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Interesses eleitorais e flutuações de preços em mercados regulados* * Agradeço aos professores Pablo Spillere, Werner Baer, aos colegas Francisco Cribari-Neto e Sandra Ospina e a dois pareceristas anônimos desta Revista os valiosos comentários. Os equívocos remanescentes são de minha responsabilidade.

Electoral interests and price fluctuation in regulated markets

RESUMO

Este artigo baseia-se na teoria da regulação desenvolvida por Stigler e Peltzman. Segundo esses autores, um regulador escolhe sua estratégia buscando maximizar o apoio político dos consumidores e produtores, vendo o bem-estar e a eficiência como questões secundárias. Este processo determina um preço regulado que se encontra entre os níveis competitivo e monopolístico. Nosso artigo desenvolve uma versão modificada do modelo de Peltzman, considerando a ideia de que o comportamento do regulador pode mudar com a proximidade das eleições. O acréscimo de uma dimensão de tempo ao problema e suas implicações para os consumidores, produtores e o comportamento do regulador sugere que a estratégia ótima agora implica em um ciclo de preços nas indústrias reguladas. O regulador tem incentivos para impor preços mais altos quando as eleições estão relativamente longe e preços (reais) mais baixos em períodos que precedem imediatamente uma eleição importante. Mostramos que o mercado brasileiro de gasolina entre 1969-1984 corrobora nossos resultados.

PALAVRAS-CHAVE:
Economia política; ciclo político; eleição; combustíveis; inflação

ABSTRACT

This paper builds on the theory of regulation developed by Stigler and Peltzman. According to these authors, a regulator chooses his/her strategy seeking to maximize political support from consumers and producers, viewing welfare and efficiency as secondary issues. This process determines a regulated price that is between the competitive and monopolistic levels. Our paper develops a modified version of Peltzman’s model by considering the idea that the regulator’s behaviour might change with the proximity of elections. The addition of a timing dimension to the problem and its implication for consumers, producers and the regulator’s behavior suggest that the optimal strategy now implies in a price cycle in regulated industries. The regulator has incentives to impose higher prices when elections are relatively far ahead and lower (real) prices in periods that immediately precede an important election. We show that the Brazilian gasoline market between 1969-1984 supports our results.

KEYWORDS:
Political economy; political business cycle; election; inflation; fuel

1. INTRODUÇÃO

A noção de que a política exerce significativa influência nas estratégias econômicas do governo é raramente contestada. Pode-se discordar quanto à intensidade ou aos meios pelos quais essa influência se manifesta, mas poucos negariam sua existência. Apesar do apelo intuitivo da ideia, somente nos anos 70 começaram a surgir trabalhos que analisavam formalmente a relação entre política econômica e interesses eleitorais do governo.

Dentro dessa área, duas correntes principais podem ser caracterizadas, dependendo do aspecto da política governamental que se enfatiza. A primeira abordagem trata da relação entre o calendário eleitoral e as políticas fiscal e monetária, destacando a correlação entre ciclos econômicos e eleições. Entre as principais contribuições nessa área encontram-se os trabalhos de Nordhaus (1975NORDHAUS, W. “The political business cycle”. Review of Economic Studies , pp.169-90, 1975.), McCallum (1978)MCCALLUM, B. “The political business cycle: an empirical test”. Southern Economie Journal 44(3), pp. 504-15, janeiro, 1978. , Alesina (1987ALESINA, A.. “Macroeconomic policy in a two-party system as a repeated game”. Quarterly Journal of Economics 11(3), pp. 651-78, agosto, 1987. ), Alesina & Roubini (1992)ALESINA, A. & ROUBINI, N. “Political cycles in OECD economies”. Review of Economic Studies 59(201), pp. 663-88, outubro,1992. e Rogoff (1990).

A segunda corrente de estudos concentra-se em explicar o comportamento e o impacto distributivo das agências reguladoras do governo em mercados específicos, sem considerar o caráter cíclico da política econômica enfatizado pela primeira abordagem. Entre os trabalhos mais importantes nessa área estão os artigos pioneiros de Stigler (1971STIGLER, G. “The theory of economic regulation”. Bell Journal of Economics, 2 (3), pp. 3-21, setembro de 1971. ) e de Peltzman (1976PELTZMAN, S. “Toward a more general theory of regulation”. The Journal of Law and Economics XIX (2), pp. 211-40, agosto, 1976. ). Esses artigos desprezam a tradicional visão do processo de intervenção estatal em certos mercados enquanto resultado de uma tentativa de maximizar o bem-estar social. Para esses autores, os elementos determinantes das políticas reguladoras são, de um lado, o conflito de interesses privados que a estratégia governamental afetará e, de outro, o interesse eleitoral do próprio governo. Os agentes reguladores estariam sempre sujeitos a pressões de grupos privados, as quais devem ser acomodadas de modo a maximizar o apoio eleitoral ao governo.

