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Comercialização agrícola e desenvolvimento capitalista no Brasil

Agricultural commercialization and capitalist development in Brazil

RESUMO

Este artigo apresenta uma visão alternativa da comercialização agrícola no processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, em contraste com a abordagem funcionalista derivada da teoria econômica neoclássica. A comercialização agrícola é uma atividade de circulação de capital cuja forma depende da organização social da produção agrícola e do desenvolvimento da concentração de capital, ambos determinados pelo processo de modernização da economia brasileira. A conclusão ressalta a tendência à subordinação das atividades de circulação, a crescente importância dos diferentes tipos de capital (cooperativas agrária, comercial, agroindustrial e “empreendedora”) e a valorização financeira do capital utilizado na produção e circulação agrícola.

PALAVRAS-CHAVE:
Agricultura; mercado agrícola; marxismo

ABSTRACT

This paper presents an alternative view of agricultural commercialization in the capitalist development process in Brazil, in contrast with the functionalist approach derived from neoclassical economic theory. Agricultural commercialization is a capital circulation activity whose form depends on the social organization of agricultural production and the development of capital concentration, both determined by the modernization process of the Brazilian economy. The conclusion remark upon the tendency toward subordination of circulation activities, the growing importance of different types of capital (agrarian, commercial, agroindustrial and “entrepreneurial cooperatives”) and of the financial appreciation of capital used in agricultural production and circulation.

KEYWORDS:
Agriculture; agricultural market; marxism

1. INTRODUÇÃO

A maioria dos estudos existentes acerca da comercialização agrícola no Brasil caracteriza-se por uma visão funcionalista, tributária dos preceitos teóricos da economia neoclássica. Seu florescimento a partir de meados dos anos 60 insere-se no quadro mais geral de avanço do pensamento econômico conservador, voltado à elaboração de apreciações “técnicas” sobre as funções da agricultura no desenvolvimento econômico e à formulação de propostas que, além da pretensão de despolitizar o debate sobre a questão agrária, propugnavam pela modernização (conservadora, sem dúvida) da agricultura e, nesse contexto, das estruturas de comercialização. Não por acaso o tema da comercialização recebeu maior atenção específica dessa vertente teórica, dada sua compreensão sobre a natureza da atividade comercial (do conjunto das atividades econômicas, a rigor). O desenvolvimento de uma análise sistemática a esse respeito teve o propósito, inclusive, de construir uma disciplina com objeto próprio - a “economia da comercialização”, - um ramo da chamada “economia rural”.

Fora desse campo teórico, poucos tomaram a comercialização agrícola como objeto principal de suas análises ou ao menos se dedicaram a problematizar o entendimento dominante, apesar das habituais referências que a colocam como um dos elementos determinantes das condições de desenvolvimento das atividades agropecuárias e de suas relações com os demais segmentos da economia. O objetivo deste texto é apresentar as ideias básicas desenvolvidas em trabalho anterior sobre o tema da comercialização agrícola no processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, com ênfase nas transformações ocorridas nas duas últimas décadas.1 1 Tese de doutoramento “Um mal necessário? Comercialização agrícola e desenvolvimento capitalista no Brasil”, Instituto de Economia - Unicamp, setembro 1988. Diga-se desde logo - mesmo sugerindo uma contradição com o anterior - que as reflexões sintetizadas a seguir implicam questionar a especificidade atribuída à comercialização agrícola, em especial sua condição de objeto que requer um instrumental analítico próprio. Contudo, por ter ela sido pouco considerada no bojo da profunda revisão teórica recente acerca do desenvolvimento da agricultura brasileira e sua articulação com o processo econômico em geral, persistem incompreensões derivadas da visão funcionalista mesmo em análises que não integram seu campo teórico. Daí eu ter tomado a comercialização agrícola como objeto de estudo, abordando-a, porém, com base em um referencial teórico alternativo ao neoclássico de forma a contribuir para sua superação.

2. COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA E ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

A construção de uma abordagem alternativa requer de início a negação das várias definições da comercialização agrícola que partem do conjunto de funções que deveriam ser por ela desempenhadas. Nada mais comum e aparentemente elementar que a seguinte definição: “A comercialização de produtos agrícolas ( ... ) envolve todas as atividades, funções e instituições necessárias à transferência de bens e serviços dos locais de produção aos de consumo” (Steele, 1971STEELE, H. L. et al. (1971). Comercialização agrícola. São Paulo, Atlas., p. 23). Note-se que está implícita a tradição de tomar a agricultura como referência primária e considerar como intermediárias todas as atividades que se interpõem entre ela e o consumo final do produto. Essas atividades, por sua vez, correspondem a determinadas funções que, ao serem executadas, adicionam utilidades às mercadorias. As circunstâncias econômicas mais gerais em que se realiza a comercialização (o desempenho das funções) são analisadas com base nos princípios extraídos do modelo neoclássico de equilíbrio dos mercados. Negar tais definições implica negar também seu paradigma principal, que se manifesta nas avaliações das estruturas de comercialização com o objetivo de propor alternativas que tornem o mais eficiente possível o desempenho daquelas funções de forma a beneficiar produtores e consumidores e garantir uma remuneração justa aos que realizam a comercialização.2 2 A formulação mais expressiva e geral diz que “o sistema de comercialização tem o dever de levar os bens e serviços desejados pelo consumidor ao lugar certo, da forma certa, no tempo certo, nas quantidades certas, a preços satisfatórios para os consumidores, produtores e intermediários, e deve fazê-lo com um mínimo de recursos” (Steele, 1971, p. 134).

