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Apoio financeiro externo e estabilização econômica

External financial support and economic stabilization

RESUMO

Este ensaio tenta avaliar a abordagem do ministro Marcílio Marques Moreira nas negociações de dívida externa do Brasil. Começa a reconhecer que a reestruturação da dívida externa deve contribuir simultaneamente para a correção dos desequilíbrios financeiros do setor público e para a estabilidade da taxa de câmbio. A decisão de simplesmente aderir aos acordos atuais do tipo Clube de Paris e Plano Brady para países de renda média resultará em um pequeno alívio do serviço da dívida. A estratégia do ministro Marcílio exige, portanto, mais ajustes do setor público e novas entradas de capital para ter sucesso. A correção dos desequilíbrios do setor público ainda não foi alcançada, e os investidores estrangeiros, diante da alta instabilidade macroeconômica, ainda se apegam a instrumentos de curto prazo com altos retornos que se sabe serem inadequados para financiar políticas de estabilização. A assinatura de acordos com credores externos antes de atingir os requisitos para atendê-los de forma não inflacionária é a principal falha da estratégia.

PALAVRAS-CHAVE:
Dívida externa; plano Collor; estabilização

ABSTRACT

This essay tries to evaluate Minister Marcílio Marques Moreira’s approach on Brazil’s external debt negotiations. It starts recognizing that external debt restructuring should contribute simultaneously to the correction of public sector financial imbalances and to the stability of the exchange rate. The decision to simply adhere to current Paris Club and Brady Plan type agreements for middle-income countries will result in small debt service relief. Minister Marcílio’s strategy requires therefore further public sector adjustment and new capital inflows to succeed. The correction of public sector imbalances has not been achieved yet, and foreign investors, in the face of high macroeconomic instability, still cling to short term instruments with high returns which are known to be unsuitable to finance stabilization policies. The signment of agreements with external creditor before achieving the requirements to meet them in a non-inflationary way is the main flaw of the strategy.

KEYWORDS:
External debt; Collor plan; stabilization

1. INTRODUÇÃO

Depois de ensaiar uma abordagem mais dura com os credores externos, o governo Collor decidiu normalizar rapidamente as relações com a comunidade financeira internacional e aderir aos esquemas convencionais de negociação da dívida externa. Retomou assim, ainda em 1991, as negociações com os bancos comerciais no âmbito do plano Brady, procurou o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a um programa de estabilização - o que obteve em janeiro de 1992 - e, em seguida, em fevereiro, acertou a reestruturação da dívida com as agências governamentais no âmbito do Clube de Paris.

A nova postura do governo Collor reacendeu as esperanças, em muitos setores, de que o país finalmente encontrará o caminho da estabilização e retomada do crescimento econômico. Procura-se mostrar a seguir que, na realidade, não existem motivos para tanto otimismo, pois para alcançar esses objetivos é preciso algo mais que a assinatura de acordos financeiros externos. Argumenta-se que os acordos negociados pelo governo Collor pressupõem, entre outras coisas, um substancial ajuste nas contas públicas e a retomada dos financiamentos externos voluntários ao país. A não-ocorrência desses dois fatores coloca em risco não só a solução das pendências financeiras externas como o próprio esforço de estabilização. Sustenta-se que o governo Collor entabulou negociações com os credores externos sem ter assegurado de antemão as condições internas e externas necessárias para o cumprimento dos acordos de forma não-inflacionária.

2. A REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA E A ESTABILIZAÇÃO

A reestruturação das obrigações externas do país deveria, a seu modo, contribuir para a solução de dois problemas fundamentais de um programa de estabilização: a superação dos desequilíbrios financeiros do setor público e a consolidação da estabilidade cambial.

Como se sabe, uma das principais características do processo hiperinflacionário é a perda das fontes não-inflacionárias de financiamento do governo, que não encontra outra alternativa senão financiar seu déficit por meio da emissão de base monetária e dívida de curtíssimo prazo. Todo programa de estabilização deve, por isso mesmo, ter dois componentes fundamentais: (i) um ajustamento doméstico cujo elemento central é a redução do déficit público; e (ii) uma recomposição das fontes de financiamento do setor público. A reestruturação das obrigações externas, ao reduzir o serviço da dívida e ao propiciar um aumento do financiamento, é importante para ambos os componentes.

Existe, na verdade, uma relação inversa entre o ajustamento doméstico e o apoio financeiro externo - sob a forma da reestruturação das obrigações existentes ou sob a forma de aporte de novos capitais. Quanto maior o esforço interno para a redução do déficit público, menores são as necessidades de apoio financeiro externo. As disputas entre credores e devedores normalmente envolvem esses dois pontos essenciais. Enquanto os primeiros pressionam no sentido de um maior ajustamento doméstico, os devedores enfatizam que, além dos limites econômicos para o ajuste das contas públicas no curto e médio prazos, existem objetivos internos a respeitar, que concorrem com as demandas dos credores externos.

