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Regulação de indústrias de rede: entre flexibilidade e estabilidade

Regulation of network industries: between flexibility and stability

Resumo

This paper explores the problems of an unstable regulatory regime in network industries and addresses the tension between the necessary flexibility in the long-term regulatory commitment and the need for institutional stability. A draft statute that substantively changes the initial terms under which fixed telecommunications services have been transferred to private companies - currently under discussion in the Brazilian Congress - is presented as an example of that tension. Some alternative proposals to tackle with universal service challenges - the underlying problem behind the mentioned draft statute - are presented in the end.

regulation; regulatory commitment; network industries; telecommunications


regulation; regulatory commitment; network industries; telecommunications

ARTIGOS

Regulação de indústrias de rede: entre flexibilidade e estabilidade

Regulation of network industries: between flexibility and stability

Alexandre Ditzel FaracoI; Diogo R. CoutinhoII,1 1 Este artigo é uma versão reformulada do trabalho "Riscos de uma regulação instável nas indústrias de rede", apresentado no IV Congresso Brasileiro de Regulação, realizado em Manaus entre 15 e 18 de maio de 2005. Os autores gostariam de agradecer as críticas e sugestões recebidas quando da discussão do texto em reunião plenária do Núcleo Direito e Democracia (projeto temático desenvolvido no Cebrap — Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e em Workshop de Pesquisadores realizado na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EDESP). Em particular, agradecem as críticas de Jean Paul Cabral Veiga da Rocha e a Caio Mário da Silva Pereira Neto.

IDoutor em direito pela USP e advogado (e-mail: rodrigo@hk.com.br)

IIProfessor doutor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP (e-mail: diogorc@fgvsp.br)

ABSTRACT

This paper explores the problems of an unstable regulatory regime in network industries and addresses the tension between the necessary flexibility in the long-term regulatory commitment and the need for institutional stability. A draft statute that substantively changes the initial terms under which fixed telecommunications services have been transferred to private companies — currently under discussion in the Brazilian Congress — is presented as an example of that tension. Some alternative proposals to tackle with universal service challenges — the underlying problem behind the mentioned draft statute — are presented in the end.

Key-words: regulation; regulatory commitment; network industries; telecommunications.

JEL classification: L5, L9, K2, K4

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de discutir alguns desafios da regulação nas indústrias de rede tendo como pano de fundo um debate, mais amplo, sobre a legitimidade da própria ação reguladora em um cenário de liberalização econômica. Argumentaremos que determinadas atividades econômicas cujo desempenho depende necessariamente da utilização de infra-estruturas físicas (redes) têm características próprias que requerem, do ponto de vista do comportamento do regulador, elevado grau de estabilidade de regras, sob pena de prejuízo aos usuários finais, os quais a regulação busca proteger. Essa estabilidade, já relevante no mundo industrial avançado, tem especial importância em países em desenvolvimento, como o Brasil, que convivem com severas restrições de gasto público, além de graves déficits de estoque de infra-estrutura cuja expansão, nesse contexto, depende intensamente de capitais privados.

Argumentaremos, entretanto, que a estabilidade das regras e decisões de política regulatória deve vir acompanhada de mecanismos que admitam flexibilidade e capacidade de adaptação a novos cenários como condições de eficácia operacional e também de legitimidade democrática do próprio regime regulatório. Em outras palavras, é preciso haver lugar para mudanças impulsionadas, entre outros fatores, pelo dinamismo tecnológico e pelo aumento (ou diminuição) do grau de rivalidade entre agentes econômicos que utilizam as redes. Do mesmo modo, mudanças impulsionadas por iniciativas e demandas legítimas de natureza política também devem ser consideradas, sendo, em todos esses casos, necessário avaliar a pertinência das modificações em face do regime regulatório.2 2 Tal como discutido por Habermas (1975), há problemas de legitimidade decorrentes da tensão entre capitalismo e democracia em sociedades complexas. Para esse autor, a economia de mercado proporciona uma forma de integração que não satisfaz os requisitos de reprodução da ordem social. Assim, quando o mercado enfraquece as formas de organização institucional que sustentam regimes democráticos, crises de legitimidade vêm à tona. Embora a perspectiva teórica – isto é, o problema das crises de legitimidade no capitalismo – não seja objeto deste trabalho, sua importância e compreensão são inegáveis, merecendo, sem dúvida, maior aprofundamento. Nesse contexto, sustentamos que deve haver sempre reflexão cuidadosa a respeito da possibilidade de ocorrerem — o que não é raro — efeitos indesejados ou contraproducentes (a despeito das boas intenções que os motivam) da ação reguladora. Essa tensão entre flexibilidade e estabilidade será exemplificada pela discussão da iniciativa (legislativa) de extinção da assinatura da telefonia fixa no Brasil no ano de 2004.

A parte II deste trabalho trata da idéia de "compromisso regulatório", buscando com isso lançar as bases para a compreensão de que há um momento razoavelmente localizável no tempo, em que se definem boa parte das "regras do jogo" envolvendo as relações entre investimento privado e ação reguladora. Também procura explicitar as demandas — freqüêntemente conflitantes — que pesam sobre o regulador em meio a suas tarefas de mediação de interesses. A parte III faz referência à literatura sobre efeitos contraproducentes ou paradoxais da regulação como forma de enfatizar a necessidade de ponderação adequada de meios e fins empregados para seu alcance. A parte IV discute a polêmica em torno da iniciativa de extinção da assinatura na telefonia fixa em 2004. A parte V apresenta de forma breve algumas sugestões que poderiam ter sido consideradas com o mesmo objetivo visado na proposta de extinção da assinatura, mas sem os reflexos negativos desta. Finalmente, a parte VI procura organizar as conclusões do trabalho.

O COMPROMISSO REGULATÓRIO

Sinteticamente, pode-se dizer que, ao longo da década de 1990, em vista de uma série de constrangimentos econômicos e políticos, observou-se que muitos países em desenvolvimento valeram-se de processos de privatização como forma de recuperar, por meio da atração do capital privado, a capacidade de investimento nos setores de infra-estrutura. Nesse contexto, as empresas estatais postas à venda foram tecnicamente avaliadas com base em expectativas de rentabilidade futura — o que permitiu atribuir-lhes uma estimativa de valor líquido presente. Essa foi, em linhas muito gerais, o método que presidiu os leilões de privatização de empresas prestadoras de serviços públicos.

O valor presente da empresa, por sua vez, foi estimado em um contexto no qual o montante de investimentos compulsórios (metas exigidas como contrapartidas à aquisição)3 3 Em geral, obrigações de universalização e qualidade. Parte desses investimentos compulsórios é lucrativa em razão da existência de demanda reprimida, parte deles é deficitária em razão de baixos níveis de renda dos futuros "clientes". reduzia o valor máximo que, supostamente, o comprador interessado pagaria pela empresa. Em outras palavras, investimentos requeridos como contrapartida à exploração privada do serviço público — nos países latino-americanos de tradição jurídica continental, em geral por meio do instituto da concessão de serviço público — foram computados por ocasião do cálculo do valor oferecido em leilão por interessados.4 4 Isso equivale a dizer que as privatizações podem representar uma circunstância na qual o preço presente de uma estatal pode ser reduzido em função de investimentos futuros cujo financiamento se originará da exploração lucrativa dos serviços públicos prestados. O mesmo se pode dizer das expectativas de rentabilidade futura do empreendimento associado ao serviço público, cujo cálculo leva em consideração a ação e supervisão reguladora de uma autoridade pública setorial.

Nesse contexto, pode-se então dizer que a conjuntura — e também o cálculo econômico nos leilões — em que se deu a privatização na década de 1990 no Brasil, projeta efeitos no tempo, especialmente nas concessões de serviço público cujos prazos são em geral longos (20, 25 ou 30 anos). As circunstâncias da privatização têm, em suma, papel determinante no investimento privado, na sua expectativa de rentabilidade e no desenho de uma regulação de longo prazo e de mobilidade limitada em razão da vigência de contratos de concessão.

É relevante, além disso, destacar algumas características das chamadas indústrias de rede, por meio das quais muitos serviços públicos são prestados (e, do ponto de vista econômico, muitas externalidades positivas são geradas). Essas indústrias são intensivas em capital (demandando, por isso, investimentos públicos em larga escala), duráveis, imóveis e implicam pesados sunk costs (custos afundados ou irrecuperáveis). Proporcionam economias de escala significativas, geram externalidades de consumo e "prendem" seus usuários a elas — isto é, o consumidor dos serviços está propenso a não trocar de ofertante. Essas redes, ademais, em muitos casos exemplificam bem o conceito de monopólio natural, decorrente da circunstância na qual a operação de apenas uma firma mostra-se mais eficiente do que qualquer outra estrutura de mercado em razão das mencionadas economias de escala subjacentes (Newbery, 2001; e Shy, 2001).5 5 Ainda que para muitos setores, como é o caso das telecomunicações, a existência de monopólios naturais esteja sendo questionada por meio da tentativa de criação de ambientes concorrenciais, a existência de concorrência potencial não afasta os argumentos aqui desenvolvidos, mas, pelo contrário, tende a confirmá-los. Isto é: mesmo em um contexto de concorrência, a existência de sunk costs continuará marcante. Ademais, a possibilidade de outros agentes econômicos entrarem no mercado aumenta a percepção de risco do regulado. Por fim, tais redes enfrentam o desafio da permanente expansão não somente em termos físicos, mas também em termos de capacidade de fruição por parte de cidadãos que, em muitos casos — no Brasil evidentes —, vivem em áreas remotas e/ou de massa de renda deprimida. Em outras palavras, redes de serviços públicos enfrentam o desafio de sua universalização.

