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O Quarto Ciclo de Kondratiev

The fourth Kondratiev cycle

RESUMO

A economia mundial está passando pela fase b (declinante) do quarto ciclo longo de Kondratiev. A economia brasileira não é exceção. Uma espécie de exceção são os “tigres asiáticos”, onde o Estado desempenha um papel significativo. Os formuladores de políticas brasileiros deveriam estudar essa experiência.

PALAVRAS-CHAVE:
Ciclo econômico; onda de Kondratiev

ABSTRACT

The world economy is passing through the phase b (declinant) of the fourth Kondratiev long cycle. The Brazilian economy is no exception. A kind of exception are the “Asian tigers”, where the state plays a significant role. The Brazilian policy makers should study this experience.

KEYWORDS:
Economic cycle; Kondratieff wave

INTRODUÇÃO

Nikolai Kondratiev foi posto por Lênin na chefia do órgão incumbido do planejamento da economia soviética, nos anos 20. Era a primeira vez, nos tempos modernos, que se tentava a superação do que os marxistas chamavam de anarquia da produção e outros, inclusive Gorbatchev e os “perestroicos”, de economia· de mercado. E ainda outros, elogiosamente, de economia livre.

Não viria sem propósito lembrar que essa economia livre, ou anárquica, era realmente de criação recente: cerca de três séculos, ou pouco mais. Que a competição imperfeita a vai tornando cada vez “menos livre”. Que todos os regimes anteriores, a começar pela comunidade primitiva, desde a mais alta antiguidade, a exemplo de nossas tribos indígenas, nada tinham de anárquicas. Como a escravidão e o feudalismo, que vieram depois, era uma economia planificada, ao seu modo. Somente a economia mercantil, com sua notória “mão invisível”, que preparava o advento do capitalismo, podia, até certo ponto, prescindir do planejamento. Com o capitalismo, viria a competição imperfeita e, com esta, a necessidade e a possibilidade do planejamento.

Mesmo a economia mercantil nasceu e desenvolveu-se no bojo da economia feudal, que o castelão regia com mão de ferro, como sabemos por nossa recentíssima experiência latifundiária. Nada mais estranho à hipótese da “mão invisível” estabelecendo preços, definindo a escala e a locação dos projetos, do que a economia manorial ou escravista. E o estanco feudal antecipava o moderno direito de· concessão, o qual surgiria como a espinha dorsal do capitalismo de Estado, organizando o capitalismo financeiro, etapa suprema do capitalismo.

Digo isto para acentuar que Kondratiev não era um economista qualquer, ou não teria sido escolhido para posição tão estratégica. E não foi também por acidente que J. Schumpeter, em seu monumental Business Cycles foi buscar o seu nome para batizar o Ciclo Longo, que coroa sua teoria das flutuações econômicas.

A RETOMADA DO CRESCIMENTO

Kondratiev, por volta de 1930, foi mandado para a Sibéria, onde morreu em circunstâncias pouco claras. Mas suponho ter sido vítima de sua própria genialidade. Com efeito, de suas curvas podia-se inferir que, passados três lustros, ou pouco mais, o capitalismo superaria sua crise, voltando a prosperar. A Grande Depressão, afinal, era um momento da fase b ou recessiva do Terceiro Ciclo Longo - ou Ciclo de Kondratiev, como passaria à história, por proposta de Schumpeter.

O que Kondratiev não tinha possivelmente percebido - até porque seria excessivo exigi-lo dos homens do seu tempo, com as indigentes estatísticas econômicas então disponíveis - era que não se devia inferir daí que, mesmo nas condições da fase recessiva do Ciclo Longo, seria possível suscitar, nalguns países, contrariando a tendência universalmente dominante, intensos e sustentados movimentos de crescimento econômico.

Já se sabia - e Kondratiev, talvez, melhor do que ninguém - que o Ciclo Longo era compatível com flutuações econômicas de prazo mais breve, notadamente com os movimentos batizados por Schumpeter com os nomes de Juglar e Kitchin, que os estudaram melhor. Os efeitos desses ciclos podem somar-se ou subtrair-se algebricamente aos efeitos dos ciclos longos.