Mas não é apenas devido aos problemas financeiros do governo que o apoio financeiro externo assume importância central. Na verdade, a estabilização doméstica somente pode se consolidar em um ambiente de estabilidade cambial. Numa situação de instabilidade crônica, como ocorre no caso brasileiro, as políticas fiscal e monetária são, por si só, ineficazes para sustentar a taxa de câmbio, ou a regra de sua formação, em função dos elevados custos econômicos e sociais dessas políticas. Nesse caso, a estabilização cambial requer urna dose adequada de apoio financeiro externo que permita combinar uma redução da desvalorização cambial real requerida para equilibrar as contas externas com uma desejada acumulação de reservas internacionais. A redução da desvalorização cambial requerida favorece a estabilidade monetária interna direta e indiretamente, ao facilitar a correção dos desequilíbrios financeiros do setor público, responsável pela maior parte das obrigações externas do país.

Um montante expressivo de reservas internacionais, por sua vez, pode ser uma condição necessária para o sucesso da política de estabilização em casos de países com graves e crônicos problemas de instabilidade cambial e monetária. Enquanto tiver divisas suficientes o Banco Central sempre poderá fazer frente a um ataque especulativo de agentes econômicos privados, com receitas ou ativos em moeda estrangeira, contra a taxa de câmbio - ação que, no caso brasileiro, é facilitada pelo fato de o Estado ter obrigações externas a pagar, mas escassas receitas em divisas para fazê-lo. Além disso, as reservas internacionais constituem um lastro efetivo para as obrigações internas emitidas pelo governo, o que inibe corridas contra a moeda nacional ou contra a dívida pública que, se viessem a ocorrer, poderiam detonar de vez o processo hiperinflacionário.

Vale lembrar, todavia, que o setor público precisa encontrar espaço em sua restrição orçamentária para contornar o impacto expansionista da acumulação de reservas internacionais.1 1 A acumulação de reservas decorrente de empréstimos internacionais tem impacto expansionista quando estes se destinam ao setor público, exclusive Banco Central, ou ao setor privado. Empréstimos externos concedidos diretamente ao Banco Central não têm impacto sobre a liquidez. Algumas das medidas domésticas clássicas para recompor o nível de reservas, tais como a desvalorização real do câmbio, a elevação da taxa real de juros interna, a redução da demanda privada, têm o inconveniente de, por si só, agravar a situação financeira do setor público. A vantagem do apoio financeiro externo, para aliviar o estrangulamento cambial, é que reduz a intensidade exigida dessas medidas, auxiliando, portanto, a correção do desequilíbrio das contas públicas. Quando assume a forma da redução da dívida e de seu serviço, o apoio financeiro externo alivia, de forma direta e simultânea, as restrições cambial e fiscal.

Considerando que a estabilização constitui não apenas um fim em si mesma, mas também um meio para retomar o desenvolvimento econômico, cabe frisar, por fim, que, no médio e longo prazos, o apoio financeiro externo viabiliza a absorção de poupança externa, o que favorece a retomada do investimento e do crescimento econômico.

3. A ABORDAGEM DO MINISTRO MARCÍLIO MARQUES MOREIRA PARA A DÍVIDA EXTERNA

Como avaliar, portanto, a mudança de rumo do governo Collor na questão financeira externa? Quais foram seus pressupostos e que riscos encerra? A julgar pela forma como foram encaminhadas as negociações, o ministro Marcílio Marques Moreira esteve convencido de que a melhor coisa a fazer no front externo seria fechar acordos rápidos com os credores, ainda que estes, por si só, fossem insuficientes do ponto de vista das necessidades de financiamento do país, e do setor público em particular, na expectativa de que a normalização das relações com a comunidade financeira internacional viesse atrair novamente capitais externos ao país. Isto é, reconhecia-se aparentemente a insuficiência financeira direta dos acordos, mas acreditava-se que esta seria compensada pela melhora das expectativas e pela entrada voluntária de novos recursos forâneos.