Se essas indústrias de rede passam a ser controladas por empresas privadas, a regulação deve então assegurar — o que não é nada fácil — que as demandas dos consumidores sejam atendidas, assim como assegurar, simultaneamente, retornos razoáveis aos investidores. Esses últimos devem, ainda, ser estimulados a repassar aos consumidores ganhos de produtividade e inovações tecnológicas e/ou gerenciais. A regulação deve, enfim, buscar uma espécie de "ponto ótimo", no qual as tarifas para o consumidor sejam as mais baixas possíveis sem prejuízos de retornos considerados adequados para os investidores privados. Tudo isso, vale dizer, não ocorre no vazio. Subjacente à ação reguladora, muito freqüentemente se encontra um contrato de concessão que, juntamente com a primeira, encerra o núcleo desse compromisso de longo prazo.

Outra característica dessas indústrias de rede é a de que, na maior parte dos casos, os consumidores não podem simplesmente abandonar sua empresa prestadora de serviço público. Não há, em razão das características de monopólio natural apontadas ou de uma concorrência apenas incipiente, "portas de saída" para o consumidor — a quem só resta, no caso de insatisfação, vocalizar demandas perante o regulador ou o Judiciário e aguardar a ação destes. Investidores privados, por seu turno, devem fazer investimentos de grande vulto e de maturação longa. Nesse contexto, é até certo ponto natural que estes temam pela segurança de seus retornos — em específico, o risco de que seus ativos e projeções de rentabilidade sejam expropriados direta ou indiretamente, de forma bem-intencionada ou oportunista pelo poder público (Spiller e Vogelsang, 1997:607).

Se esses investidores pressentirem que haverá qualquer forma de expropriação, suspenderão ou atrasarão os investimentos imediatamente, evitando prejuízos e/ou repassando perdas aos consumidores. Esse fato — o risco ou a concretização de medidas regulatórias identificadas com a expropriação de ativos ou de rentabilidade — especialmente em países em desenvolvimento, aumenta o "prêmio" exigido pelo investidor para assumir a concessão.

Veja-se, com isso, que parece haver uma dada altura em que, em um Estado regulador pós-privatizações, definem-se e cristalizam-se as "regras do jogo". Trata-se de um momento — razoavelmente localizável no tempo em cada setor regulado — em que se forma entre o poder público e os investidores privados o que se chama, no jargão da regulação,6 6 Sabemos que a expressão "compromisso regulatório" carrega consigo uma carga ideológica marcante. Trata-se de uma expressão correntemente utilizada por organismos multilaterais cujas propostas de reforma do setor público e organização institucional da regulação de mercados subseqüente são francamente liberalizantes e, em termos jurídicos, associadas ao paradigma do "rule of law", mormente propugnado pelo Banco Mundial. Cientes disso, empregaremos a expressão compromisso regulatório sem aderir a essa carga ideológica de fundo, tão-somente por ser um termo recorrente na literatura que trata da problemática neste trabalho explorada. de compromisso regulatório (ou regulatory commitment). É, assim, de uma espécie de pacto inicial que, se por um lado não é imutável, por outro só pode ser alterado, conforme o senso comum cristalizado, de modo oportuno e nunca de maneira extemporânea, uma vez que alterações atabalhoadas costumam levar, dada a opção passada pelo financiamento privado da infra-estrutura, a prejuízos para os cidadãos.

Muitos países em desenvolvimento, o Brasil entre eles, definiram em grande medida (embora não de modo definitivo ou estanque, o que evidencia, do ponto de vista econômico, a incompletude desse tipo de contrato) os termos de seus compromissos regulatórios ao longo do processo de alienação de suas estatais. As condições de aquisição e os investimentos requeridos como contrapartidas em geral constavam dos editais de licitação (ou documentos equivalentes nas privatizações) ou, na hipótese de já haver alguma estrutura regulatória criada, de regras editadas pela agência (ou ministério) encarregada pelo setor. Diante do quadro de constrangimentos econômicos mencionado, a maximização do valor da venda nos leilões — representando quase sempre ganhos de curto prazo destinados ao abatimento da dívida pública — em alguns casos sobrepujou o planejamento mais cuidadoso dos investimentos requeridos no longo prazo.7 7 O setor de telecomunicações, de certo modo, é considerado uma exceção a essa tensão entre ganhos de curto prazo e desenho institucional de um aparato regulador a ser perenizado por meio da concepção e elaboração de regras estáveis e de um cronograma de revisão e atualização de regras. Isso fez com que, somadas aos imperativos de adaptação que não podiam ser de fato antecipados, as regras de regulação sejam, no presente, objeto de iniciativas de alterações que alcançaram o núcleo do compromisso regulatório.

Esse núcleo é a equação econômico-financeira8 8 Em termos jurídicos, ver o Capítulo IV da Lei 8.987/95, em especial o § 2º do artigo 9º — a Lei de Concessões de Serviços Públicos. dos contratos. Ela afeta diretamente a regulação subseqüente que, por sua vez, opera de maneira limitada quando se trata de alterar ou modificar estruturalmente os termos da primeira. Este ponto merece, portanto, ênfase: a regulação futura é determinada em grande parte pelas opções técnicas e políticas que faz o governo que outorga as concessões; momento em que se desenha, por assim dizer, o coração do compromisso regulatório.9 9 Para uma discussão a respeito dos dilemas de países em desenvolvimento quando da elaboração de contratos de concessão em contextos de privatização, ver Crampes e Estache (1997).

Diante desse quadro, é de se entender o modo como o "abalo" do compromisso regulatório — tanto por parte do poder público como por parte da empresa privada — representa um risco para a regulação de serviços públicos. Além das conseqüências jurídicas que podem advir da modificação abrupta de um contrato de concessão (ou de seu descumprimento pelo concessionário), há um efeito simbólico poderoso em países que dependem do ingresso e, em especial, da permanência de capitais estrangeiros. A ameaça de mudança das regras com o jogo em curso pode sinalizar uma falta de comprometimento, cujas conseqüências — que não podem ser antecipadas precisamente —, envolvem aspectos outros de governo que não somente a regulação. Dito de outro modo, certas medidas regulatórias podem afetar a percepção de risco do investidor privado que, por seu turno, se alastra contagiando outros investimentos presentes ou futuros em outros setores.10 10 Vale mencionar que não se trata aqui do argumento conservador e, muitas vezes, "terrorista", segundo o qual toda e qualquer mudança regulatória que afete a disposição de investir no Brasil é herética, como querem alguns economistas ortodoxos. O que se procura ressaltar é o fato de que mudanças — bem ou mal implementadas, oportunas ou extemporâneas, técnicas ou populistas — afetam o equilíbrio construído quando da privatização e da celebração da concessão, e que isso é imediatamente "precificado" pelo mercado com quem, por sua vez, não se pode mais deixar de contar após as privatizações.

Por outro lado, a regulação que se segue à privatização pode revelar — é natural e desejável que assim seja — a necessidade de alteração de regras que constam desse compromisso. Se é verdadeiro dizer, nesse contexto, que a regulação é uma forma de relacionamento entre o poder público e os mercados, faz sentido admitir que a qualidade e a intensidade desse relacionamento estejam (ao menos em parte) sujeitas aos ciclos eleitorais, às decisões de política setorial e à vontade do legislador. Além disso, estão com certa freqüência sujeitas a mudanças de natureza técnica (evolução tecnológica) e/ou econômicas (erosão das características de monopólio natural).

Dito de outro modo, a mudança da regulação pode decorrer de diversos fatores, direta ou indiretamente relacionados à legitimidade da ação reguladora do Estado brasileiro, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal. Pode haver ainda situações de crise imprevisíveis (choques externos, por exemplo), crises de oferta ("apagões") ou de demanda (alta inadimplência) que afetem as expectativas do regulador, e do regulado. Tudo isso demandará a adoção de procedimentos cautelosos, embora não necessariamente ortodoxos ou conservadores, por parte do regulador para que possa corrigir a rota de sua intervenção sem expropriar indevidamente rendas pactuadas.

Todavia, nas circunstâncias em que o compromisso regulatório não é suficientemente claro ou sofre ameaças de fissura, criam-se brechas para "oportunismos" pós-celebração de contratos de concessão de ambos os lados. Quanto mais longo, aliás, o prazo das concessões, maior parece ser a probabilidade de desentendimentos entre o concessionário e o regulador, de sorte que os investimentos, os custos de operação, os lucros, o desempenho da firma privada, as metas de universalização e o cumprimento da legislação (ambiental ou relativa aos direitos do consumidor, por exemplo) podem ser prejudicados. Quando o investidor antevê a instabilidade institucional, pode haver, como dito antes, sub-investimento ou atraso no cumprimento de obrigações (efeito hold up).11 11 Circunstâncias de hold up podem ocorrer também em sentido contrário (isto é, um golpe oportunista no regulador), como explicam Parker e Kirkpatrick (2002:6): "the precise result of opportunistic behaviour depends crucially, however, on the relative bargaining power of the regulated and the regulator. Alternatively, the regulator and hence the government could be subject to hold up, where post-contract private investors demand a tariff or other contract adjustment in their favour and the regulator has no alternative supplier to turn on". Pode haver ainda, sendo esse resultado freqüente, aumento de tarifas como forma de repasse de custos, pois é certo que a empresa privada dificilmente incorpora prejuízos.

