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ZPEs no Brasil: fora de tempo e lugar

EPZs in Brazil: out of time and place

RESUMO

neste artigo, o autor analisa a possibilidade de criação (e os motivos da derrota da proposta) de zonas francas no Brasil, com especial atenção ao efeito de tais zonas no balanço de pagamentos.

PALAVRAS - CHAVE:
Zona de Processamento de Exportação; comércio internacional

ABSTRACT

on this paper, the author analyses the possibility of creation (and the reasons for the defeat of the proposal) of free trade zones in Brazil, with special attention to the effect of such zones in the balance of payments.

KEYWORDS:
Free trade zone; international trade

A ideia de criarem-se Zonas de Processamento de Exportações no Brasil tem sido amplamente rejeitada entre economistas, empresários, técnicos governamentais e políticos. Na própria Assembleia Nacional Constituinte foi derrotada por ampla margem a emenda que pretendia, nas Disposições Transitórias, obrigar o envio pelo Executivo ao Legislativo de um projeto de lei, em seis meses, implantando ZPEs no país. Apesar disso, a Presidência da República parece continuar cogitando de editar um decreto - lei instituindo tais zonas, convencido de que estaria promovendo um projeto repleto de virtudes.

O exame de declarações, exposições de motivos contida em minutas de decretos - lei e em vários artigos publicados na imprensa, inclusive pelo titular do Ministério da Indústria e Comércio.1 1 Ver José Hugo Castelo Branco, “ZPE: Conceito e Preconceitos”, Correio Braziliense, 23 a 29.2.1988 revela que o Executivo identifica nas ZPEs as seguintes características e vantagens:

  • 1) as ZPEs seriam áreas geográficas com extraterritorialidade aduaneira, onde as importações não teriam cobertura cambial e seriam livres de impostos, tarifas ou controles não tarifários (como exames de similaridade e barreiras administrativas). As exportações também seriam isentas de quaisquer impostos ou restrições, e as remessas de divisas absolutamente livres, exceto uma parcela (convertida no câmbio oficial) fixada caso a caso pelo governo, para compras, no mercado interno, de serviços ou insumos e pagamento de mão - de - obra;2 2 A Exposição de Motivos do MIC diz que existem 485 áreas de livre comércio em 85 países, das quais 150 estão nos Estados Unidos e arrolam um modesto número de empregos diretos criados nessas áreas. Mesmo assim, na prática, induz à confusão entre Zonas de Livre Comércio e Zonas de Processamento de Exportações. As primeiras incluem zonas francas de importação, tipo Manaus, e até duty - free de aeroportos, onde se compra uísque, perfume e chocolate. O número de ZPEs é bem menor, devendo situar-se em torno de uma centena.

  • 2) as compras das empresas das ZPEs no mercado interno brasileiro obedeceriam a regras idênticas às vigentes para as exportações feitas pela economia brasileira; o mesmo se aplicaria para as vendas das ZPEs ao mercado interno, só que neste caso de forma mais restrita.3 3 Como se fossem importações do exterior, não concorrentes com produção nacional e preferentemente substitutivas de importações já feitas. Esta é a tendência das últimas minutas de decreto - lei que circulam no governo.

  • 3) as ZPEs contribuiriam de forma importante para melhorar o balanço de pagamentos do país, atrair investimentos externos, impulsionar o progresso tecnológico e diminuir os desequilíbrios regionais, pois se situariam preferencialmente no Norte - Nordeste.

Aliás, o MIC parece considerar que graças ao aumento do emprego, aos estímulos à produção local, à qualificação de mão - de - obra e à difusão de tecnologia moderna, as ZPEs teriam uma importância extraordinária, talvez decisiva, para desenvolver o Nordeste. Assim, nos artigos citados se afirma que:

  • o modelo da ZPE “garante o crescimento autossustentado da região (Norte - Nordes­te), livrando - a do extremo grau de dependência do Centro - Sul· (o que explica a resistência de alguns setores empresariais retrógrados de São Paulo). Ou seja, a ZPE significa a maioridade empresarial do Norte e Nordeste”. (Castelo Branco, op. cit.).

  • “O ideal é que as ZPEs já lá (no Norte - Nordeste) estivessem há 20 anos. Certamente o perfil da região seria outro” (idem);

  • “Todo esse incremento de atividade econômica (indústrias, fornecedores e serviços complementares) (decorrentes das ZPEs) resultará em substancial aumento do nível de renda regional, elevando os patamares de consumo e poupança pré - existentes” (idem);

  • Outro efeito indireto notável, em nível nacional: a redução expressiva (e, em prazo longo até mesmo a reversão) do fluxo migratório para o Centro - Sul” (idem).

Pelas afirmações citadas fica claro que o MIC considera que as ZPEs provocariam a verdadeira redenção econômica do Norte Nordeste. Ou não teria ocorrido esse fenômeno quando o fluxo migratório se detivesse e, mesmo, fosse revertido?

Na verdade, um exame mais atento da proposta do MIC sugere que as ZPEs, em vez dos benefícios apontados, poderiam criar problemas (e não aliviar) ao balanço de pagamentos e contribuir para aumentar o déficit público, fraturar a estrutura industrial brasileira e generalizar práticas de contrabando e tráfico ilegal de divisas. Além disso poderiam agravar os conflitos regionais no Brasil, sem - o que é pior - atenuar os desequilíbrios existentes, e ampliar também os conflitos entre Executivo e Legislativo, caso, para sua criação, fosse utilizado o decreto - lei.4 4 O decreto - lei, nesse caso, não é previsto na atual Constituição, além de referir-se a um projeto de grandes e discutíveis repercussões para o desenvolvimento do país e que, inclusive, envolve questões de extraterritorialidade, sujeitas a controvérsias de natureza constitucional. Além disso, não haveria nenhuma justificativa de urgência para tanto, como ocorreria, por exemplo, no caso de medidas tributárias que devessem respeitar o princípio da anualidade nas alterações de imposto. O Artigo 55 da atual Constituição autoriza decreto - lei apenas para matérias de segurança nacional, finanças públicas, criação de cargos públicos e fixação de vencimento. É óbvio que a criação de uma ZPE, com sua extraterritorialidade aduaneira, vai muito além da matéria de finanças públicas (o artigo 13 da minuta de decreto - lei fala até em norma penal). Além disso, o mesmo artigo estabelece que o decreto - lei não pode aumentar despesas. Neste caso, quem arcaria com os custos de infraestrutura de uma ZPE? Por outro lado, o parágrafo único do artigo 52 da atual Constituição, que trata de leis delegadas, estabelece que não será objeto de delegação a legislação sobre sistema monetário, sugerindo que a matéria é tipicamente de legislação normal. E a criação de uma ZPE envolve necessariamente a quebra de um sistema monetário único para todo o território. Do mesmo modo, envolve barreiras à livre circulação de mercadorias e pessoas. Como legislar sobre isso tudo num decreto - lei? Oficiosamente, algumas altas autoridades governamentais têm afirmado que o decreto - lei é necessário para implementar as ZPEs, pois um projeto de lei teria tramitação demorada e seria de aprovação duvidosa. Com argumentos semelhantes, no limite, deveria defender-se a eliminação do Poder Legislativo como· tal, e sua mera subsistência como instituição ornamental, simples enfeite de bolo.