Trata-se, na verdade, de aposta semelhante à de 1988, quando o então ministro Maílson da Nóbrega apressou-se em fechar acordos com o FMI, o Clube de Paris e os bancos comerciais, na esperança de que isso abrisse as portas do mercado financeiro internacional ao Brasil. Como sabemos, a expectativa não se concretizou. E como inexistiam condições objetivas no país para realizar o ajustamento doméstico requerido pelos acordos, estes em nada auxiliaram as efêmeras tentativas de estabilização do governo Sarney em 1988 e no início de 1989. Em consequência, Maílson da Nóbrega teve de descumprir, a contragosto, um a um os acordos que havia assinado apenas alguns meses antes. Sem financiamento externo adequado e sem capacidade de gerar domesticamente os recursos para honrar aqueles acordos, o governo Sarney não teria outra alternativa a não ser pagar o serviço da dívida externa com emissão de base monetária e dívida interna de curtíssimo prazo.

Terão os acordos financeiros externos do ministro Marcílio Marques Moreira um desfecho semelhante? A resposta a essa questão de forma alguma é trivial, pois envolve percepções a respeito de eventos futuros de difícil antecipação.

O que se pode afirmar é que a decisão do governo brasileiro de abrir mão de uma negociação efetiva da dívida externa e simplesmente aderir a esquemas de reestruturação concebidos e administrados pelos credores teria de levar, de qualquer maneira, à assinatura de acordos bastante semelhantes àqueles obtidos por outros países latino-americanos de renda média no âmbito do Clube de Paris e do plano Brady, Isso quer dizer que o alívio financeiro direto que se poderia alcançar com essa adesão deveria necessariamente se reduzir.

Tome-se o exemplo do México. Segundo estimativas do FMI, esse país conseguiu reduzir suas transferências financeiras ao exterior, em decorrência direta do acordo assinado com os bancos comerciais no âmbito do plano Brady, em 0,5% do PIB e o valor atual de sua dívida externa em 15%.2 2 International Monetary Fund, International Capital Markets: Developments and Prospects, Washington, D.C.: abril, 1991, p. 76. Este certamente não é um resultado auspicioso para um país que vinha transferindo 5% a 6% de seu produto para o resto do mundo. É interessante observar, ademais, que, com as baixas taxas de juros internacionais verificadas a partir de fins de 1991, o alívio financeiro direto alcançado pelo México com seu acordo será bem inferior às estimativas iniciais do FMI. O que foi inicialmente concebido como uma taxa de juros fixa de 6,25% ao ano, que incorporava um desconto de 35% sobre a então taxa de mercado, tornou-se, para uma taxa libor para empréstimos em dólares em torno de 4% a 5% ao ano, uma taxa muito superior à de mercado. Quantas cauções, de custo de oportunidade extremamente elevado, não foram mobilizadas para garantir títulos que na prática não vêm incorporando desconto algum!

Na verdade, o que viabilizou financeiramente o acordo mexicano foi um substancial ajustamento no orçamento primário do setor público - o superávit primário no período 1988-90 ultrapassou 8% do PIB3 3 ASPE, Pedro. “Macroeconomic stabilization and structural change: the experience of Mexico (1982-1991)”, s/d, p. 4, mimeo. O que chama atenção nesse caso não é apenas a magnitude do superávit primário, mas também sua sustentabilidade ao longo do tempo. - e a volta dos capitais externos voluntários ao país. A existência de um regime político de um partido único, há décadas no poder, certamente facilitou o ajustamento do setor público e a distribuição das perdas domésticas dele decorrentes. O aporte de capitais à economia mexicana, nos últimos dois anos, não decorre, por sua vez, apenas do acordo com os credores. Vários são os fatores que explicam o fenômeno. A existência prévia de um programa de estabilização com resultados positivos certamente foi um deles. Mas provavelmente decisivo foi o apoio recebido dos EUA em várias frentes. O México constitui, sem dúvida, uma das poucas prioridades da política externa dos EUA no continente americano.4 4 “New World Order: What’s New? Which World? Whose Orders?” The Economist, 23 de fevereiro de 1991, págs. 45-46. A perspectiva de integração com a zona de livre-comércio formada atualmente pelos EUA e o Canadá dá ao México vantagens comparativas sem igual na América Latina para atrair investimentos estrangeiros. Finalmente, a elevada liquidez em dólares nos mercados financeiros internacionais vem estimulando não só a migração de recursos para o México, mas também para outros países em desenvolvimento.

A adesão ao plano Brady não deverá propiciar, portanto, um alívio financeiro direto significativo ao Brasil. Resta, por isso mesmo, saber se o país logrará realizar, tal como o México, um ajustamento compatível em suas contas públicas e se conseguirá atrair novamente capitais externos.