Nosso artigo combina elementos das duas correntes. O modelo de Peltzman tem como principal resultado a demonstração de que o preço que maximiza o apoio eleitoral ao governo situa-se entre o preço de monopólio e o competitivo. Nosso modelo incorpora a essa análise a ideia de que as decisões do governo são significativamente afetadas pelo grau de proximidade das eleições, originando assim uma estratégia otimizadora (do ponto de vista eleitoral) que resulta num comportamento cíclico do preço regulado, contrapondo-se ao caráter estático do tratamento de Peltzman. Evidência empírica em favor do modelo desenvolvido é apresentada usando-se o mercado de gasolina no Brasil.

O artigo é dividido da seguinte maneira: a próxima seção apresenta uma versão simplificada do modelo de Peltzman; na seção 3 introduzimos algumas hipóteses adicionais e derivamos nossa versão modificada do modelo; na seção 4 analisamos o comportamento do preço da gasolina (que é regulado pelo governo) durante o regime militar no Brasil, mostrando que ele é compatível com o ciclo previsto pelo nosso modelo.

2. O MODELO ORIGINAL

O modelo desenvolvido por Peltzman, em 1976PELTZMAN, S. “Toward a more general theory of regulation”. The Journal of Law and Economics XIX (2), pp. 211-40, agosto, 1976. , aborda formalmente a questão da distribuição do excedente entre produtores e consumidores em um mercado regulado. A essência do trabalho é mostrar como o preço regulado é determinado de forma a maximizar o apoio político recebido pelo agente regulador. Uma representação inicial de tal “função-popularidade” pode ser dada por

M = M ( p , P ) (1)

em que p é o preço do produto regulado, P é o lucro obtido pelos produtores, δM/δp<O e δM/δP>O. Essa relação simplesmente captura a ideia de que quanto maior o preço do produto, menor é o apoio político dado pelos consumidores, e quanto maiores os lucros, maior é o apoio dado pelos produtores. Assume-se que os ganhos políticos advindos da redução dos preços e do aumento dos lucros são decrescentes, ou seja, δ2M/δ2p>O e δ2M/δ2P<0.1 1 Essas hipóteses são discutidas em maiores detalhes no texto de Stigler (1971).

Determinantes adicionais da estrutura de mercado, como tecnologia e demanda, são incorporados ao modelo através da função lucro

P = f ( p , e ) (2)

em que c = c (Q) é a função custo (Q denotando a quantidade produzida) e, no intervalo relevante, δf/δp0, δ2f/δ2p<0 e δf/δc<0. O problema do regulador é, então, maximizar a lagrangiana

L = M ( p , P ) + λ [ P - f ( p , c ) ] (3)

com respeito a P, p e λ. A solução do problema implica que

δM / δp = ( δM / δP ) . ( δf / δp ) = - λ (4)

e como δM/δp<0 e δM/δP>0, tem-se que δf/δp>0. Isso significa que o preço regulado que maximiza o apoio eleitoral à entidade reguladora será menor que o preço de monopólio, uma vez que o último implica δM/δP=0. A hipótese de que os ganhos políticos marginais resultantes de preços reduzidos são decrescentes e o fato de que δM/δP é estritamente positiva garantem que o preço ótimo se situe acima do preço competitivo. Baseado nessa análise, Peltzman prossegue descrevendo o principal resultado de seu modelo: a estratégia ótima, do ponto de vista eleitoral, a ser seguida por um agente regulador envolve a fixação do preço regulado em um nível situado entre o preço de monopólio e o competitivo.2 2 Depois de derivado esse resultado, o artigo de Peltzman passa a explicar como o preço ótimo varia de acordo com mudanças nas variáveis estruturais do modelo. Tais exercícios serão omitidos aqui por não serem relevantes para nossa análise.

