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A política cambial em discussão

The exchange rate policy under discussion

RESUMO

Os indicadores para a taxa de câmbio real do Brasil são calculados usando diferentes definições e focando no que aconteceu com esses índices durante o plano Cruzado. A taxa de câmbio real efetiva mostra pouca apreciação em 1986, embora a taxa Cruzado/Dólar tenha apreciado. O resultado é preocupante tendo em vista a queda de 25% no superávit comercial do Brasil em 1986. O artigo argumenta que o saldo comercial líquido é explicado por três variáveis: a taxa de câmbio real efetiva, a renda real interna e a renda real no resto do mundo. Um exercício econométrico apresenta fortes efeitos renda, efeitos que são ignorados pela política de minidesvalorizações. O artigo então analisa a sugestão de um regime cambial duplo para o Brasil e conclui que tal sistema provavelmente trará mais instabilidade à economia. Delineia-se uma proposta alternativa de “abordagem de planejamento” para a política cambial.

PALAVRAS-CHAVE:
Política cambial; taxa de câmbio; balança comercial; sistema cambial

ABSTRACT

Indicators for Brazil’s real exchange rate are calculated using different definitions and focusing on what happened to such indices during the Cruzado plan. The real effective exchange rate shows little appreciation in 1986 although the Cruzado/Dollar rate did appreciate. The result is troubling in the light of a 25% decrease in Brazil’s trade surplus in 1986. The paper argues that the net trade balance is explained by three variables: the real effective exchange rate, domestic real income and real income in the rest of the world. An econometric exercise shows strong income effects, effects that are ignored by the policy of minidevaluations. The paper then looks at the suggestion of a dual exchange rate regime for Brazil and concludes that such a system is likely to bring more instability to the economy. An alternative proposal of a “planning approach” to the exchange rate policy is delineated.

KEYWORDS:
Exchange rate policy; Exchange rate; trade balance; exchange rate system

A condução da política cambial no Brasil tem passado por várias mudanças de ênfase desde 1986 e ainda não está adequada às necessidades de crescimento sustentado do país. O Plano Cruzado, por exemplo, manteve a taxa de câmbio entre o cruzado e o dólar congelada até quase o final de 1986. Isto foi motivo de muitas críticas, que se agravaram diante da diminuição do saldo comercial daquele ano. Já no ano de 1988 têm sido intensas as queixas de atraso cambial, e alguns economistas sugerem a adoção de um sistema de taxa de câmbio de flutuação livre. É interessante investigar se a queda do saldo em 1986 se deveu a um atraso do câmbio ou a outros motivos.

A discussão do atraso cambial, apesar de costumeira, envolve na realidade questões de difícil resposta. A flutuação das principais divisas internacionais e a presença de variáveis adicionais que afetam as contas externas de um país são fatores que condicionam a resposta. Mostra-se neste artigo que diferentes· índices da taxa de câmbio real resultam em valores divergentes, dependendo das definições usadas. Este é apenas um aspecto de um problema complexo que coloca em xeque algumas regras simples de política cambial. Pode-se afirmar que pelo critério da paridade do poder de compra relativa, a política cambial brasileira teria sido razoavelmente “adequada” em 1986. Assim, os problemas verificados na balança comercial devem-se a outros fatores que interagem com a taxa de câmbio. Devido à influência de fatores como o crescimento da renda e mudanças nos termos de troca, que são ignorados pelas minidesvalorizações, sugere-se que são necessários critérios novos para a política cambial.

RELAÇÃO CRUZADO/DÓLAR

O indicador mais comum das análises da política cambial é a taxa de câmbio real entre a divisa doméstica e o dólar. Este indicador é definido como a razão entre os índices de preços do país e dos Estados Unidos, convertidos para uma mesma moeda através da taxa de câmbio. Ou seja:

r e = e P u s / P b r (1)

  • onde: re = índice da taxa de câmbio real (cruzado/ dólar);

  • Pbr = índice de preços do Brasil;

  • Pus = índice de preços dos Estados Unidos;

  • e = taxa de câmbio nominal (cruzados por dólar).

Uma diminuição do índice significa que o cruzado apreciou em termos reais em relação ao dólar. Os preços domésticos cresceram mais que os preços americanos convertidos em cruzados. Ou seja, a taxa de câmbio real “atrasou”, tornando as exportações domésticas menos competitivas. Alternativamente, um aumento do índice indica depreciação ou ganho de competitividade no mercado externo.