Mas não é disso que se trata aqui. O que importa é que, concomitantemente com a fase recessiva do Terceiro Kondratiev - que nos trouxe a Grande Depressão Mundial e a II Guerra Mundial - a URSS viveu dois e meio planos quinquenais de intenso crescimento, além de um esforço de guerra e uma recuperação dos seus efeitos desconcertantes para aqueles que supunham que ela não poderia vencer e careceria de decênios só para recuperar o nível econômico anterior ao conflito, extremamente devastador para esse país: para uma população de 194,1 milhões de habitantes, as perdas superaram vinte milhões de vidas, muito mais de um terço das perdas mundiais.

Ora, teria sido temerário antecipar esses fatos, no fim dos anos 20 e começo dos 30. Mas o planejador soviético carecia da expectativa de que o confronto com o capitalismo não seria demorado, para suscitar o entusiasmo dos construtores do socialismo. Compreende-se que os prognósticos de futuras retomadas do desenvolvimento pela economia capitalista fossem muito malvistos, tanto mais quanto não era possível fundamentá-los. Os construtores do socialismo careciam, como do próprio ar que respiravam, de prognósticos otimistas a seu favor, como o de Molotov, alguns anos mais tarde, ao apresentar o terceiro Plano Quinquenal, de que, “com este plano, o capitalismo desabará”.

O BRASIL E A URSS

Sem falar, ainda, de que, mesmo nos quadros da economia capitalista, não se podia excluir a possibilidade de movimentos de longo prazo, aparentados com os representados pelos planos quinquenais soviéticos; como os representados pela industrialização substitutiva de importações do Brasil. Tanto nós, os marxistas revolucionários brasileiros da época, como nossos mentores da III Internacional, estávamos convencidos de que nossa crise nacional era mero incidente da Crise Geral do Capitalismo - uma flutuação econômica peculiar, sem retorno, isto é, não cíclica. Passar-se-iam muitos anos antes de que nos apercebêssemos - aqueles que já se aperceberam disso, que não são todos, nem mesmo muitos - que, a um primeiro lustro recessivo, os anos 30 acrescentariam um segundo lustro próspero. E não de uma prosperidade acidental, mas sim intensa e sustentada, que conciliaria nossa industrialização da Terceira Dualidade com fases recessivas de ciclos breves, aproximadamente decenais, parentes do Ciclo de Julgar. Sempre um primeiro lustro recessivo, a cada decênio, e outro expansivo. Anos 20, 30, 40, 50, 60, 70 e mesmo 80.

De que o Ciclo Longo seja um movimento de caráter potencialmente universal, não deve haver dúvida. Em sua etiologia, vamos encontrar as inovações tecnológicas, que, como a própria ciência, tendem a ser universais. Durante as fases recessivas, acumulam-se descobertas e inovações que, nas fases ascendentes, tendem a promover investimentos cristalizadores dessas mesmas inovações tecnológicas, inclusive ao preço do sucateamento de instalações cristalizadoras da precedente vaga de inovações. Instalações não desgastadas, mas tocadas de usure morale, a depreciação por obsolescência.

Não obstante, o necessário descompasso tecnológico, sem o qual a nova vaga longa de investimentos não se materializará, não tem por que ser o mesmo para todos os países e regiões. Por efeito de mudanças institucionais - mudanças nas relações de produção - um país pode abrir-se à implantação de tecnologia já provada em outros países, mas nova para ele. A Revolução Socialista, na URSS, assim como a Revolução Liberal de 30, no Brasil, que resultaria na implantação da Terceira Dualidade, tiveram esse efeito. As mudanças institucionais impostas ao Japão, pela ocupação norte-americana - embora preterintencionais - tiveram, muito provavelmente, efeito semelhante.

Assim, os dois primeiros desses países experimentaram, a partir de 1938 - último ano do pré-guerra, sobre o qual temos informações relativamente completas, mas desde um ou dois lustros antes desse ano, extraordinárias taxas de crescimento, que prosseguiriam até 1973, já na cesura do Quarto Kondratiev. A partir de 1948, no Japão. Esse movimento chegou muito atenuado ao resto do mundo, inclusive ao resto da América Latina, sem o Brasil.

Quadro 1:
Produção Industrial (1938-1973)

AS FASES DO QUARTO KONDRATIEV

Dos países agrupados como “Resto da América Latina”, devemos destacar o México, com uma expansão da produção industrial de cerca de oito vezes, no período, e a Argentina, com apenas quatro vezes. A indústria argentina não cresceu nos três primeiros lustros da fase b deste Kondratiev.

