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O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa pós-Keynesiana à visão convencional

The financial system and the financing of growth: a post-Keynesian alternative to the conventional view

RESUMO

Os modelos de liberalização financeira têm sido, nos últimos dezenove anos, a base do pensamento dominante sobre o papel dos mercados e instituições financeiras no desenvolvimento econômico e a base para a formulação de políticas em muitos países menos desenvolvidos. Este artigo apresenta uma avaliação crítica da literatura sobre liberalização financeira e aponta para uma visão alternativa baseada na teoria pós-keynesiana. Essa visão alternativa é baseada em três aspectos da economia monetária. Primeiro, poupança não fornece financiamento: o papel da poupança não está relacionado ao financiamento da acumulação de capital, mas ao seu financiamento. Segundo, a acumulação de capital aumenta a fragilidade dos bancos, que pode ser aliviada por meio de financiamento. Por fim, como modelamos o circuito de financiamento, economia de investimento e investimento depende de instituições e convenções que estão evoluindo.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistema financeiro; investimento; poupança; liberalização; pós-keynesianismo

ABSTRACT

Financial liberalization models have been for the last nineteen years the foundation of mainstream thinking on the role of financial markets and institutions in economic development and the basis for policymaking in many LDCs. This paper presents a critical appraisal of the financial liberalization literature and points to an alternative view based on Post Keynesian theory. That alternative view is based on three aspects of monetary economics. First savings does not provide finance: the role of savings is not related to the financing of capital accumulation, but to its funding. Second, capital accumulation increases banks’ fragility, which can be alleviated through funding. Finally, how we model the finance-investment-saving-funding circuit depends on institutions and conventions, which are evolving.

KEYWORDS:
Financial system; investment; savings; liberalization; post-Keynesianism

1. INTRODUÇÃO

O texto a seguir é uma reflexão sobre o papel das instituições e mercados financeiros no processo de acumulação em economias de mercado. Aqui se contrapõem a visão “convencional” a uma alternativa pós-keynesiana, defendendo-se a segunda enquanto instrumento teórico para análise do funcionamento e da funcionalidade do sistema financeiro em economias de mercado.

Chamamos de visão convencional aquela que trata o mercado financeiro como locus da intermediação de capital (enquanto recursos reais) entre poupadores e investidores. Tal visão tende a privilegiar o estabelecimento de um mercado financeiro competitivo, com taxas de juros reais positivas e únicas, como forma de estimular a poupança, a intermediação financeira e o investimento. Uma aplicação de tal visão à análise da dimensão financeira do crescimento econômico - que tem dominado os discursos de importantes agências de desenvolvimento, tais como o Banco Mundial e o FMI- é a literatura da “liberalização financeira”. Nesta, o principal problema financeiro dos países em desenvolvimento é a “repressão financeira”, isto é, a manutenção de taxas de juros abaixo da taxa de equilíbrio (que gerariam uma poupança e fundos emprestáveis abaixo do potencial) e políticas de crédito seletivo (que distorceriam e tornariam menos eficiente a alocação de poupanças).

O texto se utiliza da teoria de Keynes e de desenvolvimentos pós-keynesianos (tais como a hipótese de fragilidade financeira de Minsky) para apresentar uma crítica à visão convencional e também para lançar as bases de uma alternativa. No que tange à crítica, procura-se mostrar que taxas de juros altas e políticas liberalizantes não provocam aumento da poupança, muito menos do investimento. Por outro lado, taxas de juros altas podem inviabilizar projetos de investimento, gerar incapacidade de repagamento das unidades endividadas e provocar surtos de instabilidade financeira.

Na alternativa pós-keynesiana apresentada aqui, com base no circuito financiamento-investimento-poupança-funding, o papel do sistema financeiro é mais complexo e essencial que o de um simples intermediador entre investidores e poupadores. Primeiro, especialmente em situações de crescimento, a participação ativa do sistema bancário é essencial na determinação do volume de financiamento do investimento. Em segundo lugar, a poupança, embora criada como subproduto do processo multiplicador do investimento, pode desempenhar um papel fundamental na consolidação financeira do passivo de curto prazo das empresas inversoras e dos bancos. Tal análise também aponta a necessidade de um ambiente institucional favorável ao crescimento financeiramente estável, tal como a existência de mecanismos de financiamento de longo prazo, que nem sempre se desenvolvem somente através das forças de mercado (muito menos pela simples desregulamentação do mercado financeiro).

Visando discutir os tópicos apontados, o texto se divide, além desta introdução, em três partes: a seção 2 revê sucintamente a visão convencional sobre o funcionamento e a funcionalidade do sistema financeiro em economias de mercado; a seção 3 apresenta uma visão pós-keynesiana alternativa; e a quarta compara as duas visões alternativas, resume os argumentos e apresenta as conclusões.

2. POUPANÇA COMO FONTE DE FINANCIAMENTO: A VISÃO CONVENCIONAL

2.1 A teoria dos fundos emprestáveis, o sistema bancário e o mercado de capitais: investimento, poupança e taxa de juros natural

Para os clássicos (Ricardo, por exemplo), a distinção entre os atos de poupar e investir não era relevante do ponto de vista teórico e, portanto, o financiamento do investimento era diretamente identificado com poupanças individuais. Como observa Chick (1983CHICK, V. (1983). Macroeconomics after Keynes. Oxford: Philip Allen.; 1986), essa visão é bastante compatível com um estágio de desenvolvimento do sistema monetário onde a moeda-mercadoria é o meio de pagamento por excelência. Nesse estágio, o crédito representa transferências de saldos de moeda-mercadoria de agentes superavitários para agentes deficitários, seja diretamente ou através do mercado financeiro.1 1 Chick (1986) apresenta uma interessante discussão sobre a relação entre os estágios de desenvolvimento do sistema bancário e a teoria monetária, sobre a qual voltaremos a falar. Para uma análise dessa evolução nos primórdios da revolução industrial cm diversos países europeus, v. Cameron (1967, 1972).

Tal perspectiva se torna, entretanto, menos palpável quando, com o advento do sistema bancário moderno, o crédito pode se converter simplesmente numa operação contábil de criação simultânea de um ativo (empréstimo) e um passivo (depósitos). Como mostra Rogers (1989ROGERS, C. (1989). Money, Interest and Capital. Cambridge: Cambridge University Press .), o papel da teoria dos fundos emprestáveis é mostrar que, mesmo numa economia onde a moeda bancária representa a maior parte dos meios de pagamento, o crédito continua a se comportar como se a economia fosse totalmente dominada por moeda-mercadoria. Ou seja, tal teoria procura estender os resultados da teoria quantitativa clássica a uma economia com um sistema monetário desenvolvido, reestabelecendo assim a dicotomia clássica (entre variáveis monetárias e reais).2 2 Ou seja, tal teoria procura estender os resultados da teoria quantitativa clássica a uma economia com um sistema monetário desenvolvido, restabelecendo assim a dicotomia clássica (entre variáveis monetárias e reais).

Indiretamente, a teoria dos fundos emprestáveis também restabelece a visão convencional sobre o papel do sistema financeiro, qual seja, intermediação de poupanças. O mercado de capitais de maneira geral é definido através de duas curvas: a função de poupança (inversamente relacionada com a taxa de juros, r) que reflete as preferências intertemporais das unidades familiares; e a curva de investimento, como uma função direta do retomo sobre o capital (rk).3 3 O retorno marginal sobre o capital é, por sua vez, definido pela função de produção e, logo, pelo estado da tecnologia. O equilíbrio no mercado de fundos emprestáveis é alcançado quando a taxa de juros de mercado (r) se iguala à “taxa natural de juros” (m), que equilibra a poupança e investimento desejados (logo r=rn=rk). O investimento e o crescimento seriam determinados, em última instância, pelo estado da tecnologia e pelas preferências dos consumidores.

A introdução da moeda no esquema neoclássico da teoria dos fundos emprestáveis, portanto, não modifica essencialmente a visão sobre o mercado financeiro enquanto mero intermediador de poupanças. O crédito acima (ou abaixo da “poupança voluntária”) é tratado como um fenômeno de desequilíbrio e/ou ligado a imperfeições na intermediação financeira, tais como estruturas não competitivas ou distribuição ineficiente de informações.

Uma das características da teoria monetária moderna é uma convergência teórica no sentido da teoria dos fundos emprestáveis. Após a Teoria Geral de Keynes, essa convergência se dá através da síntese neoclássica hicksiana4 4 Para uma análise crítica da síntese de Hicks (1937), v. inter alia Leijonhufvud (1968), Davidson (1972) e Chick (1983). e da análise de escolha de portfólio tobiniana. A última reinterpreta a teoria da preferência pela liquidez de Keynes dentro de uma abordagem de equilíbrio geral, substituindo o conceito de incerteza (no que tange às decisões de alocação de riqueza financeira e sua relação com a taxa de juros) pelo conceito de risco. (V. Pettenati, 1977PETTENATI, P. (1977). “Alternative theories of a money-capital economy: Keynes, Tobin and the Neoclassics”. Oxford Economic Papers, nº 29. e Chick, 1983CHICK, V. (1983). Macroeconomics after Keynes. Oxford: Philip Allen..)5 5 Risco aqui é definido pela variância do retorno do ativo, onde implicitamente se supõe que a distribuição probabilística dos retornos (retorno médio e variância) seja aprioristicamente conhecida por todos os agentes. Para uma discussão sobre a diferença entre os conceitos de risco e incerteza numa revisão crítica da teoria da escolha de portfólio da taxa de juros de Tobin, v. Chick (1983).

