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Avaliação do Processo de Reestruturação Industrial Brasileiro

Evaluation of the Brazilian industrial structure process

RESUMO

A interação de quatro tendências (globalização, abertura da economia, estabilização e privatização) vem rompendo a tríade composta por empresas estatais, estrangeiras e privadas familiares, que foi dos anos 50 ao início dos anos 90 o esteio do Brasil. capitalismo da. A economia brasileira está passando por profundas transformações que, apesar das dificuldades, têm possibilitado a solidificação de uma nova dinâmica de investimentos que pode permitir o início de um crescimento sustentado. Este trabalho foi uma primeira tentativa de avaliar esse processo e definir as bases para uma política de competitividade e investimentos que se diversifiquem das antigas políticas industriais praticadas no Brasil ajudariam a minimizar as dores do processo e auxiliar na sua solidificação.

PALAVRAS-CHAVE:
Globalização; política industrial; mudança estrutural; abertura comercial

ABSTRACT

The interaction of four tendencies (globalization, opening of the economy, stabilization and privatization) has been breaking the triad composed of state owned, foreign owned and private family owned enterprises, which was from the fifties to the beginning of the nineties the mainstay of Brazil ‘s capitalism. Brazilian economy is being subjected to deep changes that despite difficulties has made feasible the solidification of a new dynamic of investments which may allow the initiation of sustained growth. This paper was a first trial to evaluate that process and to define the grounds for a policy of competitiveness and investments that diversify from the ancient industrial policies practiced in Brazil would help to minimize the pains of the process and help in making it solid.

KEYWORDS:
Globalization; industrial policy; structural change; trade liberalization

1. INTRODUÇÃO

Talvez pela dificuldade de compreensão do processo, talvez pela falta de informações, a magnitude das transformações pelas quais vem passando a economia brasileira não tem recebido a merecida atenção.

Na verdade, estamos passando simultaneamente por quatro diferentes processos - globalização, abertura da economia, estabilização e privatização - que, interagindo entre si, têm provocado uma verdadeira revolução, tal o impacto que estão tendo no funcionamento da economia brasileira. A estrutura básica do capitalismo brasileiro, o tripé composto pela empresa estatal, pela empresa estrangeira e pela empresa nacional familiar, que teve seu início nos anos 30 e consolidou-se nos anos 70 com o II PND, está com seus dias contados.

A “globalização”, aqui entendida como a revolução tecnológica, financeira e comercial pela qual vem passando a economia internacional, de certa forma impõe a abertura da economia, o que, apesar da sua importância, não será discutido neste trabalho.

A privatização, obviamente, tira de cena, ou reduz em muito, o papel de uma das principais pernas do tripé, a empresa estatal.

Quanto à abertura da economia, é sabido que, além de condição sine qua non para a estabilização, está tendo um impacto brutal na medida em que as indústrias aqui instaladas (nacionais ou estrangeiras), acostumadas com a reserva de mercado, pela primeira vez estão sendo obrigadas a pensar em redução de custos, aumentos de produtividade e introdução de novas tecnologias. O fechamento da economia eliminava a concorrência, desobrigando as indústrias de novos investimentos e fortalecendo o processo inflacionário uma vez que quaisquer custos podiam ser automaticamente repassados para preços.

A grande novidade é o impacto redistributivo provocado pela abertura e a consequente ampliação do mercado que dele decorre. A abertura provoca uma brutal transferência de renda para o consumidor correspondente às tarifas que deixam de ser pagas ao governo, à quase renda (sobre-preço) que os empresários obtinham com a reserva de mercado e aos ganhos de eficiência que necessariamente ocorrem na economia, inclusive pela escala.

O impacto desta transferência de renda na sociedade, provocada pela redução das margens de lucro das empresas e redução dos preços relativos dos bens-salário, tem sido subestimado ou até ignorado.

Dada a conhecida concentração de renda brasileira e a consequente demanda reprimida da população, uma transferência de renda do porte ocorrido com a abertura amplia significativamente o mercado consumidor, a ponto de afetar positivamente as decisões de investimento das empresas, não só as das já instaladas, como de importantes empresas internacionais que passam a olhar para o mercado brasileiro com outros olhos.

A estabilização, por sua vez, também contribui significativamente para a ampliação do mercado não só graças ao ganho concreto que dá para as faixas mais baixas da população, as que mais perdiam com o processo inflacionário, como pelo impacto que tem sobre o crédito. Após anos ganhando com o float, o controle da inflação fez com que o sistema financeiro voltasse a ter no crédito uma de suas atividades básicas, criando condições para que segmentos importantes da população entrassem no mercado consumidor.1 1 O retorno do crédito como atividade essencial do sistema bancário pode ser avaliado pelo número de bancos de investimento que têm comprado financeiras.

Portanto, ambas, a abertura e a estabilidade, somadas ao sucesso da consolidação do Mercosul enquanto um mercado único, criaram um mercado de tal monta que foi capaz de reverter positivamente as decisões de investimento de empresas nacionais e estrangeiras, em diferentes setores da economia.

Porém, o efetivo retorno dos investimentos só acontece porque, além da transferência de renda para os segmentos que mais perdiam com a inflação e da criação de condições para a volta do crédito, a estabilização recria condições de segurança aos investidores que passam a ter um horizonte de médio e longo prazo fundamentais para as decisões de investimento, impossível em momentos de grande instabilidade econômica decorrente de altas taxas inflacionárias.

Assim, a abertura da economia associada à estabilidade resultou em uma guinada radical na direção que as decisões de investimento vinham tomando.

