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A Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamos

RESENHAS

Antonio Corrêa de Lacerda

Doutor em Economia pelo IE/UNICAMP, professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP

A Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamos

Antonio Dias Leite

Rio de Janeiro: Editora Campus/ Elsevier, 2004.

A análise da economia brasileira tem merecido uma série de trabalhos de qualidade por parte dos economistas, abordando questões como o desafio à política de estabilização, as opções do Brasil diante da enorme transformação observada na economia mundial, o processo de globalização e a conseqüente perda de autonomia dos Estados-nacionais. O mais recente livro de Antonio Dias Leite "A Economia Brasileira: De onde viemos e onde estamos" se inclui nesse rol por contribuir, de forma original, bem estruturada e pela metodologia adotada, para o debate não somente dos riscos, mas também das oportunidades que se apresentam para a economia brasileira.

Na primeira parte, "De onde viemos, onde estamos", Leite faz um breve retrospecto histórico da economia brasileira, abordando desde a atividade econômica primitiva, o período colonial e a industrialização, até os aspectos do Século XX, como os impactos das duas guerras mundiais e a era Vargas. Ainda na primeira parte, o segundo capítulo se propõe, com sucesso, a destrinchar para o leitor, especialmente o não-iniciado em economia, os principais conceitos e termos utilizados na discussão econômica. Da mesma forma, apresenta um resumo das principais correntes teóricas e seus pressupostos.

Na segunda parte, "Economia Essencial", subdividada em sete capítulos, são discutidas a essência do processo econômico e os fatores de produção, onde se destacam, entre outras, questões contemporâneas de grande impacto, como o problema do meio ambiente, trabalho e população economicamente ativa, fatores de produção e microeconomia aplicada.

Na terceira parte, de 11 capítulos, denominada "Economia Abrangente", são discutidos o papel do Estado, sistema tributário e finanças, câmbio, contas nacionais, inflação e uma série de outros assuntos de relevância para um entendimento de fato abrangente da problemática econômica. Algo bastante além do que se observa na maioria das análises econômicas predominantes, excessivamente enviesadas por uma abordagem quase que exclusivamente financeira.

Na quarta e última parte, "O Brasil chega ao século XXI", seis capítulos se dedicam a uma retrospectiva da economia brasileira contemporânea, o quadro social, ambiental e uma discussão sobre estratégias de longo prazo. Há ainda uma breve contribuição sobre a questão da ética na economia.

Os elementos levantados por Dias Leite ao longo do seu abrangente livro nos permitem refletir sobre questões de fundo quanto às chances e riscos do Brasil diante do cenário de globalização. Além disso, o autor nos presenteia com uma abordagem bastante original da forma de ver a economia, para além da questão meramente financeira e excessivamente centrada no curto prazo.

Trata-se de uma oportuna contribuição. Após um período de crescimento acelerado, que durou do final da segunda guerra mundial em meados da década de 1940 até o final dos anos 1970, intervalo que o Brasil cresceu cerca de 7% ao ano, os últimos vinte e cinco anos foram marcados pelo "stop and go" da atividade econômica, associado a baixos níveis de crescimento (2% ao ano) e queda na taxa de investimentos. Nos anos oitenta, o longo período de estagflação também coincidiu com o esgotamento do modelo de substituição de importações.

Mais tarde, os anos noventa vieram representar a década em que se abandonou o modelo nacional desenvolvimentista, baseado na substituição de importações, para a abertura comercial e financeira, a privatização e a desregulamentação dos mercados, que ampliou a vulnerabilidade externa e inviabilizou o crescimento.

O ápice do período de elevados déficits em transações correntes coincidiu com uma fase farta de liquidez internacional, que garantiu os recursos para o seu financiamento. No triênio 1998-2000, o déficit em conta-corrente foi quase que integralmente financiado com o ingresso recorde de investimentos diretos estrangeiros (IDE) médios anuais de US$ 30 bilhões.

A conseqüência para a economia brasileira é que a maior exposição ao mercado internacional induziu as empresas locais à busca de padrões de competitividade tendo como parâmetro o mercado mundial, o que implicou profundos ajustes defensivos na estrutura da produção brasileira.

O Brasil, pelo potencial econômico que representa, pode desempenhar um papel mais ativo no novo cenário internacional. O fato é que os Estados nacionais têm tido um papel fundamental no destino das nações e essa observação não se restringe a países desenvolvidos. Assim, é preciso reestruturar a inserção externa brasileira, envolvendo a atratividade de investimentos produtivos, a substituição de importações e geração de maior valor agregado local, a ampliação da internacionalização das empresas nacionais e a elevação das exportações.

Isso é algo que requer a articulação dos instrumentos de políticas industrial, comercial e de ciência e tecnologia, no sentido de induzir e fomentar a reestruturação para uma inserção ativa na economia internacional. Esse é um pré-requisito para viabilizar o crescimento sustentado, baseado não só no fortalecimento do mercado interno, mas também na redução da vulnerabilidade externa.

A questão-chave é diminuir a vulnerabilidade externa, mas mediante o crescimento sustentado da economia e sem gerar outros desequilíbrios macroeconômicos. Isso pressupõe uma mudança significativa em pelo menos três grandes frentes de atuação.

A primeira é resgatar a capacidade de planejamento e articulação do Estado. A experiência bem-sucedida de países tem mostrado que esse ponto é estratégico para superar os entraves. Isso engloba desde a identificação de gargalos na capacidade produtiva até a eliminação de desvantagens competitivas da economia.

A segunda frente é no sentido do projeto de desenvolvimento que adote políticas deliberadas de expansão das exportações, substituição competitiva das importações e desenvolvimento de centros locais de tecnologia. O foco aqui deve ser a diminuição da dependência tecnológica. Isso só é possível mediante uma clara articulação Estado-iniciativa privada e universidades/centros de pesquisas, para um esforço conjunto de superação de debilidades e construção de competências.

O terceiro ponto é uma política externa mais ativa, o que envolve não só uma postura mais atuante nos grandes fóruns como também nas negociações internacionais. O desafio é ampliar o acesso de produtos, empresas e serviços brasileiros nos grandes mercados, sem que isso implique contrapartida em abrir mão da soberania, aqui entendida como perda de capacidade de dirigir os próprios rumos, no que se refere à política industrial, a decisões quanto ao poder de compra do Estado e outros itens que representam verdadeiras armadilhas nas pautas de negociações.

Esse é um desafio que pressupõe uma mudança fundamental de estratégia, diante dos desafios impostos pela economia globalizada. A excelente contribuição de Dias Leite no seu livro perpassa com competência por grande parte desses desafios ao fazer uma abordagem abrangente sobre temas de relevância, correlacionando-os com as políticas e decisões econômicas. Nesse sentido, o trabalho serve de exemplo aos professores e alunos de economia, aos profissionais economistas e de áreas afins e a todo cidadão preocupado com os rumos do país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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