Determinadas as propensões a risco dos agentes; a alocação das poupanças individuais pode ser prevista e o portfólio agregado dos ativos financeiros estabelecido (Tobin, 1958TOBIN, J. (1958). “Liquidity preference as behavior towards risk”. Review of Economic Studies, vol. 25, fevereiro.). Variações dentro desse portfólio ótimo só podem ser obtidas, ceteris paribus, através de mudanças nas taxas de juros. Dessa forma, para que a política monetária seja eficaz na promoção do crescimento (ou para que o sistema financeiro tenha um papel ativo na alocação de recursos reais), é preciso que ela seja capaz de reduzir o retorno percebido sobre moeda, “forçando” a substituição de moeda por ativos de capital no portfólio dos agentes (Tobin, 1965TOBIN, J. (1965). “Money and economic growth”. Econometrica 33(4), outubro.). A eficácia da utilização de tal política como parte da estratégia de promoção do crescimento dependeria, portanto, das hipóteses sobre a formação de expectativas dos agentes6 6 Por exemplo, a manutenção de um nível de investimento acima da poupança voluntária só seria factível caso as expectativas inflacionárias dos consumidores (incorporadas a sua taxa de juros real esperada) respondessem lentamente a mudanças de oferta monetária. Na medida em que, por exemplo, se assumem expectativas adaptativas, a intervenção no livre funcionamento dos mercados de capital através de políticas monetárias expansivas implica um trade-off entre aceleração e investimento e estabilidade de preços. Para uma análise das diferenças entre monetaristas e keynesianos com base na hipótese sobre a formação de expectativas, v. Goodhart (1975, págs. 219-21). e o grau de substitutibilidade entre ativos.7 7 Por exemplo, tendo expectativas adaptativas como hipótese comum, os keynesianos naturalmente assumiriam que somente moeda e ativos de capital seriam substitutos próximos enquanto reservas de riqueza financeira, enquanto os monetaristas assumiriam que outros bens deveriam ser incluídos. Também nesse campo da teoria econômica, a assunção da hipótese de expectativas racionais torna-se uma ameaça tanto para monetaristas quanto para keynesianos, pois leva ao resultado - desconfortável para ambas as escolas - de que a política monetária é ineficaz tanto no curto quanto no longo prazo e a moeda passa a não ter nenhum papel relevante na análise econômica. De fato, o que resultou da hipótese de expectativas racionais e de mercados eficientes foi a dificuldade da teoria convencional de lidar com fenômenos monetários, já amplamente apontada na literatura econômica (v. inter alia Hahn, 1981; Davidson, 1972; e Rogers, 1989). Isso explica por que um dos aspectos peculiares da teoria convencional consiste em que a principal base teórica cm análises monetaristas continua a ser a teoria de fundos emprestáveis, mesmo que esta ainda se utilize de hipóteses de expectativas não racionais, tão criticadas pelos autores neoclássicos, dominantes nas demais áreas da teoria econômica (v, Rogers, 1989).

Em suma: na visão que se formou a partir da síntese neoclássica e da análise tobiniana a poupança continua a representar o sistema financeiro como mero provedor de meios de pagamentos e intermediário de poupanças. Enquanto tal, a funcionalidade do mercado financeiro se baliza pela alocação eficiente de recursos poupados entre diversas oportunidades de investimento produtivo, enquanto o volume desses recursos (e, portanto, do investimento e do crescimento) é determinado exteriormente ao sistema. O ambiente institucional só é relevante na medida em que se desvia do paradigma do mercado competitivo, por exemplo quando a taxa de juros é “reprimida” pelo governo e/ou quando a distribuição de informação entre poupadores e investidores finais é feita de forma equânime.8 8 Grande parte dos desenvolvimentos “modernos” nesta área está ligada às imperfeições na distribuição e assimetria de informações entre os participantes no processo de intermediação de poupança (ou seja, poupadores, instituições financeiras e investidores). Análises sucintas sobre tal literatura são apresentadas em King, 1985; e Blanchard, 1989, págs. 478-88.

2.2 A visão convencional aplicada à teoria do desenvolvimento: a literatura da “liberalização financeira”

A visão convencional de que o financiamento do investimento pressupõe poupança prévia também serve de base para análises mais propriamente ligadas à economia do desenvolvimento, ainda que apresentadas em vestes diferentes. Por exemplo, a literatura que se seguiu às obras clássicas de Shaw (1973SHAW, E. S. (1973). Financial Deepening in Economic Development. Nova York: Oxford University Press .) e McKinnon (1973McKINNON, R.I. (1973). Money and Capital in Economic Development. Washington, D.C.: The Brookings Institution .) centra sua análise no que se cunhou de “repressão financeira” e seus efeitos supostamente deletérios para países em desenvolvimento.9 9 Para uma análise das principais vertentes e modelos da literatura de liberalização financeira, ver o livro de Fry (1989). Ele próprio é um autor importante no desenvolvimento teórico da visão iniciada por Shaw e McKinnon e apresenta naquela obra alguns modelos e aplicações econométricos.

Segundo essa literatura, devido a políticas de taxas de juros subsidiados (e, portanto, abaixo da taxa natural), os países em desenvolvimento sofrem de uma carência crônica de poupança interna, o que criaria a necessidade “artificial” de políticas de crédito seletivo na alocação dos escassos recursos poupados.

A repressão financeira resultaria, portanto, entre outros efeitos negativos, em um nível de investimento (e crescimento) abaixo do potencial, escolhas ineficientes de investimentos (porque alocados por mecanismos que não o de preços) e pressões inflacionárias. Por conseguinte tal literatura vê a liberalização financeira como uma panaceia para aceleração do crescimento, aumento da produtividade do investimento, redução da inflação (especialmente quando associada a uma redução do déficit fiscal do governo, que assim liberaria poupança para o setor privado) e redução do hiato tecnológico entre setores produtivos.10 10 O hiato tecnológico entre setores “tradicionais” e “modernos”, reconhecido na literatura do desenvolvimento como uma das características do subdesenvolvimento, é visto na literatura de liberalização financeira como um resultado direto da repressão financeira e da segmentação do mercado de capitais. Uma liberalização levaria, portanto, a uma eliminação da segmentação e redução do hiato, à medida que as taxas de retorno do capital se igualariam a um custo único de capital. V., por exemplo, McKinnon (1973) e Fry (1989).

Não é nova nem inquestionável a visão proposta pela literatura da liberalização financeira.11 11 Deve-se, entretanto, reconhecer que a literatura da liberalização financeira tem o mérito de, entre as vertentes da teoria do desenvolvimento neoclássica, ser uma das poucas (se não a única) a tratar de questões referentes ao papel do sistema financeiro no desenvolvimento. Pois, como a resenha de Stern (1989) sobre desenvolvimentos recentes da teoria do desenvolvimento mostra, há uma tendência a ignorar os aspectos financeiros mesmo quando se está tratando explicitamente do financiamento do desenvolvimento. V. também Gersovitz (1988). Já em 1937, num debate com Keynes, Ohlin apresentava o mesmo tipo de argumento:

“Se um governo autoritário fixa a taxa de juros muito abaixo da que prevaleceria no mercado livre, então mesmo que em qualquer período a poupança e o investimento ex-post sejam iguais, a quantidade de crédito ofertada é inferior à quantidade demandada; ocorre, portanto, alguma forma de racionamento. O mercado de crédito reage da mesma forma que o mercado de bens, quando preços máximos são fixados” (Ohlin, 1937bOHLIN, B. (1937b). “Alternative theories of the rate of interest: rejoinder”. Economic Journal, setembro., p. 424; itálicos no original e ênfase nossa; tradução livre para o português).

Logicamente o que une Shaw e McKinnon e Ohlin é a tradição da teoria dos fundos emprestáveis.12 12 O que parece original nos modelos de liberalização financeira são duas hipóteses: (i) de que o sistema financeiro em países em desenvolvimento é subdesenvolvido ao ponto de toda poupança só poder assumir a forma ou de depósitos bancários ou ativos reais; e (ii) de que existe um volume mínimo de investimento que só pode ser alcançado pelos pequenos investidores através de acumulação de saldos bancários (poupanças) ao longo do tempo. Dessa forma, a taxa de juros representa não só a remuneração pela poupança, como tem uma relação positiva com o nível de investimento. Para um resumo de tais proposições, v. o modelo de Kumar (1983). Tal tradição foi severamente criticada por Keynes, não só na Teoria Geral como em escritos posteriores. Keynes apresenta uma visão diametralmente oposta à teoria convencional com base em seu circuito financiamento-investimento-poupança-funding. É o que passamos a discutir.

3. UMA ALTERNATIVA PÓS-KEYNESIANA

Uma alternativa pós-keynesiana para a questão do financiamento do investimento deve, a nosso ver, seguir dois caminhos. Primeiramente (seção 3.1), deve se-utilizar da crítica de Keynes à visão neoclássica e apresentar uma visão alternativa como base no circuito financiamento-investimento-poupança-funding. Em segundo lugar (seção 3.2), deve considerar que tal circuito tem por parâmetro institucional um modelo particular de sistema financeiro (onde o sistema bancário é desenvolvido e existem mercados organizados de ativos financeiros). Portanto, é importante verificar como tal arcabouço teórico se comporta na análise da funcionalidade de distintas estruturas financeiras no financiamento do crescimento.13 13 Como toda teoria, a pós-keynesiana estabelece os alicerces, ou um paradigma, sobre o qual se podem construir distintas análises. Esse também é o caso da teoria da liberalização financeira que adapta a teoria dos fundos emprestáveis (sem, entretanto, modificar a essência de sua visão sobre o papel do mercado financeiro em economias em desenvolvimento). De fato, a generalidade e a robustez de uma teoria podem ser julgadas em seu comportamento diante das modificações de suas hipóteses iniciais em face de distintas realidades a estudar.