Em minha análise tenho como pressuposto teórico que a comercialização agrícola constitui uma atividade da esfera de circulação das mercadorias ou, mais propriamente, corresponde à circulação de capitais. A atividade de circulação pode constituir uma função autônoma desempenhada por uma forma particular de capital - o capital comercial. No caso da comercialização agrícola, suas características dependem, segundo a hipótese aqui adotada, da forma de organização da produção agrícola e do desenvolvimento do processo de concentração de capital em geral. Sob certas circunstâncias destacadas adiante, estabelecem-se relações diretas (sem intermediação) entre os proprietários da produção agrícola3 3 Denominação mais adequada que a ambígua “produtores agrícolas ou rurais”. É corrente a utilização desta última para se referir indistintamente aos produtores diretos e aos que se apropriam dos frutos do trabalho alheio; quando for inevitável a referência simultânea a ambos, optei pela denominação de agricultores. e a agroindústria, de maneira que a comercialização do produto agrícola não existe (ou deixa de existir) como um espaço econômico em si, com agentes específicos. Por outro lado, mesmo nos produtos em que há a intermediação realizada pelo capital comercial, ela passou por importantes transformações cujo sentido é dado pelo processo em curso na produção agrícola e na circulação de mercadorias no interior do desenvolvimento capitalista no país.

Essa abordagem implica privilegiar a identificação das formas de capital envolvidas na produção (agrícola e agroindustrial) e na circulação das mercadorias de origem agrícola e das relações que se estabelecem entre elas. Mais que isso, com base numa análise integrada da comercialização agrícola - sem perder de vista as especificidades dos diferentes produtos--, demonstra-se que o desenvolvimento da produção agrícola em bases capitalistas e o avanço da concentração de capital na economia brasileira resultaram na crescente centralização do fluxo de mercadorias agrícolas sob controle do grande capital. O capital agrário, as “cooperativas empresariais”, a agroindústria e o grande capital comercial (em especial as cadeias de supermercados) são as formas de manifestação do grande capital que detêm a hegemonia sobre a produção e a circulação dos produtos agrícolas.

3. COMERCIALIZAÇÃO E PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO

A construção de um referencial empírico que sustente tal perspectiva analítica coloca a questão de ser ele representativo das circunstâncias prevalecentes na produção e circulação de produtos agrícolas no Brasil. Nos limites deste artigo destacarei os aspectos mais importantes da evolução dos produtos escolhidos como referências, quais sejam: laranja, tomate “rasteiro” (industrial), algodão, soja/trigo, arroz, feijão e hortícolas.4 4 Na exposição minuciosa dessa evolução, apresentada na tese, há também referências tópicas ao milho, café e cana-de-açúcar. A pecuária foi excluída por envolver o tratamento de aspectos adicionais que ampliariam em demasia o escopo do trabalho. O critério para sua escolha leva em conta sua importância econômica e social e também o fato de conterem os elementos que se devem ressaltar quanto aos agentes econômicos envolvidos e às relações mercantis que se estabelecem entre eles. Vale mencionar, a propósito, que não se trata de mera justaposição de estudos de caso; daí ter organizado a apresentação a seguir de modo a caracterizar os dois processos que tais referências empíricas expressam. Relembro, ademais, a pretensão manifesta anteriormente de desenvolver uma análise integrada da comercialização - isto é, integrando analiticamente o que os agentes econômicos integram de fato - de modo a fugir da postura convencional que implicaria construir tantas “cadeias de comercialização” quantos são os produtos agrícolas.

Os dois processos referidos dizem respeito à configuração, por um lado, do que considero o padrão moderno de comercialização agrícola. Nele se destacam - além dos proprietários da produção agrícola - dois agentes com natureza e origens diversas, mas que expressam o avanço do processo de modernização capitalista da agricultura brasileira e a crescente integração agricultura-indústria.5 5 As referências neste artigo às transformações ocorridas na produção agrícola destes e dos demais produtos considerados serão apenas as indispensáveis para o entendimento da natureza das relações entre a agricultura e as atividades urbanas ou do desenvolvimento das relações agricultura-indústria. São eles o capital industrial - representado pela agroindústria processadora de produtos alimentares e pela indústria têxtil - e o “cooperativismo industrial”6 6 Sobre a noção de “cooperativismo empresarial”, ver Benetti (1982). Tomadas aqui como uma manifestação específica do grande capital, tais cooperativas envolvem importantes questões em termos das relações econômicas e sociais em seu interior (com cooperados diferenciados entre si) e com os demais agentes econômicos, que não vem ao caso detalhar. . A comercialização da laranja e do tomate industrial ilustram o estabelecimento de relações diretas entre a produção agrícola e a agroindustrial; a chamada “agroindustrialização”, no entanto, é uma das dimensões da industrialização da economia brasileira. O estreitamento dos laços da indústria têxtil com parte importante da cotonicultura possibilita identificar os elos entre as alterações na comercialização agrícola e o processo de industrialização em geral, com seus requisitos de matéria-prima agrícola. O consórcio trigo/soja, por sua vez, constitui o principal exemplo da ascensão das cooperativas que expressaram inicialmente a dinâmica de acumulação do capital agrário (criadas “de cima para baixo”, no dizer de alguns autores), ingressando posteriormente num processo de diversificação econômica de suas atividades, com forte peso na produção agrícola, comercialização e processamento agroindustrial de vários produtos.