2.1 Um modelo alternativo de regulação com objetivos eleitorais

Parece-nos altamente lógico supor que os políticos se preocupam mais com sua popularidade em períodos imediatamente anteriores às eleições. É praticamente certo que um político (ou um partido) candidato à reeleição preferirá índices de aprovação de 50% na época das eleições e de 10% nos períodos anteriores a uma situação alternativa que lhe dê 30% de aprovação durante todo o mandato. O modelo relevante deveria, portanto, centrar-se na maximização do apoio político no período de eleições, e não durante o mandato como um todo, como implica a função (1) descrita anteriormente. Nosso modelo incorpora essas observações à análise levando em conta como a diferenciação entre períodos próximos e distantes das eleições afeta a estratégia do agente regulador, afetando o comportamento dos preços regulados. Assume-se que eleições acontecem período sim, período não, e que o agente regulador está preocupado em maximizar seu apoio político nos períodos de eleições, designados por t. A primeira parte do mandato do regulador é caracterizada por t-1. Apoio político (que aqui equivale a apoio eleitoral) é provido por dois grupos, consumidores e produtores, podendo assumir a forma de votos, contribuições para a campanha etc. Os determinantes desse apoio e sua influência na estratégia do regulador são considerados a seguir.

3. APOIOS

3.1 Apoio do consumidor

Assumiremos que os consumidores julgam o agente regulador somente com base no preço do produto, de modo que uma função representativa do apoio do consumidor tem a forma

CV t = CV ( P t - 1 , P t ) (5)

indicando que o apoio do consumidor no período relevante (período de eleição) depende do preço corrente e do preço vigente no período anterior, ambos determinados pelo regulador no poder. Uma hipótese essencial do nosso modelo é que

δCV t / δp t < δCV / δp t - 1 < 0 (6)

e assim como no modelo original de Peltzman, δ2CV/δ2p<0.A hipótese de que as duas primeiras derivativas são negativas não é nova, mas é importante notar que agora elas diferem em valor absoluto: o preço corrente tem uma influência maior sobre o apoio do consumidor do que o preço observado no período anterior. Essa diferença pode ser justificada de várias formas. Pode-se fazer uma analogia com a ideia de descontar o consumo futuro na função utilidade, por exemplo. Todos concordam em que o consumo presente proporciona maior utilidade que o mesmo nível de consumo no futuro. Um raciocínio semelhante pode sugerir que o preço vigente no momento da tomada de decisão (preço que implica um certo nível de consumo) terá um peso maior sobre essa decisão que preços cobrados no passado.

Outra justificativa, baseada nas observações de Stigler acerca da assimetria de informações, enfatiza o baixo incentivo que os consumidores têm para obter informação. O preço cobrado no período passado nem sempre é uma informação trivial, principalmente num ambiente inflacionário, em que a informação relevante passa a ser o preço real do produto regulado. A falta dessa informação e do incentivo para adquiri-la contribui para que o preço corrente seja mais importante no julgamento do regulador pelo consumidor.

3.2 Apoio do produtor

A hipótese quanto ao comportamento do produtor é a de que ele decide seu apoio com base no nível de lucro obtido durante todo o período em que o regulador está no poder (t-1, t).3 3 Consideraremos um único produtor, para simplificar a análise. Isso é equivalente a dizer que o produtor (empresa) é indiferente quanto ao período em que ele obtém maiores lucros, se no primeiro ou no segundo período, desde que o lucro total seja o mesmo. Além do mais, empresas e produtores geralmente têm acesso a mais informações que consumidores, através de sua contabilidade interna ou dos encontros mantidos com os agentes reguladores, o que eleva a significância dos indicadores passados. A combinação de informação completa e do horizonte de lucro relevante sugere uma função “apoio do produtor” da forma

Fv t = FV ( P t - 1 , t ) (7)

em que o lucro total Pt-1, t=Pt-1+Pt, δ2FVt/P Pt-1, t>0 e 2FVt/2Pt-1, t<0. É implicitamente assumido que o produtor reconhece o poder do regulador em determinar o lucro obtido na atividade através da fixação do preço, de forma que um nível positivo de lucros gera um nível positivo de apoio político da parte do produtor.