4. AS DIFICULDADES DE AJUSTAMENTO DAS CONTAS PÚBLICAS

As dificuldades relativas à primeira daquelas questões são por demais conhecidas. Depois de ter reduzido consideravelmente o déficit público em 1990, quando conseguiu inclusive gerar um superávit operacional de 1,3% e um superávit primário de 4,6% do PIB, o governo Collor não conseguiu dar prosseguimento no ajustamento das contas públicas (Tabela 1). Informações preliminares mostram que, em 1991, o superávit operacional permaneceu na casa dos 1,3% do PIB e o superávit primário, em 2,7%. A julgar pelas informações divulgadas pela imprensa, a situação das contas públicas não deve ter se alterado substancialmente nos primeiros meses de 1992. Esses números ressaltam um dos problemas recorrentes dos esforços de redução das necessidades de financiamento do setor público no caso brasileiro: o de sua insustentabilidade por um período maior de tempo.

Tabela 1
Necessidades de financiamento do setor público, 1989-91 (% do PIB)

É interessante notar que, no ano em que realizou substancial ajustamento em suas contas, em 1990, o governo apresentou uma proposta aos credores externos que implicava substancial alívio financeiro direto ao setor público. Não deixa de ser curioso que, depois, em situação menos favorável, tenha adotado medidas e negociado acordos que aumentam substancialmente os pagamentos externos do país.

Os números são eloquentes: em função do acordo envolvendo os atrasados acumulados com os bancos comerciais até o final de 1990, da retomada dos pagamentos de 30% dos juros da dívida de médio e longo prazos do setor público com os bancos comerciais e da liberação dos pagamentos da dívida externa de médio e longo prazos do setor público financeiro, da Petrobrás, Vale do Rio Doce e subsidiárias, os pagamentos externos do setor público duplicaram em 1991, alcançando cerca de US$9,1 bilhões.5 5 Números extraídos do Requerimento nº854, de 28 de novembro de 1991, do Senado Federal. O acordo com o Clube de Paris deverá aumentá-los ainda mais. No biênio 1992-93, os pagamentos às agências governamentais, por conta do setor público, deverão alcançar US$ 5,4 bilhões, contra apenas US$ 1,2 bilhão no biênio anterior, quando o Brasil mantinha uma moratória parcial sobre o serviço da dívida com esse grupo de credores.6 6 V. GONZALEZ, Manuel José Forero. “Análise do acordo relativo à consolidação da dívida do Brasil com o Clube de Paris”, Nota Técnica nº 10, Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, Governo do Estado de São Paulo, abril, 1992. Mesmo sem considerar o acordo com os bancos comerciais, o principal grupo de credores do país, percebe-se que o governo conseguiu a façanha de promover uma verdadeira escalada dos pagamentos externos do setor público num momento de franco declínio das taxas de juros internacionais!

O governo compromete-se, aparentemente, com pagamentos externos crescentes sem que tenha previamente garantido as condições para isso no orçamento público. Coloca, assim, a carroça na frente dos bois. Sucessivos reveses do Executivo na justiça, que comprometem mesmo a manutenção da atual carga fiscal; um presidente sem partido expressivo no Congresso, que procura sustentação em agremiações partidárias de traços eminentemente fisiológicos; a necessidade de aprovar uma reforma fiscal no Congresso em ano eleitoral; a recorrência ao controle de caixa como expediente de controle de gastos que apenas reprime o déficit potencial; a estagnação econômica; a política de juros reais elevados; enfim, existem uma série de fatores que conspiram contra o ajustamento das contas públicas.

Com todas essas dificuldades, não se torna difícil deduzir que, de fato, o governo conta com um incremento sustentável na entrada de capitais no país, após a conclusão dos acordos com seus credores, para suprir parcialmente as necessidades de refinanciamento de sua dívida externa.

5. AS PERSPECTIVAS DE AUMENTO DO FINANCIAMENTO EXTERNO

Mas quais são as perspectivas de apoio financeiro externo ao Brasil e ao setor público em particular? Cabe reconhecer que em relação a essa questão ocorreram dois fatos novos, que não eram previsíveis no primeiro ano do governo Collor. A estagnação econômica em vários dos principais países desenvolvidos, no início dos anos 90, arrefeceu a demanda por fundos para investimentos no mundo industrializado.7 7 International Monetary Fund, World Economic Outlook: A Survey by the Staff of the International Monetary Fund. Washington, D.C., outubro, 1991, págs. 86-87. Por outro lado, a elevada liquidez em dólares - patrocinada pelo Banco Central norte-americano, na tentativa de reativar a economia dos EUA -fez com que a taxa libor, em termos nominais, atingisse seu mais baixo nível desde a década de 60. Enquanto em março de 1990, quando o governo Collor tomava posse, a taxa libor (seis meses) média para empréstimos em dólares ainda se situava em torno de 10,6% ao ano, dois anos depois havia caído para aproximadamente 4,6% ao ano. Esse fenômeno, um verdadeiro choque externo favorável, beneficiou o país duplamente: pela redução nos juros devidos sobre suas obrigações externas e pelo estímulo à entrada de capitais que as reduzidas taxas de juros propiciam. Mesmo antes de normalizar as relações com seus credores, o país conseguiu atrair novamente recursos externos.

