pesquisas sistemáticas sobre os temas ali tratados. Não são cristãos-novos na avaliação metódica, ponderada e criteriosa - e, por isso mesmo, científica - dos efeitos da globalização em sua dimensão financeira. Escaparam da avalanche ideológica do Consenso de Washington, onde questionar os riscos associados ao processo então em curso de rápida liberalização financeira era razão suficiente para a condenação à marginalidade. A academia convencional e a grande imprensa simplesmente ignoravam as pesquisas fundadas na tradição do pensamento de Keynes (e Minsky), então considerado ultrapassado. Não deixa de ser irônico que, recentemente, ao constatar o que denominou de "morte do consenso da globalização" o Professor Dani Rodrik , da prestigiada Universidade de Harvard, tenha proclamado que o mundo aguarda "desesperadamente" o surgimento do seu novo Keynes. Provavelmente os(as) autores(as) dos trabalhos reunidos por Arestis e Paula não estejam se credenciando para ocupar tal posição. Por outro lado, eles, dentre outros(as), souberam resistir e, mais importante, atualizar a matriz teórica keynesiana para as circunstâncias históricas atuais1 1 Aplica-se aqui o comentário do jornalista Luiz Sérgio Guimarães sobre o livro recém-lançado A Economia do Desenvolvimento: teoria e políticas keynesianas, organizado por Carlos Vidotto e João Sicsú, e que congrega autores que compartilham com as visões expressas em Financial Liberalization..., qual seja: “No Brasil, a hegemonia neoliberal implantada em 1994 não calou um grupo de economistas, a maioria dos quais pós-keynesiana, habituado em nadar contra a corrente. E que continua defendendo seus pontos de vista em livros sempre muito densos e polêmicos. Para desespero dos‘skinheads’ mercadistas, eles não desistem ... Além de não desistirem, assumiram - para espanto dos defensores da mão que, embora se imagine invisível, sempre deixa impressões profundas nos cofres públicos - o centro do debate depois que se tornou evidente a necessidade de refrear os ideólogos especializados em promover a perpétua alternância entre bolhas de euforia e crises de pânico” (“Keynes explica, com a sabedoria de sempre”, Valor Econômico, 28/08/2008). . Contribuir com esse esforço é um dos principais méritos de Financial Liberalization...

Após a Introdução dos editores, o livro apresenta, no capítulo 2, o ensaio de Jan Kregel, intitulado "Financial Liberalization and Domestic Policy Space: theory and practice with reference to Latin America". Conforme sugere o próprio título, Kregel está preocupado em avaliar as restrições de autonomia na implementação de políticas econômicas em um contexto de finanças liberalizadas. O autor busca resgatar a análise original de Keynes sobre o tema, inspirada pelo processo de instabilidade financeira do período entre as guerras, bem como as experiências concretas de liberalização na América Latina, particularmente na Argentina, Brasil e México. Conclui ser necessário manter a flexibilidade na gestão cambial, evitando-se a sobrevalorização das moedas domésticas e o excesso de endividamento externo. Os controles sobre os fluxos de capitais seriam parte integrante de uma estratégia voltada à redução da vulnerabilidade externa. Este tema está no centro da análise do capítulo subseqüente, de Jan Priewe. Em "Capital Account Management or Laissez-faire of Capital Flows in Developing Countries", o autor analisa, de forma detalhada, o debate em torno os custos e benefícios associados à imposição de controles de capitais. Após o necessário esclarecimento das distintas modalidades de controles, Priewe procura afastar a noção simplista de que existe uma "trindade impossível" opondo controles direitos sobre os fluxos financeiros e a definição de certos arranjos macroeconômicos. Sugere que a política macroeconômica e a regulação dos mercados financeiros domésticos podem funcionar como formas complementares de gestão dos fluxos de capitais, mesmo em um contexto de liberalização da conta capital.