Todo indicador de taxa de câmbio real representa essencialmente a evolução de um relativo de preços baseado na situação existente em um período pré-escolhido (e ao valor da taxa de câmbio naquela data). Como o índice refere-se a uma dada situação no tempo, é necessário converter todas as variáveis do lado direito da equação em índices com o mesmo período-base. Preferencialmente este período deve representar uma situação ideal de equilíbrio ou, no mínimo, um período neutro para os propósitos da análise.

Como um dos nossos propósitos é saber o que ocorreu no ano de 1986, a escolha natural é tomar o ano anterior como período-base. O balanço comercial satisfatório de 1985 é um fator adicional que recomenda a escolha. Assim, todos os indicadores apresentados neste artigo tomam o ano de 1985 como base (1985 = 100).

Em tese, o cálculo da taxa de câmbio real exige que os dois índices de preço sejam perfeitamente comparáveis. Isto é, que acompanhem os mesmos bens, utilizem a mesma metodologia de cálculo e ponderem os bens com pesos respectivos iguais. Na prática, como isto não se verifica, usa-se os índices disponíveis, fazendo a hipótese que ao longo do tempo os indicadores de um mesmo grupo acabarão por incorporar aproximadamente as mesmas taxas de mudança nos preços. Mas isto pode não ocorrer durante certas fases de inflação alta. Como já se observou para o Brasil, há divergências significativas entre os índices de preços de grupos diferentes nos últimos anos.

A escolha do índice de preços envolve alguns problemas teóricos. Os dois índices mais frequentemente utilizados pela sua difusão e acessibilidade são o índice de preços por atacado e o índice de preços ao consumidor - vide Maciejewski (1983Maciejewski, E. (1983) “Real Effective Exchange Rate Indices”, IMF Staff Papers 30 (3): 491-541. ) e Rhomberg (1976Rhomberg, R. (1976) “Indices of Effective Exchange Rates”, IMF Staff Papers 23 (1): 88-112. ).

O índice de preços por atacado reflete principalmente os preços de produtos industriais e os preços de produtos agrícolas de grande safra. Estes bens podem ser caracterizados como bens comerciáveis com o resto do mundo, sendo, portanto, preços relevantes para o acompanhamento do comércio internacional.

O índice de preços ao consumidor tem a vantagem de acompanhar os preços finais pagos pelos consumidores. Uma característica deste índice é que inclui preços de vários bens e serviços que estão à margem do comércio internacional (bens não-comerciáveis, como serviços pessoais, utilidades públicas, etc.). Isto pode trazer vantagens ou desvantagens ao cálculo, já que não reflete unicamente os preços relevantes ao comércio exterior.

Os dois índices evoluem de modo distinto quando o câmbio real de um país se altera. Se a taxa de câmbio se depreciar, os preços ao consumidor irão acusar uma elevação maior que os preços por atacado se as importações tiverem forte componente de produtos finais. Por outro lado, se as exportações se originarem principalmente de setores oligopolizados, os preços por atacado crescerão mais que os preços ao consumidor.

O que ocorreu, então, com o câmbio cruzado/ dólar nos últimos anos? A Tabela 1 mostra a evolução da taxa de câmbio real entre o Brasil e os Estados Unidos. A coluna 1 usa preços por atacado (oferta global da FGV).1 1 Os dados sobre taxas de câmbio e preços internacionais provêm do banco de dados do International Financial Statistics coletado pelo FMI. Os índices de preços por atacado, custo de vida no Rio de Janeiro e custo da construção civil vêm da Conjuntura Econômica. O índice de preços ao consumidor de São Paulo provém do Boletim da FIPE e o índice da taxa de câmbio efetiva real do Morgan Trust (Tabela 2) vem do boletim World Financial Markets, Morgan Guaranty Trust. As colunas 2 e 3 utilizam preços ao consumidor no Rio e em São Paulo e preços ao consumidor nos Estados Unidos.

Tabela 1:
Brasil - Indice Do Cambio Real Cruzado-Dôlar (1985 = 100)

Quanto o cruzado apreciou durante o Plano Cruzado, isto é, de março a dezembro de 1986? Usando preços por atacado, a defasagem não foi grande, cerca de 7%; uma defasagem maior ocorreu entre o valor médio de 1985 e fevereiro de 1986 (10%). Usando os preços ao consumidor no Rio de Janeiro, a defasagem foi de 10% entre março e dezembro de 1986. Usando o índice de São Paulo, a defasagem foi de 20% no período, possivelmente porque o índice do custo de vida da FIPE foi mais efetivo para captar o ágio praticado no segundo semestre daquele ano.

