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História econômica, teoria econômica e economia aplicada

Economic history, economic theory and applied economics

RESUMO

Esta nota trata da importância da história econômica na formação de um economista. Com a ajuda de grandes profissionais do passado, notadamente Schumpeter e Kula, o artigo mostra que, sem uma grande compreensão do passado, não pode haver análise consistente dos fatores econômicos presentes (e futuros).

PALAVRAS-CHAVE:
História do pensamento econômico: metodologia da economia; ensino da economia

ABSTRACT

This note deals with the importance of economic history in the making of an economist. With the help of great professionals of the past, notably Schumpeter and Kula, the paper shows that without great understanding of the past there can be no consistent analysis of present (and future) economic factors.

KEYWORDS:
History of economic thought; economic methodology; teaching of economics

Hoje em dia, ainda mais que no final do século passado, os historiadores, de um modo geral, tendem a aceitar e a compreender melhor nossa disciplina que a maioria dos economistas. Para a maioria dos primeiros, é o próprio adjetivo que constitui uma redundância, já que, de acordo com o ponto de vista dominante, não pode haver qualquer história concreta que não seja de natureza simultaneamente, principal ou até fundamentalmente, econômica. Para a maioria dos economistas de nosso tempo, contudo, a real importância da história econômica ainda representa algo a ser aceito e assimilado; eles tendem, via de regra, a encará-la como um simples estudo do passado - ou seja, como algo meramente acessório, irrelevante, ou até supérfluo em comparação com a teoria econômica e/ou os vários campos da economia aplicada.

Em minha opinião, as pessoas que assim pensam não ignoram apenas a natureza do conhecimento histórico mas também o objeto e o propósito da ciência econômica. Se aceitarmos a definição de Oskar Lange (1963LANGE, O. (1963) Political economy, vol. I, General Problems. Oxford: Pergamon Press/ PWN., págs. 1-14) de que a economia - ou a economia política, em termos mais tradicionais - é a ciência social que estuda as relações (sociais) de produção e de distribuição, torna-se de imediato evidente que a história econômica constitui um de seus ramos fundamentais, já que nossa disciplina envolve precisamente o estudo de tais relações através do tempo. Dentro dessa perspectiva, pode ser vista até como um dos três pilares básicos da ciência econômica, junto com a teoria econômica de um lado e os vários campos da economia aplicada, de outro.

Esses três pilares têm, na verdade, uma importância equivalente e devem ser considerados tão indispensáveis pelos historiadores como pelos teóricos e/ou analistas da economia. Nem os primeiros nem os segundos podem ir muito longe em suas sistematizações e generalizações sem o aporte conjunto desses pilares. O historiador econômico, em particular, sempre carece do suporte de um arcabouço teórico capaz de propiciar os pressupostos e as hipóteses para seu raciocínio; também precisa usualmente apoiar-se em um ou mais campos da economia aplicada que sejam passíveis de lhe fornecer a armação empírica necessária para a organização e a análise das evidências materiais que se encontram a seu dispor.

Um exemplo concreto pode ajudar a esclarecer o que tenho em mente. O estudo de um processo histórico como a Revolução Industrial requer não apenas o levanta­ento empírico de todos os fatores e eventos responsáveis por seu surgimento e existência, mas também - e talvez principalmente - um entendimento teórico dos vários níveis e aspectos da divisão (técnica e social) do trabalho, bem como a devida compreensão da natureza complexa e diversificada de todos os tipos de produção material envolvidos. O preenchimento do primeiro desses requisitos é assegurado, não pela história econômica em si, mas pela teoria econômica, enquanto o do segundo costuma ser proporcionado por um ou mais campos da economia aplicada.

É importante ressaltar que esse intercâmbio e essa interdependência entre a história, a teoria e as várias disciplinas aplicadas não constitui apenas uma característica da ciência econômica, mas é um aspecto comum a todas as ciências humanas e sociais. Além disso, cumpre assinalar que cada um de seus ramos se vincula a outras disciplinas externas que apresentem alguma afinidade com eles. Assim, por exemplo, a teoria econômica mantém íntimas relações - nem sempre suficientemente explicitadas - com as disciplinas teóricas de outras ciências sociais como a política, a sociologia, a antropologia, ou a psicologia social. Os vários campos da economia aplicada vinculam-se, por sua vez, a todas as demais ciências aplicadas, tanto naturais como sociais. No estudo da produção, por exemplo, não se pode prescindir da tecnologia, nem integrar um ou mais campos da engenharia. Por seu lado, qualquer estudo dos processos distributivos deve levar em conta, e até tomar como ponto de partida, tanto a estrutura de classes como a organização política da sociedade em questão, cujas noções fundamentais têm sido desenvolvidas por outras ciências sociais afora e além da economia.