Em "Financial Liberalization, Exchange Rate Regime and Economic Performance in BRICs Countries" (capítulo 4), Luiz Fernando de Paula avalia a relação entre o desempenho econômico de Brasil, Rússia, Índia e China nas últimas duas décadas e as estratégias individuais de abertura financeira e gestão macroeconômica. Para o autor, China e Índia priorizaram a constituição de um ambiente favorável ao crescimento por meio da imposição de restrições à livre mobilidade de capitais e estabilização dos preços macroeconômicos fundamentais, particularmente a taxa de câmbio, em patamares consistentes com a preservação da trajetória de expansão da renda. O Brasil emergiria como um contraponto negativo da experiência dos gigantes asiáticos, ao passo que a Rússia teria transitado de um regime caótico pós-abertura para um padrão de gestão macroeconômica de melhor qualidade, com destaque para o esforço de estabilização do rublo.

Esforço comparativo semelhante é feito por Ricardo Gottschalk e Cecília Azevedo Sodré no quinto capítulo, denominado de "The Liberalization of Capital Outflows in Brazil, India and South Africa since the early 1990s". Aqui a ênfase é nas saídas de capitais, ou seja, a permissão que residentes assumam posições financeiras ativas no exterior. Mais uma vez, o Brasil se destaca como o país que mais aprofundou o processo de liberalização. Os autores procuram resgatar a ligação entre esta dimensão da abertura da conta capital e a instabilidade verificada nos mercados de divisas dos países emergentes. O sexto capítulo é de autoria de Fernando Cardim de Carvalho, com o título "Financial Liberalization in Brazil and Argentina", e compara a experiência das duas principais economias da América do Sul. O autor mostra que a liberalização financeira foi parte de um processo mais amplo de reformas estruturais voltadas a redução do papel do Estado na regulação das atividades econômicas. Neste sentido, o caso brasileiro aparece como sendo marcado por uma dinâmica mais lenta, ainda que contínua, de liberalização, ante ao rápido ajuste liberalizante argentino. Todavia, a despeito desta nuance, os resultados teriam sido equivalentes, quais sejam: instabilidade, baixo crescimento e aprofundamento da vulnerabilidade externa, fiscal e social.

O caso chinês é destacado no sétimo capítulo por Hansjörg Herr. Em "Capital Controls and Economic Development in China" explicita-se, uma vez mais, o esforço das lideranças chinesas em calibrar a liberalização financeira em consonância com o ritmo mais geral de reformas e transição da economia do país. Por conta disso, foi priorizada a atração de investimentos diretos, capazes de acelerar a internalização de tecnologia, em detrimento dos instrumentos de dívida e dos capitais de curto prazo. Neste sentido, os controles de capitais teriam sido importantes na definição da estrutura dos passivos externos constituídos no período de rápido crescimento. A acumulação de reservas internacionais e a estabilidade da moeda comporiam um quadro macroeconômico relativamente mais virtuoso, porque capaz de acomodar crescimento, inflação sob controle e baixa vulnerabilidade das contas externas.

O caso indiano é trabalhado por Sunanda Sen, no oitavo capítulo, intitulado "De-regulated Finance and Impact on Corporate Investments: the case of industry and labor in India". O foco do ensaio está nos impactos das modificações no padrão de financiamento da economia indiana após o processo de liberalização econômica. A autora constata a perda de qualidade nas relações de trabalho, atribuída à desregulamentação no próprio mercado de trabalho e à criação de um diferencial crescente entre a rentabilidade dos investimentos financeiros e dos investimentos produtivos em um contexto de maior liberalização financeira.

O nono e último capítulo avalia o papel da propriedade do capital no processo de consolidação do setor bancário brasileiro. Em "Does Ownership Explain Bank M&A? The Case of Domestic Banks and Foreign Banks in Brazil", Fatima Cardias Williams e Jonathan Williams. Os autores identificam diferenças nas estratégias dos bancos nacionais e estrangeiros, com os primeiros tendendo a priorizar a aquisição de instituições com um desempenho abaixo dos padrões de mercado, enquanto os estrangeiros priorizaram a incorporação de instituições melhor posicionadas. Assim, os estrangeiros teriam optado por ampliar sua presença no mercado doméstico por meio da compra de bancos relativamente mais fortes.

Assim, Financial Liberalization... dá a oportunidade ao leitor de se apropriar de uma ampla gama de estudos que enfatizam aspectos teóricos, histórico-institucionais e de implementação de distintas estratégias de liberalização financeira e gestão macroeconômica. Consta-se a diversidade das experiências individuais, geralmente diluídas em estudos que enfatizam a análise quantitativa por meio da utilização de dados de painel ou cross-section. Se estes fornecem o quadro geral e as principais regularidades empíricas, os estudos de caso iluminam detalhes que são cruciais para os formuladores de estratégias de desenvolvimento e seus estudiosos.