No presente Ciclo Longo - o Quarto Kondratiev - algumas discrepâncias de comportamento, como estas, se prenunciam. Para começar, o crescimento dos países socialistas, um pouco à ligeira atribuíveis ao planejamento socialista, pura e simplesmente, está a merecer uma reconsideração. Nos quinze anos subsequentes à cesura do Quarto Kondratiev (1973-88), quase todos os países socialistas tiveram seu crescimento severamente desacelerado. Assim, comparando os três lustros finais da fase a (1958-73), com os três lustros iniciais da fase b (1973-88, citada), teremos um comportamento aparentado com o do mundo capitalista, a saber:

Quadro 2:
Produção Industrial (Crescimento: vezes)

Cabe notar, entretanto, que de ambos os lados da antiga “Cortina de Ferro” estão surgindo exceções a esta regra, isto é, países que, nas condições da fase b do Kondratiev, comportam-se como se estivessem na fase a. Notadamente:

Quadro 3:
Produção Industrial (Crescimento: vezes)

Com variável intensidade, nota-se, neste grupo de países, uma tendência ao crescimento acelerado, mesmo depois de transposta a cesura de Kondratiev (1973). Trata-se de um comportamento surpreendido na URSS e no Brasil, na fase recessiva do Terceiro Kondratiev, e no Japão, depois da guerra - isto é, na fase a do Quarto Kondratiev - pela razão já indicada. No caso japonês, a tendência cíclica não foi formalmente contrariada, mas a singular intensidade do crescimento sugere a interveniência de um fato novo: inovações institucionais abrindo o caminho a enérgico esforço de formação de capital, para a implantação de tecnologia já amadurecida noutros países - especialmente os Estados Unidos e a Alemanha Ocidental. Estes países tiveram crescimento muito mais modesto, a saber:

Quadro 4:
Produção Industrial - Fase a - Quarto Kóndratiev

Essas considerações sugerem a possibilidade de que mudanças institucionais adequadas possam trazer, a países como o Brasil, uma retomada enérgica do crescimento, ainda nestes seis ou oito anos finais plausíveis, da fase b do Quarto Kondratiev. Mais concretamente, o Brasil pode arquitetar um ambicioso plano de desenvolvimento, à base de investimentos nos grandes serviços de utilidade pública, pela aplicação de tecnologia já provada noutros países, e ao nosso alcance, à vista dos recursos acumulados na primeira etapa de nossa industrialização - principalmente até 1980 - de potencial e material claramente subaproveitado.

CICLO BREVE ENDÓGENO BRASILEIRO

Cabe aqui um parêntese. Nossa industrialização, nos quadros da Terceira Dualidade, isto é, sob o comando do pacto de poder entre o latifúndio feudal e o nascente capitalismo industrial, como sócios maior e menor, respectivamente, fez-se através de surtos cíclicos aproximadamente decenais - obviamente aparentados dos ciclos de Juglar. Cada um desses ciclos liquidava o atraso relativo de um dos “setores” em que as mudanças institucionais iam permitindo dividir o sistema econômico nacional.

Em 1930, quando, já no fundo da fase b do Terceiro Kondratiev, o movimento industrializador ganhou momento decisivo, a economia dispunha de serviços de utilidade pública já bastante desenvolvidos: transportes ferroviários, navegação mercante, transportes elétricos urbanos, água, esgotos, luz e energia para fins industriais, telefones urbanos, correios e telégrafos etc. Sem isso, o esforço de industrialização nem poderia ter começado, limitando-se a um movimento pré-industrial de substituição de importações, como na anterior Dualidade. E como em quase todo o “resto da América Latina”.

Esses “serviços de utilidade pública” foram predominantemente organizados, ainda nos quadros da Segunda Dualidade, como “serviços públicos concedidos a empresas privadas estrangeiras”. Era, consequentemente, uma projeção, para o interior da economia brasileira, do capitalismo financeiro, que havia assumido, no Centro Cíclico mundial, a forma de concessões de serviços públicos a empresas privadas. Graças a isso, a economia brasileira dispunha de um “setor” de serviços de utilidade pública, sem o qual não teria sido possível lançar o processo de industrialização geral.