3.1 O circuito financiamento-investimento-poupança-funding

A visão convencional e, em especial, a literatura da liberalização financeira podem ser alvo de uma crítica pós-keynesiana com base em pelo menos três questões interrelacionadas:

  1. o papel do sistema bancário no processo de financiamento da acumulação: em economias com um sistema bancário desenvolvido o financiamento do investimento independe de poupança prévia; o financiamento do investimento é que possibilita a criação posterior da renda através do efeito multiplicador; a poupança agregada representa um subproduto desse mesmo processo multiplicador;

  2. a determinação e o papel da taxa de juros: esta não representa a variável de ajuste na relação entre investimento e poupança, mas sim o resultado das forças que afetam a demanda e oferta de moeda - respectivamente, a preferência pela liquidez dos possuidores de riqueza na forma financeira e as decisões dos bancos; por outro lado, dadas as perspectivas empresariais, o nível de investimento é inversamente relacionado ao nível das taxas de juros;

  3. o papel do mercado de capitais na alocação das poupanças individuais: a alocação das poupanças individuais determinará a disponibilidade de fundos para a consolidação financeira (funding) dos passivos das empresas endividadas e do sistema bancário; o funding pode ser um fator importante na redução da fragilidade financeira, que tende a aumentar no crescimento em economias cujo financiamento do investimento se dá com base no crédito bancário.

Abaixo procuraremos tratar mais detalhadamente estas questões.

3.1.1 As fontes de financiamento do investimento

A visão de Keynes sobre o papel do sistema de crédito (enquanto agente central no financiamento do investimento) na Teoria Geral tem suas raízes no Tratado (Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964. e 1930KEYNES, J.M. (1930). The Treatise on Money: the Pure Theory of Money. Collected Writings, D.E. Moggridge and E. Johnson, Macmillan for the Royal Economic Society, vol. V, 1971., respectivamente). No Tratado, ele mostra como a evolução do sistema monetário transforma os bancos de simples “cofres privados” e intermediários de poupanças, em principais supridores de meios de pagamento, capazes de criar crédito independentemente de depósitos prévios (Keynes, 1930KEYNES, J.M. (1930). The Treatise on Money: the Pure Theory of Money. Collected Writings, D.E. Moggridge and E. Johnson, Macmillan for the Royal Economic Society, vol. V, 1971., especialmente p. 35).14 14 Chick (1986) apresenta cinco estágios de desenvolvimento do sistema bancário e com isso quer demonstrar que somente no primeiro estágio a ideia de que o financiamento do investimento depende da poupança prévia é palpável. Similarmente à abordagem de Keynes no Tratado, no estágio 1 de Chick os bancos são simples cofres privados, emprestando de acordo com a disponibilidade de depósitos prévios. Seus empréstimos são, portanto, transferências de poupanças. No estágio 2, mostra aquela autora, notas bancárias e direitos sobre depósitos são amplamente aceitos como meios de pagamento e se fazem depósitos bancários por motivos transacionais e de poupança. No estágio 2, portanto, o nível de redepósitos é muito maior que no estágio 1 e agora são as reservas, e não os depósitos, que representam restrição à expansão de empréstimos. Os bancos têm uma significativa autonomia na criação de depósitos bancários (e crédito) para financiar despesas de seus clientes.

A criação de moeda bancária ex-nihilo é factível no estágio 2 (de Chick) devido essencialmente a horizontes de pagamentos (e, portanto, de rotatividade de depósitos) relativamente estáveis. Essa estabilidade permite aos bancos administrar estruturas patrimoniais com horizontes de maturação díspares e, ao mesmo tempo, manter equilibrados seus fluxos de caixa. “Margens de segurança”, na forma de reservas em espécie, são mantidas de acordo com o grau de concentração do sistema bancário, com o nível de utilização de notas bancárias como meios de pagamento e com a aversão a risco por parte dos banqueiros. Porém, a flexibilidade dessas margens e sua rápida recomposição por parte dos bancos são possibilitadas por uma gama de instituições, tais como o acesso ao banco central, e pela existência de mercados organizados de ativos financeiros15 15 Esses mercados permitem ao sistema bancário manter parte de suas reservas na forma de ativos líquidos, que podem ser vendidos para a recomposição de reservas; trata-se de cash kickers na terminologia de Minsky (1982). Voltaremos a este ponto adiante. e mercados interbancários.

Na Teoria Geral, a percepção sobre o estágio de evolução do sistema bancário colocada no Tratado se unirá à teoria do investimento de Keynes para formar uma visão alternativa sobre o financiamento do investimento e o papel do sistema financeiro em economias de mercado.16 16 Essa visão, por sua vez, faz parte de uma teoria (alternativa à convencional) sobre a dinâmica das economias de mercado - visão essa baseada em axiomas que relacionam tempo, moeda e incerteza.

Keynes mostra que, em economias empresariais17 17 A economia empresarial se define como aquela na qual os meios de produção são privados e controlados por uma classe de empresários que objetivam o lucro em suas decisões de organização da produção, contratando trabalhadores e adquirindo materiais de outras firmas para esse fim. Keynes contrasta essa definição com a de economia cooperativa, sobre a qual, segundo aquele autor, os axiomas das escolas clássica e neoclássica se baseiam; na economia cooperativa, os fatores de produção seriam remunerados em “proporções do produto efetivo de acordo com seus esforços cooperativos” (Keynes, 1979, p. 77). , o investimento privado e demais gastos autônomos representam a causa causans na determinação da demanda efetiva e da renda. A teoria do investimento de Keynes, por sua vez, estabelece que “o nível efetivo de investimento será levado ao ponto onde não haja mais qualquer tipo de ativo de capital cuja eficiência marginal do capital exceda a taxa de juros corrente” (Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., p. 136).

Para Keynes, a decisão de investir precede logicamente a criação da renda e, portanto, a poupança agregada é determinada e não determinante do investimento (Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., p. 210). Com isto não se pretende afirmar que o investimento não se possa autofinanciar (através, por exemplo, de lucros retidos), e sim que, do ponto de vista macroeconômico, o nível de financiamento do investimento independe de poupanças prévias: a capacidade do sistema bancário de gerar crédito proporciona aos empresários como um todo flexibilidade na alavancagem financeira.

Como já vimos, mostrar que o sistema bancário tem uma capacidade flexível de criação de crédito não traz em si nenhuma novidade após a teoria dos fundos emprestáveis. A novidade em Keynes se liga à causalidade entre investimento e poupança na teoria da demanda efetiva, causalidade que se distancia da visão atemporal neoclássica. Dada essa causalidade, o mercado de poupança-investimento idealizado pela teoria convencional se torna para Keynes, infactível: uma vez que o investimento se iguala à poupança agregada em qualquer momento, as decisões individuais de alocação de “poupanças” (que podem efetivamente ser função direta da taxa de juros) em geral não afetam o volume, mas, sim­plesmente, a distribuição da riqueza na forma financeira (Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., págs. 103-6).18 18 Isso não quer dizer que a alocação da poupança gerada tenha um papel irrelevante na análise pós-keynesiana. Muito pelo contrário, como veremos adiante.

Se o mercado de poupança-investimento neoclássico se torna infactível na teoria de Keynes, a determinação taxa de juros não pode mais se explicar por fatores reais. É nesse vácuo que surge a teoria da preferência pela liquidez, onde a taxa de juros é vista como uma variável monetária, determinada pela oferta e demanda por moeda. É o que passamos a discutir a seguir.

3.1.2 O papel e a inerente volatilidade das taxas de juros

Com a teoria da preferência pela liquidez, Keynes dá ênfase ao caráter volátil da demanda por moeda gerada pela inter-relação entre mercado monetário e mercados organizados de demais ativos financeiros. De acordo com Keynes, dadas as políticas das autoridades monetárias e do sistema bancário, que determinam a oferta de moeda, a preferência pela liquidez é o principal determinante da taxa de juros.19 19 Aqui estamos nos referindo à taxa de juros de curto prazo do mercado monetário. Uma variação nessa taxa afeta a taxa de juros dos empréstimos bancários à medida que os bancos comerciais mantêm reservas remuneradas e competitivas com outros ativos de maior liquidez disponíveis no mercado (por exemplo, títulos públicos). Dadas a estrutura competitiva do mercado bancário e a política monetária, a preferência pela liquidez determinará as taxas pagas a depósitos remunerados e, consequentemente, a taxa de juros de empréstimo (pela equação tradicional que relaciona taxas de depósito e taxas de empréstimo).

Dentre os determinantes dessa preferência, a de maior volatilidade potencial é a demanda especulativa, que espelha as expectativas inerentemente instáveis dos agentes nos mercados organizados de ativos. A estabilidade da demanda por moeda depende, portanto, de um frágil equilíbrio entre as opiniões divergentes que, uma vez rompido, afetaria o desejo dos agentes por ativos mais ou menos líquidos e a remuneração pela liquidez (Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., p. 172).

A volatilidade potencial dos ativos negociados nos mercados organizados se deve, por sua vez, à própria forma de funcionamento e ao caráter inerentemente especulativo dos mercados de ativos financeiros. Vejamos por quê.