Com relação aos investimentos internacionais, seu volume e consistência já permitem visualizar uma terceira onda, após as dos anos 50 e 70. Os investimentos têm vindo tanto para a compra de tradicionais empresas familiares nacionais como para novas plantas e setores.

Com relação à compra de tradicionais empresas familiares nacionais, a lógica é dada pelo modelo internacional: em certos setores o processo de globalização já é uma realidade que impõe certo nível de produtividade, de tecnologia e de escala de produção impossíveis de serem alcançados por empresas nacionais. O interesse das empresas multinacionais em comprar empresas desses setores aqui instaladas é o de conquistar mais rapidamente um mercado em expansão. Obviamente, esta absorção de empresas nacionais leva, em uma segunda etapa, a novos investimentos.

Com relação aos investimentos estrangeiros em novas plantas e/ou setores, o processo é menos óbvio e tem dado margem a grandes equívocos. Entre a percepção de que o mercado brasileiro (somado ao do Mercosul) passou a ter um tamanho que mais do que justifica intenções de investimento e as decisões propriamente ditas, existe um caminho que passa, em um primeiro momento, pela ampliação das importações. Primeiro as empresas estrangeiras testam o mercado e a aceitação de seus produtos criando uma rede de distribuição e de assistência técnica e só em uma segunda etapa iniciam seus investimentos. Nesta fase, além de continuar importando os produtos finais, começam a importar algumas máquinas e equipamentos necessários para a instalação da nova indústria no país. É só em uma terceira fase que esta indústria reduzirá seu nível de importações e, dependendo do setor em que se encontra e de decisões estratégicas a nível internacional, poderá inclusive tornar-se exportadora.

Os exemplos do processo acima descrito são inúmeros, indo desde indústrias alimentícias até automobilística (Ferrero Rocher - indústria de chocolates; Vaporetto - eletrodoméstico; Renault- automobilístico). Somente agora, passados quase cinco anos desde o início da abertura da economia e dois anos da implantação do Plano Real, é que as decisões de investimento estão sendo implementadas.

Com relação aos investimentos das indústrias nacionais, as dificuldades de se avaliar o processo não são menores. Duas confusões têm sido feitas. Além da falta de dados e informações, a análise é dificultada pela visão bastante negativa que os setores e segmentos que não têm conseguido acompanhar o atual processo têm procurado transmitir para a sociedade. É, pois, fundamental separar o que são problemas decorrentes de questões conjunturais (elevadas taxas de juros) das dificuldades mais profundas, decorrentes da incapacidade de se ajustar a uma economia aberta, com baixo patamar inflacionário.

O outro fator que tem dificultado a compreensão do processo é o fato de os novos investimentos estarem se dirigindo para outros eixos que não São Paulo, onde tradicionalmente se localizavam os setores mais importantes da indústria brasileira. Além da nossa observação, pesquisas recentes revelam que outros estados têm sido beneficiados com investimentos importantes, o que muda necessariamente a dinâmica regional brasileira. Mas, não só estes investimentos em outros estados repercutem menos, até porque os principais analistas, institutos de pesquisa e jornais localizam-se no eixo Rio/São Paulo, como têm uma repercussão negativa na medida que implicam efetivamente numa perda de poder da indústria paulista.

Não se pode negar que para muitas indústrias nacionais o processo tem sido doloroso, quando não fatal. Afinal, não se passa suavemente de uma economia fechada, com empresas familiares e descapitalizadas, para uma economia aberta e competitiva. E no caso brasileiro, além de abrir a economia, o governo teve que, concomitantemente, conduzir o processo de estabilização e o problema cambial, aliás, faces da mesma moeda.

Entretanto, independentemente da discussão da política de juros pós-Plano Real, e das possibilidades que uma política industrial teria para minorar o custo do ajuste que as empresas nacionais estão tendo que fazer, não se pode negar que aqui também uma verdadeira revolução vem ocorrendo.

A tradicional empresa familiar brasileira está morrendo. Isto não significa que não haverá mais espaço para empresas familiares. Significa, sim, que as empresas nacionais eleitas pelo II PND para liderar a estrutura industrial brasileira, juntamente com as estatais e as estrangeiras, estão perdendo o espaço que lhes foi reservado. Isto porque este espaço dependia de volumosos subsídios públicos e da manutenção da economia fechada. Muitas das empresas nacionais familiares que se adequarem a uma economia aberta e estabilizada sobreviverão. Aquelas que perceberam o processo em tempo e mudaram sua mentalidade, procuraram parceiros internacionais e/ou fundiram-se com outras nacionais, ampliando seu porte e ganhando competitividade através da escala. Aqui também as decisões de investimento recomeçaram como única garantia de sobrevivência num mundo que passou a ser competitivo. Aquelas que não mudaram sua atuação ou o fizeram muito tarde já morreram ou morrerão. As primeiras porque não perceberam as novas condições de operação da economia, as segundas porque, infelizmente, o fizeram muito tarde.

Assim, longe da velocidade, intensidade, profundidade e, principalmente, facilidade que gostaríamos, não se pode negar que a reestruturação industrial avança. Em alguns setores, como o automobilístico, mais rapidamente, em outros, como têxteis e calçados, mais lentamente, porém avança.

Da mesma forma, o processo de redução do “custo Brasil”. Também longe de ser com a velocidade e profundidade que gostaríamos, é inegável que ocorreram avanços e o processo está em franco andamento, como mostra o retorno dos investimentos tanto na malha rodoviária como em importantes trechos da Rede Ferroviária Federal através de privatização.2 2 O BNDES aprovou financiamentos que totalizam US$ 1,6 bilhão para projetos de infraestrutura entre janeiro e julho deste ano.