Ora, a cada novo ciclo breve, estruturado em torno do desenvolvimento - ou modernização - de um “setor” após outro, partindo da superestrutura, com a indústria leve à frente, aproximando-se paulatinamente da indústria pesada, os serviços básicos de utilidade pública, constitutivos da chamada infraestrutura, herdados da fase pré-industrializada, iam-se revelando mais e mais insuficientes. Entretanto, como as condições para o surgimento do capitalismo financeiro nacional não estivessem criadas ainda, o problema - neste, como em outros casos - resolveu-se por um passo atrás, isto é, pela recriação de estancos, ou serviços públicos concedidos a empresas públicas.

Compreende-se que, para que uma sociedade ainda feudal possa superar o próprio feudalismo, fazem falta instituições feudais. Assim, criamos, paulatinamente, um direito trabalhista corporativo, isto é, de cunho feudal, sem, o qual nosso parque industrial não poderia ter surgido. Mas chegaria o momento em que nosso capitalismo industrial pôr-se-ia em condições de dispensar essas muletas feudais, precisamente no momento em que se fossem criando as condições para o surgimento de um capitalismo financeiro endógeno. No centro desse processo; encontraremos a revisão do direito de concessão, o qual, havendo passado da concessão de serviços públicos a empresas privadas estrangeiras à concessão de serviços públicos a empresas públicas ou estatais, deve passar agora à forma mais avançada compatível com o capitalismo, isto é, a concessão de serviços públicos a empresas privadas nacionais, vale dizer, financiadas em moeda nacional, pouco importando se o investidor é, à luz do Direito Internacional Privado, nacional ou não nacional.

OS “TIGRES” ASIATICOS

Nas condições da fase b do Quarto Kondratiev, os países mais dinâmicos da economia mundial são os chamados “tigres” ou “dragões” asiáticos, de ambos os lados da linha divisória entre as chamadas “economias de mercado” e as “economias centralmente planificadas”, como vimos antes, a saber: a República Popular da China, o Vietnam, Cuba, a Coréia do Sul, as Filipinas e a Índia, além de outros como, muito provavelmente, a Coréia do Norte, a Tailândia, Taiwan etc.

A experiência dos “tigres” deve ser estudada com cuidado pelo programador brasileiro. Em todos eles surpreendemos mudanças institucionais - não necessariamente as mesmas - abrindo a porta à aplicação prática de tecnologia já amadurecida em outros países, os integrantes do Centro Dinâmico universal, de ambos os lados da velha “Cortina de Ferro”, pelo emprego de potencial produtivo ocioso, o qual somente se revelará à vista de determinadas mudanças institucionais.

Quantas pessoas no Brasil tinham consciência de que dispúnhamos de enorme potencial produtivo ocioso numa indústria de construções mecânicas, ao abrir-se o “Programa Metas de JK”, e antes dessa discreta inovação institucional, que foi a substituição do Imposto de Vendas e Consignações, pelo Imposto de Consumo, que recaía apenas sobre o. valor acrescido? Quem sabia da existência das mil e seiscentas empresas que o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) usaria, em torno de uma dúzia de montadoras estrangeiras, para criar, aparentemente ex nihilo, essa mesma indústria automobilística?

Como no Brasil e na União Soviética dos anos 30, são mudanças institucionais assim, não necessariamente as mesmas, que possibilitaram e estão possibilitando saltos econômicos espetaculares, cuja fórmula geral é, precisamente, esta: um esforço para a formação de capital, orientado para a aplicação de tecnologia já amadurecida nos países de vanguarda, pelo uso do potencial ocioso já acumulado, à espera de inovações institucionais que o ponham em evidência.

Com efeito, não há por que esperar que se defina nova tecnologia ferroviária, por exemplo, para que nos ponhamos a reconstruir, de alto a baixo, o sistema ferroviário brasileiro. E já podemos produzir os trilhos, os vagões e as locomotivas, inclusive elétricas, para essa reconstrução, indispensável, inclusive, para desencadear o novo surto de crescimento. E, desde já, podemos apontar a inovação institucional necessária, a saber: a revisão do direito de concessão.

Compreende-se que não se encontram países de vanguarda entre os “tigres” contemporâneos. Aqueles países já cristalizaram em seus parques produtivos a tecnologia amadurecida, o que quer dizer que somente inovações institucionais de novo tipo - a exemplo de formas inéditas de planejamento - podem abrir a porta a novo surto de formação de capital. Na pendência disso, os investimentos abertos implicariam o uso de tecnologia no fundo já provada no interior de suas próprias economias, e teriam elevado custo social, sob a forma de sucateamento de instalações física e moralmente ainda não depreciadas, ao contrário do que ocorre nos países da segunda linha, que pouca coisa ainda válida teriam que sucatear.