O segundo processo refere-se ao que denomino modernização do tradicional e tem por objetivo introduzir na análise o capital comercial propriamente dito. Embora presente em algumas das situações anteriores, a participação do capital comercial é pouco expressiva ou secundária em relação às demais formas de capital. O mesmo não ocorre na comercialização de três dos produtos alimentares considerados básicos (arroz, feijão e milho) e dos hortícolas, onde o capital comercial - em suas diferentes manifestações - desfruta da condição dominante. Aqui se localizam as mais notórias manifestações da intermediação mercantil tradicional e não por acaso constituem as referências empíricas comumente utilizadas nas discussões sobre comercialização agrícola, dado que eram as formas dominantes de “agregação” da produção agrícola. A questão colocada neste caso é identificar como a produção e a comercialização desses produtos refletiram a modernização/integração a que estou me referindo, em particular no que tange às transformações na produção agrícola, no comércio atacadista e à consolidação do grande capital comercial sob a forma das redes de supermercados.

Tomem-se de início aqueles produtos no interior do padrão moderno cuja comercialização se faz através de relações comerciais diretas entre os proprietários da produção agrícola e a agroindústria (laranja e tomate). Na verdade, tais relações são um desdobramento de vínculos mais profundos que se manifestam na própria decisão de produção dos agricultores; a figura do contrato de fornecimento exclusivo entre os tomaticultores e a indústria processadora representa um exemplo extremo dessa integração. Não se depreenda do anterior que a produção agrícola se torna um simples departamento da indústria processadora; ao contrário, vendedores e compradores do produto agrícola são agentes econômicos distintos cujos conflitos, quando da definição do preço do produto, demandam com frequência a mediação estatal. Contudo, esse tipo de relação comercial nega a identificação corrente entre comercialização agrícola e (a existência de) intermediação comercial - base, por sua vez, de colocações pretensamente gerais sobre a problemática da comercialização. Mais que isso, impõe-se a superação da tendência dominante de analisar as questões da comercialização circunscritas à órbita da circulação ou, mais grave, de tomá-las como “questões de mercado”, entendido este último em sua acepção mais vulgar como o espaço econômico onde a produção disponível é ofertada e a compra/venda se concretiza (ou não) segundo os imperativos da lei da oferta e da demanda.7 7 Observação análoga sobre a acepção comum do conceito de mercado na teoria microeconômica convencional se dá em Possas (1987, págs. 164-165).

Uma análise detalhada da produção e comercialização de laranja, tomate industrial, algodão e soja - impossível de reproduzir num artigo - demonstra em diferentes situações o equívoco dos enfoques que privilegiam a tradicional contraposição entre a produção agrícola e a esfera da circulação, ou entre os produtores em geral e os demandantes de seus produtos. Mencione-se, por exemplo, a participação de empresários ligados à citricultura na criação de indústrias processadoras de laranja; e o fato de que foram fundamentais os estímulos provenientes da agroindústria na “criação” do cultivo de tomate “rasteiro”. Até mesmo nas relações que se estabeleceram historicamente entre o grande capital, a cafeicultura e, posteriormente, a cotonicultura, a questão não se colocava naqueles termos. Estes e outros exemplos possíveis revelam que, ao corte analítico que contrapõe a produção e a circulação, se deve sobrepor a consideração da natureza dos agentes econômicos (capital comercial, cooperativas, agroindústria e o próprio capital agrário), sua lógica de reprodução e a dimensão relativa dos capitais envolvidos. Concretamente, não há um confronto dos citricultores em geral com algumas poucas indústrias produtoras de suco de laranja, pois parte deles participa dessa indústria ou mantém com ela relações diferenciadas. Os capitalistas agrários que controlam as grandes cooperativas se beneficiam da atuação destas como capital comercial e, mais recentemente, como capital agroindustrial. Referindo-me a um período histórico anterior, a burguesia agrária cafeeira integrava o grande capital hegemônico no período, que tinha uma face mercantil dominante (Silva, 1976SILVA, Sérgio. (1976) Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega.). Em suma, tomar a agricultura em bloco significa desconsiderar as importantes diferenciações existentes em seu interior. Por outro lado, desconsiderar as distintas naturezas dos agentes (como distintas formas de capital) obscurece a identificação do significado das relações entre eles. Sem, com isso, deixar de levar em conta que a agricultura se coloca em condição subordinada, neste quadro de integração econômico-financeira, em razão dos obstáculos ao pleno desenvolvimento da concorrência capitalista no campo e à consequente concentração de sua produção em níveis compatíveis com a concentração verificada ao nível das atividades urbano-industriais. Voltarei a este ponto adiante.