Juntos, o processo de reestruturação industrial e o de redução de “custo Brasil” já estão resultando, dependendo do setor, em importantes reduções de custo que tornam a discussão do atraso cambial, na forma como vem sendo encaminhada, uma falsa discussão.

A principal crítica que vem sendo feita ao Plano Real é que ele condenaria o Brasil a continuar com baixas taxas de crescimento. Isto porque, segundo estas críticas, a opção por uma âncora cambial teria resultado em uma valorização da taxa de câmbio que incentivaria quedas substanciais de nossas exportações e estimularia as importações. Consequentemente, qualquer aceleração das taxas de crescimento, por mínima que fosse, resultaria em aumentos significativos das importações que não poderiam ser financiados pelas exportações.

Mais ainda, a necessidade de financiar as importações, as quais, independentemente do nível de crescimento da economia, estariam estimuladas pela valorização cambial, nos obrigaria a manter elevadas taxas de juros como forma de atração do capital estrangeiro, o que contribuiria para a manutenção de baixos patamares de crescimento.

Apesar da coerência de seus argumentos, esta crítica tem uma falha básica, pois parte do suposto de que tudo o mais na economia está constante. O ponto fundamental que ela não capta é que a economia brasileira está passando por uma profunda transformação que torna pouco útil uma mera comparação de taxas em diferentes pontos do tempo.

Independentemente da enorme dificuldade de se aferir com precisão os ganhos de produtividade que diversos segmentos da economia vêm obtendo, e reconhecemos que não são poucos, seria no mínimo incorreto ignorar estes ganhos em função da dificuldade de avaliá-los.

Como todo processo não-linear, o processo de reestruturação por que passa a economia brasileira é de difícil avaliação, principalmente pela heterogeneidade de situações que têm ocorrido entre e intra os diferentes setores da economia.

Tentando fazer uma primeira avaliação através de informações secundárias e entrevistas, traçamos o perfil de alguns setores. As primeiras conclusões confirmam que a economia brasileira está passando por um impressionante processo de reestruturação que, ao contrário do que tem sido dito, a está levando a um “círculo virtuoso” que, caso não seja interrompido por algum percalço decorrente da estabilização, garantirá seu dinamismo e o retorno a elevadas taxas de crescimento.

2. AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL

Setor Automobilístico

Montadoras

De um lado a ampliação do mercado brasileiro, somado ao do Mercosul e, de outro, a saturação do mercado nos países desenvolvidos, fazem com que os investimentos aqui tornem-se bastante atrativos.

O que traz novos investimentos é o tamanho do mercado e não a proteção. Ao contrário, quanto maior a proteção, menor será o nível e a velocidade dos novos investimentos. Também os planos de modernização das empresas já instaladas serão mais lentos ou suspensos em função do nível de proteção.

Sem proteção, as empresas instaladas são obrigadas a modernizar-se sob pena de perder fatias importantes de seus mercados.

Com proteção, os eventuais novos investidores não têm como testar o mercado e ir introduzindo aos poucos seus produtos. Faz parte da lógica de investimentos do setor a entrada primeiro via importações, com a montagem de uma rede de distribuição e assistência técnica para, somente em uma segunda fase, iniciar a produção no local.

A vinda de novas empresas mostra que neste setor “o sinal já foi invertido” e as decisões de novos investimentos estão ocorrendo.3 3 Entre as várias montadoras que ainda não estão instaladas aqui e que têm anunciado intenções de vir, temos a Honda e a Toyota. Já Mercedes e Renault são as que estão com o processo decisório mais adiantado.

As empresas já instaladas também estão sendo obrigadas a se modernizar. Todas as montadoras com plantas no Brasil estão em processo de modernização, introduzindo plantas novas para a fabricação de modelos mundiais e desativando os velhos modelos. Nos últimos cinco anos, o setor avançou bastante em termos de redução do gap tecnológico com a introdução de uma linha de produtos muito mais moderna. Entretanto, apesar da aceleração do nosso ritmo de introdução de novos modelos, ainda estamos distantes dos países centrais. Passamos de uma idade média de design de 12 anos para algo em torno de 7, enquanto nas matrizes os produtos têm cerca de 4 anos.

Na verdade, avançamos mais na modernização das carrocerias do que na dos chassis e motores. Mas tanto a Ford quanto a Volkswagen estão fazendo novas fábricas de motores mais modernas.

Uma característica que se destaca nestes novos investimentos já anunciados é o fato de eles não estarem concentrados na região do ABC. Estamos passando por uma mudança geográfica nos investimentos automobilísticos cujas consequências precisam ser melhor avaliadas.

O reflexo da reestruturação pela qual o setor vem passando deverá começar a aparecer já no segundo semestre deste ano e consolidar-se em 1997. A melhora no câmbio, somada à estabilização da demanda interna, à modernização dos modelos que começam a ser introduzidos e ao programa automotivo que obriga as empresas a exportar para obter crédito de importação, permitirá um aumento das exportações do setor.4 4 A Fiat projeta exportações de US$ 750 milhões a partir de 1997. Nos últimos dois anos, sua média foi de US$ 500 milhões.

Autopeças

O setor vem passando por um profundo processo de reestruturação. A velocidade e intensidade deste processo podem ser explicadas pelo interesse que o capital internacional tem no setor.

As transformações que vêm ocorrendo no setor automobilístico internacional têm obrigado o setor de autopeças em todo o mundo a se adaptar a novas formas de interação com as montadoras. Com a “globalização” do processo de produção, quem não tiver tecnologia, escala e um parceiro internacional não sobreviverá, a não ser no nicho de mercado de reposição.