TAXA DE CÂMBIO EFETIVA REAL

Nos últimos vinte anos, afirmou-se na literatura o conceito de taxa de câmbio efetiva real - vide Williamsom (1983). A taxa de câmbio efetiva real indica a relação entre os preços domésticos e um indicador ponderado de preços no resto do mundo, convertidos para a moeda doméstica pelas suas respectivas taxas de câmbio. A escolha do grupo de países incluídos (e as ponderações usadas) depende dos objetivos da análise, podendo privilegiar aspectos ligados ao comércio bilateral do. país, ao comércio multilateral, a objetivos do balanço comercial ou do balanço de pagamentos, ou a objetivos gerais da política macroeconômica - vide Rhomberg (1976Rhomberg, R. (1976) “Indices of Effective Exchange Rates”, IMF Staff Papers 23 (1): 88-112. ).

O critério mais frequente que se aplica a países em desenvolvimento é o critério do comércio bilateral. A cesta de divisas é escolhida selecionando-se um dado número dos principais parceiros comerciais, e o peso atribuído a cada um corresponde à sua respectiva participação neste comércio.

A afiliação teórica deste conceito (bem como do indicador da taxa real de câmbio do dólar, discutido anteriormente) é a doutrina da Paridade do Poder de Compra (PPP). Supõe-se que os índices de preços dos diferentes países são comparáveis, pois refletem os mesmos fatores de determinação de preços transmitidos pelo comércio internacional. Mesmo que os níveis absolutos dos preços sejam diferentes, a taxa de variação relativa, descontada a variação cambial, deve manter uma correspondência aproximada segundo a versão relativa da PPP.

A coluna 1 da Tabela 2 traz o índice da taxa de câmbio efetiva real do cruzado. O cálculo tomou os dez principais2 2 Os dez parceiros (e pesos) foram: Estados Unidos (44,9), Alemanha (10,2), Japão (9,3), Holanda (8,2), França (5,1), Itália (6,3), Argentina (4,8), Inglaterra (4,4), Canadá (3,9) e México (2,9). Os países da OPEP foram excluídos, pois as compras brasileiras de petróleo são pouco afetadas pela taxa de câmbio bilateral. parceiros comerciais do Brasil em 1985 e seus respectivos pesos no comércio bilateral (exportação mais importação) e usa médias geométricas.

TABELA 2
BRASIL: TAXA DE CÂMBIO EFETIVA REAL (1985 = 100)

A análise do índice da taxa de câmbio efetiva real do Brasil permite sublinhar alguns fatos importantes. Deve-se observar que durante todo o período do Cruzado, a taxa de câmbio efetiva do Brasil não esteve congelada. Apenas a taxa de câmbio cruzado/dólar esteve congelada até outubro. As demais taxas (cruzado/outras moedas) variaram com frequência, dada a flutuação das divisas em relação ao dólar.

A despeito das aparências, a taxa de câmbio real efetiva depreciou ligeiramente até novembro de 1986 (- 0,3%). O resultado deveu-se à forte queda do dólar nos mercados internacionais que compensou a apreciação da taxa cruzado/dólar. Observa-se também que a maxidesvalorização de abril de 1987 recompôs apenas parte do atraso que se verificou entre o final de 1986 e o primeiro trimestre de 1987. No entanto, a solução adotada a partir do segundo semestre de 1987 consiste em desvalorizar o cruzado acompanhando o índice do custo de vida do IBGE. Como este índice tem se defasado em relação ao IPA, tem havido em 1988 uma apreciação do índice cruzado/dólar, apreciação indicada na Tabela 2 também em relação à cesta de moedas (o índice e-PPP apreciou 6% entre 1987 e maio de 1988).

O indicador da coluna 1 pode ser comparado com o índice da taxa de câmbio real brasileira do World Financial Markets calculado pelo Morgan Guaranty Trust. O índice do Morgan aparece na coluna 4 da Tabela 2, com a designação de e-MORG. Este índice acusa uma depreciação de 15% entre 1986 e 1985. Este resultado deve-se, primeiro, ao período-base de construção do índice (1980-82 = 100), que foi de alta do dólar; segundo, a uma menor cesta de moedas, que atribui maior ponderação para as moedas europeias e o iene; terceiro, à utilização de preços por atacado de produtos industriais. Entretanto, diante da queda do saldo comercial brasileiro, o índice do Morgan fornece um resultado enganoso e sobreavalia a possível “depreciação” do cruzado.