Várias rubricas do balanço de pagamentos brasileiro registram essa mudança favorável no cenário financeiro externo. A conta de transações correntes, que, em 1990, apresentou resultado negativo de US$3,5 bilhões (Tabela 2), registrou um déficit de apenas US$ 1 bilhão em 1991. Isso se deve essencialmente à queda nos juros líquidos devidos, à redução nas remessas de lucros e dividendos e ao aumento das transferências unilaterais para o Brasil. O excepcional resultado na conta transferências unilaterais reflete o ingresso de divisas, anteriormente efetivado pelo mercado paralelo de câmbio, via mercado de taxas de câmbio flutuante (câmbio turismo), frequentemente sem a identificação do vendedor.8 8 Banco Central do Brasil.

Tabela 2
Balanço de Pagamentos, 1989-91 (US$ bilhões)

A conta de capitais autônomos, por sua vez, registrou sensível melhora nas rubricas de investimentos estrangeiros diretos líquidos e nos empréstimos Inter companhias. Os investimentos estrangeiros diretos líquidos, exclusive conversões de dívida em investimentos, que incluem aplicações em bolsa de valores, alcançaram US$ l,1 bilhão em 1991, contra US$0,5 bilhão em 1990. Já os empréstimos inter companhias, que incluem, um tanto impropriamente, commercial papers e outros títulos financeiros, tais como bônus e notas, lançados por empresas e instituições financeiras no exterior totalizaram nada menos de US$ 4,0 bilhões em 1991, contra apenas US$ 0,9 bilhão no ano anterior.

Vale ressaltar, contudo, que, em função das pesadas amortizações devidas e não refinanciadas, da redução do já baixo volume de financiamentos estrangeiros - que incluem os capitais provenientes de organismos multilaterais, exclusive FMI, e de agências governamentais-, do substancial crescimento dos investimentos brasileiros no exterior e do pesado déficit com o movimento de capitais de curto prazo - resultado, principalmente, do aumento dos haveres financeiros cm poder dos bancos comerciais-, a conta de capitais registrou, a exemplo dos anos anteriores, elevado déficit em 1991: cerca de US$ 4,5 bilhões. O país só não perdeu um montante expressivo de reservas graças ao acúmulo de atrasados no valor de US$ 5,6 bilhões.