Este é um dos setores no qual está acontecendo maior número de compras, fusões, associações e joint-ventures. Muitas empresas estrangeiras do setor têm vindo ou mostrado grande interesse em vir para o Brasil.

Os próximos dois anos serão dramáticos para o setor porque as empresas que não foram “eleitas” para continuar a ser fornecedoras dos novos modelos terão que sair do mercado à medida que os velhos modelos para os quais continuam produzindo saiam de linha. Agora estas empresas talvez não tenham mais a alternativa de organizar sua saída ou uma transformação que lhes garanta um espaço.

As empresas que sobreviverem ficarão muito fortalecidas. Ajustadas tecnologicamente, com parceiros internacionais e contando com o mercado ampliado pelo Mercosul o qual, até o ano 2000, deverá ser uma realidade para o setor automobilístico.

É inevitável que as empresas que remanescerem tenham alguma forma de interação com o mercado argentino, pois quem não o tiver perderá posição, dado que todas as montadoras fizeram suas estratégias pensando nestes dois mercados de maneira unificada.

O recente processo de venda da Metal Leve é emblemático do que vem ocorrendo no setor. Considerada uma das empresas brasileiras “modelo”, a Metal Leve percebeu que sozinha não teria fôlego para enfrentar a nova realidade de uma economia aberta e optou pela sobrevivência da empresa através da sua venda. Comprada pela Cofap, outra grande empresa brasileira, que já havia sido comprada quase integralmente pelo Bradesco, e por uma multinacional, formaram, juntas, uma empresa de grande porte, com capacidade de investimento para manter-se competitiva internacionalmente.

Dois aspectos são importantes de serem ressaltados no caso da Metal Leve. Primeiro é a confirmação de que, apesar de requisito fundamental, a capacitação tecnológica não é suficiente para garantir a sobrevivência nas atuais condições do mercado internacional. É fundamental ter escala e marketing internacionais. O segundo ponto a ser destacado é que a família proprietária da empresa tinha a opção de permanecer no negócio como sócio minoritário e não o fez por razões estritamente familiares.

Eletroeletrônica de Consumo

É o setor que talvez ilustre mais cabalmente o papel da abertura e da estabilização na ampliação do mercado e modernização das empresas.

A abertura de importações possibilitou expressiva redução no custo de produção e, consequentemente, no preço. A queda dos preços (em alguns produtos, pela metade) associada à volta do crédito e à elevação de renda dos consumidores após o Plano Real tem levado à explosão do consumo.

No primeiro semestre de 1996, segundo dados da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), este setor industrial (linha branca, imagem e som e portáteis) cresceu 33,62% em relação ao mesmo período de 1995, e 109,83% sobre os primeiros seis meses de 1994.

Imagem e Som

Setor concentrado, com 13 empresas instaladas em Manaus que produzem 99% para o mercado interno, com exceção da Ford Indústria e Comércio-Eletronics (FIC) que está em São Paulo e exporta cerca de US$ 300 milhões/ano (basicamente autorádios).

Nos anos 80, o setor teve um crescimento vegetativo, produzindo em média 2 milhões de TVs por ano. Em 1989, quando começou a crescer novamente, teve o processo interrompido pela abertura comercial. Em 1993, retoma o crescimento produzindo 3 milhões de TVs. O processo de crescimento da produção continua, saltando para 5 milhões em 1994, 6 milhões em 1995 e uma previsão de 8,5 a 9,5 milhões para este ano. O Brasil é hoje o 3º produtor mundial de TVs.

Nos últimos anos, estas empresas passaram por uma brutal reestruturação que levou à modernização do seu processo de produção. A reestruturação foi intra-empresa, com redução do ciclo total de produto, adoção de ISO 9000, introdução da qualidade como parte do processo produtivo, etc. A consequência imediata foi uma expressiva redução do nível de emprego no setor que, entretanto, em um primeiro momento foi compensada, de certa forma, por terceirizações e, agora, tem sido contrabalançada pelo expressivo aumento de produção que tem levado a novas contratações.

As empresas têm, em geral, contratos de absorção de tecnologia com fornecedores estrangeiros. Mesmo assim, há uma tendência à “tropicalização” dos produtos.

A ampliação do mercado brasileiro pós-Plano Real eliminou o risco que estávamos correndo de desindustrialização deste setor. Nossa escala de produção passou a ser muito grande, viabilizando e tornando atrativo o investimento no setor.

Temos possibilidade de crescer e virarmos exportadores em um segmento deste mercado que não é nem o do topo da linha, nem os descartáveis que são produzidos na China, os quais sempre importaremos.

A indústria de televisores RCA, cuja marca pertence à empresa francesa Thomson e é líder no segmento de televisores coloridos e de videocassetes nos EUA, anunciou sua volta ao mercado brasileiro através de uma associação com a CCE, confirmando a ideia de que o tamanho do nosso mercado passou a ter enorme atratividade para novos investidores internacionais que não querem perder sua market share no mercado internacional.

As principais indústrias deste setor estão com grandes projetos de investimento sendo avaliados pelo BNDES.

A Samsung já anunciou a instalação em Manaus de uma fábrica de cinescópios e a intenção de trazer toda uma linha de produtos para aquela região. A instalação de uma fábrica de cinescópios é de suma importância não só pelo volume de recursos que demanda, mas também pelo fato de significar a internalização da produção do principal componente na fabricação de TVs e monitores de vídeo, que representa cerca de 40% do custo do produto final. Mais ainda, dado que a única empresa que produz cinescópios no Brasil só consegue atender menos da metade da atual necessidade do país, a instalação de uma nova planta reduzirá significativamente a necessidade de importação do setor e, dada a escala de produção necessária para ser competitiva, muito provavelmente passaremos a exportar o produto.