Os mercados organizados de títulos de dívida (debêntures, por exemplo) e propriedade (ações) podem se dividir, para fins didáticos, em dois mercados inter-relacionados: primário, onde os ativos são inicialmente emitidos, e secundário, onde ativos “velhos” são negociados. Apesar de os recursos para empresas se levantarem somente nos mercados primários, os mercados secundários são importantes em pelo menos quatro aspectos: (i) provêm liquidez aos ativos financeiros negociados, o que permite aos investidores financeiros dispor do capital aplicado quando a liquidez for necessária; (ii) tornam o underwriting por parte de instituições especializadas um risco suportável;20 20 Em geral, o underwriter tem a responsabilidade pela aquisição da parcela não vendida da emissão a um preço mínimo preestabelecido. Logo, quando tal eventualidade ocorre, a instituição deve ter acesso imediato à liquidez, o que pode ser feito por empréstimos bancários ou pela venda no mercado secundário de títulos em carteira. Logo, a existência de um mercado secundário organizado proporciona à carteira de ativos do underwriter uma liquidez que reduz o risco implícito em suas operações. (iii) sinalizam preços para possíveis novas emissões por parte de empresas listadas; e (iv) aumentam o fluxo de informações que permite aos investidores financeiros avaliar a rentabilidade prospectiva dos ativos emitidos no mercado primário.

Para que os mercados secundários possam exercer as funções (i) e (ii) acima, é preciso que haja neles uma continuidade de transações, ou seja, que haja compradores para diversos possíveis preços. Para que isso seja possível, a existência de expectativas individuais divergentes e potencialmente voláteis é fundamental. A estabilidade dos preços exige, portanto, um equilíbrio inerentemente instável de sentimentos altistas e baixistas.21 21 Como Chick (1983) denota, para que a continuidade de transações nos mercados organizados se efetive, os aplicadores devem acreditar na possibilidade de ganhos de capital e, portanto, em sua capacidade de “vencer o mercado” e tal crença precisa de alguma forma se justificar no passado (v. também Keynes, 1936, págs. 154-8, e Dow e Earl, 1982, p. 137). A visão se contrasta com a dos modelos de equilíbrio geral (v., por exemplo, Johnson, 1976), onde a especulação aparece como um jogo de soma zero, e com a visão de Tobin (1958) onde os investidores aplicariam de acordo com suas preferências de risco, enquanto o retorno de cada ativo seria conhecido por todos os agentes. Em ambos, a perspectiva de ganhos de capital no longo prazo não existiria, o que, na visão de Keynes, eliminaria a continuidade nas transações especulativas e, portanto, a própria funcionalidade dos mercados secundários.

Dessa forma, a taxa de juros, longe de representar a interação entre demanda e oferta de capital, é um fenômeno inerentemente monetário. Por outro lado, se a ela é capaz de afetar o investimento, a principal variável na determinação da eficiência marginal do capital (e, portanto, das decisões de investimento) é a expectativa empresarial de longo prazo. Isso significa, por exemplo, que taxas de juros altas não estimulam per se a poupança e muito menos os fundos disponíveis para o investimento. Mas podem, pelo contrário, desestimular o investimento, além de afetar os custos financeiros dos projetos de investimento em curso.22 22 Voltamos a este último ponto a seguir.

3.1.3 Consolidação financeira e o papel ambíguo do mercado de capitais

A questão do papel do sistema financeiro no crescimento em Keynes não se exaure com a independência do investimento em relação à poupança. Na realidade, esse papel se torna mais complexo e também mais importante na dinâmica das economias de mercado devido à separação das decisões de investir e poupar e, portanto, dos problemas referentes à compatibilização entre estruturas ativas e passivas dos diversos agentes envolvidos no processo de intermediação financeira. A questão se insere na perspectiva de Keynes através da discussão do funding do investimento.23 23 Essa questão é levantada por Keynes - e de uma forma, aliás, pouco desenvolvida- no debate posterior à Teoria Geral sobre a teoria da preferência pela liquidez (v. inter alia Keynes 1937 a,b: 1938; 1939; Robertson, 1937a, b; Ohlin, 1937a, b). No curso desse debate, Keynes introduz dois importantes conceitos: o motivo-finanças e o funding. No motivo-finanças, Keynes reforça sua ideia de que o investimento independe de poupança prévia, argumentando que, no caso de o investimento corrente ser superior ao investimento (e, portanto, à poupança passada), existe uma demanda adicional por liquidez que só pode ser suprida com expansão da oferta de moeda. Portanto, o nível de investimento vai depender da disposição do sistema bancário de criar crédito. O funding, este sim uma novidade em relação à Teoria Geral, merece maior atenção aqui devido a sua importância para nossa análise. É o que passamos a discutir.

O investimento é um compromisso de longo prazo para o empresário, um produto não disponível para o consumo da comunidade e um ativo ilíquido para a instituição financiadora quando financiado externamente. Em um mundo incerto e na ausência de consolidação financeira, ou os bancos seriam obrigados a reduzir sua margem de segurança (ativos líquidos/ativos ilíquidos), ou os investidores seriam obrigados a rolar seu passivo de longo prazo até a maturação e o retorno dos investimentos. Em ambos os casos - e dadas as características do passivo dos bancos-, a possibilidade de mudanças futuras das taxas de juros e/ou condições de crédito traria um risco excessivo para ambos os agentes. Dessa forma, nas palavras de Keynes:

“O empresário, quando decide investir, tem de satisfazer-se em dois pontos: primeiramente, que possa obter financiamento de curto prazo suficiente durante o período de produção do investimento; e em segundo lugar, que possa eventualmente consolidar, em condições satisfatórias, suas obrigações de curto prazo através de emissões de títulos de longo prazo. Ocasionalmente o empresário pode utilizar-se de recursos próprios ou fazer emissão de longo prazo diretamente; mas isso não modifica o volume de financiamento, que tem de ser encontrado pelo mercado como um todo, mas simplesmente o canal pelo qual chega ao empresário e a probabilidade de que parte do volume possa ser levantado pela liberação de dinheiro de seu próprio bolso ou do resto do público. Dessa forma, é conveniente ver o processo duplo [finance/funding] como o característico [no financiamento do investimento]” (Keynes, 1973KEYNES, J.M. (1973). The General Theory and After: Part II, Defence and Development. Collected Writings, vol. XIV., p.166; tradução livre para o português).

Dois pontos devem se ressaltar no processo duplo característico descrito por Keynes: por um lado, o financiamento do investimento está normalmente atrelado à perspectiva de consolidação financeira dos passivos de curto prazo das empresas inversoras (funding). Por outro, do ponto de vista macroeconômico, o financiamento do investimento gera os recursos necessários para a consolidação financeira, pois na medida em que pari passu com o processo de criação de renda, também é um volume de poupança desejada exatamente equivalente ao investimento.

Logo, num mundo atemporal e onde as decisões dos agentes se coordenassem perfeitamente, o circuito financiamento-poupança-funding se completaria juntamente com o processo de multiplicação da renda. Porém, num mundo incerto, mesmo após o desenvolvimento completo do multiplicador, o funding está condicionado pela propensão do público a adquirir títulos de longo prazo ou ações ao longo do processo de multiplicação da renda. (v. Davidson, 1986DAVIDSON, P. (1986). “Finance, funding and investment”. Journal of Post Keynesian Economics 9(1)..)

Na realidade, tal coordenação não se dá necessariamente, na medida em que os horizontes de aplicação de investidores produtivos e poupadores/proprietários de riqueza são geralmente distintos. E é na acomodação desses horizontes contraditórios que a infraestrutura institucional (instituições e mercados financeiros) tem um papel fundamental: ela permite a diversificação de ativos colocados à disposição das unidades superavitárias (v. Gurley e Shaw, 1955GURLEY, J. e E.S. SHAW, (1955). “Financial aspects of economic development”. American Economic Review 45 (4). e 1960GURLEY, J. e E.S. SHAW, (1960). Money in a theory o ffinance. Washington, D.C.: The Brookings Institution, 1976.) e a administração de estruturas passivas e ativas com diferentes horizontes de maturação.

Na teoria da preferência pela liquidez, Keynes mostra que os mercados organizados são fonte de potencial volatilidade dos preços dos ativos e, portanto, da taxa de juros. A introdução do funding em sua análise revela o lado positivo do papel dos mercados organizados de títulos de dívida e propriedade. Esse lado positivo se reforça se considerarmos um desdobramento da hipótese de fragilidade financeira de Minsky (1982MINSKY, H.P. (1982). “The financial-instability hypothesis: capitalist processes and the behavior of the economy”. In Kindleberger e Laffargue, eds., Financial crises. Cambridge: Cambridge University Press.; 1986MINSKY, H.P. (1986). Stabilizing an Unstable Economy. New Haven: Yale University Press.), qual seja, quando especificamente aplicada ao financiamento do investimento.

Minsky demonstra que a fragilidade financeira é uma característica intrínseca a economias onde, devido à existência de mecanismos de crédito desenvolvidos (especialmente de crédito bancário), é possível financiar posições de longo prazo através da administração de um fundo rotativo de passivos de curto prazo.24 24 O exemplo mais claro é o negócio bancário que, por sua própria natureza, empresta a prazos maiores que a média de seus passivos. Esta também é a característica da maioria dos intermediários financeiros e pressupõe que os depositantes/aplicadores mantenham saldos inativos por prazos regulares (em média). Como já notamos acima, o que distingue os bancos das demais instituições financeiras é o fato de os depósitos bancários serem amplamente aceitos como meios de pagamento, o que amplia significativamente sua capacidade de expansão.