Com respeito aos produtos que não envolvem processamento industrial e onde o capital comercial (e a intermediação) tem presença dominante, o processo de modernização - a “modernização do tradicional” - significou uma integração crescente de sua produção, beneficiamento e comercialização à lógica de valorização do capital em geral e do grande capital em particular. Os exemplos utilizados compõem o grupo dos tradicionalmente denominados alimentos básicos8 8 Essa classificação está demandando uma rediscussão de seu significado em razão das notórias modificações na composição da cesta de consumo e nos hábitos alimentares da população - para o que, aliás, contribuíram alguns dos fenômenos aqui analisados. , onde se destaca a capitalização verificada na produção de arroz e, em processo posterior e com menor intensidade, do feijão e alguns olerícolas. As principais dimensões da modernização das estruturas tradicionais da comercialização são: a crescente eliminação dos pequenos agentes comerciais e a redução do espaço de atuação do capital comercial como capital usurário (ambas características das conhecidas formas de subordinação da pequena produção); a ligação mais estreita entre a produção agrícola e o atacado; o estabelecimento de um padrão mínimo de beneficiamento dos produtos; a concentração econômica em nível do varejo com fortes repercussões nas instâncias que o antecedem. Ela trouxe consigo a consolidação do grande capital comercial como agente dominante na comercialização daquele produtos, marcada mais especificamente pela ascensão das redes de supermercado e por alterações que transformaram parte do comércio atacadista tradicional em atividade de corretagem.

A tendência à concentração do capital comercial acompanha, obviamente, a já mencionada tendência mais geral de concentração do capital. Ela apresenta uma particularidade por ter se desenvolvido a partir do varejo - atividade comercial por excelência - ao mesmo tempo em que reduziu bastante o peso da intermediação comercial propriamente dita como reflexo da tendência à subordinação das atividades de circulação à medida que se desenvolve a produção capitalista. O peso crescente das redes de supermercado no varejo projetou-se no comércio atacadista e tornou aquela forma de manifestação do grande capital um dos agentes que centralizam o fluxo de mercadorias de origem agrícola; simultaneamente, ocorreu a eliminação de grande parte dos pequenos agentes comerciais que intermediam a produção proveniente de pequenos produtores, cuja participação na oferta de produtos agrícolas também é decrescente.

Um aspecto mais se deriva da análise dos dois processos mencionados, relativo à tradicional diferenciação entre produtos alimentares de mercado interno e aqueles destinados à exportação como critério de diferenciação e fator explicativo da evolução recente dos diversos produtos, inclusive no tocante às políticas governamentais a eles destinadas. Sua insuficiência já foi reiteradamente evidenciada em vários estudos que, como neste caso, destacam o processo de capitalização da produção agrícola em geral (voltada para ambos os mercados) e as relações de boa parte dela com a agroindústria, em franca expansão há pelo menos duas décadas, sem desconsiderar a importância específica do mercado externo na evolução da agricultura e da própria agroindústria brasileira. A questão quanto à produção de alimentos destinados ao mercado interno coloca-se, na verdade, em termos das contradições específicas geradas pelos processos a que estamos fazendo referência. Tome-se, por exemplo, a problemática da formação dos preços dos alimentos - que incorporou os requisitos da produção agrícola em bases capitalistas e o beneficiamento/transformação da maioria deles9 9 A questão dos preços dos alimentos envolve mais que a inclusão de cálculos capitalistas na produção agrícola e o valor adicionado pelo beneficiamento/transformação, pois requer a consideração dos elementos característicos das estruturas de mercado correspondentes. Contudo, essas observações são suficientes para revelar o simplismo das colocações que insistem em definir o nível dos preços dos alimentos conforme o número de intermediários ou de etapas de comercialização, alvo predileto também de vários discursos sobre a problemática do abastecimento alimentar. A propósito, mencione-se que a maior “proximidade” da produção com o varejo e os ganhos de eficiência pela escala de operações e esquemas de integração das redes de supermercados não se refletiram nos preços finais, como pressupunha a política oficial para o setor (v. Cyrillo, 1987). - e sua evolução em face do papel que desempenham na definição das condições de reprodução da força de trabalho e em nosso secular processo inflacionário. Ou então se avalie, para colocar a questão em termos socialmente mais justos, o que tal modernização representou na ampliação das possibilidades de acesso aos alimentos para o conjunto da população e, claro, para o grande contingente de pequenos produtores agrícolas que subsistem no interior desse processo.

A análise da evolução recente das formas de comercialização de vários produtos agrícolas sinteticamente apresentada neste artigo revela, por um lado, um enfoque que em lugar de avaliá-la com base no desempenho de determinadas funções, parte de uma compreensão distinta da natureza e do desenvolvimento das atividades de circulação numa economia capitalista. Por outro lado, procura ter uma visão integrada da comercialização agrícola, tanto no sentido de aglutinar os vários casos concretos em dois processos distintos, porém articulados e inseridos num quadro mais geral, como no de apontar a presença crescente de agentes econômicos (do grande capital) integrando o que comumente se estuda sob a forma de cadeias ou estruturas de comercialização de cada produto agrícola. Essas duas dimensões da análise ficarão mais claras com a sistematização de seus pressupostos teóricos e a problematização da atuação estatal neste campo.