EFEITOS SOBRE O BALANÇO DE PAGAMENTOS

Convém esclarecer que o benefício para o balanço de pagamentos seria dado pela parcela de gastos em moeda nacional das empresas localizadas nas ZPEs. Tal parcela, contudo, seria bastante limitada pelo obviamente elevado componente importado das atividades nelas instaladas. Além disso, seria preciso levar em conta que:

  • 1) haveria forte propensão e, dada a inexistência de controles, maior facilidade às práticas de underpricing nas exportações e overpricing nas importações (sub e sobrefaturamento), o que, evidentemente, diminuiria a base em relação à qual se deveria calcular o percentual de gastos no mercado interno. Isto sem mencionar a possibilidade e a tentação de converter dólares no mercado paralelo para realizar certos gastos locais;

  • 2) do mesmo modo, tenderiam a ocorrer inevitáveis deslocamentos de indústrias exportadoras já existentes (totais ou parciais, em fases mais próximas à montagem) para as ZPEs. Os exportadores industriais brasileiros têm sido absolutamente contrários às ZPEs, mas admitem que seriam compelidos ao deslocamento. Isto, afora envolver custos enormes para o país, provocaria perdas de divisas de exportações e aumentaria, como é óbvio, o coeficiente de importações das atividades exportadoras, em flagrante detrimento da demanda para a indústria doméstica. Assim, por exemplo, se uma empresa exportadora se deslocasse para a ZPE, por que continuaria adquirindo equipamentos produzidos no Brasil (por empresas de capital nacional ou estrangeiro, não importa) se pudesse comprá - los no exterior sem qualquer tarifa, imposto ou barreira, e provavelmente com melhores condições de financiamento?

Acrescente-se, ainda, que se o deslocamento integral de capacidade produtiva de indústrias exportadoras já existentes para as ZPEs é relativamente difícil, o mesmo· não aconteceria com os incrementos de capacidade produtiva preexistente, os chamados investimentos novos, que ocorreriam mesmo na ausência das ZPEs e que para elas se transfeririam;

  • 3) é inegável que existiria um certo grau de concorrência entre as exportações industriais realizadas pelo país e as que sairiam das ZPEs, especialmente face às tendências ao contingenciamento e estabelecimento de cotas nos mercados externos. Isto sem levar em conta as perdas por sub e superfaturamento, pela transferência para as ZPEs de atividades exportadoras preexistentes etc., que tornariam essa contribuição negativa.

Paradoxalmente, uma eventual proibição de que as ZPEs exportassem para países que estabelecem cotas equivaleria a criá-las e dar - lhes, em seguida, um tiro no pé. A menos que ingressassem nas ZPEs indústrias para vender principalmente ao Brasil. Por outro lado, suponhamos que tal proibição fosse feita e que as ZPEs exportassem apenas para mercados (ou apenas produtos) que não fixassem cotas. O que ocorreria se tais mercados mudassem as regras do jogo e passassem a fazer contingenciamentos? Como prevenir restrições futuras? O que fazer com a produção até então exportada pelas ZPEs?

  • 4) haveria também uma certa substituição entre investimentos externos nas ZPEs e investimentos externos fora das ZPEs, os quais contribuem bem mais positivamente na conta de capital do balanço de pagamentos. Dir-se - á que, hoje, os investimentos externos tradicionais estão tão retraídos, que esse efeito seria mínimo. É possível. Mas não há por que imaginar que essa situação conjuntural se prolongue indefinidamente, enquanto uma ZPE, a partir do instante que fosse implementada, dificilmente seria desfeita num futuro próximo, face a pressões políticas, interesses criados, custos de alterações nas regras do jogo etc. Por outro lado, há certos casos, por exemplo o aproveitamento da produção de Carajás, em que dificilmente deixaria de haver investimento externo, mesmo sem ZPEs. E, finalmente, não é demais lembrar que há outras formas de atrair investimentos externos para determinadas regiões e para exportações (via conversão da dívida, por exemplo) que prescindem do enxerto de uma ZPE.

Para ter em mente os exageros das expectativas em relação aos efeitos positivos das ZPEs sobre o setor externo basta lembrar que um estudo da UNCTAD5 5 “Export Processing Free Zones in Developing Countries: Implications for Trade and Industrialization Policies”, Nova York, Nações Unidas, 1985. ao fazer um balanço da experiência mundial das ZPEs constatou que nos países em desenvolvimento a participação das exportações das ZPEs no total das exportações de manufaturados e semimanufaturados situa-se abaixo de 5 por cento. Na Malásia, em 1974, foi de 3,7 por cento; na Coréia do Sul, em 1979, de 4,5 por cento. Na grande maioria dos casos, as ZPEs têm tido um impacto líquido sobre o balanço de pagamentos inferior a US$ 10 milhões anuais.

Quanto à atração de investimentos externos “autênticos” (isto é, que não sejam contrapartida de fuga ou “passeio” de capitais domésticos) é legítimo reportar-se também à experiência mundial:

“A contribuição do investimento estrangeiro em ZPEs no estoque de capital das economias hospedeiras têm sido comparativamente pouco importante, na medida em que as plantas (industriais) das ZPEs são normalmente unidades simples de produção, levando a cabo operações intensivas em trabalho, que não requerem máquinas ou equipamentos dispendiosos. De todo modo, os investimentos de capital feitos por empresas forâneas nos locais das ZPEs nos anos 70 não excederam normalmente US$ 1 milhão em nenhum caso e estiveram, em muitos casos, bem abaixo de US$ 500 mil. (UNCTAD, p. 5).

Caberia ainda lembrar de passagem, e isto é elementar, que de modo algum a forte queda dos investimentos estrangeiros nos últimos anos se deve a algum excesso de regulamentações nessa área. As regulamentações existentes, de 1982 para cá, período de queda maior, não são diferentes das que prevaleceram desde 1964 e ao longo dos anos setenta, quando houve o boom das entradas de capital de risco do exterior. A queda se deve sobretudo à instabilidade e semiestagnação da economia doméstica, aos problemas da dívida externa (que “contaminam” os dólares que ingressam sob a forma de capital de risco) e à ausência de uma política industrial efetiva no país pelo menos desde o final do governo Geisel (1979). A reversão da tendência recente, que é desejável, exige algo muitíssimo diferente da criação de algumas ZPEs.

TRÁFICO DE DIVISAS E CONTRABANDO

Como lembrou o professor Mario H. Simonsen, um dos críticos da ideia das ZPEs no Brasil, a criação dessas zonas constituiria um forte estímulo para brasileiros, pessoas jurídicas e físicas, adquirirem dólares no câmbio negro, que seriam enviados ao exterior para serem investidos nas ZPEs, como se fossem capital estrangeiro. Nesse processo de fuga de capitais, o seu agente teria a dupla vantagem de converter ativos em cruzados para ativos em dólares e deter estes ativos localizados em território brasileiro, o que reduziria o custo e facilitaria a sua administração.6 6 Folha de S. Paulo, 11.10.1987. Ao mesmo tempo, os brasileiros que operassem nas ZPEs tenderiam a introduzir no Brasil, de forma oculta, dólares para serem convertidos em cruzados no mercado negro, fechando então o círculo formado pela evasão de divisas, fomento do mercado e do contrabando e prejuízo ao balanço de pagamentos.

As facilidades e a tentação do contrabando associadas às ZPEs seriam bem mais amplas do que as existentes no caso da Zona Franca de Manaus (onde já não são pequenas, diga-se de passagem), seja pelas maiores vantagens de localização e de transporte das possíveis ZPEs em relação aos principais centros do mercado interno, seja pelas maiores oportunidades propiciadas pelo modus operandi das ZPEs.