Mas aquele autor também mostra que, nos momentos de rápido aumento do investimento, a onda de expectativas otimistas geradas pelo boom dá vazão a reduções nas “margens de segurança”, tanto por parte das empresas quanto das instituições emprestadoras.25 25 Trata-se, na classificação de Minsky, de um aumento de operações de financiamento “especulativas” e “Ponzi”, em detrimento do financiamento hedge. V. Minsky, 1982, para uma descrição dessas três posturas de financiamento. Essa modificação das posições patrimoniais indica que “a fragilidade financeira está numa área perigosa de propensão para a deflação de dívidas”26 26 A deflação de dívidas (debt-deflation), cuja natureza e efeitos macroeconômicos já haviam sido estudados por Fischer (1933), se dá quando parte significativa dos agentes (empresas e instituições financeiras) endividados procura se desfazer de seus ativos de reserva para saldar dívidas ou repor seu nível de liquidez. Isso geraria uma tendência baixista do mercado como um todo e uma deflação dos preços de ativos financeiros, afetando não só as empresas como o sistema financeiro. Para Minsky, pode se evitar tal instabilidade pela intervenção direta das autoridades monetárias, porém, com efeitos de médio e longo prazos, tais como pressionárias e redução da precaução por parte de instituições financeiras (o que estimularia a redução rápida das margens de segurança, ampliando os riscos de crises após os booms de investimento). . Nesse sentido, a existência de canais de consolidação financeira pode ser uma das possíveis formas de reduzir o risco de instabilidade financeira, o que poderia gerar uma ruptura das condições de crescimento por fatores puramente financeiros.27 27 Essa abordagem contrasta com a maior parte da literatura de liberalização financeira convencional, que, por ser atemporal, em geral é inadequada para a análise, por exemplo, dos impactos e consequências de variações das taxas de juros sobre a teia financeira que normalmente liga e afeta as decisões dos agentes numa economia de mercado.

Em suma, a existência de canais institucionais e a “vontade” dos agentes (financeiros e empresas) de se tornar “menos líquidos” representam os limites financeiros à expansão do investimento.28 28 Não se deve, entretanto, perder de vista os limites reais à expansão do investimento. De uma forma geral, esses limites estão relacionados à capacidade existente do sistema produtivo (de bens de investimento e bens-salários), do grau de utilização da mão-de-obra e da capacidade de importação da economia. É fora do escopo deste trabalho, entretanto, discorrer sobre eles, porém vale a pena lembrar que, quando a economia em expansão se depara com estrangulamentos nos setores produtivos (na demanda final ou na demanda intersetorial), há uma tendência à expansão inflacionária (que Keynes chamou “inflação verdadeira”) e/ou desequilíbrios na balança comercial. No limiar do pleno emprego, portanto, uma expansão da consolidação financeira pode ser uma forma de reduzir o impacto expansionista de uma expansão do investimento (v. Zonisein, 1988). Nesse caso, o funding serviria como forma de enxugar a expansão monetária causada pelo crescimento do financiamento ao investimento, além de liberar recursos reais que seriam utilizados no consumo - ou no financiamento da expansão da produção. Porém o financiamento ao investimento está normalmente condicionado à existência de mecanismos de consolidação financeira, tanto do ponto de vista das instituições financeiras quanto dos investidores produtivos. A não-existência de mecanismos de consolidação financeira reduz a capacidade de financiamento - o que força as empresas a recorrer mais ao autofinanciamento. Além disso, pode gerar um sistema que se fragiliza rapidamente nos booms do ciclo econômico, podendo criar situações de instabilidade e reversão nas expectativas empresariais, abortando assim o próprio processo de crescimento.

3.2 Ambientes institucionais e o processo característico do financiamento do investimento: a alternativa pós-keynesiana num contexto de desenvolvimento

Trata-se de um hábito dos macroeconomistas, de uma forma geral, não explicitar o ambiente institucional sobre o qual suas hipóteses e modelos se baseiam. Aqui procuramos mostrar que, por exemplo, a visão convencional encara o mercado financeiro competitivo como parâmetro na análise da alocação dos recursos disponíveis na economia. Tendo esse paradigma como representação da alocação ótima de capital através da intermediação financeira, pode-se analisar qualquer “discrepância” do mundo real ao parâmetro como “imperfeições” no processo de intermediação, seja por falhas na estrutura competitiva, seja na distribuição de informações entre investidores e poupadores. Assim, por exemplo, a literatura da liberalização financeira identifica as políticas de crédito seletivo e taxas de juros subsidiadas nos países em desenvolvimento como o problema do financiamento do investimento e parte para a sugestão da liberalização financeira como solução para o problema.

A análise de Keynes também tem como parâmetro uma estrutura financeira implícita, baseada em dois pilares básicos: um sistema bancário desenvolvido (para o finance) e a existência de mercados organizados de ações (para o funding). Tal parâmetro permite analisar, como já vimos, os problemas associados à separação entre os atos de poupar e investir, ao hiato temporal entre financiamento e maturação do investimento e à incerteza inerente a tais economias. São problemas, portanto, de adiantamento de poder de comando (finance) e compatibilização de estruturas ativas e passivas entre agentes deficitários e superavitários (funding).29 29 A visão pós-keynesiana tem um forte caráter institucional implícito que não é dissociável da análise econômica: as instituições e convenções têm um papel importante na redução das incertezas inerentes aos processos decisórios em economias descentralizadas.

Ao contrário da visão convencional, entretanto, a estrutura institucional idealizada na perspectiva pós-keynesiana não representa um parâmetro que mede a funcionalidade do sistema financeiro, mas sim uma das formas institucionais possíveis para o financiamento da acumulação em economias monetárias.30 30 Keynes, por exemplo, foi enfático ao afirmar que o duplo processo de finance/funding se trata de um processo característico - e poderíamos adicionar - dentro da estrutura institucional implícita em sua análise. De fato, o parâmetro não é universal nem muito menos dominante, como mostra, por exemplo, Zysman (1983ZYSMAN, J. (1983). Governments, Markets, and Growth: Financial Systems and the Politics of Industrial Growth. Londres: Martin Robertson .). Esse autor classifica as estruturas financeiras em dois sistemas básicos: sistemas com base no mercado de capitais (capital market-based systems) e sistemas com base no crédito (credit-based systems).

Nos sistemas com base no mercado de. capitais, a emissão de ações e debêntures de longo prazo é importante fonte de financiamento da formação de capital; há uma variedade significativa de instrumentos nos mercados monetários e de capitais; e as instituições financeiras mantêm uma relação próxima com as empresas produtivas. Nos sistemas com base em crédito, o mercado de capitais é fraco e as firmas dependem fortemente de crédito para obter recursos além dos lucros retidos; os bancos comerciais dependem significativamente das autoridades monetárias (e é por meio dessa dependência que o governo exerce influência financeira sobre os níveis e direção do investimento privado); e há uma tendência ao rápido crescimento do endividamento das firmas investidoras nos períodos de boom.

Associando a perspectiva pós-keynesiana à classificação de Zysman, podemos concluir que cada tipo de arranjo institucional possui “condições de estabilidade financeira” que lhe são características. Por exemplo, nos sistemas com base em crédito, a estabilidade das taxas de juros nominais de curto prazo é essencial, à medida que as empresas inversoras, não raro, são obrigadas a rolar continuamente suas dívidas sob taxas flutuantes. Por outro lado, o sistema com base no mercado de capitais é mais sensível a oscilações e surtos especulativos nos mercados de estoques de ativos.

É possível entender, portanto, porque, nos países onde os canais de consolidação financeira não se desenvolveram significativamente, a acumulação requereu uma relação mais próxima entre bancos privados e empresas (do tipo “grandes bancos” alemães) e/ou uma maior intervenção governamental (como, por exemplo, a criação de bancos de desenvolvimento e políticas de crédito seletivo nos países de industrialização recente).31 31 Para uma análise do desenvolvimento e do papel do sistema financeiro na industrialização de diversos países europeus, Japão e Estados Unidos, v. Cameron (1967; 1972). Apesar de a análise se centrar no sistema bancário, é possível apurar a diversidade do arranjos institucionais que permitiriam a rápida acumulação nesses países em períodos distintos de industrialização. Tais arranjos institucionais são funcionais em relação ao desenvolvimento na medida em que fazem face à incerteza relativa ao financiamento de posições de longo prazo e evitam surtos de instabilidade financeira que possam estancar o processo de crescimento.

Por fim, contrapondo-se a perspectiva pós-keynesiana diretamente à literatura da liberalização financeira, podemos ser pessimistas quanto aos resultados de uma elevação das taxas de juros ou de uma desregulamentação em países em desenvolvimento (os quais, como mostra Zysman, possuem em geral sistemas financeiros com base em crédito).

Pois, no primeiro caso (elevação da taxa de juros): (i) não há por que esperar como consequência que os fundos de financiamento do investimento aumentem, já que a taxa de juros não determina o nível de poupança agregada, mas simplesmente a distribuição da riqueza na forma financeira; (ii) um aumento da taxa de juros pode exercer efeitos negativos sobre o nível de investimento;32 32 Para uma análise formal, numa perspectiva pós-keynesiana, desses dois efeitos do aumento das taxas de juros sobre o crescimento, v. Dutt (1991). (iii) o aumento das taxas de juros pode redundar em dificuldades financeiras das empresas inversoras e estancar projetos de investimento em curso.33 33 Existe uma vasta literatura sobre a experiência de reformas financeiras liberalizantes, elevação das taxas de juros e políticas de ajustamento. Grande parte dela mostra que essas reformas provocaram instabilidade financeira, com todas as suas sequelas sobre o crescimento econômico. V. inter alia Díaz-Alejandro (1985) - para uma análise crítica. Corbo e de Melo (1987) e Banco Mundial (1990) - para uma análise “autocrítica”.