Por isso, estes anos finais da fase b do Quarto Kondratiev prometem ser muito duros para os países integrantes do Centro Dinâmico, a menos que intervenham inovações institucionais como as indicadas, quando falamos em formas inéditas de planejamento. A “crise” - ou fase b do Quarto Kondratiev, começada pontualmente, isto é, como devia ser previsto, na cesura desse Ciclo Longo, ou seja, em 1973 - ainda não tocou o fundo do poço. Os três primeiros lustros. dessa fase trouxeram taxas de crescimento muito menores que as dos três lustros anteriores à cesura (Quadros 5 e 6in fine). Entretanto, embora muito baixas, salvo nalguns anos específicos (triênio 1979-82), essas taxas ainda são positivas. Uma “depressão”, como a que se abriu em 1929, que parece estar na ordem natural das coisas, ainda não se materializou.

Quadro 5:
Quarto Kondratiev Produção Industrial
QUADRO 6
Quarto Kondratiev Produção Industrial

Decisivas inovações tecnológicas parecem estar iminentes, provavelmente ordenadas em torno de uma energética montada sobre a fusão do átomo. Ora, precisamente essa iminência de sérias inovações tecnológicas freia o esforço de formação de capital nos países de vanguarda, ao prometer vida breve para as instalações calcadas na tecnologia já provada, mesmo quando melhorada comparativamente à cristalizada no parque já criado.

PLANEJAMENTO SOCIALISTA E KONDRATIEV

Entre esses países de vanguarda, vamos encontrar os integrantes do Centro Dinâmico socialista, vale dizer, a Europa Oriental e a URSS. Seu planejamento, paradoxalmente, tende a deixar sem aplicação as inovações tecnológicas já ao alcance desses países; visto como essas inovações exigiriam o sucateamento imediato de parte decisiva do parque produtor de bens de equipamento. Numa economia em que a introdução da nova tecnologia resulta de uma decisão consciente, essa decisão emerge como uma operação muito complexa. Por um lado, cada dia ou ano que passe, promete uma tecnologia ainda melhor do que a disponível em dado momento, e; por outro lado, o custo social dos investimentos baseados na tecnologia já provada se afigura muito baixo.

Talvez por isso mesmo, os países desenvolvidos de economia planificada, ao contrário do que supunham os seus teóricos, viram-se apanhados no turbilhão do Ciclo Longo. Os quadros que se encontram junto a este trabalho, especialmente os últimos, deixam clara essa dependência do Ciclo Longo - tal como era previsível, a partir das “curvas” de Kondratiev. O ano de 1973, salvo para a alcateia de “tigres”, de um e outro lados da “Cortina de Ferro”, marca uma evidente mudança de rumo, chegando mesmo a inverter essa tendência. A Ásia apresenta-nos o grupo mais importante desses “tigres” ou “dragões”.

A crise econômica, embora sendo menos violenta nos países cêntricos do mundo socialista do que nos países cêntricos do mundo capitalista, trouxe consigo graves consequências sócio-políticas, especialmente para os primeiros. Para os países capitalistas, as recessões e as depressões são fatos quase corriqueiros, que engendraram mecanismos de defesa consideravelmente eficientes, Exemplo disso é nossa correção monetária, que compatibilizou nosso crescimento com taxas de inflação impensáveis nos países socialistas.

A administração de Leonid Brejnev e sua equipe, havendo começado na fase a do Ciclo Longo, fez-se na ilusão de que a economia planificada socialista estava a coberto das flutuações econômicas cíclicas, muito especialmente da Long Wave. Era compreensível, e era um preço a pagar pelo sacrifício do genial mestre, precisamente quando a economia mundial descia ao fundo do poço da Grande Depressão, enquanto, na União Soviética, nos quadros do I Plano Quinquenal, os sinais se invertiam. Em suma, tudo se combinava para nutrir aquela ilusão, isto é, de que o planejamento deixava o socialismo a salvo da Onda Longa.