3.3 O problema de maximização do regulador e a determinação do preço regulado

Ao decidir a estratégia reguladora de modo a maximizar o apoio político que recebe, o agente regulador considera uma combinação das relações (5) e (7) já apresentadas, combinação que varia de acordo com o peso dado ao apoio de cada um dos grupos. Assumindo que as empresas experimentam custos marginais constantes, podemos representar a função objetivo do regulador por

[ p t me ] . q ( p t ) + [ p t - 1 mc ] . q ( p t - 1 ) + g ( p t , p t - 1 ) (8)

Essa expressão pode ser considerada uma função de apoio político normalizada, com lucros tendo peso 1. O termo “g” incorpora a preocupação com o apoio do consumidor ao se determinar o preço. Se essa preocupação não existisse ou se os preços não exercessem nenhuma influência sobre o voto dos consumidores, “g” desapareceria da função objetivo e o regulador simplesmente fixaria o preço ao nível do preço de monopólio, maximizando o lucro do produtor e o apoio dele recebido. Como esse não é o caso, porém, analogamente a (6) temos

δg / δpt < δg / δp t - 1 (9)

δ 2 g / δ 2 pt < 0 ; δ 2 g / δ 2 p t - 1 < 0 (10)

Restrições e hipóteses adicionais do nosso modelo são apresentadas a seguir: i) a demanda deve ser completamente satisfeita ao preço estabelecido; ii) δp/δq<0 e δ2p/δ2q0; iii) a função demanda é a mesma nos dois períodos; iv) não há subsídio líquido ao produtor ao final do período t.4 4 Pode-se permitir um saldo positivo de subsídios, desde que limitado. O importante é garantir um limite mínimo para o nível de lucro: sem subsídios, Pt-1,t ≥ 0 ; no caso de um subsídio máximo “S”, Pt-1,t ≥-S . Essas restrições são implicitamente observadas desde que

[ p , - mc ] . q ( p t ) + [ p t - 1 mc ] . q ( p t - 1 ) 0 (11)

O regulador portanto maximiza a lagrangiana

[ p t - mc ] . q ( pt ) + [ p t - 1 - me ] . q ( p t - 1 ) + g ( p t - 1 , pt ) + + { [ p t - mc ] . q ( p t ) + [ p t - 1 - mc ] . q ( p t - 1 ) } (12)

e das condições de primeira ordem obtemos a relação

δg / δp t - 1 = p m p t - 1 . ( δp t / δq t ) δg / δp t p m p t . ( δp t - 1 / δq t - 1 ) (13)

Dadas as características da função de demanda e a relação descrita por (9), (13) implica que Pt<Pt-1<pm. Por causa do maior impacto que o preço corrente tem sobre o consumidor, o agente regulador tenderá a fixá-lo abaixo do preço em t-1. O processo de decisão é tal que o nível de lucro é determinado unicamente pelo peso relativo dado ao apoio do produtor na função maximizada pelo regulador. Em vez de essa distribuição ser realizada pela fixação de um único preço, como no modelo de Peltzman, aqui ela acontece com um preço mais alto que aquele de Peltzman no primeiro período (t-1), compensado por um mais baixo no período seguinte (t).

Desde que o termo “g” tenha um peso positivo, e dadas as relações (9) e (10), o preço regulado ficará abaixo do nível de monopólio nos dois períodos. No outro extremo, o limite mínimo para os preços é geralmente determinado endogenamente em (13). Note que, à medida que P, diminui, o valor absoluto de (g/pt) decresce a taxas crescentes,5 5 Analogamente, o numerador em (13) aumenta a taxas crescentes à medida que Pt-l aumenta. fato que normalmente faz com que (13) convirja sem implicar um preço extremamente baixo (não lucrativo) no período t. Além disso, note que a diferença entre p e pt-1 necessária para equilibrar (13) será menor quanto maior for δ2q/δ2p.

Em alguns casos, no entanto, (13) por si só pode sugerir preços que não garantem um nível positivo de lucros.6 6 No caso de altos valores absolutos de ôg/ôp relativamente a ô2g/ô2p . Numa situação como essa, a empresa sairia do mercado e o agente regulador sofreria a oposição de consumidores e produtores. A restrição (11) assegura que nosso modelo não produza tal resultado irrealista. Finalmente, note que o preço no período de eleições pode até ser fixado abaixo do custo marginal (pt<me), desde que um lucro compensatório tenha sido proporcionado no período anterior. Variações de preços como essa serão limitadas pelas restrições (i) a (iv) descritas anteriormente e consideradas através de (11).