No segundo caso (desregulamentação financeira), nada garante que a segmentação do mercado de capitais e as políticas seletivas de crédito sejam efeito da “repressão financeira”. Tendo em vista que a maior parte dos países em desenvolvimento parece dotada de um sistema financeiro com base em crédito, tudo indica que a segmentação do mercado de capitais e políticas de crédito seletivo correspondam a arranjos institucionais criados exatamente para cobrir a inexistência de fontes privadas de financiamento de longo prazo.34 34 Isso poderia justificar a resistência por parte das autoridades monetárias dos países do leste asiático - como sistemas com base no crédito com forte intervenção estatal - às tentativas de desregulamentação financeira e elevação das taxas de juros. (V., por exemplo, Wade, 1989, e Foley e Lazonick, 1986; para o caso específico da Coréia, v. Amsdem e Euh, 1990.) Se tal for o caso, a desregulamentação per se não garante que o sistema financeiro privado vá expandir o volume de fundos disponíveis para o financiamento da acumulação.35 35 Numa perspectiva neoclássica, resultados similares são formalmente apresentados por Cho (1986). O risco da “liberalização financeira” é, portanto, o rompimento dos arranjos institucionais existentes sem a criação de outro que o substitua.

É importante ressaltar que não se quer dizer, com a análise acima, que as políticas de crédito seletivo e as estruturas financeiras dos países em desenvolvimento sejam imaculadas36 36 Muito pelo contrário, como Fry (1989) observa, constantemente tais políticas são fontes de favoritismo político e corrupção em países em desenvolvimento. Isso comprova que o crédito é um instrumento demasiado poderoso em economias monetárias para que não sofra alguma forma de controle social. , nem que não haja escopo para liberalização de determinados setores do sistema financeiro. O que se aponta, com a análise pós-keynesiana, é para o risco da visão de que a liberalização e a elevação das taxas de juros representam uma panaceia para o aumento do financiamento e da eficiência da alocação de recursos em economias de mercado. Como já colocara Keynes em outro contexto, tal visão não só é equivocada enquanto doutrina a ensinar, como pode ser desastrosa quando aplicada à realidade dos fatos (1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., p.3).

4. CONCLUSÃO

Na visão que segue a tradição da teoria dos fundos emprestáveis, tendo como uma versão moderna a vertente tobiniana, o mercado de capitais é tratado como o locus de intermediação de capital entre poupadores e investidores. As instituições financeiras só são importantes enquanto intermediadoras de poupança, à medida que o volume de fundos emprestáveis e investimento lhes é externo. O ambiente institucional só é relevante à proporção que tornem mais fluida essa intermediação, por exemplo através de disseminação mais equânime da informação e do estabelecimento “livre” das taxas de juros. No longo prazo, os recursos necessários para a expansão do investimento privado só podem ser obtidos pela expansão prévia da poupança, que é estimulada pela elevação das taxas de juros reais, pelo aumento da competição na intermediação financeira e pela redução da intervenção do governo no mercado.

A literatura da liberalização financeira nada mais é que uma adaptação de tais preceitos a economias em desenvolvimento. Nesse caso, portanto, a análise enfatiza duas características que diferenciariam aquelas economias das avançadas: primeiramente, aquelas decorrentes do próprio estágio de desenvolvimento, tal como o pouco desenvolvimento do mercado de capitais (o que levaria o sistema bancário a desempenhar o papel de intermediador que normalmente caberia àquele último); em segundo lugar, as características decorrentes de estratégias de desenvolvimento supostamente equivocadas, isto é, as derivadas da repressão financeira.

A abordagem pós-keynesiana tem um paradigma distinto no que tange ao funcionamento e à funcionalidade do sistema financeiro nas economias monetárias. Tal funcionalidade deriva do fato de o investimento ser a variável causal na determinação da demanda efetiva e, portanto, do nível da renda e poupança. Uma vez decidido e financiado o investimento, o processo de criação de renda se segue dentro da dinâmica do multiplicador, e a poupança é gerada como um subproduto do processo.

Por sua vez, na medida em que um sistema bancário minimamente desenvolvido cria as condições de independência do financiamento em relação a depósitos prévios, as decisões concernentes ao volume de crédito bancário representam (e não as poupanças individuais) o limite financeiro ao financiamento do investimento.

A alocação da poupança, entretanto, não é, de forma alguma, irrelevante na análise pós-keynesiana. Por um lado, a preferência pela liquidez por parte dos agentes superavitários determinará, em conjunto com a política monetária e o ambiente institucional, a taxa de juros de mercado - uma das variáveis na determinação do nível de investimento. Por outro, a consolidação financeira, que permite às empresas inversoras e ao sistema financeiro restabelecer suas margens de segurança, depende da propensão a adquirir títulos de propriedade (ações) e de dívida (debêntures) de longo prazo, reduzindo dessa forma a fragilidade financeira e afastando o perigo da instabilidade financeira.

Na visão pós-keynesiana, portanto, o sistema financeiro tem um papel no crescimento econômico que ultrapassa a mera alocação de recursos poupados pelas unidades familiares. Um sistema bancário minimamente desenvolvido (estágio 2 ou mais) permite a acumulação a um nível superior àquele que seria viável pela simples acumulação de poupanças prévias; porém essa facilidade traz consigo um trade-off de fragilidade financeira, à medida que permite disparidade entre os horizontes de maturação de posições patrimoniais ativas e passivas das empresas inversoras e das instituições financeiras.

A visão de Keynes ressalta o mercado de estoques de ativos como a via característica da consolidação financeira (e os perigos oriundos da potencial instabilidade que o funcionamento dos mercados secundários confere ao sistema financeiro). Entretanto, existem variados arranjos institucionais que se consolidaram, dadas as condições específicas de cada economia (inclusive em função do timing de seu processo de industrialização e requisitos no que se refere ao volume mínimo de recursos demandados pelo crescimento em cada momento da história da industrialização mundial), os quais Zysman sumariou na classificação entre sistemas com base no crédito e sistemas com base no mercado de capitais.

Por fim, poderíamos inferir da visão pós-keynesiana que não existem soluções simples para os problemas e entraves financeiros ao crescimento. É preciso analisar a estrutura financeira de cada país e as condições que moldaram seu desenvolvimento, para então partir para políticas financeiras. Estas últimas podem variar, por exemplo, de uma redução na regulamentação do mercado - no caso em que o mercado de capitais é suficientemente grande e o sistema bancário tem efetivamente condições de ampliar suas linhas de financiamento ao investimento-, até o aumento do fomento ao desenvolvimento do mercado de capitais e intervenção direta no financiamento ao crescimento através de agências públicas e bancos de desenvolvimento- no caso de um mercado de capitais insuficientemente desenvolvido e da concentração de operações financeiras no curto e curtíssimo prazo.