TAXA DE CAMBIO - BENS COMERCIÁVEIS E NÃO-COMERCIÁVEIS

A literatura recente sobre política cambial enfatiza a distinção entre os bens comerciáveis (tradables) e os bens não-comerciáveis (non-tradables) - Dornbusch (1980Dornbusch, R. (1980) Open Economy Macroeconomics, Nova York, Basic Books. ). A ideia básica é enfocar o relativo de preços entre os dois setores da economia, pois este preço afeta as decisões de produção e de alocação de recursos. A taxa de câmbio real deve, então, relacionar o índice de preços dos bens não-comerciáveis com o índice de preços internacional dos bens comerciáveis, convertido para a moeda do país.

Há várias sugestões para o cálculo de uma taxa de câmbio com essa distinção, embora todas tenham limitações metodológicas.3 3 Algumas dessas sugestões incluem utilizar o índice de preços da construção civil ou os preços de serviços pessoais como proxy dos bens não-comerciáveis. Ambos conduzem a resultados viesados. Um por ser muito volátil ao longo de um ciclo econômico e o outro por se concentrar exclusivamente em serviços. Um método prático, cujas propriedades estão estudadas em Edwards (1985Edwards, S. (1985) “Real Exchange Rate Misalignment in Developing Countries”, Washington, World Bank. CPD paper 198543. ) e Zini (1988aZini Jr., A. (1988a) “As Minidesvalorizações Brasileiras: Política Cambial Adequada com Choque de Oferta?”, Estudos Econômicos 18 (1): 51-91. ), consiste em utilizar o índice de preços ao consumidor como proxy do preço dos bens não-comerciáveis, e o índice de preços por atacado no resto do mundo (principais parceiros comerciais) como proxy de preço dos bens comerciáveis. Para facilitar a memorização, denomino este indicador de e-TNT (Tradables/Non-Tradables). A vantagem deste índice é que ele permite captar melhor os afastamentos da regra da PPP e sinaliza a necessidade de correção do câmbio real devido a divergências nos preços dos dois setores.

A coluna 2 da Tabela 2 reporta a taxa de câmbio efetiva real do Brasil - conceito e-TNT - usando o índice de preços ao consumidor do Rio de Janeiro (FGV) como numerador, e como denominador o índice de preços por atacado do resto do mundo (dez parceiros comerciais brasileiros). O índice aponta uma depreciação real de cerca de 6% entre 1985 e dezembro de 1986, e o índice médio de 1986 acusou uma apreciação de 2%. Observa-se também uma apreciação de 13% em maio de 1988 em relação a 1985. No conceito tradicional de PPP esta apreciação é de apenas 3%.

Os índices da Tabela 2 mostram a variação da taxa de câmbio efetiva real, dada a direção do comércio. A hipótese subjacente ao cálculo é que os fluxos do comércio refletem as mudanças na taxa de câmbio bilateral entre cada par de países. Assim, a apreciação em relação ao dólar (que pode conduzir a uma redução das exportações para o mercado americano) é compensada pela depreciação em relação a outras divisas fortes (tendendo a aumentar as exportações para a Europa e o Japão).

O problema com esta hipótese é que desconsidera as diferentes elasticidades das exportações e das importações dos vários mercados. Diante de mudanças significativas nos preços, as elasticidades-preços são diferentes e há defasagens nas respostas. Ou seja, o ajuste não é simultâneo. Outro problema é a existência de barreiras ao comércio e restrições a certas exportações brasileiras.

Uma forma de aproximar as elasticidades de curto prazo é usar pesos equivalentes às divisas principais do comércio (main currency areas). Fazendo a hipótese que 80% do comércio brasileiro se expressa em dólares, 10% em marcos e 10% em ienes, calculamos o índice do câmbio real da coluna 3 da Tabela 2. Este índice mostra uma defasagem de 10% em dezembro de 1986 e de 14% em maio de 1988.

O Gráfico 1 mostra a evolução dos índices e-PPP e e-TNT entre 1979 e 1988, tomando 1980 como base. O Gráfico 2 mostra os índices e-PPP e e-TNT da Tabela 2 (base 1985) para o período de janeiro de 1985 a maio de 1988.