4. ELEIÇÕES E PREÇOS REGULADOS - O MERCADO DE GASOLINA NO BRASIL

A seção anterior descreveu como um “ciclo de preços político” pode originar-se em mercados regulados por um agente com interesses eleitorais. O objetivo desta seção é apresentar alguma evidência empírica que confirme nossos resultados, o que será feito através da análise do mercado de gasolina no Brasil entre 1969 e 1984. Uma tabela comparando os aumentos do combustível à inflação será sucedida pela estimativa de um modelo que relaciona flutuações no preço real da gasolina à ocorrência de eleições. Antes de passarmos à análise, porém, é importante justificar a escolha do mercado e do período estudados.

A gasolina é um dos produtos mais importantes entre os que têm seu preço regulado pelo governo no Brasil. Ela é utilizada para consumo final e como insumo em diversos processos de produção, afetando largamente a rotina diária das pessoas. Pode-se ter uma ideia da importância da gasolina no cotidiano brasileiro ao notar que aumentos no seu preço merecem manchetes nos jornais e anúncios nos telejornais, muitas vezes em edições especiais.

O sistema de distribuição e comercialização de combustíveis no Brasil é dominado por poucas grandes empresas, a maioria multinacionais, o que caracteriza os “produtores” nesse mercado como um grupo forte econômica e politicamente. Assim, temos no mercado de gasolina o potencial para um relevante confronto de interesses políticos, motivado pela existência de um amplo e interessado grupo consumidor e de um influente grupo produtor. É natural, portanto, assumir que a administração do preço da gasolina merece significativa atenção da parte das agências reguladoras ou do governo como um todo.

O período 1969-1984 mostrou-se apropriado porque durante esses anos o presidente era eleito pelo Congresso, que por sua vez era eleito por voto popular a cada quatro anos. Esse sistema fez com que as eleições proporcionais fossem relevantes tanto para o Poder Executivo quanto para o Legislativo, com a conveniência adicional da periodicidade regular. Deve ser mencionado que, apesar do seu caráter autoritário em geral, o regime militar no Brasil tinha preocupações eleitorais, como explica Skidmore (1988SKIDMORE, T. The politics of military rufe in Brazil, 1964-1985. Oxford University Press, 1988. ): “Dada sua posição e seus poderes, por que então o governo não aboliu as eleições? Ou simplesmente não apelou para mais eleições indiretas...? A resposta é que os militares (e seus colaboradores civis) ainda viam as eleições como um importante processo legitimador. Elas tinham que ser mantidas, e manipuladas se necessário” (p.113, tradução do autor).

Os aumentos da gasolina e do índice geral de preços são mostrados a seguir:

Ano Gasolina (%) Inflação (%) Ano Gasolina (%) Inflação (%) 1969 26,8 20,2 rnn 39,1 38,7 1970* 17,7* 19,2* 1978* 30,0* 39,0* 1971 26,7 23,2 1979 160,0 77,9 1972 23,1 13,5 1980 114,0 110,0 1973 15,0 15,7 1981 102,0 95,0 1974* 65,4* 34,5* 1982* 71,4* 99,7* 1975 52,4 29,2 1983 180,0 211,0 1976 57,5 46,3 1984 198,0 223,0 Fonte: Conjuntura Econômica, diversos números. * Anos de eleições.

Note que até a forte aceleração da inflação em 1983 os números mostram um comportamento em que o preço da gasolina sobe acima da inflação em nove dos dez anos em que não houve eleições (com uma exceção, 1973, mostrando taxas de aumento praticamente idênticas). Em três dos quatro anos em que foram realizadas eleições no período, o preço da gasolina foi reajustado abaixo da inflação, a exceção sendo o ano do primeiro choque do petróleo, 1974. Mais interessante ainda é notar como uma tendência de três anos de aumentos reais sucessivos no preço da gasolina é interrompida justamente num ano de eleição, retomando seu curso no ano seguinte. A não observância do mesmo fenômeno após 1982 pode ser creditada à crise da inflação e à tentativa do governo de reduzir as pressões inflacionárias diminuindo o ritmo de aumentos dos preços regulados. Evidência empírica adicional é dada pela análise econométrica apresentada a seguir.

4.1 Dados e variáveis

A principal fonte dos dados empregados é a Conjuntura Econômica, publicada pela Fundação Getúlio Vargas. Utilizamos séries mensais do nível de preços (PL), da taxa de câmbio (Exch) e do preço dos combustíveis como uma proxy para o preço da gasolina (PG). A série dos preços do petróleo (Poil) foi extraída da Conjuntura e da revista inglesa The Economist. Todas as variáveis tiveram seus valores transformados em log (assim, por exemplo, LPL=ln(PL)). O período estudado é de 16 anos, o que resulta em séries contendo 192 observações.