De qualquer forma, há que se reconhecer que, neste início de década, ocorreu uma inflexão na tendência anterior de retração de capitais externos. Todavia se trata, por ora, de recursos de curto prazo à procura de alto rendimento. Isso é verdade não apenas para o capital aplicado nas bolsas de valores, que procura se beneficiar do baixo preço das ações no Brasil, mas também para os títulos lançados por empresas ou instituições financeiras no exterior. Tomem-se, por exemplo, os títulos brasileiros lançados no euromercado entre meados de 1991 e março de 1992. Os prazos de maturação dos títulos lançados pelo setor público variam entre um e cinco anos (Tabela A1 do Anexo ANEXO TABELA A.1 Lançamentos de bônus do setor público brasileiro Tomador Data da Emissão Valor (1) Prazo (Anos) Taxa de Juros Nominal (% ao ano) Desconto na Emissão (%) Rentabilidade na Emissão (% ao ano) Libor (2) (% ao ano) Organizador Observações 1. Petrobrás 08/91 250 2 10,0 6,0 13,5 5,9 Chase Manhattan Opção de recompra pela empresa após 1 ano com rentabilidade de 13,75% (cal/option) 2. BNDES 09/91 55 5 6,0 15,7 11,7 5,8 Bankof America Reestruturação de dívida externa a vencer 3. Petrobrás 09/91 200 5 10,0 8,2 12,2 5,8 J.P.Morgan Opção de recompra pela empresa após 2 anos (cal/ option) e de liquidação pelo investimento após 3 4. Vale do Rio Doce 10/91 200 3 10,0 3,6 11,5 5,5 Citibank Opção de resgate pelo investidor após 2 anos com rentabilidade de 11,42% (put option) 5. Telebrás 10/91 200 5 10,0 4,2 11,5 5,5 Merril Lynch 6. Petrobrás 10/91 50 (ECU) 5 10,0 4,4 11,5 lndosuez 7. Petrobrás 11/91 250 1 10,0 0,2 10,2 5,14 C. S. First Boston 8. Telebrás 12/91 100 2 10,3 0,2 10,7 4,6 Salomon Brothers Opção de resgate pelo investidor após 1 ano (put option) 9. Telesp 01/92 100 3 10,0 1,6 11,8 4,2 Banco lndosuez Opção de resgate pelo investidor após 2 anos com rentabilidade de 11,5% (put option) 10. Petrobrás 01/92 300 1 10,0 -0,5 9,40 4,2 C.S. First Boston 11. Telebrás 03/92 90 5 10,0 4,6 C.S. First Boston Opção de resgate pelo investidor após 2 anos e 10 meses, com rentabilidade de 10,81% (put option) (1) Em dólares norte-americanos a não ser quando especificado de outra forma. (2) Libormédia (6 meses) para empréstimos em dólares norte-americanos no mês de lançamento. Fonte: Gazeta Mercantil Observação: espaços em branco indicam que as informações não se encontram disponíveis na fonte consultada. TABELA A.2 Lançamentos de bônus do setor privado brasileiro no bercado internacional, 1991 e 1992 (até março) Tomador Data de Emissão Valor (1) Prazo (Anos) Taxa de Juros Nominal (% ao ano) Desconto na Emissão (%) Rentabilidade na Emissão (% ao ano) Libor (2) (% ao ano) Organizador Observações 1. N. Odebrecht 06/92 55 2 6,9 13,7 5,5 ABN-Amro 2. N. Odebrecht 10/91 50 2 libor + 1% 14,5 5,5 NMB 3. Tenenge 10/91 31 2 libor + 1% 14,5 5,5 NMB 4. Ripasa 12/91 40 2 12,0 4,6 Banco Morgan Grenfell 5. Banco Francês e Brasileiro 12/91 50 2 11,0 1,6 11,9 4,6 C. S. First 6. Franlease 12/92 14 4 6,0 13,0 4,6 NMB 7. Hering 01/92 50 2 10,0 5,1 13,0 4,2 ABN-Amro 8. Copene 01/92 50 2 11,0 12,7 4,2 Chase Manhattan 9. Bradesco 01/92 50 2 10,0 3,5 12,0 4,2 Citibank Vencimento integral no prazo 10. Franlease 01/92 13 4,5 6,0 13,0 4,2 NMB 11. Banco Francês e Brasileiro 02/92 100 2 11,0 0,0 11,0 4,3 Credit Lyonnais 12. Citibank 02/92 100 3 9,2 0,6 9,6 4,3 Citicorp 13. Sanbra 02/92 70 3 10,0 4,2 12,5 4,3 Merril Lynch 14. Tenenge 02/92 10 2 5,1 13,0 4,3 Banque Nationale de Paris Garantias do Unibanco e do Banco Nationale del Lavoro 15. Credibanco 03/92 50 2 11,0 1,7 12,0 4,6 Chartered West LB 16. Cidade 03/92 15 2 2,6 11,5 4,6 Banque Nationalede Paris 17. Unibanco 03/92 100 2 0,9 10,5 4,6 Citibank Vencimento integral mo final do prazo 18. Banco de Créd. Comercial da França 02/92 60 2 10,0 2,1 11,7 4,6 Banco Sodimer 19. Itamaraty 03/92 20 2,5 0,0 12,0 4,6 Midland Bank 20. Copene 03/92 50 2 11,0 1,7 12,0 4,6 Chase Manhattan (1) Em dólares norte-americanos a não ser quando especificado de outra forma. (2) libormédia (6 meses) para empréstimos em dólares norte-americanos no mês de lançamento. Fonte: Gazeta Mercantil Observação: espaços em branco indicam que as informações não se encontram disponíveis na fonte consultada. ). No caso dos papéis privados, o prazo mais comum é de dois anos (Tabela A-2). Considerando, no entanto, que frequentemente esses títulos têm período de carência reduzido e muitas vezes incorporam opções (put options) que dão ao investidor o direito de resgate antecipado, seu prazo médio de vencimento é bem menor do que o sugerido pelos números acima. O rendimento oferecido ao investidor no lançamento, por sua vez, tem sido extremamente elevado em termos internacionais, na faixa ele duas a três vezes a Libor (seis meses) média do mês de lançamento. Essas características dos bônus brasileiros mostram que o Brasil ainda é considerado uma opção de alto risco para o investidor estrangeiro.