Parker e Kirkpatrick (2002) mencionam um exemplo ocorrido na África do Sul, quando, em abril de 2001, a concessionária Siza recusou-se a realizar um pagamento previamente acertado com um município, sob a alegação de que tivera resultados financeiros decepcionantes. O município, nos termos do contrato de concessão, poderia ter retaliado a concessionária aplicando-lhe uma multa contratual. Contudo, em razão da óbvia falta de concessionário alternativo, os preços tiveram de ser aumentados em 15% para restaurar a rentabilidade da Siza.

Nesse contexto, pode-se dizer, em síntese, que a regulação presente opera de maneira limitada quando se trata de alterar ou modificar os termos do compromisso regulatório firmado e cristalizado no passado. Essa é a lógica econômica que explica a existência, na ordem jurídica, da idéia de equilíbrio econômico-financeiro das concessões. Se isso é correto, o tratamento casuístico ou demagógico dos reajustes tarifários implica o estremecimento do compromisso regulatório e pode, em prejuízo de todos, levar à suspensão dos investimentos privados ou, em razão da elevação da percepção de risco regulatório, vir a exigir um indesejável aumento futuro das tarifas públicas, ou provocar o atraso do cumprimento de obrigações de investimento e de garantia de qualidade.

Tais conclusões, todavia, devem ser tomadas com cautela quando se trata de modificações na regulação decorrentes de iniciativas legítimas, tal como discutido antes, no âmbito do jogo democrático. Propostas de lei ou de diretrizes de política setorial não devem ser sumariamente presumidas "demagógicas", "oportunistas" ou "casuísticas". Elas podem, em outras palavras, ser perfeitamente legítimas — embora, em alguns casos, inoportunas. Isso traz mais uma vez à tona a tensão entre estabilidade e flexibilidade.12 12 As divergências entre órgãos técnicos e órgãos políticos e, sobretudo, os conflitos entre diferentes racionalidades na administração pública no capitalismo contemporâneo são tratadas por Offe (1985: 300-348).

REGULAÇÃO CONTRAPRODUCENTE

É freqüente que se diga que a regulação de atividades econômicas pode se resultar indesejável por representar uma intervenção contraproducente no funcionamento dinâmico dos mercados. Assim, não surpreende que haja, na literatura, abundante discussão a respeito de efeitos paradoxais da regulação. "Por paradoxos do Estado regulador", explica Sunstein (1990:407), "me refiro a estratégias que se aniquilam (self-defeating strategies)" — estratégias que alcançam um fim precisamente oposto àquele almejado. Ou, como afirma Grabosky (1995: 345), "o velho adágio de que o caminho do inferno está coberto de boas intenções se aplica a muitos aspectos da vida, neles incluída a política regulatória".

Exemplos de efeitos indesejados (ou contraproducentes) da regulação — e, de resto, de normas jurídicas em geral — são inúmeros: tentativas de controle da poluição por automóveis, por regras de limitação a emissões de gás carbônico, podem terminar por aumentar custos, o que, ao final, faz com que motoristas continuem usando seus velhos carros poluidores. Tentativas de redução de níveis de poluição por meio da regulação, igualmente, podem levar a mais poluição em razão do emprego de produtos tão poluidores quanto os que se pretendeu eliminar. Regras de proteção a minorias — e políticas de ação afirmativa em geral — podem voltar-se contra elas, uma vez que podem exacerbar ódio e intolerância. Menciona-se, ainda, o fato de que, muitas vezes, regras de regulação que têm por fim evitar determinados resultados socialmente indesejáveis, funcionam como profecias auto-realizáveis ou como incentivos perversos para seu descumprimento (Grabosky, 1995:354).13 13 Outros exemplos são mensagens emitidas por reguladores a respeito de riscos de determinada atividade que podem levar à "propaganda" e à promoção desses mesmos riscos. Informações a respeito de espécies animais em extinção, por exemplo, por parte de reguladores, acompanhadas de informações a respeito do preços que essas espécies alcançam nos mercados negros, podem incentivar atividades que se busca inibir.

No que diz respeito à regulação social — imposição de metas de investimento não, lucrativos em serviços públicos e reajustes tarifários que não refletem inteiramente os custos do setor, por exemplo — alguns argumentam ser uma forma de política distributivista, que pode trazer consigo ineficiências colaterais. Quando se quantificam e somam tais ineficiências, segue o argumento, conclui-se que resultaram maiores que os benefícios que almejava-se alcançar.

Regras de regulação bem-intencionadas podem, além disso, levar a reações do tipo "adaptação criativa" (agente regulado procura meios de esquivar-se da incidência da regra) ou "observância criativa" (o agente regulado obedece a regra, mas de modo a mitigar seus efeitos). Para muitos, os mercados simplesmente "ajustam" os ônus trazidos pela intervenção estatal, de modo que, ao final, os resultados podem, novamente, ser opostos àqueles inicialmente desejados.

No Brasil — passa-se a este ponto agora — procurou-se, em pelo menos duas situações recentes, impor regras de regulação no setor de telecomunicações, que, a despeito de serem bem-intencionadas, legítimas e orientadas pelo objetivo de beneficiar as camadas de baixa renda, produziram efetivamente (ou poderiam produzir, caso não tivessem sido freadas pelo judiciário ou pelo embate político) efeitos indesejados: a discussão em torno do reajuste das tarifas de telefonia fixa, em 2002 e, a iniciativa de extinção da assinatura, em 2004. A segunda delas será discutida abaixo.

A PROPOSTA DE EXTINÇÃO DA ASSINATURA, O COMPROMISSO REGULATÓRIO E O EQUILÍBRIO ECONÔMICOFINANCEIRO NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DO STFC

O quadro no qual se insere a regulação do setor de telecomunicações no Brasil apresentou, em 2004, uma discussão tipicamente casuística e dissociada dos meios de revisão que lhe conferem uma certa flexibilidade, a qual tem o potencial de produzir uma instabilidade indesejável no setor. Trata-se da proposta legislativa de extinção da cobrança da assinatura mensal para os usuários do serviço telefônico fixo comutado (STFC).

Aprovada a proposta, no momento da redação deste trabalho em discussão no Legislativo, ter-se-á um elemento inesperado sendo introduzido na regulação do setor, rompendo-se o período de relativa estabilidade desta desde a privatização, que indubitavelmente contribuiu para a realização dos investimentos que ampliaram significativamente a disponibilidade de acesso ao STFC.

Em 2001 o deputado Marcelo Teixeira (PMDB-CE) apresentou o Projeto de Lei 5476/01, que modifica a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97 — LGT) e propõe a extinção do item assinatura da cesta de remuneração do STFC. O deputado Teixeira afirmou que as elevadas tarifas cobradas pelas empresas de telefonia fixa vêm dificultando o acesso do consumidor de baixa renda ao serviço. O relator da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Bittencourt, que deu parecer favorável ao projeto, enfatiza que o custo da assinatura mensal passou de R$ 0,65, em 1995, para a média atual de R$ 30,00. O PL propõe alteração do artigo 103 da LGT, que passaria a vigorar com a seguinte redação: "§ 3º-A. Nas ligações telefônicas realizadas por meio de serviço de telefonia fixa comutada prestada em regime público, o assinante pagará apenas os pulsos e minutos efetivamente utilizados".

A justificativa apresentada pelo parlamentar é que, "com o objetivo de assegurar ao consumidor menos favorecido o acesso à telefonia, oferecemos este texto, que determina ao órgão regulador a definição de um plano básico em que a tarifa seja formada apenas pela remuneração dos pulsos e minutos efetivamente usados pelo assinante, protegendo dessa forma o cliente que efetua pequeno número de ligações. Em vista da importância de assegurar a universalização dos serviços, não apenas pela oferta do terminal, mas através de condições para seu uso efetivo, conclamo os ilustres Pares a apoiar esta iniciativa".

A extinção da assinatura na telefonia fixa, nos termos antes descritos, embora legítima do ponto de vista de sua gênese no processo democrático, poderá levar a uma ruptura do compromisso regulatório no setor de telecomunicações, com o potencial de gerar os efeitos deletérios antes destacados. A assinatura corresponde, atualmente, a uma expectativa de receita das concessionárias, garantida pelo contrato de concessão. Não decorre apenas de uma decisão tomada de forma unilateral pelas concessionárias, mas se insere no âmbito de uma política tarifária fixada pelo próprio regulador.