Gráfico 1:
Brasil: Taxa de Câmbio Efetiva Real, 1979-1988 (1980=100)

Obs: Câmbio real +=eP*/P.


Gráfico 2:
Taxa de Câmbio Efetiva Real: 1985-1988 (1985=100)

A conclusão desta seção é que pelos indicadores padrões, por exemplo, não houve uma defasagem cambial significativa durante o Plano Cruzado. Se apenas este fator estivesse em ação, seria difícil explicar a queda do saldo comercial brasileiro naquele ano. Por nenhum dos indicadores o limiar crítico de 10% do atraso sugerido por Dornbusch (1986Dornbusch, R. (1986) “Inflação, Taxa de Câmbio e Estabilização”, Pesquisa e Planejamento Econômico 16 (2), agosto 1. ) foi ultrapassado. Segundo Dornbusch, nos programas heterodoxos de estabilização a taxa de câmbio deve permanecer congelada com os demais preços (sendo talvez o principal preço congelado para refrear as expectativas inflacionárias), mas não deve deixar que a taxa de câmbio efetiva real se defase mais do que 10%. Por este critério, a política cambial brasileira teria sido “adequada” em 1986.

SALDO COMERCIAL E TAXA DE CÂMBIO

A pergunta que se coloca é como explicar a evolução dos saldos comerciais. O saldo comercial do país depende principalmente de três variáveis: a taxa de câmbio efetiva real, a renda real do país e a renda real do resto do mundo. O saldo varia inversamente com a renda real doméstica e diretamente com a renda real do resto do mundo e a taxa de câmbio real.

Usando dados anuais de 1965 a 1985 obtivemos a seguinte regressão:4 4 A equação foi estimada com correção interativa para autocorrelação dos resíduos pelo método de transformação plena de dois passos (Two steps full transform - vide Harvey, 1981), disponível no sistema SAS (Statistical Analysis System).

B C = - 1710 - 17 , 8 Y b + 28 , 0 Y w + 2 , 4 r e + 4 , 9 r e l a g 1 - 3 , 4 3 , 3 1 , 0 2 , 4 R 2 = 62 % F = 4 , 13 D W = 1 , 99 c o r r i g i d o

  • onde: BC = Saldo balanço comercial de mercadorias e serviços de não-­fatores a preços constantes,

  • Yb = Produto real do Brasil a preços constantes (1980 = 100), usado corrio proxy da renda real;

  • Yw = Produto real dos países industrializados a preços constantes (1980 = 100);

  • re = Taxa de câmbio efetiva real, conceito e-TNT, definida como eP*/P, (1980 = 100);

  • lag 1 indica a variável defasada em um período.

Os coeficientes têm os sinais esperados e são aceitos em conjunto pelo teste F e individualmente pela estatística reportada abaixo de cada coeficiente (exceção do coeficiente re).

A ideia básica é que o saldo comercial brasileiro sofre grande influência da evolução da renda real do país e do resto do mundo. Cada ponto percentual de crescimento da renda real do Brasil afeta o saldo comercial 2,5 vezes mais que o efeito total (presente e defasado) da taxa de câmbio real. A renda real do resto do mundo afeta o saldo diretamente quatro vezes mais que a taxa de câmbio. Braga e Rossi (1986Braga, H. e Rossi, J. (1986) “A Dinâmica da Balança Comercial no Brasil”, Anais do VIII Encontro Anual de Econometria, Brasília, dezembro 1986, pp. 145-60. ) estimaram um modelo semelhante, usando polinômios de defasagens distribuídas, e obtiveram uma elasticidade maior para o efeito cambial (o efeito câmbio e renda doméstica foram comparáveis, 3,2 e -3,6; o efeito renda do resto do mundo foi de 9,6).

A regressão estimada pode ser tomada como a forma reduzida de um modelo de comércio. Como toda forma reduzida, os coeficientes resumem o efeito de diversas variáveis. No entanto, os resultados são robustos. Zini (1988bZini Jr., A. (1988b) “Funções de Exportação e de Importação para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v, 18, no prelo. ) estimou as elasticidades preço e renda das exportações e importações brasileiras por grupos de bens. O resultado básico é que a oferta de exportações e a demanda de importações são elásticas em relação aos preços e à renda. A demanda de exportações é pouco elástica em relação aos preços e bastante elástica à renda internacional. A recuperação do saldo comercial em 1987, por exemplo, serve para ilustrar alguns dos efeitos em ação. Por um lado, teve-se uma diminuição da renda doméstica e recuperação da taxa de câmbio. A oferta de exportação reagiu com rapidez, pois tratava-se de suprir mercados preexistentes. Ou seja, não se requeria expandir a demanda por nossas exportações, mas sim suprir o mercado já existente através da deslocação da oferta para o mercado externo.