Na verdade, as reduzidas taxas de juros para aplicações em dólares e os elevados retornos dos ativos financeiros brasileiros, denominados em cruzeiros ou em moeda estrangeira, fizeram com que principalmente investidores institucionais (fundos de pensão, fundos mútuos, companhias de seguros etc.) aplicassem uma fração de seus recursos em ativos de alto rendimento e risco do Brasil no âmbito de uma política de diversificação de carteira. Em decorrência do enorme diferencial de rendimentos, residentes com capital no exterior também têm aplicado novamente em ativos brasileiros. Cabe aqui destacar, contudo, a volatilidade desses recursos. Assim como certas condições de rentabilidade e risco provocaram um súbito influxo de capitais, pequenas alterações para pior nessas variáveis podem ocasionar um repentino refluxo de tais recursos.

O que interessa saber, no entanto, é se os acertos financeiros externos e as reduzidas taxas de juros para empréstimos em dólares são suficientes para estimular a retomada dos financiamentos externos em um nível compatível com a situação do orçamento público e do balanço de pagamentos. A esse respeito, vale lembrar que os movimentos de capitais privados, nos termos e condições observados neste início dos anos 90, não constituem base adequada para o financiamento de programas de ajustamento econômico. O movimento de capitais de curto prazo tende a desestabilizar a taxa de câmbio, tornar volátil a taxa de juros e, consequentemente, tornar incerto o preço de ativos domésticos.9 9 Qs problemas ocasionados pelo movimento de capitais de curto prazo para a política de estabilização e a retomada do investimento econômico são analisados em AKYÜZ, Yilmaz. “On financial openess in developing countries”, Genebra, United Nations Conference on Trade and Development, junho 1992, mimeo. A volta sustentável de recursos privados, com termos e condições mais aceitáveis, inclusive para financiar o setor público, requer resultados positivos prévios da política de estabilização. Esta constitui exatamente o calcanhar-de-aquiles da abordagem atual para a dívida externa. Nesse ponto, a situação do Brasil é totalmente diferente da do México, que iniciou suas negociações no âmbito do plano Brady, em março de 1989, depois que o Plano de Solidariedade Econômica, lançado em finais de 1987, já tinha produzido resultados concretos.

Na medida em que consiga cumprir o acordo com o FMI, o Brasil certamente poderá contar com maior disponibilidade de recursos oficiais, principalmente do Banco Mundial e do governo japonês, para financiar seu programa econômico. Isso, é claro, se estiver disposto a aceitar as rígidas condições para a liberação dos recursos. No entanto, a oferta de recursos oficiais ao Brasil é, neste momento, talvez menor do que se imagina.10 10 Uma avaliação das disponibilidades de apoio oficial externo à América Latina em geral encontra-se em MEYER, Arno. “Perspectivas para o financiamento externo da América Latina e do Caribe no início da década de 90”. São Paulo, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Iesp/Fundap, 1991, págs. 13-28. O recrudescimento do déficit público nos principais países industrializados, mormente nos EUA e na Alemanha, tende a reduzir a oferta de recursos oficiais, principalmente das agências governamentais, aos países em desenvolvimento em geral. No caso do Brasil e da maior parte da América Latina, a tendência é reforçada pela visível perda de importância da região na política externa dos principais países industrializados (a principal exceção é o México). O fato pode ser facilmente constatado, por exemplo, através da leitura do comunicado de Londres da reunião do chamado Grupo dos Sete, realizada em julho de 1991, que expressa de forma cristalina as prioridades externas dos principais países industrializados.11 11 “Declaração de Londres: um compromisso com a democracia e o desenvolvimento”, Gazeta Mercantil, São Paulo, 18 de julho de 1991, p. 11 (íntegra do comunicado final da reunião de cúpula do grupo dos sete principais países industrializados.) Enquanto amplo destaque é dado ao Leste Europeu, à então União Soviética e aos países do Oriente Médio aliados ao Ocidente na guerra do Golfo Pérsico, inclusive em termos de aporte de capitais oficiais a essas regiões, a América Latina aparece como a última região abordada no documento, ainda assim de forma breve e vaga. Mesmo a África, onde algumas ex-metrópoles ainda mantêm interesses estratégicos, merece maior deferência que os países latino-americanos. Por fim, o já elevado envolvimento das instituições multilaterais e bilaterais com o Brasil dificulta a concessão de financiamentos em escala significativa. De 1982 a 1989, a dívida externa com as instituições oficiais praticamente triplicou.12 12 MEYER, Arno. “As negociações da dívida externa brasileira no âmbito do Clube de Paris”. São Paulo, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Iesp/Fundap, 1991, p. 3, mimeo. A concessão de novos créditos estará, por isso mesmo, vinculada ao cumprimento de condições cada vez mais abrangentes e estritas.