Os contratos de concessão do STFC na modalidade local contemplam, expressamente, a possibilidade de ser feita uma cobrança periódica (a assinatura) que tem como contrapartida apenas a manutenção do acesso ao usuário. Segundo o Anexo III desses contratos, que descreve o plano básico do serviço local de oferta obrigatória pela concessionária, também integram a "cesta" tarifária os seguintes componentes: tarifa de habilitação, que pode ser cobrada quando o usuário obtém acesso ao serviço, por meio da disponibilização de uma linha própria; tarifa de assinatura, a ser paga mensalmente, para a manutenção do direito de uso do serviço; e o pulso, cobrado em função da duração das chamadas feitas pelo usuário14 14 Os modelos vigentes de contratos de concessão para a prestação do STFC, nas modalidades local, longa distância nacional e longa distância internacional, foram aprovados pela Resolução ANATEL nº 26/98. É oportuno notar que os modelos de contrato de concessão que passarão a ser utilizados a partir de 2006 mantêm regras de equilíbrio semelhantes àquelas encontradas nos contratos atualmente em vigor (os modelos foram aprovados pela Resolução ANATEL nº 341/03). .

O valor máximo que os contratos fixam para cada um desses componentes obviamente leva em conta a receita total que poderá ser auferida pela concessionária. Em outras palavras, o valor do pulso foi fixado em determinado patamar considerando que a concessionária teria receitas também em função das tarifas de habilitação e de assinatura. A não consideração de um dos itens da "cesta" quando da elaboração do contrato de concessão, implicaria o aumento dos valores atribuídos aos outros itens.15 15 Os contratos de concessão de STFC utilizam, para fins de fixação da tarifa, do mecanismo de price-cap, no qual são fixados valores máximos para os fatores que compõem a tarifa, permitindo-se à concessionária optar por fazer uso de valores mais baixos. Concomitantemente, é estabelecida uma forma de reajuste dos valores máximos que leva em conta um fator pré-fixado. Os reajustes são feitos a partir de um índice geral de inflação do qual se subtrai o referido fator.

Sob essa perspectiva, a proposta de extinção da assinatura pode se mostrar, na prática, inócua e mesmo contraproducente para os fins que visa, gerando uma indesejável situação de instabilidade na regulação do setor. Isso porque os contratos de concessão do STFC, como é regra nesse tipo de relação com o poder público, contêm cláusulas visando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessionária.

Bem compreendida, essa cláusula não deve ser vista como uma garantia de retorno certo sobre o investimento feito, o que a experiência demonstra poder ser bastante ineficiente. Está relacionada à preservação de certas condições mínimas, existentes no momento de celebração do contrato, que permitam ao agente privado ter um certo grau de previsibilidade quanto à relação de longo prazo na qual está ingressando. Nesse sentido é que se afirmou, anteriormente, que a cláusula contém, em grande medida, o núcleo do compromisso regulatório.

Essa ressalva é importante para que não se pretenda derivar dessa garantia um direito absoluto à imutabilidade das condições iniciais da concessão. Isso porque, tradicionalmente, o direito administrativo chegou a atribuir tal caráter à cláusula de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro — o que decorria do próprio tipo de regulação que era adotado para os denominados serviços públicos, com base na existência de monopólios públicos, cujas tarifas eram definidas considerando os custos totais da empresa regulada e acrescentando uma taxa de retorno sobre o capital investido.

Dessa forma, a concessionária poderia pretender ter assegurado um rendimento mínimo pelo seu investimento e, conforme o caso, exigir a revisão das tarifas se aquele não estivesse sendo auferido por algum motivo que não lhe pudesse ser diretamente imputado16 16 Conforme explicava Hely Lopes Meirelles (1977:205): "O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do particular contratante, objetiva um lucro através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o modo e forma de prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público". . Assim, se o poder público decidisse alterar certas condições de prestação do serviço, deveria modificar as tarifas de forma a preservar a expectativa de retorno da concessionária.

Não parece, todavia, ser adequado seguir adotando tal perspectiva de forma rígida, especialmente em contextos nos quais os serviços concedidos passaram a ser prestados em um ambiente de concorrência. No atual modelo de regulação do setor de telecomunicações, abandonou-se a metodologia de fixação tarifária baseada no cômputo dos custos e na garantia de uma taxa de retorno à concessionária, assim como se rompeu com a estrutura de monopólio.17 17 Na prática, salvo em poucos segmentos do mercado, a ruptura legal do monopólio não implicou em amplas mudanças estruturais no setor, especialmente no que se refere à telefonia local. A mera eliminação de barreiras legais à entrada, numa atividade que exige altos investimentos específicos ( sunk costs), não garante a contestabilidade do mercado. Como demonstra a chamada teoria dos mercados contestáveis, quanto maior a existência de sunk costs, menor a probabilidade de que novos concorrentes ingressem em dado mercado (Baumol e Sidak, 1994). Uma das formas pelas quais o regulador procura contornar esse problema é, no caso das telecomunicações, por meio da imposição de obrigações de compartilhamento da infra-estrutura representativa desses sunk costs (como no caso do chamado unbundling, que procura garantir, ao entrante, acesso a elementos desagregados das redes já existentes). Em tese, isso reduziria o volume de investimentos necessários para ingressar no mercado, aumentando conseqü entemente sua contestabilidade. No caso brasileiro, porém, a regulação quanto à matéria é ainda bastante insuficiente (cf. Faraco, 2004). É preciso, portanto, adequar a aplicação da garantia do equilíbrio econômico-financeiro a esse novo cenário, reconhecendo que houve uma certa flexibilização da regulação nesse ponto.

A entrada de um concorrente mais eficiente, que ganhe uma parcela de mercado da concessionária, tende a provocar uma queda na taxa de retorno. Se a cláusula em questão fosse aplicada na forma tradicionalmente concebida, o ingresso de um concorrente implicaria uma revisão tarifária. Ora, um aumento de tarifa levaria a uma perda ainda maior de participação no mercado, a menos que o poder concedente impusesse um valor mínimo a ser praticado pelo concorrente, o que tornaria absolutamente sem sentido um modelo setorial baseado na concorrência.

Nos atuais contratos de concessão do STFC, não obstante haver referência à garantia do equilíbrio econômico-financeiro (Capítulo XII), exclui-se expressamente qualquer pretensão que decorra de modificações das condições do mercado e alterações provocadas pelo fato de a concessionária vir a enfrentar a concorrência de outras empresas. Assim, os prejuízos decorrentes da perda de participação no mercado, resultantes da entrada de novos concorrentes, não são compensáveis por meio de uma revisão dos termos da concessão e da tarifa, nem gerarão uma pretensão de indenização contra o poder público. Há, portanto, um grau de incerteza e um componente de risco implícitos quanto à compensação econômica que efetivamente caberá ao prestador do serviço, conforme fica claro no texto dos contratos de concessão.18 18 "Cláusula 12.1. — Constitui pressuposto básico do presente Contrato a preservação, em regime de ampla competição, da justa equivalência entre a prestação e a remuneração, vedado às partes o enriquecimento imotivado às custas de outra parte ou dos usuários do serviço, nos termos do disposto neste Capítulo. § 1º — A Concessionária não será obrigada a suportar prejuízos em decorrência do presente Contrato, salvo se estes decorrerem de algum dos seguintes fatores: I — da sua negligência, inépcia ou omissão na exploração do serviço; II — dos riscos normais à atividade empresarial; III — da gestão ineficiente dos seus negócios, inclusive aquela caracterizada pelo pagamento de custos operacionais e administrativos incompatíveis com os parâmetros verificados no mercado; ou IV — da sua incapacidade de aproveitar as oportunidades existentes no mercado, inclusive no atinente à expansão, ampliação e incremento da prestação do serviço objeto da concessão. § 2º — É também vedado o enriquecimento imotivado da Concessionária decorrente da apropriação de ganhos econômicos não advindos diretamente da sua eficiência empresarial, em especial quando decorrentes da edição de novas regras sobre o serviço. § 3º — Fará jus a Concessionária à recomposição de sua situação inicial de encargos e retribuições, quando circunstâncias de força maior ou calamidades afetarem de forma significativa a exploração do serviço, observado sempre, como parâmetro, o reflexo destas situações nos prestadores de serviços no regime privado. § 4º — Na avaliação do cabimento da recomposição de que trata o parágrafo anterior, será considerada, entre outros fatores, a existência de cobertura do evento motivador da alteração da situação econômica inicial pelo Plano de Seguros previsto na cláusula 23.1.".

As alíneas I e IV, do § 1º, da Cláusula 12.1., claramente afastam qualquer pretensão à recomposição das tarifas por alterações nas condições de mercado. O § 1º da Cláusula 12.2. é ainda mais explícito, ao dispor que "não importará na revisão de tarifas o prejuízo ou a redução de ganhos da concessionária decorrente da livre exploração do serviço em condições de competição ou da gestão ineficiente dos seus negócios". Adicionalmente, os contratos de concessão expressamente estatuem que a concessionária não terá direito a qualquer espécie de exclusividade, nem poderá reclamar direito quanto à admissão de novos prestadores do mesmo serviço, no regime público ou privado.

É importante perceber que as modificações das condições de mercado, excluídas da proteção contida na Cláusula 12.1., abrangem não apenas as hipóteses em que novas concessões ou autorizações de STFC sejam outorgadas pela ANATEL. A modificação de condições competitivas pode decorrer de movimentos de preços ou de inovações tecnológicas que permitam ao consumidor substituir o STFC por serviços que apresentem funções análogas, por preços equivalentes ou inferiores.