No Brasil, também nutrimos - nós, os marxistas revolucionários dos anos 30 - a mesma ilusão. Em sua expressão mais madura, esta tomava a forma da crença de que a Depressão Mundial era mera expressão da Crise Geral do Capitalismo. O remédio contra esta só podia ser um: a revolução socialista, a qual viria, provavelmente, na esteira da revolução democrático-burguesa, a qual deveria assumir, no Brasil, formas específicas, diferentes do fevereiro de 1917 na Rússia. No Brasil, a nossa seria a Revolução Agrária e Anti-imperialista, promovendo a Reforma Agrária e a Industrialização. No fundo, sonhávamos com uma sequência socialista para essa revolução burguesa: como o “Outubro Vermelho” soviético.

Ora, como de hábito, tivemos uma revolução a meias, isto é, não houve reforma agrária, mas ocorreu a industrialização. Isso eu havia percebido, não obstante meus verdes vinte e três anos, como o último dos revolucionários de 1935 a trocar as masmorras do Estado Novo pela precária liberdade, nas condições de domicílio coacto, em São Luís do Maranhão - não no Maranhão - o qual duraria oito anos. Senti que o país estava próspero, isto é, que algo de muito equivocado havia em nosso ideário sociopolítico. Somente dez anos mais tarde, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) nos daria a explicação para essa prosperidade inesperada: a industrialização substitutiva de importações, isto é, o fato de que pelo menos em parte do Brasil o esforço de produção para o mercado interno, em resposta ao fechamento dos mercados externos para os nossos produtos, assumiu o feitio industrial. Esse movimento foi, paulatinamente, contagiando todo o território nacional.

Nas fases recessivas dos anteriores Kondratievs (1815-48 e 1873-96), observamos, simetricamente com a fase recessiva do Terceiro Kondratiev (1921-48), uma reorientação do esforço produtivo hacia adentro, na terminologia cepalina. Essa reorientação, porém, não havia assumido o feitio industrialista. Foi, basicamente, no Primeiro Kondratiev, um esforço pré-mercantil de produção de autoconsumo, no interior das fazendas de escravos ou latifundiárias; e de produção, já predominantemente mercantil e urbana, mas só acidentalmente industrial, no Segundo Kondratiev.

Entretanto, a teoria da Dualidade Básica da Economia Brasileira, que dá a chave para esses tipos de mudanças, ainda não havia sido formulada. É ela que incorpora as contribuições cepalinas e a teoria dos Ciclos Longos.

ESTAGNAÇÃO E PERESTRÓICA

Não me sinto, assim, no direito de criticar Brejnev, por não ter percebido que, a partir da cesura do Quarto Kondratiev, isto é, 1973 - eventualmente o ano do Primeiro Choque do Petróleo - as coisas haviam mudado, e não somente para o mundo capitalista, mas também para o socialista. E que a brutal elevação dos preços do petróleo, arbitrariamente colocada no centro da crise, era mero incidente. Incidente que, aliás, não interessava ao mundo socialista, grande produtor de petróleo.

Os Quadros 5 e 6 reúnem informações categóricas sobre um período de cinquenta anos (1938-88) de indiscutíveis mudanças, interessando parcelas decisivas das “economias de mercado” e das “economias centralmente planificadas”. Esses decênios compreendem os três lustros finais da fase a e os três lustros iniciais da fase b do Quarto Kondratiev. O movimento interessou a toda a América (com a possível exceção de Cuba), toda a Europa Ocidental, a Europa Oriental e a URSS, o Japão e a Ásia, com a exceção da China e dos chamados “tigres asiáticos”. E virtualmente o resto do mundo. O Brasil, desta vez - como a União Soviética - não escapou aos efeitos do Quarto Ciclo Longo.

Como o programador socialista não admitia sequer a possibilidade de que sua economia estivesse sujeita a esse movimento, não é de admirar que, somente passados vários anos da fase b do Kondratiev, começasse a definir-se, muito desajeitadamente, a consciência do fenômeno, inclusive da crise que, de ambos os lados da “Cortina de Ferro”, assumiria formas francamente depressivas, na economia mundial, com as exceções indicadas, por volta do terceiro triênio da fase b (1979-82). Essa depressão, que no Brasil marcou o colapso do regime militar (do mesmo modo como outra depressão, virtualmente limitada ao Brasil, resultou na implantação do mesmo regime). Ambas essas depressões se exprimiram industrialmente em taxas negativas de crescimento. No caso da última, exprimiu-se por taxas negativas em todo o mundo capitalista e por taxas excepcionalmente baixas na área desenvolvida do mundo socialista. Somente escaparam os “tigres” de ambos os lados da “Cortina”.