A Semp Toshiba está criando uma nova companhia, a Semp Toshiba Export, para comercialização de seus produtos no Cone Sul. Além disso, está investindo para ampliar sua atuação em produtos de informática. A partir de agosto, a empresa produzirá notebooks em uma fábrica que comprou em abril deste ano.

Linha Branca

É um setor que também vem sendo beneficiado pela escala de produção resultante do aumento do mercado após a estabilização. Todas as previsões de vendas vêm sendo sistematicamente superadas.

Segundo a Eletros, as vendas deste segmento cresceram 18,46% no primeiro semestre de 1996, em comparação com o mesmo período de 1995, e 86,39%, se comparado com o primeiro semestre de 1994 (antes do Real).

Como é um setor relativamente protegido graças ao volume de seus produtos, temos a garantia da produção de um valor adicionado local.

O saturamento do mercado para estes produtos nos países desenvolvidos e a liberalização, graças à estabilização e à abertura, da gigantesca demanda reprimida existente no Brasil, têm provocado a vinda para o Brasil da disputa existente lá fora entre as grandes empresas internacionais do setor.

Novos investidores internacionais estão entrando diretamente ou através de compra e/ou associações com empresas brasileiras: a Eletrolux comprou a Prosdócimo; a Bosch comprou a Continental; a CCE vai iniciar a produção de linha branca junto com a Merloni, empresa italiana com quem fez um contrato de cessão de tecnologia.

Também neste setor confirmamos que o processo de decisão de investimentos das empresas internacionais passa, em um primeiro momento, pela importação. A empresa italiana Vaporetto introduziu seu produto no Brasil em 1993, quando vendeu 1.000 unidades. Em 1996, venderá 200.000, o que a levou a instalar uma planta no país. Segundo seu proprietário, o mercado da cidade de São Paulo é maior que o francês e o do Estado de São Paulo maior que o italiano.

Setor Têxtil

Fiação

Este é o elo mais forte da cadeia produtiva, com cerca de quatro grandes empresas internacionalizadas dominando o mercado.

Em geral o parque de máquinas instaladas no Brasil é velho: segundo dados recentes do BNDES, apenas 32% dos fusos e rotores instalados têm menos de 10 anos, enquanto em Taiwan 52% têm menos de 10 anos, na Itália 70% e em Hong Kong 76%.

Porém, segundo o IEMI (Instituto de Estudos e Marketing Industrial), 2 mil novos filatórios foram adquiridos nos últimos seis anos, o que teria resultado na renovação de 8% do parque das máquinas.

Segundo informações do setor, os investimentos que estão sendo realizados têm permitido reduções de preços e aumentos de produção. Os efeitos benéficos já estão sendo sentidos no Balanço Comercial, que aponta para uma redução significativa no item filamentos e fibras sintéticas.

Em breve deverá ser inaugurada uma nova fábrica da Fibra/Dupont com tecnologia de última geração.

Tecelagem

A desigualdade intra-setorial é muito grande. Temos algumas poucas grandes empresas competitivas internacionalmente (Coteminas e Vicunha) e um grande número de pequenas bastante atrasadas tecnologicamente.

Apesar do atraso em relação a outros países,5 5 Segundo estudo recente do BNDES, apesar de a Ásia e Oceania também terem um parque produtivo velho, “eles vêm investindo na aquisição de teares novos, sendo responsáveis por 55% das importações mundiais destes equipamentos no período de 1984 a 1993, cabendo à América do Sul apenas a fatia de 3%, dos quais 2% são para o Brasil”. este setor também vem passando por transformações profundas. Um grande número de pequenas fábricas, sem tecnologia e/ou escala, localizadas principalmente em Americana, quebrou, fundamentalmente devido à concorrência das importações e de algumas grandes que se modernizaram.

Além da modernização das grandes empresas aqui instaladas, a concorrência externa vem obrigando o setor de tecelagem a mudar de mentalidade e voltar a investir tanto na compra de teares mais modernos como no desenvolvimento de produtos.

Segundo estudo recente do IEMI (Instituto de Estudos e Marketing Industrial), entre 1990 e 1995, 20% das fábricas aqui instaladas passaram por um processo de modernização. Estas fábricas, que somam 1.380 empresas, seriam responsáveis por 60% da produção nacional.

Confecção

Este é o setor mais controvertido e difícil de ser analisado dada a sua enorme heterogeneidade. Uma avaliação grosseira do setor revela que ele é composto em 80% de pequenas empresas com cerca de 15 empregados, 15% por médias empresas e apenas 5% por grandes empresas.

Além da heterogeneidade, este setor é difícil de ser analisado por que tem um alto grau de informalidade que foi acentuado pelo aumento dos encargos trabalhistas na Constituição de 1988. Sem querer negar outras dificuldades, inclusive as decorrentes das políticas de juros e cambiais, o crescimento da informalidade é uma das explicações para a queda contínua nos níveis de produção registrada que é anterior ao Plano Real.

De uma forma geral, salvo raras exceções, o setor é pouco moderno, com baixa produtividade decorrente tanto de métodos gerenciais, de produção e distribuição, quanto da baixa qualificação da mão-de-obra.

Como problemas gerais, atribuíveis a todo o setor, existem três grandes questões:

  • encargos da mão-de-obra - por mais investimentos em tecnologia que se faça, o setor sempre vai ser intensivo em mão-de-obra. O custo da mão-de-obra nos grandes centros urbanos, principalmente em São Paulo, está levando a uma interiorização da produção.