Já se verifica, por exemplo, uma substituição dos telefones fixos por móveis, na modalidade de pré-pagos, sendo comum encontrar pessoas de menor poder aquisitivo que possuem exclusivamente uma linha móvel. Mais recentemente, modificações tecnológicas têm viabilizado a oferta em maior escala da telefonia pela Internet (VoIP), inclusive em segmentos de mercado mais rentáveis, como o dos clientes empresariais. Nessas duas situações, a concessionária não teria qualquer pretensão à recomposição tarifária nos termos da Cláusula 12.1. Eventuais perdas de mercado estariam dentro do âmbito normal de risco de uma atividade empresarial explorada em regime de concorrência. Aliás, a possibilidade de um empresário ser afetado por inovações desenvolvidas por outros, que garantam reduções de custo ou a oferta de novas utilidades aos consumidores, é indissociável de qualquer ambiente econômico concorrencial.

Nesse contexto, os contratos de concessão e a forma flexível como concebem a questão do equilíbrio econômico-financeiro, simplesmente refletem a sistemática introduzida pela LGT, sob a qual a imposição de um regime de serviço público para alguns operadores não afasta a circunstância de que se pretende, para o setor como um todo, criar um ambiente de rivalidade que abranja inclusive aqueles agentes que atuam no âmbito público.19 19 Já no artigo 6º da LGT, estatuiu-se que "[o]s serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as operadoras". Ao se tratar especificamente das concessões, estabeleceu-se que estas "não terão caráter de exclusividade", assim como se deve considerar o "ambiente de competição" na definição das áreas de exploração, número de prestadoras, prazos de vigência e prazos para admissão de novas prestadoras (artigo 84 e seu § 1º). Também nesse contexto, é permitida a prestação de uma mesma modalidade de serviço concomitantemente em regime público e privado (artigo 65). A LGT admite, assim, a existência de concorrência entre prestadoras atuando em regime público e outras atuando em regime privado.

É inegável, portanto, que o próprio regime de serviço público foi adaptado aos influxos que marcam a nova forma de regular o setor. Isso é verificado tanto no âmbito das relações entre as operadoras, nas quais claramente pretende-se privilegiar o desenvolvimento de mecanismos de mercado, como nas próprias regras que disciplinam a relação entre o poder público e as concessionárias. Nessas, há uma flexibilização no tocante ao que tradicionalmente caracteriza o regime dos agentes privados que atuam sob a forma de serviço público, como se percebe do modo como se disciplinou a garantia do equilíbrio econômico-financeiro20 20 Não há nisso ofensa ao artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Esse dispõe que, nas contratações feitas mediante licitações públicas, devem ser "mantidas as condições efetivas da proposta", mas não garantindo um retorno mínimo. No presente caso, as condições da proposta do concessionário já deveriam considerar a possibilidade de perdas provocadas por novas entradas. .

Todavia, as observações feitas acima não significam que a consideração do equilíbrio econômico-financeiro seja um dado irrelevante nos atuais contratos de concessão. Pelo contrário, pois existem cláusulas expressas nesse sentido conforme citado anteriormente, que visam, exatamente, preservar certas condições existentes no momento da contratação, ainda que sem traduzir um direito amplo à recomposição da equação econômico-financeira inicial do contrato.

Embora o direito conferido à concessionária não alcance situações decorrentes de modificações nas condições de mercado, inegavelmente abrange hipóteses em que um ônus maior ou adicional decorre de imposição unilateral pelo poder público, conforme inequivocamente estabelece a cláusula 12.3.21 21 "Cláusula 12.3. — Independentemente do disposto na cláusula 12.1., caberá revisão das tarifas integrantes do Plano Básico do Serviço Local em favor da Concessionária ou dos usuários, nos termos do art. 108 da Lei nº 9.472, de 1997, quando verificada uma das seguintes situações específicas: I — modificação unilateral deste Contrato imposta pela ANATEL, que importe variação expressiva de custos ou de receitas, para mais ou para menos, de modo que a elevação ou redução de tarifas seja imposta pela necessidade de evitar o enriquecimento imotivado de qualquer das partes; II — alteração na ordem tributária posterior à assinatura deste Contrato que implique aumento ou redução da lucratividade potencial da Concessionária; III — ocorrências supervenientes, decorrentes de fato do príncipe ou fato da Administração que resultem, comprovadamente, em alteração dos custos da Concessionária; IV — alteração legislativa de caráter específico, que tenha impacto direto sobre as receitas da Concessionária de modo a afetar a continuidade ou a qualidade do serviço prestado; ou V — alteração legislativa que acarrete benefício à Concessionária, inclusive a que concede ou suprime isenção, redução, desconto ou qualquer outro privilégio tributário ou tarifário, consoante do previsto no § 3º do art. 108 da Lei nº 9.472, de 1997. § 1º — Não importará na revisão de tarifas o prejuízo ou a redução de ganhos da Concessionária decorrente da livre exploração do serviço em condições de competição ou da gestão ineficiente dos seus negócios. § 2º — Não será aplicável a hipótese de revisão prevista no inciso II do caput desta cláusula quando a alteração na ordem tributária implicar criação, supressão, elevação ou redução em impostos incidentes sobre a renda ou o lucro da Concessionária, como o Imposto sobre a Renda, que não impliquem oneração administrativa ou operacional. § 3º — Não caberá revisão de tarifas nas hipóteses previstas nesta cláusula quando os eventos ensejadores da revisão já estiverem cobertos pelo plano de seguros previsto na cláusula 23.1. § 4º — As contribuições da Concessionária ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações e ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações não ensejarão revisão das tarifas.

Busca-se, com isso, oferecer um mínimo de segurança necessária para que o investidor decida por realizar os investimentos consideráveis relacionados à concessão. A atuação em um mercado concorrencial sempre representa riscos para o empresário. São esses riscos que o forçam a buscar maior eficiência e qualidade para não perder espaço. Pela própria configuração que se deu ao setor de telecomunicações, com o rompimento da estrutura anterior de monopólio não faria sentido, enfim, preservar o agente privado desses riscos inerentes a qualquer atividade econômica prestada em ambiente de concorrência. É apropriado, por outro lado, garantir-lhe contra mudanças que lhe podem ser impostas não por um movimento próprio do mercado, mas por uma decisão unilateral do poder público.

Um aumento dos encargos de universalização atribuídos à concessionária para além daqueles já fixados quando do início da concessão, exemplificariam uma situação na qual alguma espécie de compensação à concessionária precisaria ser garantida (por via do acesso a recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações/Fust — vide tópico seguinte). Igualmente, a proibição de se cobrar um valor pela assinatura poderia levar a tal pretensão por meio de uma revisão tarifária, na qual as receitas perdidas fossem compensadas com aumentos de outros itens da cesta de tarifas. Daí porque a proposta legislativa de extinção da assinatura tenderia a ter efeitos práticos apenas durante o lapso de tempo necessário para se proceder administrativamente à recomposição das tarifas.

Respeitada a cláusula de equilíbrio econômico-financeiro contida nos contratos de concessão, e feito o devido processo de revisão tarifária após a extinção legislativa da assinatura, a conseqüência provável seria um aumento do valor do pulso ou do valor cobrado pela habilitação. No caso do pulso, é plausível imaginar que as contas daqueles que não utilizam toda a franquia de pulso contida na assinatura (e que em tese se beneficiariam com sua extinção) voltassem a patamares próximos ao que vigia com a assinatura (exceto para aqueles consumidores que utilizam o telefone primordialmente para receber chamadas). Com relação aos demais consumidores, não é improvável cogitar um aumento no valor de suas contas em decorrência do aumento do pulso. Por outro lado, se a revisão atingisse o valor cobrado pela habilitação, a extinção da assinatura poderia ter o paradoxal efeito de dificultar ainda mais o acesso ao serviço.22 22 Este cenário é hipotético, isto é, não decorre de simulação baseada em estudo detalhado do comportamento do consumidor brasileiro de STFC. Embora seja possível argumentar que o inverso seja verdadeiro e que os consumidores poderiam não ser afetados pela mudança em muitos casos, tal avaliação não foi feita no contexto das propostas legislativas aqui comentadas. O que se pretende demonstrar, apenas, é que uma proposta sem base técnica e análise de impactos econômicos, além de feita sem levar em consideração os demais aspectos do marco regulatório, pode trazer um desequilíbrio às relações entre poder público e regulado, e sequer alcançar os resultados pretendidos.

Assim, para que se pudesse garantir o efeito prático de longo prazo visado com a proposta de proibição da cobrança da assinatura, poderia ser necessário aprofundar ainda mais uma fissura nos termos do pacto inicial, afastando a aplicação de uma das cláusulas nucleares dos contratos de concessão, que visa garantir à concessionária uma certa segurança e estabilidade para os significativos investimentos que é obrigada a fazer. Mas isso por certo geraria uma situação de instabilidade ainda maior no setor, na qual se veria, com razoável margem de probabilidade, um retardamento na realização de novos investimentos e um conflito entre regulador e regulado que, por sua vez, afetaria o cumprimento de outras obrigações constantes dos contratos de concessão (como aquelas relativas à universalização e qualidade do serviço).

No limite, em tal quadro de instabilidade, conforme discutido no tópico II, é possível que uma ameaça do regulador de extinção da concessão e outorga dela a um terceiro interessado represente estímulo insuficiente para evitar o conflito referido e o inadimplemento de obrigações da concessionária, pois seria difícil encontrar um investidor interessado em assumir a operação diante da insegurança jurídica criada.23 23 Poderia-se cogitar quadros extremos onde isso não ocorreria, como na hipótese de encampação sem o pagamento de qualquer indenização e posterior outorga a novo concessionário apenas para exploração e manutenção da rede existente (o qual, dispensado de realizar qualquer investimento, poderia ter interesse em assumir a operação). Aqui, o efeito negativo se verificaria dentro de um prazo mais longo, quando fosse necessário identificar fontes para financiar uma expansão da rede.