4. TEORIA E POLÍTICA DA COMERCIALIZAÇÃO

Conforme antecipado no item 2, a comercialização constitui uma atividade correspondente à etapa de circulação das mercadorias que, sob certas circunstâncias, pode se converter em função autônoma realizada por uma forma particular de capital - o capital comercial -, que participa como tal da distribuição do excedente econômico gerado. O capital comercial cumpriu historicamente um papel importante na generalização da produção mercantil, porém o desenvolvimento econômico global da sociedade em - especial da produção capitalista - tende a subordinar a circulação de mercadorias (e o capital comercial) à reprodução do capital em geral (Marx, 1974MARX, Karl. (1974) O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Livro 3, Volume 5., págs. 309 e segs.). Nesses termos é que pressuponho que as formas concretas assumidas pela comercialização agrícola (inclusive as possibilidades de participação do capital comercial) dependem, num plano mais imediato, das formas de organização da produção agrícola e do processo de concentração de capital em geral.10 10 Essa formulação geral contempla a possibilidade de subsistirem situações de subordinação da pequena produção agrícola ao capital comercial, analisadas em outro trabalho (Maluf, 1982) com base na noção de subordinação indireta ao capital desenvolvida por Silva (1977). Trata-se de um referencial que pretende ir além da habitual justificativa da intermediação comercial por sua função aglutinadora de uma produção dispersa geográfica e economicamente. No plano da dinâmica econômica, acrescente-se que a tendência à concentração se manifesta também na atividade comercial e que a dimensão relativa dos capitais e a disponibilidade de capital-dinheiro constituem os dois principais instrumentos na disputa entre as formas de capital (no caso, o industrial e o comercial) pela apropriação do excedente econômico gerado (Hilferding, 1973HILFERDING, Rudolf, (1973) El capital financiero. Madrid, Ed. Tecnos., págs. 231-250). Retomarei este ponto adiante.

Concluo portanto que, ao contrário do que sugere a “economia da comercialização”, não há uma questão da comercialização em si que seja teoricamente relevante e geral para toda a atividade agrícola de modo a exigir um instrumental específico de análise. A problemática geral da comercialização é a problemática da produção em sentido amplo (produção e circulação), que, no caso da produção agrícola, requer ainda sua inserção no quadro mais geral do desenvolvimento das relações agricultura-indústria. Para tanto é preciso adicionar ao quadro teórico a noção de industrialização da agricultura (Silva, 1981SILVA, José G. Silva. (1981) Progresso técnico e relações de trabalho na agricultura. São Paulo, Hucitec., p. 43), que expressa as transformações resultantes de um longo processo de modernização capitalista da produção no campo e de integração agricultura-indústria. Por outro lado, recorro ao conceito de estruturas de mercado (Possas, 1987POSSAS, Mário L. (1987) Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo. Hucitec, 22.ed., págs. 160-182)11 11 Sem o equívoco neoclássico de utilizar esse conceito com a perspectiva estática de seus modelos de equilíbrio (Possas, 1987, 88). para caracterizar os setores onde os produtos agrícolas estudados têm participação importante e, em particular, para destacar o significado da comercialização agrícola como instrumento de concorrência, portanto de valorização dos capitais envolvidos, como ocorre no “oligopólio competitivo” e nos “mercados competitivos”. Esses elementos - acrescidos da consideração da natureza dos agentes econômicos (formas de capital), conforme formulação anterior - possibilitam analisar as diversas maneiras como se processa a comercialização agrícola tendo na devida conta os determinantes maiores das relações comerciais que se estabelecem entre a esfera da produção agrícola e a circulação de mercadorias (ou a circulação de capital), inclusive sem contrapô-las de forma simplista.

Devo mencionar sinteticamente as razões que justificam a não-incorporação nessa abordagem da noção de CAI - complexo agroindustrial, por ser um recurso metodológico de ampla utilização no Brasil. Embora haja um debate em curso sobre suas reais possibilidades analíticas, trata-se de uma noção que pode contribuir na análise principalmente dos fenômenos referentes à integração técnico-produtiva entre a agricultura e as atividades à montante e à jusante dela e, segundo algumas vertentes, também no tocante à estratégia de diversificação das empresas. Sem embargo, concluo que ter como critério de recorte da realidade a identificação de CAIs ou a constatação de sua não-formação, em alguns casos, contribuiria pouco para os meus objetivos.

Destaco de início o fato de o emprego corrente dessa noção manter como centro do “recorte” o produto agrícola - apesar de alguns autores não localizarem na agricultura o chamado “núcleo do complexo”-, dificultando o desenvolvimento de uma visão integrada, interessada em verificar o controle crescente que as diferentes formas de capital exercem sobre a produção e a circulação do conjunto das mercadorias de origem agrícola. O que deve ser observado sob a ótica da centralização do fluxo de mercadorias em agentes econômicos que atuam em diferentes produtos, ou sob a ótica da articulação entre os mercados desses produtos, ambos resultantes da concentração de capital e do desenvolvimento das atividades de valorização financeira deles. É possível enfatizar suficientemente a integração agricultura-indústria sem recorrer à noção de CAI, principalmente com a perspectiva de ir além da dimensão técnico-produtiva e tratá-la em termos econômico-financeiros.12 12 Como o fez, por exemplo, Delgado (1985) ao adotar o conceito de integração de capital derivado da análise de Hilferding (1973) sobre a fusão de capitais ou bloco de capitais, para chegar a um conceito de capital financeiro aplicável à agricultura.