Segundo um documento. da Receita Federal,7 7 Parecer da Coordenadoria de Controle Aduaneiro, Ministério da Fazenda, 9.11.1987. teria que ser enorme a expansão da burocracia necessária para evitar que as ZPEs fossem utilizadas para o contrabando e a fuga de capitais:

“A instituição das ZPEs criará pesados encargos à organização fiscal aduaneira. Há duas maneiras de controlar tais locais: ou se estabelecem esquemas de conferência física e documental e severas auditorias de estoques, ou se constroem barreiras físicas - muros, cercas e postos de vigilância - de modo a que se isolem hermeticamente as ZPEs ( ... ). Parece que o mais adequado é a combinação dos dois métodos” (pp. 3 - 4).

De acordo com esse estudo, uma ZPE de dez quilômetros quadrados exigiria de 150 a 200 funcionários, só para o trabalho de vigilância e fiscalização. Esse número, que parece alto, é tido como fortemente subestimado por autoridades mais diretamente envolvidas na repressão ao contrabando e ao tráfego ilegal de divisas e drogas.

Diz o MIC que o argumento do contrabando “não só é ridículo” como

“constitui uma afronta a todos os órgãos governamentais afeitos à área e aos empresários sérios deste país. As fronteiras existem e não podemos acabar com elas. A ZPE será apenas mais uma. O que coíbe o contrabando é a fiscalização e a aplicação das leis aos infratores. E isto, convenhamos, é muito mais fácil em uma área de pequena dimensão, como a ZPE, do que em vários milhares de quilômetros de fronteira. Aliás, para combater o contrabando de produtos estrangeiros cujos produtores localizam-se em outros países, somos relativamente impotentes, pois o atravessador não está ao nosso alcance. Já as ZPEs estarão localizadas no território nacional” (Castelo Branco, op. cit.).

Os órgãos que devem reprimir o contrabando não parecem sentir-se afrontados com o estímulo que as ZPEs trariam a essa atividade, mas sim preocupados. Nem os empresários sérios estão ofendidos, pois eles próprios têm alertado para o problema. Contudo, o ponto mais falho é outro: o MIC parece considerar que as ZPEs facilitariam o combate ao contrabando, ignorando a diferença entre fronteira simples e cabeça de ponte, ou base de operações, De acordo com essa teoria, no começo da Segunda Guerra Mundial, Churchill deveria ter deixado os alemães estabelecerem várias bases de dez quilômetros quadrados no litoral inglês, para melhor combatê - los, e o exército de Sua Majestade ofender-se com os opositores da ideia

O fator relevante e incompreendido, no caso, é a extraordinária multiplicação das oportunidades de contrabando, mediante o estabelecimento de novas e poderosas bases de operação dessa atividade, isto num país que mal consegue combater o que já existe, que é sabidamente amplo e que tem dois dos seus grandes focos na Zona Franca de Manaus e em Foz de Iguaçu (ao lado de uma Zona Livre paraguaia ... ). Por outro lado, como se explicará mais adiante, seria ingênuo imaginar que teríamos só uma ou duas ZPEs no Brasil, caso se autorizasse a primeira.

TECNOLOGIA, EMPREGO E REGIÕES

Os presumidos aportes tecnológicos das ZPEs bem como seu papel na atenuação dos desequilíbrios regionais, criação de empregos e qualificação de mão - de - obra são, como a experiência mundial assinala, escassos. No que se refere à tecnologia, caberia lembrar que não deixariam de vir para as ZPEs equipamentos usados, com tecnologia já superada nos centros desenvolvidos. Mas este não é o problema mais importante. Como sustenta um dos estudiosos da hipótese de criação de ZPEs no Brasil, Carlos A. P. Braga,8 8 “Ataque e Defesa às Zonas de Processamento de Exportação”, Folha de S.Paulo, 31.10.1987.

“O acesso às novas tecnologias é ( ... ) discutível, já que a experiência mundial com ZPEs sugere que as empresas típicas em tais zonas são produtoras de tecidos e roupas, produtos eletrônicos, sapatos, produtos de couro, brinquedos e produtos de plásticos ( ... ) A lei de informática ( ... ) limita a atratividade das ZPEs para firmas do setor eletrônico. Nos demais segmentos a expectativa é de que somente viriam para o Brasil aquelas atividades intensivas em mão - de - obra e de baixo conteúdo tecnológico”.

O estudo da UNCTAD, já citado, adverte que

“A contribuição das ZPEs para promover o desenvolvimento das economias onde são instaladas tem sido até agora desapontadora, ao menos se o seu impacto econômico é confrontado com os ambiciosos objetivos perseguidos por muitos países em desenvolvimento mediante a operação das ZPEs ( ... ) Processos de produção sofisticados não são normalmente encontrados nas ZPEs” (op. cit., p. 4).

Outra análise sobre as ZPEs, preparada por Peter Warr9 9 “Export Processing Zones. The Economics of Offshore Manufacturing “, Australian National University, ago. 1987. para o Banco Mundial (instituição que preconiza, reiteradamente, maior abertura da economia brasileira), também resumindo a experiência internacional desse modelo assevera que

“As ZPEs são em geral isoladas da economia doméstica. Os substanciais ganhos de transferência de tecnologia que se buscavam inicialmente não parecem ter ocorrido” (op. cit., p. 41).

Ademais, como observou um empresário exportador,10 10 Roberto Fonseca, Folha de S. Paulo, 31.10.1987.

“A absorção de tecnologia através de ZPEs é questionável, pois não acredito que (a nova tecnologia) seja transferida para as outras regiões do país não favorecidas pelo mecanismo (da ZPE), uma vez que os investimentos e os detentores de tecnologia não teriam necessariamente a obrigação de fazer essa transferência. Eles simplesmente utilizariam os seus designs, as suas “caixas pretas”, na montagem dos equipamentos, dos produtos eletrônicos, mesmo dos manufaturados de consumo que lá forem produzidos”.

Braga e Pelin11 11 Braga, C. A. P. e Pelin, E. R., “Zonas de Processamento de Exportações: A Experiência Internacional”, FIPE/USP, 1977. avaliam que

“Não faz sentido esperar que as empresas estrangeiras transfiram seus conhecimentos, já que tecnologia é um importante item de concorrência no mercado internacional. Mesmo nos países em que ZPEs não foram instaladas, mas que contam com subsidiárias de empresas estrangeiras, a transferência de tecnologia tem sido de pequena monta e limitada a tecnologias muitas vezes ultrapassadas” (pp. 27 - 28).

Por motivos semelhantes, o impacto favorável das ZPEs sobre o emprego no Norte - Nordeste seria limitado. Os “efeitos multiplicadores para diante” (forward linkages) da produção, que seria exportada, seriam pequenos ou nulos, e os efeitos “para trás” (backward linkages) seriam também restritos, pela concorrência das importações do exterior (livres) e do resto do país (dada a maior oferta de insumos já existentes no Sul - Sudeste).

De todo modo, seria sempre necessário avaliar o custo de oportunidade de cada emprego criado, que seria provavelmente alto no contexto da estratégia de ZPEs. Cabe lembrar, a respeito, que na Zona Franca de Manaus cada emprego direto “custa” pelo menos 20 mil dólares anuais de incentivos legalmente concedidos, cerca de nove vezes o salário médio da região. Certamente as ZPEs não representariam a forma mais econômica e adequada de gerar empregos no Norte - Nordeste, em confronto com políticas menos custosas (por unidade de emprego), mais descentralizadas, mais amplas do ponto de vista setorial e mais dinâmicas quanto aos efeitos “para trás” e “para diante”, no contexto da economia regional.