O que se percebe, em suma, é que uma medida pontual, dissociada de todo um quadro regulatório existente e de um compromisso fixado entre regulador e regulado, pode ter efeitos opostos àquele pretendido. Isso é ainda mais grave quando se constata que o compromisso regulatório adotado no caso das telecomunicações brasileiras não é absolutamente rígido e contempla um certo grau de abertura e flexibilidade.

Primeiramente, assim, não há qualquer proteção às concessionárias em relação a mudanças decorrentes do dinamismo tecnológico ou do acirramento da concorrência. Também não há vedação à estruturação de formas diferenciadas de serviços que pudessem atender a demanda visada com a medida aqui criticada. Adicionalmente, há a previsão de, num espaço de tempo relativamente curto após a privatização e a celebração dos contratos de concessão, serem feitas revisões das condições existentes por meio da assinatura de novos contratos (o que deverá ocorrer em 2006). Por fim, existe toda uma sistemática legal voltada para garantir a universalização dos serviços de telecomunicações, à qual se poderia ter recorrido para alcançar os efeitos pretendidos com a extinção da assinatura. Em suma, existem alternativas que não provocariam uma instabilidade na regulação do setor, nem teriam o potencial de gerar efeitos indesejáveis (algumas das quais serão mencionadas no próximo tópico). Note-se que este argumento não é conservador no sentido de voltar-se para a defesa dos interesses das empresas concessionárias. O que ele suscita é a importância de uma discussão adequada sobre os efeitos de uma mudança como a proposta no PL.

Nesse sentido, fica clara a relevância de que haja mais intensa interlocução entre o poder Legislativo e o órgão regulador setorial — nesse caso, a ANATEL manifestou-se contrariamente ao fim da assinatura mais de uma vez —, bem como a importância de que iniciativas legislativas sejam resguardadas por estudos técnicos que permitam cogitações sobre causalidades plausíveis.

É relevante que se diga ainda que as considerações acima foram feitas sem uma análise detalhada da situação econômico-financeira das concessionárias. Nesse quadro, parece inegável que a extinção da assinatura suprimiria uma expectativa de receita legítima sob os contratos de concessão (e, conseqüentemente, teria um impacto financeiro certo sobre as concessionárias). Não é improvável, todavia, que as concessionárias sofressem em seus resultados um impacto muito menor do que aquele que divulgam na mídia, podendo absorver a perda de receita sem comprometimento do retorno sobre o investimento em função de ganhos de eficiência, avanços tecnológicos e mudanças de padrão de consumo advindos desde a assinatura dos contratos de concessão.

Contudo, essa especulação não seria suficiente para afastar as críticas feitas anteriormente à forma como se propôs extinguir a assinatura no âmbito legislativo. Como já dito, não houve qualquer consideração de tal natureza (análise de impactos e efeitos econômicos) na elaboração das propostas de mudança da LGT. Por outro lado, o marco regulatório existente contempla mecanismos para evitar que ganhos com avanços tecnológicos sejam inteiramente apropriados pela concessionária, em prejuízo dos usuários. Além da já mencionada previsão de assinatura de novos contratos em 2006, momento em que isso poderia ser feito, também há no artigo 108, § 2º, da LGT, a determinação de que devem ser "compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência [ANATEL], os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas".

Em outras palavras, o próprio compromisso regulatório em curso contém, em tese, mecanismos que permitem exigir das concessionárias uma repartição com os consumidores dos ganhos que estejam tendo em função de alterações nas condições de prestação dos serviços. A LGT indica que isso deve ser feito no contexto de um processo administrativo junto à ANATEL, no qual se possa efetivamente avaliar a existência de ganhos a serem compartilhados.24 24 Não se pretende afirmar que o Poder Legislativo não poderia atuar nesse sentido por meio de mudanças na legislação que permitissem alcançar o resultado visado pelo artigo 108, § 2º, da LGT. Seria, inclusive, uma forma de contornar a eventual captura do regulador pelo regulado, que levasse a uma omissão da Agência na aplicação do referido dispositivo legal. O que se enfatiza ao longo do texto, porém, é o caráter oportunista das propostas legislativas que, em nenhum momento, se preocuparam em compreender o marco regulatório, averiguar eventuais mudanças nas condições de prestação dos serviços ou identificar uma evidente omissão da ANATEL. Trata-se, assim, de ação que leva a um aumento da incerteza quanto às regras aplicáveis ao setor, implicando num aumento da percepção de risco do regulado.

PROPOSTAS ALTERNATIVAS PARA O ACESSO À TELEFONIA FIXA PELAS CAMADAS DE BAIXA RENDA

A proposta legislativa aqui analisada, embora inadequada e causadora de efeitos potencialmente opostos em relação ao fim que almeja, tem por motivação um problema que de fato existe no setor de telecomunicações. Não obstante a significativa expansão da oferta do STFC nos últimos anos, desde a privatização do Sistema Telebrás, ainda não se verifica uma difusão ampla do serviço nas classes de menor poder aquisitivo (pelo menos no que se refere à obtenção de acesso a um terminal particular). Desse fato derivaria, em parte, a legitimidade do Legislativo em buscar formas de adequar a regulação a objetivos reconhecidos como curiais pela própria legislação.

São bastante conhecidos os dados sobre a ociosidade de um grande número das linhas instaladas, como conseqüência do cumprimento, pelas concessionárias, das obrigações de universalização que assumiram. Conforme divulgado pelo Ministério das Comunicações, o número de acessos fixos passou de 14,6 milhões em 1995 para 49,4 milhões em setembro de 2002.25 25 Cf. < www.mc.gov.br>. Todavia, o número de acessos efetivamente em serviço correspondia a apenas 38,5 milhões. Essa significativa diferença está relacionada à incapacidade de parte da população de suportar o custo de manter uma linha (e não, obviamente, ao atendimento completo da demanda existente no país).

Diante desse cenário, mostra-se necessário discutir alternativas que efetivamente possam tornar o STFC acessível a um maior número de pessoas. Centrar a questão exclusivamente em torno da assinatura básica não é, como argumentado, a melhor solução. A redução do custo do serviço para as camadas de menor poder aquisitivo precisa ser inserida no contexto de uma política de universalização coerente, que não pretenda ignorar todo o cenário sob o qual o setor evoluiu nos últimos anos.

Mais do que isso, não pode redundar em efeitos possivelmente contrários aos que se almeja alcançar em razão do repasse dos aumentos de custos sobre as operadoras para os consumidores, caso em que, exemplarmente, ter-se-ia grande exemplo de inadequação de meios a fins — além da produção de efeitos indesejados pela regulação. Note-se que não se questiona em momento algum as boas intenções subjacentes à proposta de extinção da assinatura; o que está em questão é o modo e o momento de concretizá-las.26 26 Parece já ter transcorrido tempo suficiente para se constatar que a política de universalização do acesso às telecomunicações no Brasil não tem obedecido uma estratégia perene e coerente. Com efeito, com a sucessão de governos e reguladores, a regulação desse setor tem perdido em continuidade e em objetividade, ficando as políticas ao sabor dos planos da equipe do momento. Desnecessário dizer o quanto isto é nocivo às finalidades buscadas e à própria consolidação da regulação.

Como exemplos de políticas de universalização de acesso que cumpririam esse propósito, podem ser destacadas as seguintes hipóteses:27 27 A formulação dessas hipóteses foi feita em conjunto com Caio Mario da Silva Pereira Neto, a quem agradecemos pela frutífera interlocução. (i) desoneração seletiva de tributos para cidadãos de baixa renda; (ii) confecção de planos diferenciados de serviços com preços reduzidos; e (iii) subsídios por meio da utilização de recursos do Fust (Lei 9.998/00).

Em relação à desoneração da carga tributária, constata-se que os serviços de telecomunicações sofrem atualmente a incidência de ICMS a alíquotas bastante altas. Em geral, o imposto é cobrado a uma alíquota de 25%, mas existem Estados que fixam percentuais ainda maiores. Evidente, portanto, o peso dos tributos nas contas telefônicas. A redução seletiva dessa carga tenderia a reduzir o valor das contas de consumidores de baixa renda. Isso poderia ser feito a partir da identificação de critérios objetivos, a partir dos quais a alíquota reduzida seria aplicada (como, por exemplo, a aplicação da alíquota a contas residenciais até determinados valores). Claro que a viabilização dessa hipótese, além de estar sujeita à problemática própria de políticas redistributivas, envolve um difícil compromisso envolvendo todos os Estados, para os quais as receitas tributárias provenientes dos serviços de telecomunicações são significativas.