Com respeito especificamente à participação do capital comercial, é possível verificar que a criação das estruturas de intermediação e a consolidação de determinados tipos de agentes comerciais se fez com base em produtos de maior expressão econômica regional, incorporando, porém, outros produtos de menor peso ou que não adicionam a essas estruturas nenhuma característica própria relevante. Este é o caso, por exemplo, dos comerciantes atacadistas (regionais ou dos principais centros urbanos) ligados aos cereais e é, também, o caso das cooperativas que muitas vezes têm sua constituição marcada pela evolução de um determinado produto (como o trigo e depois a soja) mas que terminam por participar da comercialização e processamento industrial de vários produtos. O que reforça a importância do enfoque que privilegie a natureza dos agentes econômicos e das relações que se estabelecem entre eles, sem se limitar às cadeias (ou complexos) de cada produto.

Mencionei anteriormente a colocação de Hilferding sobre a importância da disponibilidade de capital-dinheiro como um dos elementos diferenciadores na concorrência entre os vários capitais pela apropriação do excedente econômico. Para aproximar essa colocação geral de meu objeto de estudo, é preciso destacar a importância específica da liquidez para o capital envolvido na circulação de mercadorias - em particular quando se trata de intermediação comercial - e, principalmente, o estreitamento de sua relação com a órbita financeira, com os circuitos de valorização financeira dos capitais. Há uma dimensão especulativa na atividade de intermediação comercial em geral13 13 Relembro que essa abordagem não parte da plena identificação entre capital comercial e intermediação comercial. A atividade de intermediação é aqui privilegiada, pois minha ênfase é na primeira etapa da comercialização, onde participam diretamente os agricultores e o capital comercial se confunde com os intermediários. Aquela diferenciação, contudo, é indispensável para uma correta compreensão do processo de reprodução do capital comercial (particularmente de sua principal forma de manifestação, as redes de supermercado) e para que se definam com mais precisão categorias como lucro comercial e ganho especulativo. , que se manifesta mais fortemente nos produtos agrícolas dada a grande diferença entre seu tempo de circulação e seu tempo de produção (Hilferding, 1973HILFERDING, Rudolf, (1973) El capital financiero. Madrid, Ed. Tecnos., p. 166). Essa dimensão especulativa pode afetar o movimento real das mercadorias, uma vez que a intermediação se caracteriza por ser o transporte no tempo dos estoques dessas mercadorias visando apropriar um ganho diferencial (portanto especulativo). Por outro lado, o caráter especulativo da intermediação é uma manifestação do fenômeno mais geral da circulação do capital como capital-dinheiro em busca de sua valorização na órbita financeira, na qual se destacam, nesse caso, as operações a termo nas Bolsas de Mercadorias. O peso relativamente pequeno destas últimas no Brasil e sua subordinação ao mercado internacional de alguns produtos sugerem que o papel mais importante que cumprem é antes o de garantir a liquidez e a valorização financeira desses capitais, que pelos efeitos que possam ter na definição das operações correntes de compra e venda.

Um último aspecto a tratar diz respeito à importância decisiva da participação do Estado sob as mais distintas formas, que vão mais além dos instrumentos convencionais da política de comercialização agrícola (crédito e garantia de preços). Deve-se mencionar especialmente sua participação como mediador das conflituosas relações entre os capitalistas agrários e a agroindústria. E também as políticas de apoio à modernização das estruturas de comercialização, voltadas a estimular a concentração em grandes agentes mais eficientes e, supostamente, mais adequados para garantir o abastecimento regular e a preços mais baixos, como foram os casos do apoio à expansão dos supermercados e, em boa medida, da criação de entrepostos nos principais centros urbanos.

A maioria das análises sobre a intervenção do Estado na comercialização agrícola preocupa-se em avaliar os “desvios” das políticas oficiais em relação aos objetivos que lhes seriam inerentes (derivados em grande parte de modelos teóricos de extração funcionalista). Os dois exemplos mais frequentes desses desvios são a fixação de preços de garantia (os preços mínimos) insuficientes em face das condições de mercado e a significativa participação de “não-produtores” nos recursos creditícios para comercialização (EGF - Empréstimos do Governo Federal). Nos limites deste artigo farei algumas observações derivadas da abordagem apresentada com o intuito de contribuir na problematização da análise sobre a intervenção estatal. Assim como a comercialização agrícola não é considerada neste enfoque de forma isolada, com mais razão não se pode tomar a política de comercialização como se resultasse, no fundamental, de determinações específicas dessa atividade, inclusive nas iniciativas referentes a seus requisitos operacionais (transporte, armazenagem etc.). Na mesma medida em que as características da comercialização são determinadas pelas transformações na organização da produção agrícola e pelo avanço da concentração de capitais, a política de comercialização define-se nos marcos da política de modernização no campo e do estímulo à consolidação do grande capital agrário e, em especial, do comercial e industrial. Uma retrospectiva dos principais instrumentos de intervenção na comercialização agrícola nos vários períodos históricos revela a substituição, desde fins dos anos 60, da ênfase em intervenções diretas (tímidas) no mercado e no controle dos chamados “açambarcadores” pelo apoio à concentração e integração como forma de modernizar e melhorar a eficiência do setor e, também, de ampliar o grau de controle governamental.