  • sacoleiras - atingem mais a produção para as classes A e B. O nível de contrabando a que se chegou passou a ser um problema macroeconômico.

  • importações da Coréia e China - atingem principalmente a confecção popular. Segundo avaliações da Abravest, estas importações já diminuíram de ritmo porque o efeito novidade já se esgotou e a constatação da baixa qualidade dos produtos vem se generalizando.

Apesar do aumento considerável das importações e do contrabando, a crise vivida pelo setor em 1995 decorreu muito mais da ausência de inverno do que da concorrência do produto externo.

A alíquota de 70% para importação de tecidos atingiu principalmente as confecções para os segmentos de alto poder aquisitivo. Na verdade, este segmento do setor estava acostumado a margens extremamente elevadas e sentiu perda de espaço tanto em decorrência da alíquota de importação de tecidos quanto da concorrência das sacoleiras de luxo.

Empresas de porte grande, que vêm investindo em modernização e obtendo ganhos expressivos de produtividade, consideram que apesar da existência de problemas pontuais, o setor tem perspectivas muito boas.

Começam a surgir novidades na forma como as empresas têm enfrentado as mudanças na economia. Diferentes casos de formas de cooperação entre empresas que antes trabalhavam isoladamente, competindo entre si, têm ocorrido com relativa frequência, mostrando que existe espaço para a pequena e média empresa neste setor. Levantamento realizado pelo jornalista Luís Nassif da Folha de S.Paulo mostra vários casos de reorganização setorial através da montagem de centrais unificadas de compras e estratégias de cooperação de marketing e comercialização: em Birigüi e Franca, em Jacutinga (divisa entre Minas e São Paulo), Águas de Lindóia, Monte Sião e Votuporanga. Em todos os casos, em diferentes setores, os resultados já se fazem sentir.

As dificuldades concentram-se nas empresas que não conseguiram e/ou não tentaram ajustar-se às novas condições da economia.

Calçados

Os problemas do setor calçadista brasileiro são anteriores ao Plano Real, estando relacionados à abertura do mercado americano aos produtos chineses.

A indústria brasileira exportava para os EUA passivamente, sob encomenda, sem ter nenhuma preocupação com a modelagem, com o marketing, a qualidade, e, mais do que tudo, sem conhecer os canais de distribuição no exterior. Ela apenas atendia as encomendas que vinham de fora, vendendo o produto na porta de sua fábrica, com marca do comprador.

Quando a China inundou o mercado americano, estas empresas exportadoras de calçados não tiveram capacidade de dar um upgrade em seus produtos para colocá-los em outra faixa do mercado. Também não tiveram a opção de vender para o mercado nacional por vários motivos, como por exemplo o fato de os modelos americanos que fabricavam sob encomenda não serem do gosto do mercado brasileiro.

Após um processo de concentração e, em alguns casos, formação de cooperativas, a indústria calçadista está reagindo, tendo inclusive voltado a exportar.

Além da concentração e formação de cooperativas, contribuiu decisivamente para a reestruturação do setor a compreensão da necessidade de investir em marketing, marca própria, modelagem, canais de distribuição no exterior e controle de qualidade.

É emblemático da mudança de mentalidade no setor a substituição da apresentadora Xuxa pela modelo Claudia Schiffer como garota-propaganda de uma das maiores empresas do setor.

Alimentos

Este é um setor que se beneficiou enormemente da estabilização. O ganho de renda auferido pelas classes mais baixas com o fim da inflação foi transferido, em grande parte, para este setor, que vem assistindo a uma elevação significativa de suas vendas. A péssima distribuição de renda do Brasil faz com que qualquer delta adicional de renda das populações mais carentes, cuja demanda reprimida é enorme, seja imediatamente transformado em aumento de consumo.

Segundo palavras do próprio presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação, “a indústria brasileira de alimentos é moderna, faz produtos de qualidade a bom preço e está crescendo como nunca. De maneira geral, não temos problemas para vencer a indústria estrangeira”.

Alguns dados publicados em artigo recente na mídia são impressionantes:

  • o setor aumentou suas vendas em 12% nos últimos dois anos;

  • os importados ocupam apenas 3% do mercado brasileiro;

  • o brasileiro vai gastar em média 33% a mais em comida neste ano do que gastou em 1983;

  • a venda de alimentos nas feiras cresceu 43% no último ano.

O setor também está passando por um processo de reestruturação com a ocorrência de inúmeras fusões e aquisições e a vinda de várias empresas estrangeiras. Entre outras, a Fleischmann Royal/Nabisco vem comprando várias pequenas empresas e a Danone comprou parte da Triunfo e a Aymoré, produtoras de biscoitos.

Além de grande empregador de mão-de-obra, o setor tem como característica o fato de não ser concentrado regionalmente.

Entre muitos exemplos existentes no setor, destaca-se o da fábrica de chocolates Ferrero SpA, terceira fabricante mundial de chocolates e fabricante do Kinder Ovo que, em 1995, havia se tornado um símbolo da invasão estrangeira no Brasil. De fato, a importação de chocolates elevou-se significativamente após o Plano Real. A tal ponto que a empresa resolveu instalar-se no país, de onde exportará para a Argentina (onde já produz alguns produtos que serão exportados para o Brasil). Após um primeiro anúncio de investimentos da ordem de US$ 100 milhões em uma fábrica, a empresa já estuda a construção de outra na qual faria os brindes que vêm dentro de um de seus produtos.