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  • 1
    Chick (1986CHICK, V. (1986). “The evolution of the banking system and the theory of saving, investment and interest”. Economie et Societés (Cahiers de l’ISMEA, Serie Monnaie et Production, 3).) apresenta uma interessante discussão sobre a relação entre os estágios de desenvolvimento do sistema bancário e a teoria monetária, sobre a qual voltaremos a falar. Para uma análise dessa evolução nos primórdios da revolução industrial cm diversos países europeus, v. Cameron (1967CAMERON, R. (1967). Banking in the Early Stages of Industrialization. Nova York: Oxford University Press, 1972., 1972CAMERON, R. (1972). Banking and Economic Development: Some Lessons of History.).
  • 2
    Ou seja, tal teoria procura estender os resultados da teoria quantitativa clássica a uma economia com um sistema monetário desenvolvido, restabelecendo assim a dicotomia clássica (entre variáveis monetárias e reais).
  • 3
    O retorno marginal sobre o capital é, por sua vez, definido pela função de produção e, logo, pelo estado da tecnologia.
  • 4
    Para uma análise crítica da síntese de Hicks (1937HICKS, J. R. (1937). “Mr. Keynes and the classics: a suggested interpretation”. In: Critical Essays in Monetary Theory. Nova York: Oxford University Press.), v. inter alia Leijonhufvud (1968LEIJONHUFVUD, A. (1968). On Keynesian Economics and the Economics of Keynes. Nova York: Oxford University Press, 1981.), Davidson (1972DAVIDSON, P. (1972). Money and the Real World. Londres: MacMillan, 1972.) e Chick (1983CHICK, V. (1983). Macroeconomics after Keynes. Oxford: Philip Allen.).
  • 5
    Risco aqui é definido pela variância do retorno do ativo, onde implicitamente se supõe que a distribuição probabilística dos retornos (retorno médio e variância) seja aprioristicamente conhecida por todos os agentes. Para uma discussão sobre a diferença entre os conceitos de risco e incerteza numa revisão crítica da teoria da escolha de portfólio da taxa de juros de Tobin, v. Chick (1983CHICK, V. (1983). Macroeconomics after Keynes. Oxford: Philip Allen.).
  • 6
    Por exemplo, a manutenção de um nível de investimento acima da poupança voluntária só seria factível caso as expectativas inflacionárias dos consumidores (incorporadas a sua taxa de juros real esperada) respondessem lentamente a mudanças de oferta monetária. Na medida em que, por exemplo, se assumem expectativas adaptativas, a intervenção no livre funcionamento dos mercados de capital através de políticas monetárias expansivas implica um trade-off entre aceleração e investimento e estabilidade de preços. Para uma análise das diferenças entre monetaristas e keynesianos com base na hipótese sobre a formação de expectativas, v. Goodhart (1975GOODHART, C.A.E. (1975). Money, information and uncertainty. Londres: MacMillan, 1989, edição revisada., págs. 219-21).
  • 7
    Por exemplo, tendo expectativas adaptativas como hipótese comum, os keynesianos naturalmente assumiriam que somente moeda e ativos de capital seriam substitutos próximos enquanto reservas de riqueza financeira, enquanto os monetaristas assumiriam que outros bens deveriam ser incluídos. Também nesse campo da teoria econômica, a assunção da hipótese de expectativas racionais torna-se uma ameaça tanto para monetaristas quanto para keynesianos, pois leva ao resultado - desconfortável para ambas as escolas - de que a política monetária é ineficaz tanto no curto quanto no longo prazo e a moeda passa a não ter nenhum papel relevante na análise econômica. De fato, o que resultou da hipótese de expectativas racionais e de mercados eficientes foi a dificuldade da teoria convencional de lidar com fenômenos monetários, já amplamente apontada na literatura econômica (v. inter alia Hahn, 1981HAHN, F.H. (1981). Money and Inflation. Cambridge: MIT Press.; Davidson, 1972DAVIDSON, P. (1972). Money and the Real World. Londres: MacMillan, 1972.; e Rogers, 1989ROGERS, C. (1989). Money, Interest and Capital. Cambridge: Cambridge University Press .). Isso explica por que um dos aspectos peculiares da teoria convencional consiste em que a principal base teórica cm análises monetaristas continua a ser a teoria de fundos emprestáveis, mesmo que esta ainda se utilize de hipóteses de expectativas não racionais, tão criticadas pelos autores neoclássicos, dominantes nas demais áreas da teoria econômica (v, Rogers, 1989ROGERS, C. (1989). Money, Interest and Capital. Cambridge: Cambridge University Press .).
  • 8
    Grande parte dos desenvolvimentos “modernos” nesta área está ligada às imperfeições na distribuição e assimetria de informações entre os participantes no processo de intermediação de poupança (ou seja, poupadores, instituições financeiras e investidores). Análises sucintas sobre tal literatura são apresentadas em King, 1985KING, M. (1985). “The Economics of Saving: a survey of recent contributions”. In Arrow e Honkapohja, eds., Frontiers of economics. Londres: Basil Blackwell.; e Blanchard, 1989BLANCHARD, O. J. e S. FISCHER, (1989). Lectures on Macroeconomics. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press., págs. 478-88.
  • 9
    Para uma análise das principais vertentes e modelos da literatura de liberalização financeira, ver o livro de Fry (1989FRY, M. (1989). Money, interest, and banking in economic development. Nova York: The Johns Hopkins University Press.). Ele próprio é um autor importante no desenvolvimento teórico da visão iniciada por Shaw e McKinnon e apresenta naquela obra alguns modelos e aplicações econométricos.
  • 10
    O hiato tecnológico entre setores “tradicionais” e “modernos”, reconhecido na literatura do desenvolvimento como uma das características do subdesenvolvimento, é visto na literatura de liberalização financeira como um resultado direto da repressão financeira e da segmentação do mercado de capitais. Uma liberalização levaria, portanto, a uma eliminação da segmentação e redução do hiato, à medida que as taxas de retorno do capital se igualariam a um custo único de capital. V., por exemplo, McKinnon (1973McKINNON, R.I. (1973). Money and Capital in Economic Development. Washington, D.C.: The Brookings Institution .) e Fry (1989FRY, M. (1989). Money, interest, and banking in economic development. Nova York: The Johns Hopkins University Press.).
  • 11
    Deve-se, entretanto, reconhecer que a literatura da liberalização financeira tem o mérito de, entre as vertentes da teoria do desenvolvimento neoclássica, ser uma das poucas (se não a única) a tratar de questões referentes ao papel do sistema financeiro no desenvolvimento. Pois, como a resenha de Stern (1989STERN, N. (1989). “The Economics of Development: a survey”. Economic Journal, vol. 99, setembro.) sobre desenvolvimentos recentes da teoria do desenvolvimento mostra, há uma tendência a ignorar os aspectos financeiros mesmo quando se está tratando explicitamente do financiamento do desenvolvimento. V. também Gersovitz (1988GERSÓVITZ, M. (1988). “Saving and development”. In Chenery e Srivasan, (1988). Handbook of Development Economics. Elsevier Science Publishers.).
  • 12
    O que parece original nos modelos de liberalização financeira são duas hipóteses: (i) de que o sistema financeiro em países em desenvolvimento é subdesenvolvido ao ponto de toda poupança só poder assumir a forma ou de depósitos bancários ou ativos reais; e (ii) de que existe um volume mínimo de investimento que só pode ser alcançado pelos pequenos investidores através de acumulação de saldos bancários (poupanças) ao longo do tempo. Dessa forma, a taxa de juros representa não só a remuneração pela poupança, como tem uma relação positiva com o nível de investimento. Para um resumo de tais proposições, v. o modelo de Kumar (1983KUMAR, R.C. (1983). “Money in development: a monetary growth model à la McKinnon”. Southern Economic Journal 50(1), julho.).
  • 13
    Como toda teoria, a pós-keynesiana estabelece os alicerces, ou um paradigma, sobre o qual se podem construir distintas análises. Esse também é o caso da teoria da liberalização financeira que adapta a teoria dos fundos emprestáveis (sem, entretanto, modificar a essência de sua visão sobre o papel do mercado financeiro em economias em desenvolvimento). De fato, a generalidade e a robustez de uma teoria podem ser julgadas em seu comportamento diante das modificações de suas hipóteses iniciais em face de distintas realidades a estudar.
  • 14
    Chick (1986CHICK, V. (1986). “The evolution of the banking system and the theory of saving, investment and interest”. Economie et Societés (Cahiers de l’ISMEA, Serie Monnaie et Production, 3).) apresenta cinco estágios de desenvolvimento do sistema bancário e com isso quer demonstrar que somente no primeiro estágio a ideia de que o financiamento do investimento depende da poupança prévia é palpável. Similarmente à abordagem de Keynes no Tratado, no estágio 1 de Chick os bancos são simples cofres privados, emprestando de acordo com a disponibilidade de depósitos prévios. Seus empréstimos são, portanto, transferências de poupanças. No estágio 2, mostra aquela autora, notas bancárias e direitos sobre depósitos são amplamente aceitos como meios de pagamento e se fazem depósitos bancários por motivos transacionais e de poupança. No estágio 2, portanto, o nível de redepósitos é muito maior que no estágio 1 e agora são as reservas, e não os depósitos, que representam restrição à expansão de empréstimos. Os bancos têm uma significativa autonomia na criação de depósitos bancários (e crédito) para financiar despesas de seus clientes.
  • 15
    Esses mercados permitem ao sistema bancário manter parte de suas reservas na forma de ativos líquidos, que podem ser vendidos para a recomposição de reservas; trata-se de cash kickers na terminologia de Minsky (1982MINSKY, H.P. (1982). “The financial-instability hypothesis: capitalist processes and the behavior of the economy”. In Kindleberger e Laffargue, eds., Financial crises. Cambridge: Cambridge University Press.). Voltaremos a este ponto adiante.
  • 16
    Essa visão, por sua vez, faz parte de uma teoria (alternativa à convencional) sobre a dinâmica das economias de mercado - visão essa baseada em axiomas que relacionam tempo, moeda e incerteza.
  • 17
    A economia empresarial se define como aquela na qual os meios de produção são privados e controlados por uma classe de empresários que objetivam o lucro em suas decisões de organização da produção, contratando trabalhadores e adquirindo materiais de outras firmas para esse fim. Keynes contrasta essa definição com a de economia cooperativa, sobre a qual, segundo aquele autor, os axiomas das escolas clássica e neoclássica se baseiam; na economia cooperativa, os fatores de produção seriam remunerados em “proporções do produto efetivo de acordo com seus esforços cooperativos” (Keynes, 1979KEYNES, J.M. (1979). The General Theory and After: a Supplement, Collected Writings, vol. XXIX., p. 77).
  • 18
    Isso não quer dizer que a alocação da poupança gerada tenha um papel irrelevante na análise pós-keynesiana. Muito pelo contrário, como veremos adiante.
  • 19
    Aqui estamos nos referindo à taxa de juros de curto prazo do mercado monetário. Uma variação nessa taxa afeta a taxa de juros dos empréstimos bancários à medida que os bancos comerciais mantêm reservas remuneradas e competitivas com outros ativos de maior liquidez disponíveis no mercado (por exemplo, títulos públicos). Dadas a estrutura competitiva do mercado bancário e a política monetária, a preferência pela liquidez determinará as taxas pagas a depósitos remunerados e, consequentemente, a taxa de juros de empréstimo (pela equação tradicional que relaciona taxas de depósito e taxas de empréstimo).