Segundo Warr,

“O uso de matérias - primas domésticas por ZPEs foi menos significativo do que se esperava, e esses encadeamentos geralmente ocorreram em áreas onde a transferência da tecnologia não é particularmente promissora” (op. cit., p. 41).

Aliás, a análise da UNCT AD também enfatiza que

“De todo modo, as ZPEs mantiveram seu caráter de enclave e não estabeleceram maiores encadeamentos (linkages) substantivos com o setor industrial nas economias onde se instalaram” (idem, p. 4).

Por que isso? Para começar,

“A participação do valor adicionado doméstico nas exportações das ZPEs normalmente não excede 25 por cento, mas pode ser consideravelmente menor ... “ (idem, p. 5).

Os gastos locais são por conta principalmente de salários e aluguéis, de modo que

“O suprimento de insumos de produção comercializável às firmas das ZPEs é, na maioria dos casos, insignificante· (idem, p. 5).

De fato, a propensão a importar do exterior, por parte das firmas das ZPEs, é bem alta, seja pela maior competitividade dos insumos externos, seja por melhores condições de financiamento, seja pela

“integração vertical de muitas das operações das ZPEs no processo de produção transnacional, (o que conduz a que) tais operações dependam pesadamente do suprimento de importações intrafirmas (...). As companhias estrangeiras preocupam-se mais com manter seus encadeamentos dentro de sua própria rede internacional de produção do que com estabelecer vínculos com as economias hospedeiras” (UNCTAD, p. 17).

A isso acresce tanto a conveniência de elevadas importações e exportações intrafirmas, a fim de facilitar “a utilização dos mecanismos de transferências de preços” (sub e sobrefaturamento), bem como “a política dos próprios países desenvolvidos ( ... ) de estimular fortemente o caráter intensivo em importações das operações das ZPEs (UNCTAD, p. 17).

E quanto à mão - de - obra?

“A produção dos locais de ZPE oferece emprego predominantemente para mão - de - obra de baixa qualificação, desempenhando operações manuais simples que podem ser apreendidas num tempo comparativamente pequeno. Seus efeitos no sentido de elevar a qualificação de força de trabalho foram, portanto, mínimos” (UNCTAD, p. 4).

Mais adiante:

“A evidência que decorre das ZPEs existentes indica que as atividades industriais nas Zonas Livres não criaram uma força de trabalho treinada que ficaria disponível para trabalho no setor industrial doméstico quando aquelas atividades deixassem a ZPE. O caráter de enclave das ZPEs e as diferenças entre os processos de produção nas ZPEs e nos setores domésticos também constrangeram grandemente o desenvolvimento do aprendizado e dos efeitos de demonstração nos países hospedeiros (das ZPEs)” (idem, p. 5).

Apenas para confrontar números, lembre-se que a força de trabalho no Nordeste cresce anualmente em torno de 450 mil pessoas. Ou seja, a soma de todas as ZPEs dos países em desenvolvimento mal ofereceria emprego suficiente para absorver dois anos apenas do aumento da força de trabalho do Nordeste.

Quanto à criação de empregos, vale lembrar a famosa ZPE de Shannon, na Irlanda, tão celebrada pelo MIC, que criou, até 1983 (e desde 1959) menos de 4 300 empregos, equivalente a menos de 2 por cento de força de trabalho industrial daquele país. Nas Filipinas essa proporção (1982) equivalia a 1,2 por cento. E no conjunto das ZPEs?

“O emprego em todas as ZPEs localizadas em países em desenvolvimento é correntemente estimado em algo menos de 1 milhão de pessoas (nota: esse número corresponde à totalidade das ZPEs desses países), ou 2,6 por cento do total da força de trabalho oficialmente registrada nas indústrias manufatureiras nos países em desenvolvimento” (idem, p. 18).

AS ZPES E O ESTADO

Ainda de acordo com o MIC, o modelo da ZPE, além de não implicar gastos públicos ou perdas de receitas fiscais, “não interfere na estrutura produtiva do país”, “minimizaria a intervenção estatal na atividade empresarial· e, nele, “o papel de Estado se resume ao de guardião de regras administrativas estáveis, por prazo determinado, sem assumir nenhum risco ou conceder qualquer benesse” (Castelo Branco, op. cit.).

É equivocada a afirmação de que as ZPEs não implicam aumento dos gastos públicos. Basta lembrar as despesas de infraestrutura, e até mesmo na área administrativa e de prevenção e repressão ao contrabando e outras práticas ilegais, cujo potencial se elevará. Isto sem que, como contrapartida, gerem receita significativa de impostos, pois o modelo, como é lógico, implica amplas isenções, além de ter efeitos pequenos de encadeamento com a estrutura econômica local.

Além disso, o modelo ZPE amplia também as condições para a sonegação: sabem disso os técnicos da Receita Federal, e basta ouvir a respeito os secretários de Fazenda estaduais. Como os insumos intermediários ou finais vendidos às ZPEs são isentos de ICM e IPI, cria-se uma forte tendência a desvios de mercadorias. Nesse aspecto, a Zona Franca de Manaus fornece bom exemplo: uma pesquisa feita no início de 1985 mostrou que metade dos veículos “utilitários” vendidos à Zona Franca, com isenção de ICM e IPI, lá não chegou, indo para usuários de fora da Zona.12 12 Essa pesquisa foi realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Imagine-se o efeito - sonegação da multiplicação de zonas isentas de impostos para compras de produtos nacionais, que, ademais, por sua maior complexidade, permitiriam um verdadeiro florescimento da criatividade sonegadora, inclusive mediante a multiplicação e sofisticação dos “passeios de mercadorias”, que aumentam custos mas garantem maior sonegação de impostos, configurando grandes perdas fiscais e de eficiência na economia.

É equivocado também dizer que “o modelo de ZPE não interfere na estrutura produtiva do país”. Como se disse, haverá a tendência ao deslocamento da parte da atividade exportadora (preexistente ou futura) do resto da economia para as ZPEs; e a atividade deslocada exercerá menor demanda por insumos intermediários e finais de origem doméstica. Raciocínio semelhante vale para a perda de mercados das empresas exportadoras domésticas para as firmas das ZPEs.

O projeto do MIC prevê vendas das ZPEs ao mercado interno, que seriam tratadas como se fossem importações do exterior, afora algumas restrições já citadas. Mas, além de que tal esquema facilitaria o contrabando, o que ocorreria quando a conjuntura do mercado externo fosse ruim? Pode-se imaginar governadores, parlamentares e jornais das regiões das ZPEs clamando, legitimamente, pelo afrouxamento das restrições para vendas no mercado interno, como forma de combater o desemprego. Não é demais lembrar que a Zona Franca de Manaus hoje exporta diretamente apenas um décimo do que importa e que, com boa probabilidade de sucesso, os parlamentares do Amazonas reivindicaram (do seu ponto de vista, é compreensível que o tivessem feito) sua perenização, sob todas suas formas atuais, em detalhe, no futuro texto constitucional.

Por último, é errado dizer que “a intervenção estatal seria minimizada”. Ao contrário. Imagine-se estabelecer e controlar caso a caso, para cada empresa, os gastos obrigatórios no país, controlar toda a comercialização interna com as ZPEs, procurar (debalde, no caso) as práticas de transferências de preços, administrar as parcelas da produção das ZPEs que poderão adentrar o mercado interno etc. Em suma, o Estado terá que administrar dois sistemas econômicos com regras diferentes na mesma economia: o preexistente (atual) e o arquipélago de enclaves formado pelas ZPEs.