A segunda opção já chegou inclusive a ser aventada pela ANATEL, embora não tenha sido efetivamente implementada.28 28 Cf. Consulta Pública 457, de 6 de junho de 2003, sobre o Acesso Individual Classe Especial (AICE) do STFC. Passaria pela confecção de planos alternativos de serviço, voltados para as necessidades e possibilidades econômicas de consumidores de menor renda. Um exemplo seria a oferta de telefones fixos "pré-pagos", com valor de assinatura bastante baixo e uma tarifa de pulso mais alta. Outros exemplos de serviços diferenciados poderiam incluir franquias de pulsos mais baixas, descontos na assinatura com limitação da gama de serviços oferecidos (limitação de chamadas interurbanas ou para terminais móveis, por exemplo).

A terceira sugestão passaria pela utilização de recursos do Fust, fundo criado para a universalização dos serviços de telecomunicações pela Lei 9.988/00. O próprio artigo 5º da referida Lei menciona o "atendimento de comunidade de baixo poder aquisitivo" dentre seus objetivos. O subsídio em questão poderia ser estruturado de duas formas: (i) subsídios diretos para operadoras que disponibilizassem os serviços a usuários de baixa renda; ou (ii) vouchers entregues a usuários que pudessem ser utilizados para adquirir os serviços de quaisquer operadoras.

Nenhuma das hipóteses aventadas acima teria impactos previsíveis de antemão tão diretos sobre os termos do que chamamos aqui de compromisso regulatório. A desoneração tributária seria bem-vinda pelas operadoras de telefonia (embora reduzisse a arrecadação dos Estados). O emprego dos recursos do Fust seria igualmente bem-vindo, dessa vez por toda a sociedade. Já a proposta de um novo pacote de serviços do tipo telefone fixo "pré-pago" teria seu lugar quando da renegociação dos contratos de STFC, de acordo com um cronograma previamente estabelecido.

Seriam, em resumo, formas mais adequadas de se lidar com o problema do acesso às telecomunicações sem que a essas medidas se seguissem efeitos indesejáveis que, com razoabilidade, se podem prever. E teriam, tal como no caso da evolução do VoIP — que tem barateado significativamente o preço das ligações locais, interurbanas e internacionais — a vantagem adicional de não esbarrar no compromisso regulatório, goste-se ou não dele.

CONCLUSÕES

É recomendável cautela com a utilização de enunciados generalizantes que não levem em conta a heterogeneidade dos setores regulados. Se por um lado a regulação é um termo que designa uma certa forma de atuação do Estado, ela pode e deve assumir contornos específicos, pois as características próprias dos setores regulados é que moldam a regulação, e não o contrário. Quando se trata, porém, da discussão a respeito da eficácia das normas de regulação em geral, pode-se dizer que mudanças na regulação devem ser implementadas engenhosamente de forma a se manter, em princípio, o equilíbrio formado quando da celebração das concessões em indústrias de rede.

Como se observou ao longo deste trabalho, alterações extemporâneas de regras de regulação, mesmo quando destinadas à realização de finalidades das quais dificilmente se discorda, podem ser contraproducentes e, ao final, prejudicar justamente os interesses que se quis proteger. Isso porque — e a iniciativa de extinção da assinatura na telefonia fixa chegou a descortinar a iminência desse resultado — o abalo do compromisso regulatório pode levar a um ou mais dos três seguintes desfechos: aumento de tarifas, redução de investimentos, atraso no cumprimento de obrigações ou aumento da percepção geral de risco do investidor.

Isso não significa que a regulação deva ser estanque. Ao contrário, sua maleabilidade e capacidade de adaptação devem ser valorizadas e perseguidas. Mais do que isso, deve-se ter em conta o fato de que mudanças na regulação podem estar lastreadas em pleitos legítimos de órgãos não-técnicos. Nesse contexto, iniciativas legislativas para alterar o curso da regulação são saudáveis e podem ter o condão de promover o controle e a prestação de contas das autoridades reguladoras — tecnocráticas por essência. O que se argumentou neste trabalho é que tais iniciativas não se podem furtar a uma discussão mais concreta a respeito de efeitos de normas que, por bem-intencionadas que sejam, estão sujeitas a um argumento razoável de que podem resultar contraproducentes.

Submetido: julho 2005; aceito: fevereiro 2006.