Eleições foram realizadas em novembro de 1970, 1974, 1978 e 1982. Duas variáveis dummy foram criadas, definidas da seguinte maneira:

  • E = 1 nos seis últimos meses de um ano eleitoral; E = 0 nos outros meses.

  • D = 1 nos seis últimos meses de todos os anos; D = 0 nos seis primeiros meses do ano. Correspondendo ao modelo apresentado na seção anterior, t seria um período com duração de um semestre, e t-1, de sete semestres.

4.2 Resultados

Buscando detectar e corrigir problemas de não-estacionaridade nas séries de preços, aplicamos os testes sugeridos em Dickey & Fuller (1979DICKEY, D. & FULLER, W. “Distribution of the estimators for auto aggressive time series with a unit root”. Journal of the American Statistical Association nº 74, 1979. ). Como era de se esperar, não rejeitamos a hipótese de raiz unitária nas séries de preços em nível. Nos testes efetuados com primeiras diferenças, entretanto, a regressão que apresentou o SIC mínimo estimou o coeficiente do primeiro log em -0.028, o que gerou o valor -9.95 para a estatística Dickey-Fuller aumentada. A hipótese de raiz unitária para a série em primeira diferença é, assim, rejeitada ao nível de significância de 1%, e consequentemente os modelos estimados usam variáveis em primeira diferença.

No que diz respeito à variação do preço real da gasolina (que procuramos relacionar ao ciclo político), os primeiros modelos estimados apresentaram indícios de autocorrelação: os modelos que continham valores defasados do preço da gasolina entre as variáveis independentes apresentaram estatísticas Durbin-h com valores absolutos superiores a 2.9; quando estimado pelo método de mínimos quadrados, o modelo que foi selecionado ao final (e que não inclui LPGt-1) apresentou uma estatística Durbin-Watson de 2.53, a qual rejeita a hipótese de não-existência de autocorrelação a 1% de significância. Sendo assim, os modelos mencionados a seguir foram estimados corrigindo-se para autocorrelação.7 7 Para detalhes a respeito do método utilizado, v. Shazam - manual do usuário.

Diversas tentativas apontaram para a não-significância das variáveis relacionadas às variações passadas de preços (inflação e gasolina), à taxa de câmbio e ao custo internacional do petróleo.8 8 Tentamos incluir as variações mensais do câmbio e do preço do petróleo simultaneamente e separadamente, mas em nenhum dos casos essas variáveis atingiram os níveis de significância mínimos O modelo que se mostrou mais apropriado relaciona a taxa de variação do preço da gasolina (aproximada pela diferença dos logs) à taxa de variação dos preços no período corrente e à variável dummy E:

DLPG t = 0 . 013 ( 4 . 39 ) + 0 . 829 DLPL t ( 47 . 4 ) - 0 . 0173 E t ( - 2 . 105 )

em que “D” indica primeira diferença, os· números entre parênteses são estatísticas t, R2 = 0.923 e SEE = 0.0461. O coeficiente da dummy E é significante a 2,5%, sugerindo que o preço da gasolina aumenta menos em períodos de eleição. Para confirmar esse resultado, atentando para a possibilidade de o preço da gasolina aumentar menos nos últimos meses de todos os anos, e não só nos anos de eleição, estimamos um outro modelo substituindo a dummy E pela dummy D, a qual não se mostrou significante (estatística t = 0.7).

5. COMENTÁRIOS FINAIS

Este artigo desenvolveu um modelo baseado na teoria de “regulação política” de Stigler e Peltzman. Partindo do modelo de Peltzman, introduzimos algumas hipóteses acerca do comportamento de consumidores e empresas, derivando daí uma estratégia reguladora que implica a ocorrência de um ciclo de preços reais em certos mercados regulados. Além desse resultado teórico, nosso modelo também possibilita que o conceito de “regulação política” seja testado empiricamente, uma vez que o comportamento dos preços regulados ao longo do ciclo eleitoral pode ser observado, ao contrário do que ocorre com o “preço ótimo” descrito por Peltzman.