E não cabem ilusões: uma vez criadas ZPEs no Brasil, haverá, dentro da lógica de concorrência entre ZPEs que já funcionam no mundo, pressões para conceder incentivos fiscais e creditícios a fim de atrair firmas estrangeiras. Tais incentivos existem na Coréia do Sul, em Taiwan, na Malásia e em Cingapura, por exemplo. Acabam significando, como se sabe hoje, esforço fiscal, pressão sobre o déficit público.

A propósito, eis o que nos diz Warr a respeito do tema:

“O exemplo das Filipinas mostra que os limitados benefícios das ZPEs podem ser extremamente custosos. A primeira e maior ZPE das Filipinas, a ZPE de Bataan, foi um instrumento de descentralização regional. Os custos de infraestrutura de construir uma ZPE numa área isolada escolhida foram muito altos. Mais ainda, para atrair firmas estrangeiras para a Zona, o governo garantiu às firmas da ZPE acesso preferencial ao mercado de capitais das Filipinas, sem taxas de juros e com· aval governamental para os empréstimos. Não surpreende que a maior parte dos investimentos das firmas nas zonas - acima de 90 por cento - foram financiados desse jeito. O subsídio implícito nessa política implica em alto custo social para as Filipinas” (op. cit., p. 42).

A expressão “arquipélago” das ZPEs é pertinente, pois cada estado do Norte - Nordeste, depois de criada uma ZPE, acabará, com o tempo, reivindicando·a sua, por uma questão de prestígio ou, quando mais não seja, para não assumir apenas os prejuízos que as ZPEs vizinhas inevitavelmente trarão. Cabe ter presente que a alavancagem política feita para as ZPEs se baseia na promessa de redenção do Norte - Nordeste (até a reversão do fluxo migratório) e que o governo é especialmente suscetível a pressões. Paralelamente, viria a demanda por recursos para gastos de infraestrutura e ganhariam consistência as redes de sonegação, tráfego de divisas e contrabando, além das pressões para vendas no mercado interno.

Não faltariam, por outro lado, propostas para que os investimentos nas “zonas de exportações” pudessem fazer-se dentro do esquema da conversão da dívida, o que seria, evidentemente, impróprio, para não dizer descabido, acrescentando um aluvião de inconveniências às já inconvenientes ZPEs. Mas angariariam simpatias entre corretores de negócios do próprio Sudeste, numa área tão propícia a ganhos vultosos e rápidos.

AS ZPE’S, FORA DE LUGAR

O MIC considera que as ZPEs são bem atuais, representam o dernier cri em matéria política econômica para o Brasil, e, além disso, são apropriadas para os mais diferentes tipos de economias “capitalistas, desenvolvidas e subdesenvolvidas, socialistas de diversos matizes” .. Uma grande prova: sua existência nos Estados Unidos. Mais ainda: segundo o MIC, não cabem no Centro - Sul do país, que são regiões mais industrializadas, mas sim no Norte - Nordeste, que é subdesenvolvido.

Mas a ideia de que o modelo de ZPE ainda representa um último hit parade em matéria de política para o desenvolvimento é equivocada. O estudo de Peter Warr assinala, com razão, que as ZPEs representam uma contribuição positiva, embora limitada, a países em estágios iniciais de industrialização, ou de economias pequenas e abertas. Ambos os casos não se aplicam, evidentemente, ao Brasil.

Nesse ponto, há um contra - argumento lembrando que os Estados Unidos criaram várias dezenas de ZPEs, mas esquecendo que nesse país não há controle cambial e a indústria pode transferir livre e legalmente divisas para o exterior. Aliás, o esquecimento de que no Brasil há um significativo mercado paralelo de divisas atrapalha bastante a análise do MIC. Por outro lado, as ZPEs dos Estados Unidos não se destinam primordialmente a exportar, mas voltam grande parcela dessa produção para o mercado interno norte - americano (cerca de nove décimos, computadas as cento e tantas zonas livres lá existentes). Não é por menos que naquele· país existe forte movimento contrário às ZPEs na sua moldura atual.

Poder-se - ia lembrar também que foram criadas ZPEs na China, cuja economia é centralmente planificada e até o final da década passada estava praticamente isolada do resto do mundo. Neste caso a diferença de condições em relação ao. Brasil é tão grande e óbvia que permite dispensar comentários.

O MIC chega ainda a invocar o exemplo do Uruguai (que estaria preparando-se para criar uma ZPE) (ver Correio Braziliense), para reforçar a urgência de se realizar algo semelhante no Brasil. Trata-se de um país muito menos industrializado do que o nosso, que exporta basicamente produtos primários ou pouco elaborados (em contraste com o Brasil, que já é um exportador industrial razoável), cujo mercado interno é 43 vezes menor do que o brasileiro, cujo PIB por habitante cresce a um ritmo três vezes menor do que no Brasil (1965 - 1985) e cuja população é pouco maior do que a do Grande Recife. Além disso, no Uruguai o câmbio é livre e o sistema bancário doméstico foi em boa medida internacionalizado.

Ao dizer que as ZPEs não são recomendáveis ao Centro - Sul porque é mais desenvolvido, mas sim ao Norte - Nordeste porque é subdesenvolvido, o MIC passa por cima de um fato elementar: o Brasil é um país cujo desenvolvimento se deu de forma extremamente desigual, mas que possui um mercado interno grande e integrado. Nesse sentido, o Norte - Nordeste não tem os mesmos problemas que as economias pequenas, cujos coeficientes de importação tendem a ser bastante elevados e que precisam a qualquer preço se expandir aceleradamente para o exterior, como condição para obter economias de escala nas suas indústrias e elevados montantes de divisas para importar bens que seu mercado interno e sua disponibilidade de recursos naturais não permitem produzir.

O grande problema do Norte - Nordeste - que envolve o país como um todo - é integrar-se dinamicamente no mercado interno, nos lados do consumo e da produção. Essa região não equivale nem se assemelha, nas suas dificuldades e impasses, a alguma ilha, península ou cidade - Estado asiática. A estratégia de desenvolver as atividades exportadoras no Norte - Nordeste, atrair maiores investimentos externos para lá etc. é recomendável, mas no contexto de uma política industrial que leve em conta o conjunto do país, que não comprometa, mas reforce, o esforço industrial e exportador já acumulado e que realmente produza um grande impulso econômico na região, criando nela o chamado “círculo virtuoso” do desenvolvimento (que hoje, por exemplo, ocorre na região Centro - Oeste). Isto, aliás, só faria bem à economia do Sul - Sudeste e do Brasil em seu conjunto. Não há país no mundo cujo desenvolvimento tenha sido dinâmico e prolongado sem a superação de suas desigualdades regionais mais agudas.

O PROBLEMA DA INDÚSTRIA

O possível deslocamento parcial das atividades exportadoras domésticas para as ZPEs (e, nelas, operando com maior coeficiente importado), a substituição de investimentos na economia interna por investimentos nas ZPEs, as maiores facilidades de contrabando e o provável afrouxamento das restrições às vendas no mercado interno colocam de forma clara uma perspectiva adversa para o setor industrial doméstico, ferindo - o precisamente no aspecto que o diferencia (e põe à frente) da indústria de outros países do Terceiro Mundo, especialmente da América Latina (México ou Argentina, por exemplo): a sua elevada integração vertical.

A esse respeito vale a pena citar o professor Luís Paulo Rosemberg:

“De repente, o governo acena com a ameaça de que aventureiros poderão instalar-se no Brasil importando o que bem entenderem e, obviamente, aniquilando a competitividade internacional do nosso exausto empresário. Mais ainda: só ingênuos não percebem que será questão de tempo para as empresas das ZPEs penetrarem no mercado doméstico, pondo a perder anos de sacrifício na criação do parque industrial brasileiro”.13 13 Revista Exame, 28.10.1987.