Como em outros setores, a briga pelo mercado em expansão obriga as empresas a realizar novos investimentos: a Nestlé, preocupada com a perda de mercado para o Kinder Ovo, foi obrigada a investir em produto semelhante.

Outro exemplo que corrobora nossa hipótese sobre a dinâmica dos investimentos internacionais é o da empresa italiana Barilla Alimentare, que está fazendo uma joint venture com a Santista Alimentos. Neste ano, elas deverão importar 5,5 mil toneladas de massas, porém já estão começando investimentos da ordem de US$ 35 milhões, que permitirão a produção no Brasil em 1997.

Farmacêuticos

Também neste setor a expansão do mercado decorrente da estabilização foi significativa. Em 1995, o setor movimentou 28% mais que em 1994. Para 1996, a projeção é de um crescimento de 10%.

Segundo o presidente da Abifarma, o Brasil tornou-se o quarto maior mercado do mundo, voltando a atrair empresas que haviam saído do país como a Astra e a Upjohn e levando empresas já instaladas a voltar a investir.

Segundo levantamento realizado pelo governo do Rio de Janeiro, o setor químico-farmacêutico deverá investir na região cerca de US$ 310 milhões, consolidando um polo farmacêutico na região de Jacarepaguá; entre vários outros anunciados, destacam-se o laboratório Smithkline Beecham, que está fazendo na região seu maior investimento mundial em ativos fixos (US$ 70 milhões) e a Glaxo, que tem investimentos previstos de US$ 150 milhões.

Papel e Celulose

Este é um dos poucos setores onde ainda não está havendo um processo de reestruturação profundo e abrupto. A escala dos investimentos e os longos prazos de maturação tornam as decisões de investimento mais lentas. Entretanto, já foi entregue ao governo um Plano de Investimento do Complexo Celulose e Papel que prevê inversões significativas no setor.

Seguindo tendência do resto da economia, também aqui assistimos a um processo de concentração (o grupo Votorantin comprou a Simão e a Klabin comprou a Alcântara) que deverá intensificar-se.

No segmento de Celulose, o Brasil tem grandes vantagens comparativas: o sol e a umidade tornam nosso produto competitivo apesar do “ custo Brasil”. Somos o 1 º exportador mundial de celulose de eucalipto, produto cuja tecnologia é brasileira, com 45% do comércio mundial.

No segmento de Papel, o consumo vem crescendo significativamente. Caso a tendência continue e os investimentos não ocorram logo, teremos, a partir de 1998, uma reversão no balanço comercial do setor, que foi positivo em US$ 1,6 bilhão em 1995.

No segmento de Papel, como na maioria dos setores da economia, a “globalização” impõe escalas e níveis de produtividade internacionais: alguns produtos desta indústria são commodities (ex. papel woodfree) e, consequentemente, têm que ser fabricados em larga escala para poderem ser competitivos.

Siderúrgico

O setor siderúrgico brasileiro foi o primeiro setor a ser privatizado, o que vem permitindo a reestruturação e modernização das suas empresas. Os indicadores de produtividade vêm melhorando significativamente, passando de uma média de 158 toneladas/homem/ano em 1990, quando 70% da produção era estatal, para 283 toneladas/ homem/ano em 1995. Algumas usinas já atingem 450 toneladas/homem/ano, nível das mais produtivas do mundo.

Mesmo com uma produtividade média ainda baixa para os padrões mundiais, o aço brasileiro é competitivo porque temos matéria-prima boa e barata, além de mão-de-obra e energia baratas. Apesar disso, como o setor trabalha com margens pequenas, a estabilização o está obrigando a uma grande preocupação com redução de custos.

O processo de concentração também é característico deste setor (mesmo em termos mundiais): a Acesita associou-se à Villares que, por sua vez, incorporou a Eletrometal e a Sifco. Juntas, elas perfazem 75% do mercado de aços especiais. A Mendes Junior adquiriu o controle da Aço Minas e o grupo Gerdau incorporou a Piratini, a Pains e uma unidade da Mannesmann.

Tanto a privatização e modernização dos diferentes segmentos de infraestrutura como o crescimento esperado para o setor automotivo têm influenciado positivamente as decisões de investimento do setor. Segundo o IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia), os investimentos entre 1994 e o ano 2000 deverão atingir US$ 7,1 bilhões, dos quais 70% em melhoria de qualidade e 30% em ampliação da capacidade produtiva. Os investimentos em melhoria de qualidade são os necessários para se poder fabricar produtos especiais, mais sofisticados, a grande tendência internacional do setor.

A novidade mais recente no setor é a assinatura de um protocolo entre a Vale do Rio Doce, a CSN, o grupo Vicunha, a Petrobrás e o governo do Ceará para a construção de uma usina siderúrgica naquele estado. O investimento será de R$ 800 milhões e contará com tecnologia de última geração. O governo do Ceará concedeu incentivos fiscais e negociou com a Petrobrás o fornecimento de gás natural a um preço 48% inferior ao do resto do país e a ampliação de seu gasoduto para permitir o fornecimento direto para a nova empresa. Em troca, a Petrobrás ganhou, por 20 anos, uma área no Porto de Pecém que está sendo construído e terá um custo operacional significativamente inferior ao do de Fortaleza (R$ 7,95 por tonelada contra R$ 1).

O BNDES tem projetos de financiamento em quase todas as empresas do setor.

Máquinas e Implementos Agrícolas

Apesar das enormes dificuldadeS do setor em 1995, os últimos grandes players mundiais que faltavam vieram para o Brasil: a Agco comprou a Iochpe-Maxion, a John Deere associou-se à SLC e a J. I. Case deverá retornar ao mercado ainda em 1996. A volta destas grandes empresas internacionais mostra que, apesar dos problemas pelos quais o setor passou no Brasil, estão apostando na reativação do mercado e se posicionando para o retorno dos investimentos agrícolas.