Algumas críticas podem ser feitas quanto ao modelo assumir um comportamento do consumidor que não é, a princípio, compatível com expectativas racionais: os consumidores-eleitores deveriam perceber a estratégia do regulador e não ser influenciados pelo decréscimo temporário no preço do produto. O principal argumento que fazemos em defesa da nossa formulação é o de que os consumidores não observam claramente o comportamento real do preço regulado ao longo do tempo, nem têm incentivos suficientes para fazê-lo.9 9 Stigler (1971) traz uma discussão mais detalhada desse problema. 10 10 Um tratamento formal poderia ser dado a esse ponto específico. Num modelo em que o custo de obter informação é maior para consumidores do que para empresas, podemos obter o resultado de que consumidores fazem suas decisões com base num horizonte mais curto, no qual, portanto, as observações mais recentes têm maior peso relativo. Note-se, ainda, que o incentivo para aquisição de informação é menor para os consumidores, que têm seus interesses difusos entre diversos produtos e mercados, ao passo que o interesse das empresas está mais concentrado no mercado em questão. Finalmente, podemos ainda argumentar que o ponto fundamental é como o agente regulador interpreta o comportamento do consumidor e como reage a essa interpretação. Em termos de estratégia, alterar o preço real como descrito pelo modelo não pode prejudicar a posição política do regulador, dada a hipótese acerca da maximização de lucro das empresas. Em outras palavras, para cada nível de distribuição entre lucros e utilidade do consumidor, a estratégia de variar o preço regulado ao longo do ciclo político não pode ser dominada pela alternativa de mantê-lo constante. Essas estratégias seriam no máximo equivalentes, no caso extremo de os consumidores serem igualmente influenciados por preços cobrados no presente e no passado. Sendo assim, é racional para o agente regulador agir como sugerido pelo nosso modelo, reduzindo o preço (real) regulado em períodos eleitorais. A análise do mercado de gasolina tende a confirmar nossos resultados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WHITE, WONG, WHISTLER & HAUN. Shazam - econometrics computer program, user’s reference manual. Montreal, McGraw-Hill, 1990.
  • 1
    Essas hipóteses são discutidas em maiores detalhes no texto de Stigler (1971)STIGLER, G. “The theory of economic regulation”. Bell Journal of Economics, 2 (3), pp. 3-21, setembro de 1971. .
  • 2
    Depois de derivado esse resultado, o artigo de Peltzman passa a explicar como o preço ótimo varia de acordo com mudanças nas variáveis estruturais do modelo. Tais exercícios serão omitidos aqui por não serem relevantes para nossa análise.
  • 3
    Consideraremos um único produtor, para simplificar a análise.
  • 4
    Pode-se permitir um saldo positivo de subsídios, desde que limitado. O importante é garantir um limite mínimo para o nível de lucro: sem subsídios, Pt-1,t 0 ; no caso de um subsídio máximo “S”, Pt-1,t -S .
  • 5
    Analogamente, o numerador em (13) aumenta a taxas crescentes à medida que Pt-l aumenta.
  • 6
    No caso de altos valores absolutos de ôg/ôp relativamente a ô2g/ô2p .
  • 7
    Para detalhes a respeito do método utilizado, v. Shazam - manual do usuário.
  • 8
    Tentamos incluir as variações mensais do câmbio e do preço do petróleo simultaneamente e separadamente, mas em nenhum dos casos essas variáveis atingiram os níveis de significância mínimos
  • 9
    Stigler (1971)STIGLER, G. “The theory of economic regulation”. Bell Journal of Economics, 2 (3), pp. 3-21, setembro de 1971. traz uma discussão mais detalhada desse problema.
  • 10
    Um tratamento formal poderia ser dado a esse ponto específico. Num modelo em que o custo de obter informação é maior para consumidores do que para empresas, podemos obter o resultado de que consumidores fazem suas decisões com base num horizonte mais curto, no qual, portanto, as observações mais recentes têm maior peso relativo. Note-se, ainda, que o incentivo para aquisição de informação é menor para os consumidores, que têm seus interesses difusos entre diversos produtos e mercados, ao passo que o interesse das empresas está mais concentrado no mercado em questão.
  • *
    Agradeço aos professores Pablo Spillere, Werner Baer, aos colegas Francisco Cribari-Neto e Sandra Ospina e a dois pareceristas anônimos desta Revista os valiosos comentários. Os equívocos remanescentes são de minha responsabilidade.
  • JEL Classification: E31; D72; L71.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1994
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