Projetamos o saldo comercial para 1986 usando a equação (2) e fazendo a hipótese que o produto do Brasil cresceu 8%, o produto do resto do mundo, 2,5%, e o câmbio apreciou 2%. O resultado aponta uma queda do saldo comercial de 22% em relação a 1985. A queda efetiva observada foi de 25% (Cacex).

Qual a taxa de câmbio real que seria necessária para manter em 1986 o mesmo saldo de 1985, dadas as referidas taxas de crescimento dos produtos? Resposta: desvalorização real de 22% sobre o valor de 1985. Para isto o câmbio real cruzado/dólar teria que ter depreciado em 19% sobre seu valor do final de fevereiro de 1986. Evidentemente isto traria pressões inflacionárias dificilmente compatíveis com o congelamento de preços do Plano Cruzado.

Qual a taxa de câmbio real necessária em 1987 para manter o mesmo saldo comercial de 1986? Assumindo que o produto brasileiro cresça em 4% e o produto internacional em 2,6%, o câmbio5 5 Projeção realizada em março de 1987. precisaria depreciar 15% sobre o dólar real de dezembro de 1986.

O importante de reter é que existe um efeito renda significativo sobre o saldo comercial. Este efeito é totalmente ignorado pela doutrina da PPP, que embasa a política das minidesvalorizações bem como o efeito que advém de mudanças nos termos de troca. Assim, o problema que o Brasil vem enfrentando desde meados dos anos 70 é que o critério exclusivo do diferencial da inflação usado para desvalorizar o câmbio é insuficiente para um bom resultado comercial. Tivemos o mesmo problema em 1974-1975, outra vez em 1979-1980, e novamente no período 1981-1982.

A TAXA DE CÂMBIO EM 1988

Os diferentes indicadores reportados nas Tabelas 1 e 2 apontam para a existência de uma defasagem cambial da ordem de 3%, tomando o conceito e-PPP, ou de 13%, tomando o conceito de e-TNT em relação ao valor médio de 1985. Esta defasagem vem se acentuando em 1988, pois o indexador das desvalorizações cambiais passou a acompanhar o IPC-IBGE. O acompanhamento diário das minidesvalorizações sugere que o governo tem decretado as desvalorizações abaixo da elevação dos preços, para tentar formar expectativas favoráveis de queda da inflação. O problema com esta política é que ao permitir o acúmulo de defasagem cambial, isto irá impactar negativamente na oferta de exportação no ano seguinte.

Pode-se perguntar: se há atraso cambial, por que o saldo comercial está elevado em 1988? São duas as razões imediatas. A primeira é a retração do mercado doméstico: a indústria brasileira já aprendeu que pode (e deve) vender no exterior parte de sua produção. A segunda razão é que em decorrência da queda do dólar o preço de vários produtos que exportamos tem subido. A elevação da receita de exportação este ano se deve ao maior preço unitário junto com um aumento da quantidade exportada.

Diante do saldo comercial esperado não se sugere aqui uma máxi. No entanto, é preciso cuidado para não ampliar a defasagem (e talvez reduzi-la um pouco). Se houver crescimento da defasagem atual, somente manteremos a oferta de exportações mantendo a demanda interna deprimida. A retomada do crescimento doméstico, com o câmbio atual, fará a oferta de exportações retrair rapidamente. A lição básica é que as exportações e as importações reagem à taxa de câmbio real com certa defasagem, porém o fazem de forma cumulativa. Por este motivo é necessário adequar a taxa de câmbio real aos planos de crescimento da economia.

Alguns economistas têm sugerido a adoção de um regime de taxa livremente determinada pelo mercado ou então um regime de câmbio duplo. Pelo regime de câmbio duplo, haveria uma taxa de câmbio preferencial para o pagamento de juros e principal da dívida externa (para a qual seriam mantidas as regras atuais das minidesvalorizações) e outra taxa, que seria livre. Uma parcela da receita das exportações seria convertida em cruzados ao valor da taxa obrigatória e o restante poderia ser transacionado no mercado.