6. CONCLUSÃO

A despeito da recente volta de capitais externos ao país, as perspectivas para uma retomada sustentável de influxo de capitais, com prazos e condições compatíveis com a rentabilidade e a maturação dos investimentos econômicos, não são tão róseas como algumas análises nos querem fazer crer. Por isso, a abordagem atual de renegociação da dívida externa não pode prescindir de um substancial ajustamento nas contas públicas.

A entrada de capitais, neste início dos anos 90, reflete mais a ocorrência de condições externas favoráveis - a retração da demanda por fundos para o investimento nos países desenvolvidos, em função da estagnação econômica em várias economias industrializadas, e a substancial redução nas taxas de juros sobre aplicações financeiras denominadas em dólares - que propriamente avanços na estabilização econômica no Brasil. Mudanças nas condições externas ou a ausência de progressos na estabilização brasileira poderão reverter rapidamente esse quadro favorável.

O principal problema da negociação da dívida externa do ministro Marcílio Marques Moreira é o comprometimento com pagamentos externos crescentes sem que as condições objetivas para isso estejam asseguradas. Tanto o ajustamento fiscal quanto a volta de capitais externos de médio e longo prazos são ainda eventos incertos. Teria sido mais prudente iniciar as negociações com os credores externos apenas depois que se tivessem alcançado resultados efetivos na política de estabilização e depois que o apoio financeiro externo compatível com os requisitos da estabilidade monetária e cambial estivesse garantido. É mais ou menos isso o que fizeram países como México, Costa Rica e Argentina.

A tentativa de angariar o apoio financeiro externo antes da estabilização interna decorreu, ao que tudo indica, da própria fragilidade da sustentação política do governo. Sem respaldo doméstico para executar uma sabidamente dura política de estabilização, o governo procurou, aparentemente, no front externo o apoio que lhe foi negado internamente. Infelizmente, dessa forma, a abordagem para a dívida externa, além de incorrer no risco de naufragar no campo doméstico, contribuiu para reduzir o poder de barganha do país e, por conseguinte, o alívio financeiro direto que se poderia ter extraído das negociações.

  • 1
    A acumulação de reservas decorrente de empréstimos internacionais tem impacto expansionista quando estes se destinam ao setor público, exclusive Banco Central, ou ao setor privado. Empréstimos externos concedidos diretamente ao Banco Central não têm impacto sobre a liquidez.
  • 2
    International Monetary Fund, International Capital Markets: Developments and Prospects, Washington, D.C.: abril, 1991, p. 76.
  • 3
    ASPE, Pedro. “Macroeconomic stabilization and structural change: the experience of Mexico (1982-1991)”, s/d, p. 4, mimeo. O que chama atenção nesse caso não é apenas a magnitude do superávit primário, mas também sua sustentabilidade ao longo do tempo.
  • 4
    “New World Order: What’s New? Which World? Whose Orders?” The Economist, 23 de fevereiro de 1991, págs. 45-46.
  • 5
    Números extraídos do Requerimento nº854, de 28 de novembro de 1991, do Senado Federal.
  • 6
    V. GONZALEZ, Manuel José Forero. “Análise do acordo relativo à consolidação da dívida do Brasil com o Clube de Paris”, Nota Técnica nº 10, Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, Governo do Estado de São Paulo, abril, 1992.
  • 7
    International Monetary Fund, World Economic Outlook: A Survey by the Staff of the International Monetary Fund. Washington, D.C., outubro, 1991, págs. 86-87.
  • 8
    Banco Central do Brasil.
  • 9
    Qs problemas ocasionados pelo movimento de capitais de curto prazo para a política de estabilização e a retomada do investimento econômico são analisados em AKYÜZ, Yilmaz. “On financial openess in developing countries”, Genebra, United Nations Conference on Trade and Development, junho 1992, mimeo.
  • 10
    Uma avaliação das disponibilidades de apoio oficial externo à América Latina em geral encontra-se em MEYER, Arno. “Perspectivas para o financiamento externo da América Latina e do Caribe no início da década de 90”. São Paulo, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Iesp/Fundap, 1991, págs. 13-28.
  • 11
    “Declaração de Londres: um compromisso com a democracia e o desenvolvimento”, Gazeta Mercantil, São Paulo, 18 de julho de 1991, p. 11 (íntegra do comunicado final da reunião de cúpula do grupo dos sete principais países industrializados.)
  • 12
    MEYER, Arno. “As negociações da dívida externa brasileira no âmbito do Clube de Paris”. São Paulo, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Iesp/Fundap, 1991, p. 3, mimeo.
  • 14
    JEL Classification: F32; E31.

ANEXO

TABELA A.1
Lançamentos de bônus do setor público brasileiro
TABELA A.2
Lançamentos de bônus do setor privado brasileiro no bercado internacional, 1991 e 1992 (até março)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1993
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