Dentro do próprio âmbito da história econômica, pode-se facilmente observar as interrelações que existem entre os processos econômicos que estudamos e os que são analisados por outros ramos do conhecimento histórico - como a história social, a história política ou a história cultural, sem esquecer o importantíssimo campo da história das ideias (econômicas e outras). Como bem sabemos, não há compartimentos estanques no conhecimento histórico. Por essa razão, a história econômica só pode ser adequadamente estudada na medida em que tiver como pano de fundo o processo histórico como um todo, e não apenas seus aspectos econômicos.

Outra questão que é importante realçar diz respeito à contemporaneidade de todos os processos históricos. É devido a esse atributo que a história tem sido constantemente reescrita, representando por isso mesmo muito mais que um simples estudo do passado. Seu principal objeto de análise reside na transformação dos homens e da sociedade através do tempo. São os processos e mecanismos de mudança através do tempo, e não o passado per se, que mais atraem o enfoque dos estudos históricos em geral. Devido a isso, o principal interesse da história econômica vincula-se à identificação e caracterização das causas, das consequências e dos mecanismos da mudança econômica e social.

As mudanças e as transformações através do tempo referem-se não apenas ao passado como também - e talvez principalmente - ao presente e ao futuro. E eu me arriscaria até a dizer que é o entendimento destes últimos, mais que o do primeiro, que apresenta maior interesse para qualquer historiador de peso. Essa opinião encontra sustentação em dois autores tão distintos como J.A. Schumpeter e Witold Kula.

O primeiro, no início do segundo capítulo de sua obra póstuma History of Economic Analysis (1961, págs. 12-13)1 1 As omissões no texto são indicadas por ( ... ). O primeiro grifo é meu, todos os demais são do próprio Schumpeter. , menciona nossa disciplina em primeiro lugar entre os campos mais importantes da ciência econômica:

“Entre esses campos fundamentais, a história econômica, que resulta nos e inclui os fatos de hoje em dia, é de longe o mais importante. Eu gostaria de assinalar desde já que, se tivesse de reiniciar meu trabalho em economia, e se me fosse permitido estudar apenas um dos três à minha escolha, esta recairia sobre a história econômica. E isso por três razões. Em primeiro lugar, porque o objeto de estudo da economia constitui essencialmente um processo singular no tempo histórico. Ninguém pode esperar compreender os fenômenos econômicos de qualquer época, inclusive da presente, se não tiver um conhecimento adequado dos fatos históricos, se não for dotado de suficiente senso histórico, ou daquilo que se pode definir como experiência histórica. Em segundo lugar (porque) o relato histórico não pode ser puramente econômico, mas deve inevitavelmente refletir também fatos ‘institucionais’ que não são puramente econômicos; consequentemente, é ele que proporciona o melhor método para entender como os fatos econômicos e não-econômicos estão relacionados uns aos outros. Em terceiro lugar, (porque) acredito que a maioria dos erros fundamentais atualmente cometidos na análise econômica tendem a ser devidos a uma falta de experiência histórica, mais que a qualquer outra carência do instrumental de análise dos economistas ( ... ). Duas consequências não auspiciosas podem ser imediatamente deduzidas da argumentação acima. Em primeiro lugar, já que a história constitui uma fonte importante - embora não a única - dos dados do economista e já que, além disso, o economista em si é um produto de seu próprio tempo e de todo o anterior, a análise econômica e seus resultados são certamente afetados pela relatividade histórica, a única dúvida é em que grau isso ocorre. Nenhuma resposta à altura pode ser obtida para essa questão através de uma simples reflexão, motivo pelo qual sua obtenção através de detalhada pesquisa constituirá uma de nossas principais preocupações ( ... ) Em segundo lugar, temos de encarar o fato de que, com a história econômica fazendo parte da economia, as técnicas do historiador são passageiras do grande ônibus que denominamos análise econômica. O conhecimento derivado sempre é insatisfatório. Devido a isso, mesmo aqueles economistas que não são eles mesmos historiadores econômicos, e que meramente leem os relatos históricos feitos por outros, devem entender como surgiram esses relatos, sob pena de não assimilar o real significado (...)”.