O câmbio duplo, no entanto, é o sistema mais apto a trazer instabilidade e especulação. Ele acarreta dois problemas: primeiro, requer uma burocracia adicional para administrar e manter separados os dois segmentos do mercado. Segundo, efetivamente este sistema representa um subsídio ao grupo beneficiado pelo câmbio preferencial, e como todos conhecemos, onde há subsídios identificados há pressão para aumentar a lista dos produtos protegidos. Há 22 países que adotam o câmbio duplo. Com este regime estaríamos em companhia de países “ilustres”, como Egito, Nicarágua, Paraguai, Guatemala, México, Venezuela, Vietnã, Argélia, Sudão e Nigéria.

Há outros problemas. O regime de câmbio duplo não é benéfico aos exportadores e tampouco auxilia para conter as expectativas inflacionárias. Este regime é extremamente propício a corridas especulativas contra a moeda e incentiva a fuga de capitais em regime de incerteza. Para caracterizar este problema recorrente foi formulado o conceito do “problema do peso”, na literatura sobre regimes cambiais.

É um fato reconhecido pelos estudiosos que existe uma indeterminação básica na taxa de câmbio nominal e que a sua estabilidade depende da confiança sobre os fundamentos da economia. Se os agentes acreditam que haverá uma desvalorização, a despeito da situação real da economia, a corrida contra a moeda determinará uma depreciação, e o sistema facilmente se torna instável. Este é o “problema do peso”: a falta de confiança quanto aos fundamentos instabiliza o sistema cambial, inviabiliza a política monetária e deixa o sistema de preços “sem âncora”.

Há ainda dois fatores que desaconselham o câmbio flutuante. A maior variação do câmbio real trazida pela flutuação da moeda inibe as exportações. Já está estatisticamente documentado para o Brasil que a variação da taxa de câmbio desencoraja as exportações devido à incerteza cambial. Um dos méritos das minidesvalorizações foi ter reduzido este fator. Por exemplo, entre 1987 e 1988, antes das minis, o coeficiente de variação da taxa de câmbio real foi de 13,9%, caindo para 6,5% entre 1968 e 1979 [dados de Zini (1988aZini Jr., A. (1988a) “As Minidesvalorizações Brasileiras: Política Cambial Adequada com Choque de Oferta?”, Estudos Econômicos 18 (1): 51-91. )].

Ademais, a flutuação do câmbio real frequentemente possui um efeito assimétrico sobre a inflação. Nos períodos em que o câmbio real se deprecia pode haver um impacto inflacionário, mas quando o câmbio real se defasa (apreciação) isto não baixa a inflação, pois os importadores ampliam suas margens de lucro. Este é o chamado ratchet etfect que a experiência sugere válido para o Brasil.

Uma alternativa que evita esta flutuação e ao mesmo tempo procura manter uma taxa de câmbio real alinhada com a competitividade externa do país é baseada em uma abordagem de planejamento.

Os pontos básicos desta abordagem seriam os seguintes. Primeiro, o que se necessita é uma política para a taxa de câmbio real. Esta passaria a ser uma variável de política, incorporando mudanças nos termos de troca, efeitos renda sobre o comércio e objetivos explícitos para o saldo comercial.

Segundo, a política cambial precisa ficar claramente subordinada aos objetivos de obtenção da meta estabelecida para as contas externas. Usar a política cambial para· combater a inflação não é eficaz e produz defasagens que têm que ser corrigidas posteriormente com custos. A inflação se combate com medidas sobre o déficit e a dívida pública e atuando sobre os mecanismos inerciais.

A abordagem de planejamento baseia-se em estipular duas metas para a economia: uma taxa de crescimento socialmente necessária e um objetivo para a conta corrente (saldo comercial). O cálculo da taxa de câmbio real deve levar em consideração os principais elementos que afetam essas duas variáveis: a taxa de investimento doméstico requerido, as necessidades de importação daí decorrentes, a disponibilidade de recursos externos, o estado da economia internacional. No caso do saldo comercial, o ritmo de crescimento da renda doméstica e do resto do mundo são as duas variáveis mais influentes no curto prazo. O cálculo da taxa de câmbio real levaria em conta as elasticidades preço e renda do comércio. A política promoveria mudanças discretas na taxa nominal, seguidas de minidesvalorizações vinculadas aos preços dos produtos industriais.