  • 20
    Em geral, o underwriter tem a responsabilidade pela aquisição da parcela não vendida da emissão a um preço mínimo preestabelecido. Logo, quando tal eventualidade ocorre, a instituição deve ter acesso imediato à liquidez, o que pode ser feito por empréstimos bancários ou pela venda no mercado secundário de títulos em carteira. Logo, a existência de um mercado secundário organizado proporciona à carteira de ativos do underwriter uma liquidez que reduz o risco implícito em suas operações.
  • 21
    Como Chick (1983CHICK, V. (1983). Macroeconomics after Keynes. Oxford: Philip Allen.) denota, para que a continuidade de transações nos mercados organizados se efetive, os aplicadores devem acreditar na possibilidade de ganhos de capital e, portanto, em sua capacidade de “vencer o mercado” e tal crença precisa de alguma forma se justificar no passado (v. também Keynes, 1936KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Nova York: Harcourt Brace and World, 1964., págs. 154-8, e Dow e Earl, 1982DOW, S. e P. E. EARL, (1982). Money Matters. Londres: Martin Robertson., p. 137). A visão se contrasta com a dos modelos de equilíbrio geral (v., por exemplo, Johnson, 1976JOHNSON, H.G. (1976). “Destabilizing Speculation: a general equilibrium approach”. Journal Political Economy, págs. 101-108.), onde a especulação aparece como um jogo de soma zero, e com a visão de Tobin (1958TOBIN, J. (1958). “Liquidity preference as behavior towards risk”. Review of Economic Studies, vol. 25, fevereiro.) onde os investidores aplicariam de acordo com suas preferências de risco, enquanto o retorno de cada ativo seria conhecido por todos os agentes. Em ambos, a perspectiva de ganhos de capital no longo prazo não existiria, o que, na visão de Keynes, eliminaria a continuidade nas transações especulativas e, portanto, a própria funcionalidade dos mercados secundários.
  • 22
    Voltamos a este último ponto a seguir.
  • 23
    Essa questão é levantada por Keynes - e de uma forma, aliás, pouco desenvolvida- no debate posterior à Teoria Geral sobre a teoria da preferência pela liquidez (v. inter alia Keynes 1937 aKEYNES, J.M. (1937a). “Alternative theories of the rate of interest”, Economic Journal, junho. Reimpresso in Collected Writings, vol. XIV, pp. 201-15, 1973.,bKEYNES, J.M. (1937b). “The ex-ante theory of the rate of interest”, Economic Journal, dezembro. Reimpresso in Collected Writings, vol. XIV, pp. 215-23, 1973.: 1938KEYNES, J.M. (1938). “Mr. Keynes and finance”. Economic Journal, junho. Reimpresso in Collected Writings, vol. XIV, pp. 229-34, 1973.; 1939KEYNES, J.M. (1939). “The process of capital formation”. Economic Journal, setembro. Reimpresso in Collected Writings, vol. XIV, pp. 278-85, 1973.; Robertson, 1937aROBERTSON, D.H. (1937a). “Some notes on Keynes’s general theory of employment”. Economic Journal , vol. 41, setembro, págs. 395-411., bROBERTSON, D.H. (1937b). “Alternative theories of the rate of interest: rejoinder”. Economic Journal, setembro.; Ohlin, 1937aOHLIN, B. (1937a). “Some notes on the Stockholm theory of saving and investment”. Economic Journal, março e junho., bOHLIN, B. (1937b). “Alternative theories of the rate of interest: rejoinder”. Economic Journal, setembro.). No curso desse debate, Keynes introduz dois importantes conceitos: o motivo-finanças e o funding. No motivo-finanças, Keynes reforça sua ideia de que o investimento independe de poupança prévia, argumentando que, no caso de o investimento corrente ser superior ao investimento (e, portanto, à poupança passada), existe uma demanda adicional por liquidez que só pode ser suprida com expansão da oferta de moeda. Portanto, o nível de investimento vai depender da disposição do sistema bancário de criar crédito. O funding, este sim uma novidade em relação à Teoria Geral, merece maior atenção aqui devido a sua importância para nossa análise.
  • 24
    O exemplo mais claro é o negócio bancário que, por sua própria natureza, empresta a prazos maiores que a média de seus passivos. Esta também é a característica da maioria dos intermediários financeiros e pressupõe que os depositantes/aplicadores mantenham saldos inativos por prazos regulares (em média). Como já notamos acima, o que distingue os bancos das demais instituições financeiras é o fato de os depósitos bancários serem amplamente aceitos como meios de pagamento, o que amplia significativamente sua capacidade de expansão.
  • 25
    Trata-se, na classificação de Minsky, de um aumento de operações de financiamento “especulativas” e “Ponzi”, em detrimento do financiamento hedge. V. Minsky, 1982MINSKY, H.P. (1982). “The financial-instability hypothesis: capitalist processes and the behavior of the economy”. In Kindleberger e Laffargue, eds., Financial crises. Cambridge: Cambridge University Press., para uma descrição dessas três posturas de financiamento.
  • 26
    A deflação de dívidas (debt-deflation), cuja natureza e efeitos macroeconômicos já haviam sido estudados por Fischer (1933FISCHER, I. (1933). “The debt-deflation theory of great depression”. Econometrica nº 1, outubro.), se dá quando parte significativa dos agentes (empresas e instituições financeiras) endividados procura se desfazer de seus ativos de reserva para saldar dívidas ou repor seu nível de liquidez. Isso geraria uma tendência baixista do mercado como um todo e uma deflação dos preços de ativos financeiros, afetando não só as empresas como o sistema financeiro. Para Minsky, pode se evitar tal instabilidade pela intervenção direta das autoridades monetárias, porém, com efeitos de médio e longo prazos, tais como pressionárias e redução da precaução por parte de instituições financeiras (o que estimularia a redução rápida das margens de segurança, ampliando os riscos de crises após os booms de investimento).
  • 27
    Essa abordagem contrasta com a maior parte da literatura de liberalização financeira convencional, que, por ser atemporal, em geral é inadequada para a análise, por exemplo, dos impactos e consequências de variações das taxas de juros sobre a teia financeira que normalmente liga e afeta as decisões dos agentes numa economia de mercado.
  • 28
    Não se deve, entretanto, perder de vista os limites reais à expansão do investimento. De uma forma geral, esses limites estão relacionados à capacidade existente do sistema produtivo (de bens de investimento e bens-salários), do grau de utilização da mão-de-obra e da capacidade de importação da economia. É fora do escopo deste trabalho, entretanto, discorrer sobre eles, porém vale a pena lembrar que, quando a economia em expansão se depara com estrangulamentos nos setores produtivos (na demanda final ou na demanda intersetorial), há uma tendência à expansão inflacionária (que Keynes chamou “inflação verdadeira”) e/ou desequilíbrios na balança comercial. No limiar do pleno emprego, portanto, uma expansão da consolidação financeira pode ser uma forma de reduzir o impacto expansionista de uma expansão do investimento (v. Zonisein, 1988ZONISEIN, J. (1988). “O circuito financiamento-investimento-poupança financeira”. In Edward J., Amadeo, org. (1989). Ensaios sobre Economia Política Moderna: Teoria e História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Marco Zero.). Nesse caso, o funding serviria como forma de enxugar a expansão monetária causada pelo crescimento do financiamento ao investimento, além de liberar recursos reais que seriam utilizados no consumo - ou no financiamento da expansão da produção.
  • 29
    A visão pós-keynesiana tem um forte caráter institucional implícito que não é dissociável da análise econômica: as instituições e convenções têm um papel importante na redução das incertezas inerentes aos processos decisórios em economias descentralizadas.
  • 30
    Keynes, por exemplo, foi enfático ao afirmar que o duplo processo de finance/funding se trata de um processo característico - e poderíamos adicionar - dentro da estrutura institucional implícita em sua análise.
  • 31
    Para uma análise do desenvolvimento e do papel do sistema financeiro na industrialização de diversos países europeus, Japão e Estados Unidos, v. Cameron (1967CAMERON, R. (1967). Banking in the Early Stages of Industrialization. Nova York: Oxford University Press, 1972.; 1972CAMERON, R. (1972). Banking and Economic Development: Some Lessons of History.). Apesar de a análise se centrar no sistema bancário, é possível apurar a diversidade do arranjos institucionais que permitiriam a rápida acumulação nesses países em períodos distintos de industrialização.
  • 32
    Para uma análise formal, numa perspectiva pós-keynesiana, desses dois efeitos do aumento das taxas de juros sobre o crescimento, v. Dutt (1991DUTT, A. (1991). “Interest rate policies in LDCs: a post-keynesian view”. Journal of Post Keynesian Economics 13 (2), inverno 1990-91.).
  • 33
    Existe uma vasta literatura sobre a experiência de reformas financeiras liberalizantes, elevação das taxas de juros e políticas de ajustamento. Grande parte dela mostra que essas reformas provocaram instabilidade financeira, com todas as suas sequelas sobre o crescimento econômico. V. inter alia Díaz-Alejandro (1985DÍAZ-ALEJANDRO, C. (1985). “Good-bye financial repression, hello financial crash”. Journal of Development Economics, junho.) - para uma análise crítica. Corbo e de Melo (1987CORBO, V. e J. DE MELO, (1987). “Lessons from the Southem Cone policy reforms”. Research Observer nº 2, July, The Intemational Bank for Reconstruction and Development/The World Bank.) e Banco Mundial (1990BANCO MUNDIAL (1990). “The restructuring of financial systems in Latin America”. Washington, D.C.: Econornic Development Institute, nº 25.) - para uma análise “autocrítica”.
  • 34
    Isso poderia justificar a resistência por parte das autoridades monetárias dos países do leste asiático - como sistemas com base no crédito com forte intervenção estatal - às tentativas de desregulamentação financeira e elevação das taxas de juros. (V., por exemplo, Wade, 1989WADE, R. (1989). “The role of government in overcoming market failure: Taiwan, Republic of Korea and Japan”. In H. Hugles, ed., Achieving industriallization in East Asia. Cambridge: Cambridge University Press ., e Foley e Lazonick, 1986FOLEY, D. e W. LAZONICK, (1986). “Finance, growth and stagnation”, mimeo.; para o caso específico da Coréia, v. Amsdem e Euh, 1990AMSDEN, A.H. &. EUH, Y. (1990). “Republic of South Korea’ s financial reform: what are the lessons”. UNCTAD Staff Papers, abril..)
  • 35
    Numa perspectiva neoclássica, resultados similares são formalmente apresentados por Cho (1986CHO, Y. J. (1986). “Inneficiences from financial liberalization in the absence of well-functioning equity markets”. Journal of Money, Credit and Banking 18(2), maio.).
  • 36
    Muito pelo contrário, como Fry (1989FRY, M. (1989). Money, interest, and banking in economic development. Nova York: The Johns Hopkins University Press.) observa, constantemente tais políticas são fontes de favoritismo político e corrupção em países em desenvolvimento. Isso comprova que o crédito é um instrumento demasiado poderoso em economias monetárias para que não sofra alguma forma de controle social.
  • 38
    JEL Classification: E21; E22; E12; G00.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1993
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