Os três campos a que Schumpeter se refere no início dessa longa citação - cujo conteúdo fala por si - são a história econômica, a estatística e a “teoria”. Infelizmente, ele não chegou a aprofundar suas ideias acerca da história econômica no livro que se acaba de mencionar. Ao mesmo tempo, todavia, foi sem dúvida alguém que praticava o que pregava. Basta atentar para seu Business Cycles, originalmente publicado em 1939, para ter um esplêndido modelo de história econômica do mais alto nível. Um modelo que, diga-se de passagem, não tem sido geralmente seguido por seus discípulos atuais, os chamados neo-schumpeterianos - tão em voga ultimamente e que, em sua maioria, se limitam a extrapolar mecanicamente o arcabouço analítico desse importante trabalho, sem se aprofundar em pesquisas históricas da própria lavra.

Voltando-nos para a contribuição de Witold Kula, poderia mencionar inicialmente um pequeno artigo que publicou na França, em 1960KULA, W. (1960) “Histoire et Economie: la longue durée”, Annales, N.S. 15(2).. Nesse artigo, Kula assinalava com muita propriedade que, além de o passado ter dado origem a tudo o que existe e ocorre no presente, este constitui uma de nossas melhores fontes para o estudo daquele e, em consequência, não apenas temos de interrogar o passado para explicar os acontecimentos atuais, como também precisamos investigar o presente para poder inferir o que ocorreu no passado. Em outras palavras, devemos sempre valer-nos de um procedimento alternado, em que nosso principal objeto de estudo não é aquele representado pelo passado ou pelo presente, em (ou por) si mesmos, mas pelos mecanismos de mudança que levam de um para o outro e de ambos para o futuro. Sendo um especialista em metodologia da história econômica, Kula tem ainda outras coisas a dizer a esse respeito, e de fato o disse em seu principal tratado sobre a matéria (Kula, 1977KULA, W. (1977[1963]) Problemas y me todos de la historia económica. Barcelona: Eds. Península. Edição original: Polônia., pags. 49-92 e 571-639). Mas, por falta de tempo e de espaço, não poderemos aqui esmiuçar suas considerações, como teria sido meu desejo.

Em compensação, não podemos deixar de apontar e comprovar a utilidade e a necessidade da teoria econômica e de, pelo menos, alguns conhecimentos de economia aplicada para quaisquer trabalhos de história econômica. Convencer os historiadores da importância da contribuição de ambas constitui, em muitos casos, uma tarefa tão difícil como a persuasão dos especialistas em teoria econômica e/ou em economia aplicada acerca da relevância da história econômica para suas respectivas atividades. Não obstante, esse convencimento deve ser alcançado se quisermos desenvolver uma disciplina verdadeiramente analítica e progressiva, bem como superar a noção de história como mero estudo do passado e as dicotomias entre a teoria e a história de um lado, e entre os raciocínios concreto e abstrato, de outro.

Uma das ilusões daqueles que ignoram a natureza específica das ciências humanas e sociais - entre as quais se deve incluir a história em geral indubitavelmente - ou que não reconhecem suas peculiaridades em face das demais áreas do conhecimento científico consiste em supor que, nesse campo, os dados e as informações relevantes encontram-se livremente disponíveis e prontos para ser coletados e sistematizados por qualquer pessoa e que - com um pouco de tempo, paciência e imaginação - podem ser facilmente reunidos para servir de base a todo tipo de explicações, generalizações e previsões. É possível viver com essa ilusão, mas não por muito tempo.

Na verdade, essa perspectiva irrealista se deriva habitualmente de uma confusão conceitual entre dados, fatos e informações, de um lado, e entre conhecimento científico e conhecimento de senso comum, de outro. A segunda dessas confusões é muito frequente no âmbito das ciências sociais, implicando uma subestimação e até uma falta de conhecimento do papel da teoria, não apenas na construção do objeto da análise científica (ou seja, do objeto de estudo), mas também na própria busca das informações necessárias - especialmente quando estas são consideradas em toda a sua complexidade, como coleções de fatos e fenômenos cuja seleção e ponderação dependem basicamente de uma visão teórica da realidade.