É interessante ainda registrar a opinião do ex - diretor da CACEX e atual presidente da Fundação do Comércio Exterior (FUNCEX), Benedito Moreira:14 14 O Estado de S. Paulo, 25.10.1987.

“Grande parte da produção das ZPEs, se realizada, vai acabar sendo colocada no mercado interno por pressão política. E não há quem segure uma pressão política neste país”.

Influiria nessa direção o já mencionado contingenciamento dos mercados externos, com fixação de cotas de exportação para o Brasil. e·a consequente concorrência das exportações já feitas com as que sairiam das ZPEs; tal circunstância poderia, segundo Moreira,

“ ( ... ) acabar liquidando a indústria brasileira. Os produtos que têm cota no Exterior vão ser vendidos internamente para fugir à restrição dessa cota. Os países para os quais nos interessa exportar estabelecem cotas, como os Estados Unidos e a Europa. E a gama de produtos sujeitos hoje a cotas é enorme” (idem).

A MOTIVAÇÃO NORDESTE

A ideia de que as ZPEs poderiam desenvolver o Nordeste e corrigir substancialmente os desequilíbrios regionais é, como sugerimos, falaciosa, mas não obstante tem sido utilizada como principal alavanca política para o projeto, seja para reunir adesões, seja para desqualificar os críticos. Por esta razão esse aspecto será retomado em seguida.

1) Além do estudo do Banco Mundial e do artigo do economista C. A. Braga, vale a pena citar um diálogo entre Benedito Moreira, o presidente da Associação Brasileira de Exportadores (que reúne 80 por cento das exportações brasileiras), Ingo Zadrosny, e Helson Braga, principal figura do MIC na elaboração e defesa das ZPEs. Note-se que as declarações deste último conflitam claramente com os artigos do MIC já citados anteriormente:

“B. Moreira: Ouvi que era preocupação do presidente José Sarney, legítima, urgente, emergencial: é preciso fazer alguma coisa para tirar o Nordeste de suas necessidades, do marasmo. Me foi dito então que sugeriram ao presidente as ZPEs ( ... ). O que queremos então? Queremos que o Nordeste dê condições dignas de vida a 30 ou 40 milhões de pessoas e, eventualmente, isso produza efeitos para o Norte.

H. Braga: Essa é justamente uma das visões que não correspondem mais ao ponto em que o projeto chegou hoje.

I. Zadrosny: Essa visão de ajudar substancialmente o Nordeste não existe mais?

H. Braga: É como a ideia foi inicialmente vendida. Terá esse efeito, mas não é, como eu disse ontem, a política de recuperação da região.

B. Moreira: Se não for um projeto de grande impacto para o Nordeste, poderemos criar mais um problema sério para o país. Você não vai ficar com uma ZPE. Cada governador do Nordeste quer uma, o Espírito Santo, a Zona Franca de Manaus quer crescer ... “ (idem).

  • 2) A última frase do presidente da FUNCEX chama a atenção para um outro fenômeno, cuja existência se constata com grande facilidade e cujas consequências podem ser extremamente perversas. Afora focos isolados, em parte resultantes de informação inadequada, a grande maioria dos que poderiam influir na decisão sobre a criação das ZPEs é contrária à ideia, mas eles não expressam sua oposição de forma veemente, seja por não medirem bem suas consequências, seja em virtude de um certo conformismo e face ao raciocínio de que, se as ZPEs forem de todo modo criadas e o desenvolvimento do país como um todo sofrer prejuízos, o melhor para seu estado será ter a sua ZPE. Isto aparentemente (e só aparentemente15 15 Apenas para exemplificar, a evasão tributária castigaria fortemente o Norte - Nordeste, seja diretamente, via seus ICMs estaduais, seja indiretamente, via Fundos de Participação, dos quais, no caso dos estados, 70 por cento vão para essa região. Hoje, tais fundos reúnem um terço do IPI e do IR. Com a nova Constituição essa proporção subirá a 46 por cento. ) permitiria que seu estado perdesse menos, ou ainda ganhasse algo em termos líquidos, isoladamente, com a medida.

É óbvio, então, que a criação de uma ZPE gerará - mesmo de parte de muitos que seriam, em tese, críticos dessa alternativa - demandas para que sejam criadas outras, isto com o propósito, tão banal na vida política, de não ficar “para trás”. Teríamos, assim, um efeito - cascata, viabilizado por pressões políticas eficazes junto a um Executivo a elas especialmente suscetível. Não há dúvida de que, um dia, até os estados do Sul - Sudeste (e Centro - Oeste) acabariam arrancando, por que não, suas ZPEs, dadas suas óbvias vantagens locacionais.

Tais considerações são essenciais para captar a dimensão da inconveniência da criação de ZPEs no Brasil, um país de extensão e economia continentais, federativo, abrigando fortes conflitos regionais explícitos e latentes, com instituições políticas frágeis e, ao mesmo tempo, com um imenso setor industrial, castigado pela semiestagnação dos anos 80, pelas vicissitudes das políticas de estabilização de preços do período recente e pela ausência de uma política setorial que lhe abrisse perspectivas de retomar o dinamismo do passado.

Diz o MIC que os adversários das ZPEs não apontam alternativas para desenvolver o Norte - Nordeste e, quando intentam fazê - lo, propõem medidas que não excluiriam necessariamente o modelo de ZPE, e até poderiam complementá - lo. Aqui evidencia-se um problema de lógica: o fato de que não excluam, não valida a criação de ZPEs. Quando se fala em “alternativa” diz-se apenas que há estratégias que podem, por exemplo, fomentar exportações do Norte - Nordeste, com mais vantagens e bem menos desvantagens de que o modelo de ZPE, que é considerado contraproducente.

Fiquemos com dois exemplos, referentes exclusivamente à industrialização e às exportações industriais. O primeiro se refere a uma proposta contida num documento de técnicos do Ministério da Fazenda - Heloisa Camargo Moreira (hoje titular da CP A) e Antonio J. C. Antunes - que, ao lado de assumir posição crítica sobre as ZPEs, aponta para as vantagens de aperfeiçoar o sistema BEFIEX (que hoje existe para facilitar e estimular as exportações industriais) e torná - lo mais vigoroso para as regiões Norte e Nordeste.16 16 Heloisa C. Moreira e Antonio J. C. Antunes, Zonas de Processamento de Exportação - Alternativas para o Desenvolvimento Industrial do Norte/Nordeste?, Brasília, 1987. Os próprios autores do documento consideram essa estratégia como “alternativa” ao modelo de ZPE.

Por que o MIC, órgão governamental responsável pela política industrial do país, não implantou até agora nada efetivo nessa direção? Por que, apesar de mostrar agora uma preocupação tão grande com o Norte - Nordeste, não conseguiu agilizar nos dois anos da atual gestão, a adoção de medidas que, de um lado, não implicariam perda de divisas, contrabando, sonegação ou vultosos gastos de infraestrutura, e, de outro, teriam efeitos propulsores sobre a economia local?

Outro exemplo se refere à preferência que poderia ser dada ao Norte - Nordeste dentro do processo de conversão da dívida. Esta ideia foi proposta inicialmente por mim próprio, diretamente ao presidente José Sarney, em março de 1987 (antes de surgir o debate sobre o modelo de ZPE) e em artigos posteriores publicados na imprensa e em revistas acadêmicas.