No que se refere especificamente à política de garantia de preços mínimos e à concessão de crédito de comercialização, creio que os “desvios” constatados são, na verdade, indicativos da natureza desses instrumentos e não indícios de contradições entre seus objetivos e sua implementação. A fixação dos preços mínimos abaixo dos níveis de mercado, por exemplo, parece obedecer muito mais a razões de crédito - isto é, às condições em que o volume de recursos disponíveis será oferecido a intermediários/beneficiadores, industriais e médios e grandes agricultores para financiar um determinado volume de estoques - que ao objetivo formal de sustentação de preços ao “produtor” ou mesmo de servir como um dos instrumentos de combate à inflação.14 14 Não por acaso a elevação real do patamar dos preços mínimos a partir de 1982/3 foi entendida por vários estudiosos como urna das compensações dadas pelo governo ao encarecimento do crédito de custeio agrícola. Quanto ao crédito de comercialização propriamente dito (EGF), no tocante à participação expressiva de “não-produtores” na absorção dos recursos, ela reflete em alguns casos a autonomia da comercialização em relação à comercialização agrícola em função do estágio de desenvolvimento desta última. Por outro lado, revela também o controle do armazenamento (da comercialização) pelos agentes privados majoritariamente urbanos, com certa participação do capital agrário. Portanto o fato de o crédito de comercialização contemplar “não-produtores” é coerente com seu objetivo de financiar o transporte no tempo dos estoques, realizado pelos agentes referidos.

Por fim, observo que a ação do Estado, via de regra justificada pela necessidade de compensar o caráter concorrencial da produção agrícola em seu enfrentamento com estruturas oligopsônicas, deve ser analisada a partir da constatação inversa, a saber, considerando as dificuldades colocadas ao pleno desenvolvimento da concorrência capitalista na agricultura, desenvolvimento que o Estado deve em princípio apoiar. Os obstáculos ao desenvolvimento da concorrência no campo, em especial seu principal meio de produção (a terra), impedem a concentração da produção agrícola em níveis semelhantes às atividades urbanas, colocando dificuldades específicas ao capital agrário. Analisar a ação estatal sob este enfoque implica atribuir-lhe, a obedecer ao princípio geral mencionado, o sentido de apoio ao desenvolvimento da concorrência capitalista no campo, que resulta, entre outros, em referendar a diferenciação entre os agricultores, dado que o desenvolvimento capitalista é desigual por sua própria natureza. Há vários aspectos da ação estatal, alguns aqui mencionados, que ratificam ter sido este seu sentido, ao menos nas duas últimas décadas.