O primeiro triênio subsequente à cesura do ciclo, entretanto, quase não trouxe desaceleração aos países do COMECON, revelando uma taxa de crescimento de 8,1 por cento de média anual, contra 9,3 por cento nos três lustros anteriores (fase a do ciclo). Aparentemente, somente o mundo capitalista (especialmente o desenvolvido) fora atingido. Sua taxa anual média passou, neste último, de 6,1 por cento na fase a para 0,5 por cento no primeiro triênio da fase b. Entre os países mais afetados destacam-se a Alemanha Federal (de 6,0 a 0,3 por cento); os Estados Unidos (de 5,5 por cento a crescimento nulo) e o Japão (de 13,6 positivos a 1,8 por cento negativos).

No segundo triênio, nos países do COMECON, o movimento de desaceleração começou a acentuar-se. Era a estagnação, como seria apelidado. Foi de 5,2 por cento no segundo triênio e de 2,7 por cento, no terceiro. As espetaculares taxas de crescimento dos anteriores planos quinquenais passaram a ser uma vaga lembrança. Deveria tornar-se evidente que algo de muito inesperado e grave estava acontecendo, mas a demora na definição da consciência desse fato era parte do preço a ser pago pelo abandono das teorias de Kondratiev.

Embora com atraso e de modo confuso e ilusório, essa consciência tomou forma, como seria inevitável. O governo de Leonid Brejnev começou a ser responsabilizado pela estagnação, como se ela fosse fenômeno restrito ao mundo socialista e não extensiva a quase toda a economia mundial, assumindo, aliás, formas incomparavelmente mais agudas nos países desenvolvidos do mundo capitalista.

Essa consciência crítica, que, com o tempo, se revelaria inepta e contrarrevolucionária, foi a chamada perestróica. Em vez de conduzir à busca de formas novas e superiores de planejamento - num momento em que, até mascarando-se com um liberalismo muito discutível, o planejamento propaga-se em todo o mundo capitalista - tomou a forma retrógrada de busca de uma economia de mercado que, muito provavelmente, nunca houve, em parte alguma do mundo. E, como seria natural que se esperasse, a crítica a Brejnev foi cedendo o passo à crítica a Stalin e esta à crítica a Lênin. O repúdio de plano ao marxismo está na ordem natural das coisas.

CONCLUSÃO

Nem no mundo socialista, nem no capitalista, o deslizamento para a recessão de longo prazo foi unívoco. De ambos os lados surgiram os chamados tigres e, marcando os extremos, tivemos dois países asiáticos importantíssimos: o Japão e a China.

Com efeito, entre 1960 e 1986, ambos esses países expandiram suas respectivas indústrias em nada menos do que 6,5 vezes, isto é, ao ritmo anual médio de 7,5 por cento. Entretanto, enquanto nos anos 60 o Japão expandia sua indústria a 13,3 por cento, a China o fazia somente ao ritmo de 4,1 por cento. Esse estado de coisas foi mudando, paulatinamente, pari passu com a mudança de fase do Kondratiev, de tal modo que, nos seis anos da década de 80, o Japão somente crescia a 3,5 por cento ao ano, enquanto a China crescia ao ritmo “japonês” de 10,8 por cento.

As Nações Unidas são parcas, no que toca a estatísticas econômicas relativas aos chamados “tigres”, mas creio que seria ilusório supor que sua notória expansão explosiva nada tem a ver com o Kondratiev. Estou convencido de que a lógica interna do Ciclo Longo responde tanto pela desaceleração, como pela aceleração. Nenhum economista brasileiro que se preze pode ignorar que nossa industrialização começou nos anos 30, precisamente como uma resposta à Depressão Mundial, como se, por motivos não inteiramente estudados ainda, a vaga cíclica, ao chegar a nossas praias, tenha mudado de sinal - mas sem perder seu caráter de vaga cíclica.

Com toda a probabilidade, a “crise” que sacudiu os alicerces do socialismo, na Europa Oriental e na própria URSS, e acumulou efeitos potencialmente mais explosivos ainda, do nosso lado da Cortina de Ferro ainda não disse tudo a que veio.

  • 1
    JEL Classification: E32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1990
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