Na regulamentação feita pelo Banco Central em fins de 1987, foi incluída uma cláusula nessa direção, mas até agora (março de 1988) não se organizou nenhum programa efetivo. Por quê? A meu ver, a demora para fazer-se a regulamentação quanto para implementar algo concreto reflete incompetência, falta de autoridade e de um programa industrial sério e prático (não apenas no papel) para o Nordeste, precisamente na área governamental responsável.

O MIC deveria ter impulsionado a ideia, pois o estímulo implícito na conversão, acoplado ao BEFIEX renovado e a bons projetos, poderia dar lugar a um programa de investimentos privados no Norte - Nordeste da ordem de 1 bilhão de dólares anuais, voltado a exportações, substituição de importações, desenvolvimento de setores com tecnologia que interessa ao país etc. Isto sem “zonas livres” e todas suas fraquezas, prejuízos e inconveniências. Existem condições objetivas para tal programa, para o qual não faltaria apoio e mesmo entusiasmo entre setores políticos e empresariais do país e da própria região.

A inércia cria marasmo e gera aflição entre os melhores homens públicos do Nordeste. Mas é curioso que os setores responsáveis pela própria inércia a invoquem como razão para implementar o modelo de ZPE, que francamente o Nordeste, já sofrido, não merece. Essa região precisa de alternativas mais racionais, eficientes e à altura de sua história e de seus dramáticos problemas.

FALTA DE OBJETIVOS

Para o MIC, a oposição às ZPEs provém fundamentalmente “de setores empresariais retrógrados” do Centro - Sul, especialmente São Paulo, e de áreas político - ideológicas preconceituosas em relação à livre economia de mercado. São “detratores”, críticos maliciosos, sem isenção, desinformados, que confundem deliberadamente as ideias - por exemplo, identificando ZPE com Zona Franca de Manaus -, fazem objeções estéreis e tornaram improdutivo o debate que o MIC teria promovido com as classes empresariais.

Na verdade, um dos aspectos mais notáveis da proposta das ZPEs feita pelo MIC é a ausência de objetivos claros. A sensação que acaba ficando é a de que seus proponentes não sabem bem (ou não conseguem explicitar) por que desejam instalar ZPEs no Brasil.

Algumas vezes, o objetivo apresentado é o do fortalecimento do balanço de pagamentos. Quando são apresentadas dúvidas de peso nesse aspecto, salta-se para a meta da tecnologia ou do emprego. Ressaltada a pobreza desses possíveis resultados, pula-se para a correção de desequilíbrios regionais. Demonstrada a fragilidade do que poderia ser obtido nesse aspecto, procura-se desqualificar os críticos, como contaminados pelo elitismo ou imperialismo do Sul­Sudeste (embora a Confederação Nacional da Indústria, com grande peso de empresários do Nordeste, também se oponha às ZPEs).

Ou, então, argumenta-se que não é possível aguardar a definição de uma política industrial para o país (inclusive de comércio exterior) para, em seguida, definir algo referente aos enclaves exportadores. Isto, em circunstâncias de que a principal responsabilidade institucional pela definição de uma política industrial que oferecesse um horizonte para os empresários e ao próprio capital estrangeiro e perspectivas para nosso desenvolvimento é do próprio MIC.

Por vezes, parece que um importante fator para estimular o projeto das ZPEs é a ideia de contornar restrições do tipo da Lei da Informática. Se essa hipótese for verdadeira, se estaria pondo fogo na casa para assar o leitão. Não seria mais fácil rever, sem paixões, a referida lei, procurando adequá-la melhor aos interesses nacionais, inclusive com base na experiência que vem desde sua promulgação, durante o regime autoritário?

É fundamental ampliar as exportações do país, melhorar a eficiência do setor industrial mediante modernização tecnológica seletiva e maior abertura à maior concorrência externa, também seletiva e ordenada no tempo etc. Não se questiona esses pontos. A discussão em torno das ZPEs não envolve dilemas em torno de tais propósitos. A questão é outra. Não se pode, com base em equívocos elementares e motivações desligadas do interesse público, tentar corrigir problemas de desenvolvimento brasileiro na base de “jogar fora a criança (o desenvolvimento) junto com a água do banho” ou, como diria Keynes, curar a doença matando o doente ...

Ao contrário de que afirma o MIC, os opositores das ZPEs não têm, pelo que sei, procurado identificá-las com a Zona Franca de Manaus. Alguns paralelos são simplesmente inevitáveis, pois ambas fazem parte de uma espécie maior que são as “Zonas Livres de Comércio”. Na multiplicação das oportunidades de sonegação fiscal ou contrabando, o exemplo da Zona Franca é pertinente. Aliás, basta conversar com empresários, autoridades fazendárias ou policiais ligadas ao controle fiscal e cambial para que as comparações se tornem irresistíveis.

CORÉIA E TAIWAN

Por outro lado, em matéria de associação espúria, a maior surgida no presente debate é a que tem sido feita entre ZPEs e modelo asiático (Sudeste) como por exemplo num trabalho atribuído ao Itamaraty, que, segundo a imprensa, teria sido conclusivo para a decisão a respeito do decreto - lei das ZPEs.

Ora, países como Taiwan ou Coréia do Sul não devem seu boom exportador e muito menos seu desenvolvimento às ZPEs, que aliás concorrem para uma fração mínima das vendas externas desses países. De fato, tem existido algum abuso na escolha desses países como modelos para nortear a economia brasileira. Em que consistiriam as lições? Basicamente, uma forte adesão à liberdade do mercado e a uma integração bem liberal à economia internacional.

Evidentemente, Taiwan e Coréia têm funcionado muito bem economicamente, e não há por que menosprezar um estudo mais detido de suas experiências, a fim de extrair lições. Mas, curiosamente, as experiências desses países distam muito das que são popularmente transmitidas no Brasil. Vejamos suas principais características, que tanto as diferenciam da brasileira. Isto será útil não apenas para uma visão crítica da estratégia das ZPEs, mas também com o propósito de alertar contra paralelos simplistas cada vez mais frequentes:

  • 1) No após - guerra e antes da aceleração da industrialização, foram feitas reformas agrárias extensas e profundas, consolidando um sistema de pequena e média propriedades. Na Coréia do Sul, em 1960, 100% das propriedades rurais tinham menos de cinco hectares, proporção que no Brasil era de 13%. Isto, no mínimo, produziu uma estrutura menos desigual na repartição da renda.

  • 2) Também antes do saldo industrial houve uma forte ajuda externa norte - americana a ambos os países, que os ajudou a realizar importações e a conter a hiperinflação do após - guerra. Tal ajuda, na Coréia, equivaleu a 80% do investimento bruto em 1953 - 1962.

  • 3) A intervenção estatal no processo econômico sempre foi elevada e abrangente, traduzindo-se em ação direta ou coordenadora sobre a indústria e o sistema financeiro. Este sempre foi utilizado como instrumento direto da política econômica, servindo e orientando o investimento privado. Em Taiwan os bancos ainda são estatais, e na Coréia o foram desde os anos 60 até 1980 - 1983.

  • 4) As taxas de poupança, como no Japão, são elevadíssimas, pressupondo um elevado crescimento “garantido”, e tendo como contrapartida um baixo “consumismo”. Por exemplo, apesar de grande exportador de automóveis, a Coréia do Sul tinha, em 1980, um índice de disponibilidade desse produto (automóveis por mil habitantes) de 6, enquanto o Brasil e o México atingiam 68 e 56, respectivamente.

  • 5) O setor privado (Coréia do Sul) é bem mais concentrado do que no Brasil, muito mais articulado com o Estado, e a participação do capital estrangeiro é bem menor (11 % da produção manufatureira interna, em fins dos anos 70, contra 44% no Brasil).