Na história econômica, como em outras disciplinas congêneres, o conhecimento científico não resulta de estudos pontuais e isolados, mas deriva, pelo contrário, de um processo cumulativo e interativo de elaboração e discussão de numerosos trabalhos inter-relacionados, semelhantes ou convergentes em seus propósitos, e cujos resultados são sintetizados em leis e em teorias científicas. Nem estas nem aquelas refletem direta e precisamente a realidade empírica, na medida em que incluem, ao lado de elementos informativos, componentes puramente especulativos. Isso não as impede, todavia - principalmente as teorias científicas - de pretender resumir o conhecimento disponível, propiciando ao mesmo tempo explicações e extrapolações para os fatos e os fenômenos observados.

As teorias científicas, como bem sabemos hoje em dia, têm um caráter provisório e condicional, estando em virtude disso sujeitas a constantes revisões e reformulações que, em última análise, resultam no progresso da ciência. Essas revisões e reformulações são usualmente desenvolvidas através de pesquisas feitas de maneira sistemática. No conhecimento científico de nosso tempo, há uma forte interrelação e interdependência entre a teoria e a pesquisa, com uma constante validação de uma pela outra, e vice-versa. Novas observações da realidade podem invalidar teorias estabelecidas, da mesma forma que novas teorias podem vir a contestar a validade de observações anteriormente efetuadas. Isso é particularmente verdadeiro no âmbito das ciências humanas e sociais, onde a pesquisa e a teoria geralmente avançam juntas na melhoria do conhecimento disponível.

Cada uma dessas abordagens - a teórica e a empírica - tem algo a contribuir para a outra. O principal é sempre ter em mente as interrelações existentes entre elas, por meio das quais a teoria abre novos caminhos à pesquisa empírica e esta se transforma num importante elemento tanto para a construção e validação de teorias quanto para a contestação e substituição delas. O progresso científico pode se dar, e tem se dado, quer através da realização de pesquisas que levam a avanços teóricos, quer mediante a formulação de teorias que induzam à realização de novas pesquisas. A teoria, portanto, constitui simultaneamente o ponto de partida e o destino derradeiro de qualquer pesquisa científica consequente.

Os fatos e os fenômenos (ou fatos recorrentes) se derivam em geral da observação empírica da realidade, sendo, contudo, muito importante diferenciá-los dos simples dados da última. Embora originariamente também possam ter constituído dados, os fatos e os fenômenos representam algo mais que estes, na medida em que resultam de uma seleção deliberada por parte do observador, um procedimento que, implícita ou explicitamente, sempre tende a ser balizado pela teoria. Os fatos e os fenômenos apenas se tornam científicos quando e na medida em que são expressamente vinculados a determinadas teorias; sem essa conexão formal, não passam de simples matéria-prima para a construção de teorias. Os fatos e os fenômenos não possuem luz própria; sempre são, e precisam ser, iluminados por alguma teoria.

Do mesmo modo, toda pesquisa científica deve estar vinculada a algum tipo de arcabouço teórico. A teoria se incorpora à metodologia e aos procedimentos do pesquisador, nenhum dos quais chega a ser neutro, quer do ponto de vista epistemológico, que em termos ideológicos. Uma explicitação prévia do arcabouço teórico adotado pelo investigador é da maior importância, tanto para aumentar a transparência do tema a estudar, como para a compreensão das questões envolvidas na problematização da realidade, na interrogação de seus fatos e fenômenos e na construção do próprio objeto de estudo. Tornando a utilizar a terminologia consagrada por Oskar Lange (1963LANGE, O. (1963) Political economy, vol. I, General Problems. Oxford: Pergamon Press/ PWN., págs. 3-4), podemos dizer que, enquanto este último constitui nosso objeto de trabalho, a teoria vem a ser nosso meio de trabalho. O manuseio adequado de ambos depende da experiência e da imaginação do pesquisador, e tais atributos usualmente se materializam na formulação de suas hipóteses de trabalho.

Pode-se definir as hipóteses científicas como proposições explicativas de cunho provisório baseadas em alguma teoria e tidas como reais até prova em contrário. Trata-se de proposições a validar empiricamente, que ora representam soluções temporárias para determinados problemas, ora se traduzem num programa de investigações a desenvolver. Essas proposições passam a orientar os procedimentos do pesquisador, tornando-se responsáveis não apenas pelo tipo de dados a coletar, mas também pelos modos de sistematizá-los e interpretá-los. A formulação de qualquer hipótese sempre requer um mínimo de imaginação e de sensibilidade por parte do investigador; essas qualidades dependem menos de sua perícia técnica que do grau de “inspiração” no momento, derivada de seu conhecimento da realidade. E esse conhecimento, por sua vez, tem tudo a ver com os aspectos práticos, ou aplicados, de seu objeto de estudo.