5. CONCLUSÃO

A título de conclusão, vale a pena retomar os objetivos iniciais do trabalho, que são, em primeiro lugar, fazer a crítica da visão funcionalista da comercialização agrícola com base em seus principais pressupostos: a caracterização da comercialização como o desempenho de determinadas funções (que incorporam utilidades ao valor das mercadorias) e os princípios derivados dos modelos de equilíbrio de extração neoclássica. Em segundo lugar, desenvolver uma análise da evolução recente da comercialização com base no pressuposto de que ela corresponde à etapa de circulação de mercadorias (portanto, de circulação de capital), que pode ou não se converter em uma função autônoma alvo da aplicação de um capital específico, o capital comercial. Esta análise objetivou também demonstrar que as formas, como a comercialização se verifica, dependem da organização social da produção agrícola e do desenvolvimento da concentração de capital. O enfoque teórico adotado permite concluir que o desenvolvimento capitalista implica a subordinação das atividades de circulação, que, no caso, significou a redução do espaço da intermediação comercial simultaneamente à consolidação do grande capital comercial, acompanhando a tendência mais geral à concentração inerente àquele desenvolvimento. A outra face do processo foi a centralização do fluxo de mercadorias agrícolas, com o grande capital (cooperativas, agroindústria e redes de supermercado) colocando-se como destinatário de parcela majoritária da produção, compartilhando - quase sempre em posição mais vantajosa - com o capital agrário os ganhos gerados. Finalmente, foi possível destacar a importância crescente da dimensão financeira (da valorização financeira) para todas as formas de capital envolvidas na produção e circulação dos produtos agrícolas, em especial aquelas diretamente aplicadas nesta última.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BENETTI, Maria D. (1982). Origem e formação do cooperativismo empresarial no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, FEE, 1982.
  • CYRILLO, Denise C. (1987). “O papel dos supermercados no varejo de alimentos”. Ensaios Econômicos 68, São Paulo, IPE/USP.
  • DELGADO, Guilherme C. (1985) Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo, Ed. Icone/Ed. Unicamp.
  • HILFERDING, Rudolf, (1973) El capital financiero. Madrid, Ed. Tecnos.
  • MALUF, Renato S. (1982) “Algumas questões teórico-metodológicas no estudo da comercialização agrícola”, Textos para Discussão 16, Campinas, IFCH-Unicamp.
  • MARX, Karl. (1974) O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Livro 3, Volume 5.
  • POSSAS, Mário L. (1987) Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo. Hucitec, 22.ed.
  • SILVA, José G. Silva. (1981) Progresso técnico e relações de trabalho na agricultura. São Paulo, Hucitec.
  • SILVA, Sérgio. (1976) Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega.
  • SILVA, Sérgio. (1977). “Formas de acumulação e desenvolvimento do capitalismo no campo, in PINSKY, J. (org.) Capital e trabalho no campo. São Paulo, Hucitec : 7-24.
  • STEELE, H. L. et al. (1971). Comercialização agrícola. São Paulo, Atlas.
  • 1
    Tese de doutoramento “Um mal necessário? Comercialização agrícola e desenvolvimento capitalista no Brasil”, Instituto de Economia - Unicamp, setembro 1988.
  • 2
    A formulação mais expressiva e geral diz que “o sistema de comercialização tem o dever de levar os bens e serviços desejados pelo consumidor ao lugar certo, da forma certa, no tempo certo, nas quantidades certas, a preços satisfatórios para os consumidores, produtores e intermediários, e deve fazê-lo com um mínimo de recursos” (Steele, 1971STEELE, H. L. et al. (1971). Comercialização agrícola. São Paulo, Atlas., p. 134).
  • 3
    Denominação mais adequada que a ambígua “produtores agrícolas ou rurais”. É corrente a utilização desta última para se referir indistintamente aos produtores diretos e aos que se apropriam dos frutos do trabalho alheio; quando for inevitável a referência simultânea a ambos, optei pela denominação de agricultores.
  • 4
    Na exposição minuciosa dessa evolução, apresentada na tese, há também referências tópicas ao milho, café e cana-de-açúcar. A pecuária foi excluída por envolver o tratamento de aspectos adicionais que ampliariam em demasia o escopo do trabalho.
  • 5
    As referências neste artigo às transformações ocorridas na produção agrícola destes e dos demais produtos considerados serão apenas as indispensáveis para o entendimento da natureza das relações entre a agricultura e as atividades urbanas ou do desenvolvimento das relações agricultura-indústria.
  • 6
    Sobre a noção de “cooperativismo empresarial”, ver Benetti (1982BENETTI, Maria D. (1982). Origem e formação do cooperativismo empresarial no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, FEE, 1982.). Tomadas aqui como uma manifestação específica do grande capital, tais cooperativas envolvem importantes questões em termos das relações econômicas e sociais em seu interior (com cooperados diferenciados entre si) e com os demais agentes econômicos, que não vem ao caso detalhar.
  • 7
    Observação análoga sobre a acepção comum do conceito de mercado na teoria microeconômica convencional se dá em Possas (1987POSSAS, Mário L. (1987) Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo. Hucitec, 22.ed., págs. 164-165).
  • 8
    Essa classificação está demandando uma rediscussão de seu significado em razão das notórias modificações na composição da cesta de consumo e nos hábitos alimentares da população - para o que, aliás, contribuíram alguns dos fenômenos aqui analisados.
  • 9
    A questão dos preços dos alimentos envolve mais que a inclusão de cálculos capitalistas na produção agrícola e o valor adicionado pelo beneficiamento/transformação, pois requer a consideração dos elementos característicos das estruturas de mercado correspondentes. Contudo, essas observações são suficientes para revelar o simplismo das colocações que insistem em definir o nível dos preços dos alimentos conforme o número de intermediários ou de etapas de comercialização, alvo predileto também de vários discursos sobre a problemática do abastecimento alimentar. A propósito, mencione-se que a maior “proximidade” da produção com o varejo e os ganhos de eficiência pela escala de operações e esquemas de integração das redes de supermercados não se refletiram nos preços finais, como pressupunha a política oficial para o setor (v. Cyrillo, 1987CYRILLO, Denise C. (1987). “O papel dos supermercados no varejo de alimentos”. Ensaios Econômicos 68, São Paulo, IPE/USP.).
  • 10
    Essa formulação geral contempla a possibilidade de subsistirem situações de subordinação da pequena produção agrícola ao capital comercial, analisadas em outro trabalho (Maluf, 1982MALUF, Renato S. (1982) “Algumas questões teórico-metodológicas no estudo da comercialização agrícola”, Textos para Discussão 16, Campinas, IFCH-Unicamp.) com base na noção de subordinação indireta ao capital desenvolvida por Silva (1977SILVA, Sérgio. (1977). “Formas de acumulação e desenvolvimento do capitalismo no campo, in PINSKY, J. (org.) Capital e trabalho no campo. São Paulo, Hucitec : 7-24.). Trata-se de um referencial que pretende ir além da habitual justificativa da intermediação comercial por sua função aglutinadora de uma produção dispersa geográfica e economicamente.
  • 11
    Sem o equívoco neoclássico de utilizar esse conceito com a perspectiva estática de seus modelos de equilíbrio (Possas, 1987POSSAS, Mário L. (1987) Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo. Hucitec, 22.ed., 88).
  • 12
    Como o fez, por exemplo, Delgado (1985DELGADO, Guilherme C. (1985) Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo, Ed. Icone/Ed. Unicamp.) ao adotar o conceito de integração de capital derivado da análise de Hilferding (1973HILFERDING, Rudolf, (1973) El capital financiero. Madrid, Ed. Tecnos.) sobre a fusão de capitais ou bloco de capitais, para chegar a um conceito de capital financeiro aplicável à agricultura.
  • 13
    Relembro que essa abordagem não parte da plena identificação entre capital comercial e intermediação comercial. A atividade de intermediação é aqui privilegiada, pois minha ênfase é na primeira etapa da comercialização, onde participam diretamente os agricultores e o capital comercial se confunde com os intermediários. Aquela diferenciação, contudo, é indispensável para uma correta compreensão do processo de reprodução do capital comercial (particularmente de sua principal forma de manifestação, as redes de supermercado) e para que se definam com mais precisão categorias como lucro comercial e ganho especulativo.
  • 14
    Não por acaso a elevação real do patamar dos preços mínimos a partir de 1982/3 foi entendida por vários estudiosos como urna das compensações dadas pelo governo ao encarecimento do crédito de custeio agrícola.
  • 15
    JEL Classification: Q13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1992
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