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  • 1
    Este artigo é uma versão reformulada do trabalho "Riscos de uma regulação instável nas indústrias de rede", apresentado no IV Congresso Brasileiro de Regulação, realizado em Manaus entre 15 e 18 de maio de 2005. Os autores gostariam de agradecer as críticas e sugestões recebidas quando da discussão do texto em reunião plenária do Núcleo Direito e Democracia (projeto temático desenvolvido no Cebrap — Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e em Workshop de Pesquisadores realizado na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EDESP). Em particular, agradecem as críticas de Jean Paul Cabral Veiga da Rocha e a Caio Mário da Silva Pereira Neto.
  • 2
    Tal como discutido por Habermas (1975), há problemas de legitimidade decorrentes da tensão entre capitalismo e democracia em sociedades complexas. Para esse autor, a economia de mercado proporciona uma forma de integração que não satisfaz os requisitos de reprodução da ordem social. Assim, quando o mercado enfraquece as formas de organização institucional que sustentam regimes democráticos, crises de legitimidade vêm à tona. Embora a perspectiva teórica – isto é, o problema das crises de legitimidade no capitalismo – não seja objeto deste trabalho, sua importância e compreensão são inegáveis, merecendo, sem dúvida, maior aprofundamento.
  • 3
    Em geral, obrigações de universalização e qualidade. Parte desses investimentos compulsórios é lucrativa em razão da existência de demanda reprimida, parte deles é deficitária em razão de baixos níveis de renda dos futuros "clientes".
  • 4
    Isso equivale a dizer que as privatizações podem representar uma circunstância na qual o preço presente de uma estatal pode ser reduzido em função de investimentos futuros cujo financiamento se originará da exploração lucrativa dos serviços públicos prestados.
  • 5
    Ainda que para muitos setores, como é o caso das telecomunicações, a existência de monopólios naturais esteja sendo questionada por meio da tentativa de criação de ambientes concorrenciais, a existência de concorrência potencial não afasta os argumentos aqui desenvolvidos, mas, pelo contrário, tende a confirmá-los. Isto é: mesmo em um contexto de concorrência, a existência de
    sunk costs continuará marcante. Ademais, a possibilidade de outros agentes econômicos entrarem no mercado aumenta a percepção de risco do regulado.
  • 6
    Sabemos que a expressão "compromisso regulatório" carrega consigo uma carga ideológica marcante. Trata-se de uma expressão correntemente utilizada por organismos multilaterais cujas propostas de reforma do setor público e organização institucional da regulação de mercados subseqüente são francamente liberalizantes e, em termos jurídicos, associadas ao paradigma do "rule of law", mormente propugnado pelo Banco Mundial. Cientes disso, empregaremos a expressão compromisso regulatório sem aderir a essa carga ideológica de fundo, tão-somente por ser um termo recorrente na literatura que trata da problemática neste trabalho explorada.
  • 7
    O setor de telecomunicações, de certo modo, é considerado uma exceção a essa tensão entre ganhos de curto prazo e desenho institucional de um aparato regulador a ser perenizado por meio da concepção e elaboração de regras estáveis e de um cronograma de revisão e atualização de regras.
  • 8
    Em termos jurídicos, ver o Capítulo IV da Lei 8.987/95, em especial o § 2º do artigo 9º — a Lei de Concessões de Serviços Públicos.
  • 9
    Para uma discussão a respeito dos dilemas de países em desenvolvimento quando da elaboração de contratos de concessão em contextos de privatização, ver Crampes e Estache (1997).
  • 10
    Vale mencionar que não se trata aqui do argumento conservador e, muitas vezes, "terrorista", segundo o qual toda e qualquer mudança regulatória que afete a disposição de investir no Brasil é herética, como querem alguns economistas ortodoxos. O que se procura ressaltar é o fato de que mudanças — bem ou mal implementadas, oportunas ou extemporâneas, técnicas ou populistas — afetam o equilíbrio construído quando da privatização e da celebração da concessão, e que isso é imediatamente "precificado" pelo mercado com quem, por sua vez, não se pode mais deixar de contar após as privatizações.
  • 11
    Circunstâncias de
    hold up podem ocorrer também em sentido contrário (isto é, um golpe oportunista no regulador), como explicam Parker e Kirkpatrick (2002:6): "the precise result of opportunistic behaviour depends crucially, however, on the relative bargaining power of the regulated and the regulator. Alternatively, the regulator and hence the government could be subject to
    hold up, where post-contract private investors demand a tariff or other contract adjustment in their favour and the regulator has no alternative supplier to turn on".
  • 12
    As divergências entre órgãos técnicos e órgãos políticos e, sobretudo, os conflitos entre diferentes racionalidades na administração pública no capitalismo contemporâneo são tratadas por Offe (1985: 300-348).
  • 13
    Outros exemplos são mensagens emitidas por reguladores a respeito de riscos de determinada atividade que podem levar à "propaganda" e à promoção desses mesmos riscos. Informações a respeito de espécies animais em extinção, por exemplo, por parte de reguladores, acompanhadas de informações a respeito do preços que essas espécies alcançam nos mercados negros, podem incentivar atividades que se busca inibir.
  • 14
    Os modelos vigentes de contratos de concessão para a prestação do STFC, nas modalidades local, longa distância nacional e longa distância internacional, foram aprovados pela Resolução ANATEL nº 26/98. É oportuno notar que os modelos de contrato de concessão que passarão a ser utilizados a partir de 2006 mantêm regras de equilíbrio semelhantes àquelas encontradas nos contratos atualmente em vigor (os modelos foram aprovados pela Resolução ANATEL nº 341/03).
  • 15
    Os contratos de concessão de STFC utilizam, para fins de fixação da tarifa, do mecanismo de price-cap, no qual são fixados valores máximos para os fatores que compõem a tarifa, permitindo-se à concessionária optar por fazer uso de valores mais baixos. Concomitantemente, é estabelecida uma forma de reajuste dos valores máximos que leva em conta um fator pré-fixado. Os reajustes são feitos a partir de um índice geral de inflação do qual se subtrai o referido fator.
  • 16
    Conforme explicava Hely Lopes Meirelles (1977:205): "O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do particular contratante, objetiva um lucro através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o modo e forma de prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público".
  • 17
    Na prática, salvo em poucos segmentos do mercado, a ruptura legal do monopólio não implicou em amplas mudanças estruturais no setor, especialmente no que se refere à telefonia local. A mera eliminação de barreiras legais à entrada, numa atividade que exige altos investimentos específicos (
    sunk costs), não garante a contestabilidade do mercado. Como demonstra a chamada teoria dos mercados contestáveis, quanto maior a existência de
    sunk costs, menor a probabilidade de que novos concorrentes ingressem em dado mercado (Baumol e Sidak, 1994). Uma das formas pelas quais o regulador procura contornar esse problema é, no caso das telecomunicações, por meio da imposição de obrigações de compartilhamento da infra-estrutura representativa desses
    sunk costs (como no caso do chamado
    unbundling, que procura garantir, ao entrante, acesso a elementos desagregados das redes já existentes). Em tese, isso reduziria o volume de investimentos necessários para ingressar no mercado, aumentando conseqü entemente sua contestabilidade. No caso brasileiro, porém, a regulação quanto à matéria é ainda bastante insuficiente (cf. Faraco, 2004).
  • 18
    "Cláusula 12.1. — Constitui pressuposto básico do presente Contrato a preservação, em regime de ampla competição, da justa equivalência entre a prestação e a remuneração, vedado às partes o enriquecimento imotivado às custas de outra parte ou dos usuários do serviço, nos termos do disposto neste Capítulo. § 1º — A Concessionária não será obrigada a suportar prejuízos em decorrência do presente Contrato, salvo se estes decorrerem de algum dos seguintes fatores: I — da sua negligência, inépcia ou omissão na exploração do serviço; II — dos riscos normais à atividade empresarial; III — da gestão ineficiente dos seus negócios, inclusive aquela caracterizada pelo pagamento de custos operacionais e administrativos incompatíveis com os parâmetros verificados no mercado; ou IV — da sua incapacidade de aproveitar as oportunidades existentes no mercado, inclusive no atinente à expansão, ampliação e incremento da prestação do serviço objeto da concessão. § 2º — É também vedado o enriquecimento imotivado da Concessionária decorrente da apropriação de ganhos econômicos não advindos diretamente da sua eficiência empresarial, em especial quando decorrentes da edição de novas regras sobre o serviço. § 3º — Fará jus a Concessionária à recomposição de sua situação inicial de encargos e retribuições, quando circunstâncias de força maior ou calamidades afetarem de forma significativa a exploração do serviço, observado sempre, como parâmetro, o reflexo destas situações nos prestadores de serviços no regime privado. § 4º — Na avaliação do cabimento da recomposição de que trata o parágrafo anterior, será considerada, entre outros fatores, a existência de cobertura do evento motivador da alteração da situação econômica inicial pelo Plano de Seguros previsto na cláusula 23.1.".
  • 19
    Já no artigo 6º da LGT, estatuiu-se que "[o]s serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as operadoras". Ao se tratar especificamente das concessões, estabeleceu-se que estas "não terão caráter de exclusividade", assim como se deve considerar o "ambiente de competição" na definição das áreas de exploração, número de prestadoras, prazos de vigência e prazos para admissão de novas prestadoras (artigo 84 e seu § 1º). Também nesse contexto, é permitida a prestação de uma mesma modalidade de serviço concomitantemente em regime público e privado (artigo 65). A LGT admite, assim, a existência de concorrência entre prestadoras atuando em regime público e outras atuando em regime privado.
  • 20
    Não há nisso ofensa ao artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Esse dispõe que, nas contratações feitas mediante licitações públicas, devem ser "mantidas as condições efetivas da proposta", mas não garantindo um retorno mínimo. No presente caso, as condições da proposta do concessionário já deveriam considerar a possibilidade de perdas provocadas por novas entradas.
  • 21
    "Cláusula 12.3. — Independentemente do disposto na cláusula 12.1., caberá revisão das tarifas integrantes do Plano Básico do Serviço Local em favor da Concessionária ou dos usuários, nos termos do art. 108 da Lei nº 9.472, de 1997, quando verificada uma das seguintes situações específicas: I — modificação unilateral deste Contrato imposta pela ANATEL, que importe variação expressiva de custos ou de receitas, para mais ou para menos, de modo que a elevação ou redução de tarifas seja imposta pela necessidade de evitar o enriquecimento imotivado de qualquer das partes; II — alteração na ordem tributária posterior à assinatura deste Contrato que implique aumento ou redução da lucratividade potencial da Concessionária; III — ocorrências supervenientes, decorrentes de fato do príncipe ou fato da Administração que resultem, comprovadamente, em alteração dos custos da Concessionária; IV — alteração legislativa de caráter específico, que tenha impacto direto sobre as receitas da Concessionária de modo a afetar a continuidade ou a qualidade do serviço prestado; ou V — alteração legislativa que acarrete benefício à Concessionária, inclusive a que concede ou suprime isenção, redução, desconto ou qualquer outro privilégio tributário ou tarifário, consoante do previsto no § 3º do art. 108 da Lei nº 9.472, de 1997. § 1º — Não importará na revisão de tarifas o prejuízo ou a redução de ganhos da Concessionária decorrente da livre exploração do serviço em condições de competição ou da gestão ineficiente dos seus negócios. § 2º — Não será aplicável a hipótese de revisão prevista no inciso II do
    caput desta cláusula quando a alteração na ordem tributária implicar criação, supressão, elevação ou redução em impostos incidentes sobre a renda ou o lucro da Concessionária, como o Imposto sobre a Renda, que não impliquem oneração administrativa ou operacional. § 3º — Não caberá revisão de tarifas nas hipóteses previstas nesta cláusula quando os eventos ensejadores da revisão já estiverem cobertos pelo plano de seguros previsto na cláusula 23.1. § 4º — As contribuições da Concessionária ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações e ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações não ensejarão revisão das tarifas.
  • 22
    Este cenário é hipotético, isto é, não decorre de simulação baseada em estudo detalhado do comportamento do consumidor brasileiro de STFC. Embora seja possível argumentar que o inverso seja verdadeiro e que os consumidores poderiam não ser afetados pela mudança em muitos casos, tal avaliação não foi feita no contexto das propostas legislativas aqui comentadas. O que se pretende demonstrar, apenas, é que uma proposta sem base técnica e análise de impactos econômicos, além de feita sem levar em consideração os demais aspectos do marco regulatório, pode trazer um desequilíbrio às relações entre poder público e regulado, e sequer alcançar os resultados pretendidos.
  • 23
    Poderia-se cogitar quadros extremos onde isso não ocorreria, como na hipótese de encampação sem o pagamento de qualquer indenização e posterior outorga a novo concessionário apenas para exploração e manutenção da rede existente (o qual, dispensado de realizar qualquer investimento, poderia ter interesse em assumir a operação). Aqui, o efeito negativo se verificaria dentro de um prazo mais longo, quando fosse necessário identificar fontes para financiar uma expansão da rede.
  • 24
    Não se pretende afirmar que o Poder Legislativo não poderia atuar nesse sentido por meio de mudanças na legislação que permitissem alcançar o resultado visado pelo artigo 108, § 2º, da LGT. Seria, inclusive, uma forma de contornar a eventual captura do regulador pelo regulado, que levasse a uma omissão da Agência na aplicação do referido dispositivo legal. O que se enfatiza ao longo do texto, porém, é o caráter oportunista das propostas legislativas que, em nenhum momento, se preocuparam em compreender o marco regulatório, averiguar eventuais mudanças nas condições de prestação dos serviços ou identificar uma evidente omissão da ANATEL. Trata-se, assim, de ação que leva a um aumento da incerteza quanto às regras aplicáveis ao setor, implicando num aumento da percepção de risco do regulado.
  • 25
    Cf. <
  • 26
    Parece já ter transcorrido tempo suficiente para se constatar que a política de universalização do acesso às telecomunicações no Brasil não tem obedecido uma estratégia perene e coerente. Com efeito, com a sucessão de governos e reguladores, a regulação desse setor tem perdido em continuidade e em objetividade, ficando as políticas ao sabor dos planos da equipe do momento. Desnecessário dizer o quanto isto é nocivo às finalidades buscadas e à própria consolidação da regulação.
  • 27
    A formulação dessas hipóteses foi feita em conjunto com Caio Mario da Silva Pereira Neto, a quem agradecemos pela frutífera interlocução.
  • 28
    Cf. Consulta Pública 457, de 6 de junho de 2003, sobre o Acesso Individual Classe Especial (AICE) do STFC.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2006
    • Recebido
      Jul 2005
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