Não existem sucedâneos imediatos para a experiência prática, que sempre constitui uma vantagem considerável em quaisquer atividades de pesquisa, inclusive nas de história econômica. Assim, seria muito difícil, se não impossível, investigar a evolução de um ramo produtivo, de uma instituição ou de uma política econômica sem algum entendimento prévio de suas características e de seu funcionamento. Tal entendimento pode ser proporcionado, quer através de um contato e um conhecimento diretos, no caso de entidades e de atividades ainda existentes, quer indiretamente, por meio da utilização de fontes secundárias ou auxiliares - tais como os remanescentes arqueológicos e a literatura técnica ou geral - quando se tratar de entidades e atividades não mais existentes.

Com relação ao primeiro caso, pode-se mencionar como exemplo a absoluta necessidade de um mínimo de familiaridade com os processos de fabricação do açúcar e de cultivo da cana (e/ou da beterraba) para quem deseje estudar o desenvolvimento histórico desse ramos de atividade. E quanto ao segundo, tratando-se por exemplo dos fluxos internacionais de mercadorias na Antiguidade ou na Idade Média, é possível apontar para a necessidade do pesquisador de se familiarizar com a geografia e a numismática das regiões consideradas, com suas respectivas peculiaridades linguísticas e com a evolução das artes e das técnicas, a fim de conseguir reconstituir as trocas comerciais dos períodos em questão.

Contrariamente ao que ocorre com a maioria dos economistas, os pesquisadores que se dedicam à história econômica só rarissimamente chegam a testemunhar os eventos que analisam. De um modo geral, e ainda mais que os outros economistas, eles têm de se basear em todo tipo de documentos e dados indiretos. Sua tarefa não se limita ao exame e à interpretação de um conjunto de fatos e de fenômenos. De um modo geral e numa primeira instância, precisam inclusive “produzir” os fatos e os fenômenos que irão analisar - ou seja, resgatar e reconstituir a realidade a estudar, muitas vezes com base em evidências rarefeitas, dispersas e contraditórias. Como fazer o melhor uso dessas evidências constitui em geral o desafio inicial de todo historiador econômico (Cipolla, 1988CIPOLLA, C.M. (1988) Tra due culture - Introduzione alla storia economica. Bolonha: Soc. Ed. Il Mulino., p. 86).

Aqui também os vários campos da economia aplicada têm muito a contribuir: seus fatos, fenômenos e raciocínios podem ser utilizados como uma primeira aproximação, ou uma analogia temporária, com a realidade que está sendo investigada. Trata-se de um meio auxiliar para encaixar as peças isoladas de um quebra-cabeças no plano empírico. Mas, como no caso dos andaimes na construção de um edifício, esses elementos subsidiários podem e devem ser retirados logo que se tiver alcançado um mínimo de coerência dos fatos e fenômenos a analisar. A partir daí, é a estrutura encontrada que se deve submeter ao escrutínio da teoria econômica, para poder, finalmente, chegar à inferência do processo histórico.

É essa inferência que constitui o verdadeiro objetivo de nossas pesquisas, e não a teoria econômica, que, para o historiador da economia, representa apenas um instrumento de análise, embora indispensável. O processo histórico é algo muito mais complexo que qualquer teoria econômica, e sua análise sempre deve levar em conta a interveniência de numerosas variáveis de natureza não-econômica. A própria história econômica, por mais estribada que esteja em elementos da teoria econômica e dos vários campos da teoria aplicada, representa apenas um passo nessa direção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CIPOLLA, C.M. (1988) Tra due culture - Introduzione alla storia economica. Bolonha: Soc. Ed. Il Mulino.
  • KULA, W. (1960) “Histoire et Economie: la longue durée”, Annales, N.S. 15(2).
  • KULA, W. (1977[1963]) Problemas y me todos de la historia económica. Barcelona: Eds. Península. Edição original: Polônia.
  • LANGE, O. (1963) Political economy, vol. I, General Problems. Oxford: Pergamon Press/ PWN.
  • SCHUMPETER, J.A. (1961) History of economic analysis. Nova York: Oxford University Press, 1961.
  • 1
    As omissões no texto são indicadas por ( ... ). O primeiro grifo é meu, todos os demais são do próprio Schumpeter.
  • 2
    JEL Classification: B20; B41; A22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1992
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