Por fim, cabe pontuar que, a despeito dos méritos do livro, e eles são vários, há uma dimensão do estudo dos impactos da liberalização financeira que precisa ser aprofundada por todos aqueles que desejarem contribuir para o adensamento das reflexões contidas em Financial Liberalization..., qual seja: se os efeitos positivos da globalização financeira não se verificaram na medida sugerida por seus defensores, tampouco as crises financeiras recorrentes afastaram os países emergentes do caminho traçado a partir do final dos anos 1980. Vale dizer, aparentemente (e até agora) não houve nenhum caso relevante de economia emergente que tenha optado por reverter substantivamente suas trajetórias individuais de liberalização.

Esta constatação tem partido de banqueiros centrais e especialistas e se revela um desafio importante à agenda de pesquisa dos(as) seguidores(as) da tradição teórica keynesiana-minskyana. Sugere-se que os países emergentes vêm buscando compensar o que seria uma dimensão estrutural de sua inserção externa - a abertura financeira - com políticas macroeconômicas e regulatórias que, na falta de um melhor termo, poderiam ser denominadas de "defensivas". Sem a pretensão de fazer um mapeamento exaustivo destas tendências, caberia destacar: (i) a busca de redução da vulnerabilidade externa, particularmente por meio do sobre-acúmulo de reservas oficiais - o que se tem denominado de "demanda precaucional"; (ii) o que tem se traduzido por intervenções sistemáticas nos mercados cambiais a despeito da adoção formal de regimes de câmbio flutuante, ao que se tem denominado de "medo de flutuar" (fear of floating); (iii) ou, conforme interpretam alguns, a atuação ativa dos Bancos Centrais nos mercados de divisas faria parte de estratégias de crescimento baseadas no drive exportador, por isso mesmo chamadas de "mercantilistas"; e (iv) a busca de conformação de acordos regionais de cooperação monetária e financeira que, no limite, e ainda em prazo não previsível, poderiam significar a emulação completa do exemplo europeu de integração monetária. Tais elementos aparecem em vários momentos em Financial Liberalization..., todavia suas implicações não foram esgotadas pelos ensaios organizados neste livro.

Ao contrário de caminhar no sentido originalmente proposto por Keynes, quando das negociações que antecederam ao Acordo de Bretton Woods, e que ainda serve de inspiração aos reformistas contemporâneos, não parece estar se constituindo um espaço político propício a mudanças profundas na arquitetura financeira internacional. Na falta destas, soluções individuais ou arranjos cooperativos regionais têm se multiplicado, para a frustração dos que consideram ser necessário conter os impulsos destrutivos das finanças globalizadas e desregulamentadas. Se, no front teórico e crítico, os autores keynesianos estão de volta ao centro do jogo, no plano normativo ainda há um importante espaço a ser conquistado, o que torna livros como Financial Liberalization... essenciais para a estratégia de convencimento tão tenazmente buscada por Keynes ao longo de sua fértil vida pública.

André Moreira Cunha

Professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS e Pesquisador do CNPq

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    Aplica-se aqui o comentário do jornalista Luiz Sérgio Guimarães sobre o livro recém-lançado A Economia do Desenvolvimento: teoria e políticas keynesianas, organizado por Carlos Vidotto e João Sicsú, e que congrega autores que compartilham com as visões expressas em Financial Liberalization..., qual seja: “No Brasil, a hegemonia neoliberal implantada em 1994 não calou um grupo de economistas, a maioria dos quais pós-keynesiana, habituado em nadar contra a corrente. E que continua defendendo seus pontos de vista em livros sempre muito densos e polêmicos. Para desespero dos‘skinheads’ mercadistas, eles não desistem ... Além de não desistirem, assumiram - para espanto dos defensores da mão que, embora se imagine invisível, sempre deixa impressões profundas nos cofres públicos - o centro do debate depois que se tornou evidente a necessidade de refrear os ideólogos especializados em promover a perpétua alternância entre bolhas de euforia e crises de pânico” (“Keynes explica, com a sabedoria de sempre”, Valor Econômico, 28/08/2008).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009
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