As vantagens desta política são várias. Mantém uma maior segurança do câmbio real no tempo, o que se tem mostrado como a variável-chave para aumentar a oferta de produtos de exportação de forma sustentada. Segundo, é uma política pró-crescimento. Isto é, faz crescer o emprego diretamente, pelo crescimento das exportações, e indiretamente, pois o setor externo passa a ter um comportamento dinâmico. Terceiro, esta abordagem tem a vantagem de vincular a gestão da taxa de câmbio à promoção do crescimento e ao objetivo do saldo comercial, conciliando estes objetivos.

CONCLUSÕES

A política cambial adotada pelo Brasil a partir de agosto de 1968 possui três elementos básicos. A definição de uma cesta de moedas à qual a moeda doméstica fica vinculada, a definição do nível da paridade real (que inclui a definição do relativo de preços a ser seguido) e uma frequência elevada de pequenas desvalorizações em intervalos curtos. O valor das minidesvalorizações é dado pela diferença da inflação doméstica e internacional.

A pergunta crítica é saber se esta política é adequada para as necessidades de saldo comercial e de crescimento da economia.

O efeito renda coloca um dilema para a política econômica. É necessário adequar as metas de crescimento às metas de ajustamento do setor externo. Dada a instabilidade das principais divisas internacionais, as mudanças acentuadas nos padrões tecnológicos modernos e as mudanças na demanda brasileira por ativos financeiros expressos em divisas fortes, a paridade que seria de equilíbrio vem se alterando ao longo dos últimos anos. Este problema não é só brasileiro. Está na raiz do desbalanceamento do sistema financeiro internacional.

É difícil recomendar que a política cambial persiga uma meta fugidia, como a taxa de paridade de equilíbrio. Na realidade, o próprio conceito de taxa de equilíbrio fica comprometido por ser um conceito estático. Mas o efeito renda é algo possível de ser incorporado na condução da política cambial de planejamento, usando elasticidades preço e renda e um modelo expandido de taxa de câmbio multilateral.

Os problemas cambiais que o Brasil revelou no final de 1986 não se devem, portanto, a que o câmbio tenha defasado no sentido tradicional do termo. Pelo contrário, a taxa de câmbio efetiva real manteve-se próxima do seu valor de 1985. O problema adveio de outros fatores não considerados pela política cambial. É necessário mudar o critério geral das minidesvalorizações e adotar um sistema mais amplo que concilie os objetivos de crescimento do produto e de saldo comercial, levando em consideração as elasticidades do comércio no cálculo das desvalorizações cambiais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

  • Braga, H. e Rossi, J. (1986) “A Dinâmica da Balança Comercial no Brasil”, Anais do VIII Encontro Anual de Econometria, Brasília, dezembro 1986, pp. 145-60.
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  • Zini Jr., A. (1988b) “Funções de Exportação e de Importação para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v, 18, no prelo.
  • 1
    Os dados sobre taxas de câmbio e preços internacionais provêm do banco de dados do International Financial Statistics coletado pelo FMI. Os índices de preços por atacado, custo de vida no Rio de Janeiro e custo da construção civil vêm da Conjuntura Econômica. O índice de preços ao consumidor de São Paulo provém do Boletim da FIPE e o índice da taxa de câmbio efetiva real do Morgan Trust (Tabela 2) vem do boletim World Financial Markets, Morgan Guaranty Trust.
  • 2
    Os dez parceiros (e pesos) foram: Estados Unidos (44,9), Alemanha (10,2), Japão (9,3), Holanda (8,2), França (5,1), Itália (6,3), Argentina (4,8), Inglaterra (4,4), Canadá (3,9) e México (2,9). Os países da OPEP foram excluídos, pois as compras brasileiras de petróleo são pouco afetadas pela taxa de câmbio bilateral.
  • 3
    Algumas dessas sugestões incluem utilizar o índice de preços da construção civil ou os preços de serviços pessoais como proxy dos bens não-comerciáveis. Ambos conduzem a resultados viesados. Um por ser muito volátil ao longo de um ciclo econômico e o outro por se concentrar exclusivamente em serviços.
  • 4
    A equação foi estimada com correção interativa para autocorrelação dos resíduos pelo método de transformação plena de dois passos (Two steps full transform - vide Harvey, 1981Harvey, A. (1981) The Econometric Analysis_of Time Series, Nova York, John Willey & Sons. ), disponível no sistema SAS (Statistical Analysis System).
  • 5
    Projeção realizada em março de 1987.
  • **
    Agradeço as observações de T. Davis, da Universidade de Cornell, e de C. Hall, do Banco Mundial.
  • 7
    JEL Classification: F14; F31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1989
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