  • 6) As políticas industriais são voltadas ao longo prazo, seletivas, flexíveis, com elevados investimentos em tecnologia, alternam esquemas de protecionismos e abertura para diferentes setores. Na América Latina, há um protecionismo por vezes “frívolo” (como chamou F. Fajnzilber), encarado como um fim e não como meio para implantar uma indústria eficiente e competitiva. Ou, então, um “aberturismo” suicida, estilo Martínez de Hoz (Argentina), ou como propõem alguns liberais mais exaltados no Brasil.

  • 7) Quanto à tecnologia, basta um dado: a Coréia, com um terço do PIB brasileiro, gasta mais do que nós nessa área. Na educação, prevalece nesses países uma política eficiente, democrática e desenvolvimentista - no Brasil, ao contrário, a política educacional é dispendiosa, elitista, dilacerada pelo corporativismo e alheia a uma política nacional de desenvolvimento.

  • 8) Como dissemos, são países pequenos, pobres em recursos naturais, com mercados limitados e estruturalmente mais dependentes dos mercados externos e motivados à expansão para essas áreas, comparativamente a economias continentais como a brasileira (e a norte - americana, hindu, chinesa ou soviética). Mesmo assim, nesses países, como no Japão, o comércio exterior nunca deixou de ser instrumento da política industrial.

Constata-se, portanto, que as diferenças de Taiwan e Coréia com o Brasil são grandes, mas seu estudo não é inútil, na medida em que permite reter aspectos positivos “copiáveis” (como, por exemplo, a atitude diante do protecionismo, evitando tanto um liberalismo sem critério quanto cartórios frívolos; ou a ênfase na educação e na tecnologia) e aprendermos a não ser enganados pelos mitos em voga, que resultam de análises tão popularizadas quanto superficiais.

Voltando às ZPEs; cabe notar que, finalmente, seus críticos não são apenas os que o MIC assinala (“paulistas” e “progressistas “). Deles fazem parte todos os técnicos governamentais e economistas de peso do país, cuja opinião pude ouvir ou ler (de M. H. Simonsen a Ignácio Rangel e Celso Furtado), os empresários exportadores da AEB, os industriais da CNI, inclusive do Nordeste e da FIESP, os constituintes ligados a questões econômicas a quem indaguei e grandes órgãos de comunicação que já externaram seus pontos de vista. Alguns, mais comedidos na crítica, recomendam ou reclamam pelo menos mais discussão e aprofundamento em torno do assunto. Mais de 300 parlamentares, entre eles defensores entusiastas dos interesses do Nordeste, subscreveram documento opondo-se a que as ZPEs sejam criadas por decreto - lei. Não é por menos. Afinal, quem deseja se comprometer com uma medida que contribuiria para diminuir as receitas fiscais (da União, dos estados e dos municípios), quebrar a política cambial unitária que o país sempre teve, fomentar o contrabando e o mercado negro e ferir a verticalização da indústria doméstica, característica e condição fundamental do sucesso da industrialização brasileira até os anos 80? E, por cima, sem entender qual é o objetivo da medida ou constatar que ela não atingiria nenhum dos sucessivos propósitos enfatizados?

  • 1
    Ver José Hugo Castelo Branco, “ZPE: Conceito e Preconceitos”, Correio Braziliense, 23 a 29.2.1988
  • 2
    A Exposição de Motivos do MIC diz que existem 485 áreas de livre comércio em 85 países, das quais 150 estão nos Estados Unidos e arrolam um modesto número de empregos diretos criados nessas áreas. Mesmo assim, na prática, induz à confusão entre Zonas de Livre Comércio e Zonas de Processamento de Exportações. As primeiras incluem zonas francas de importação, tipo Manaus, e até duty - free de aeroportos, onde se compra uísque, perfume e chocolate. O número de ZPEs é bem menor, devendo situar-se em torno de uma centena.
  • 3
    Como se fossem importações do exterior, não concorrentes com produção nacional e preferentemente substitutivas de importações já feitas. Esta é a tendência das últimas minutas de decreto - lei que circulam no governo.
  • 4
    O decreto - lei, nesse caso, não é previsto na atual Constituição, além de referir-se a um projeto de grandes e discutíveis repercussões para o desenvolvimento do país e que, inclusive, envolve questões de extraterritorialidade, sujeitas a controvérsias de natureza constitucional. Além disso, não haveria nenhuma justificativa de urgência para tanto, como ocorreria, por exemplo, no caso de medidas tributárias que devessem respeitar o princípio da anualidade nas alterações de imposto. O Artigo 55 da atual Constituição autoriza decreto - lei apenas para matérias de segurança nacional, finanças públicas, criação de cargos públicos e fixação de vencimento. É óbvio que a criação de uma ZPE, com sua extraterritorialidade aduaneira, vai muito além da matéria de finanças públicas (o artigo 13 da minuta de decreto - lei fala até em norma penal). Além disso, o mesmo artigo estabelece que o decreto - lei não pode aumentar despesas. Neste caso, quem arcaria com os custos de infraestrutura de uma ZPE? Por outro lado, o parágrafo único do artigo 52 da atual Constituição, que trata de leis delegadas, estabelece que não será objeto de delegação a legislação sobre sistema monetário, sugerindo que a matéria é tipicamente de legislação normal. E a criação de uma ZPE envolve necessariamente a quebra de um sistema monetário único para todo o território. Do mesmo modo, envolve barreiras à livre circulação de mercadorias e pessoas. Como legislar sobre isso tudo num decreto - lei? Oficiosamente, algumas altas autoridades governamentais têm afirmado que o decreto - lei é necessário para implementar as ZPEs, pois um projeto de lei teria tramitação demorada e seria de aprovação duvidosa. Com argumentos semelhantes, no limite, deveria defender-se a eliminação do Poder Legislativo como· tal, e sua mera subsistência como instituição ornamental, simples enfeite de bolo.
  • 5
    “Export Processing Free Zones in Developing Countries: Implications for Trade and Industrialization Policies”, Nova York, Nações Unidas, 1985.
  • 6
    Folha de S. Paulo, 11.10.1987.
  • 7
    Parecer da Coordenadoria de Controle Aduaneiro, Ministério da Fazenda, 9.11.1987.
  • 8
    “Ataque e Defesa às Zonas de Processamento de Exportação”, Folha de S.Paulo, 31.10.1987.
  • 9
    “Export Processing Zones. The Economics of Offshore Manufacturing “, Australian National University, ago. 1987.
  • 10
    Roberto Fonseca, Folha de S. Paulo, 31.10.1987.
  • 11
    Braga, C. A. P. e Pelin, E. R., “Zonas de Processamento de Exportações: A Experiência Internacional”, FIPE/USP, 1977.
  • 12
    Essa pesquisa foi realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
  • 13
    Revista Exame, 28.10.1987.
  • 14
    O Estado de S. Paulo, 25.10.1987.
  • 15
    Apenas para exemplificar, a evasão tributária castigaria fortemente o Norte - Nordeste, seja diretamente, via seus ICMs estaduais, seja indiretamente, via Fundos de Participação, dos quais, no caso dos estados, 70 por cento vão para essa região. Hoje, tais fundos reúnem um terço do IPI e do IR. Com a nova Constituição essa proporção subirá a 46 por cento.
  • 16
    Heloisa C. Moreira e Antonio J. C. Antunes, Zonas de Processamento de Exportação - Alternativas para o Desenvolvimento Industrial do Norte/Nordeste?, Brasília, 1987.
  • 17
    JEL Classification: F13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1988
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