Assim, o segmento de tratores passou por intenso processo de concentração que limitou a cinco o número de produtores no Brasil: Iochpe-Maxion, New Holland, Agrale, J. I. Case e Valmet; enquanto no segmento de tratores de pequeno porte e cultivadoras restaram duas empresas: Kubota e Yanmar.

No segmento de colheitadeiras, a concentração foi ainda maior, com três empresas respondendo pela produção: SLC-John Deere, New Holland e Iochpe-Maxion.

No setor de implementos agrícolas, apesar de existirem várias empresas (cerca de 340), apenas vinte respondem pela maior parte da produção e, mesmo entre estas, apenas algumas têm capacidade de competição internacional que, aliás, vêm ampliando através de contratos de tecnologia com firmas europeias.

Apesar das dificuldades que ainda persistem, as perspectivas são boas na medida em que o setor agrícola começa a ter uma situação mais estável.

Informática

Este setor começou seu processo de reestruturação já em 1990, com a flexibilização da Lei de Informática que acabou oficialmente em 1993, quando foi substituída por um decreto que definiu o que passou a ser chamado de PPB (Processo Produtivo Básico).

A definição do PPB, somada à revolução tecnológica pela qual passou a indústria de informática nos últimos anos e à ampliação do mercado brasileiro definiram o novo perfil do setor:

  • muitas pequenas e médias empresas fecharam, viraram representação comercial ou prestadoras de serviços ou se associaram com grandes internacionais;

  • as empresas estrangeiras que tinham alguma fabricação de computadores de grande porte no Brasil deixaram de fazê-lo porque mudou a tecnologia e estes computadores estão sendo substituídos por redes;

  • a IBM e a Compaq, líderes mundiais em microcomputadores, implantaram fábricas no Brasil entre 1994 e 1995;

  • as empresas Acer-Acbr, Packard Bell, Epson, Olivetti e HP já entraram ou estão entrando no Brasil, utilizando-se de empresas nacionais (Conexão, Platec, PCI, Nishida) que montam seus kits sob sua supervisão. Apesar de serem apenas montadoras dos kits das estrangeiras, estas empresas nacionais têm grandes investimentos em máquinas graças à nova tecnologia que liga os componentes aos circuitos internos, conhecida por SMD ou SMT;

  • o consumo de microcomputadores passou de 600 mil em 1994 para 1 milhão previstos para 1996. No mesmo período, estima-se que a participação da produção local (com relação ao produto contrabandeado) elevou-se de 2/1 para 3/1;

  • o aumento na escala de produção tem permitido grande queda nos preços e, consequentemente, aumentado nossa capacidade de concorrer com o contrabando.

Automação

Bancária: somos competitivos, temos boas fábricas e boas parcerias internacionais.

Industrial: é um setor muito segmentado, pois cada empresa é um projeto sob medida. Existem nichos especializados nos quais podemos participar.

Comercial: é um mercado que deverá explodir em função da obrigatoriedade imposta aos varejistas de se automatizar para fins de um melhor controle do recolhimento de ICMS. O processo de reestruturação deste setor, que deverá ser brutal, apenas começou. A entrada de uma única grande cadeia internacional já provocou um abalo. Várias empresas internacionais têm anunciado intenção de vir para o Brasil. A saturação dos mercados dos países desenvolvidos e a ampliação do mercado decorrente da abertura e da estabilização tornam o Brasil extremamente atrativo. Segundo trabalho recente do BNDES, as diferentes empresas do setor têm procurado fechar lojas pouco rentáveis; reduzir o quadro de funcionários; informatizar; profissionalizar; abrir capital (Pão de Açúcar, Arapuã e Ponto Frio); ampliar a oferta de consumo; aumentar a capitalização e mudar o enfoque para a obtenção de lucros operacionais e não mais os financeiros que eram facilmente obtidos com a inflação (com o float).

Construção Civil

O aspecto mais interessante a ressaltar neste setor é o fato de que, apesar da queda acentuada da atividade da construção civil, o consumo de cimento tem sido recorde no país.

Em 1995, o consumo deste produto cresceu 12% em relação a 1994 e, no primeiro semestre de 1996, o aumento foi de 21,5% em relação a igual período do ano anterior.

Tudo indica que, também neste caso, este desempenho deve-se aos ganhos auferidos pelos setores de menor renda com o controle do processo inflacionário. O cimento tem sido utilizado em autoconstrução, reformas e/ou ampliações de moradias. Segundo estudo feito pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, nos cinco primeiros meses de 1996, certos itens utilizados neste setor tiveram crescimento expressivo: válvulas e torneiras de aço forjado (155,0%), pisos e revestimentos plásticos (57,4%), esquadrias de metal (38,3%), tubos de PVC (32,6%), portas e esquadrias de madeira (30,6%), fios, cabos e condutores elétricos (30,0%), artefatos de cimento, concreto e fibra (24,6%), argamassa, reboco e massa de concreto preparado (22,3%), forjados de metais não-ferrosos (22,3%), material elétrico em geral (19,8%).

O crescimento deste segmento da construção civil tem levado não só a um aumento do emprego (em São Paulo, segundo o Seade, o emprego no segmento de reformas cresceu 9,7% em 1995, 6,9% em maio de 1996 contra maio de 1995 e 2,7% em 1996) como a um crescimento no número de domicílios no país.

3. CONCLUSÃO

Este conjunto de informações nos permite concluir que a economia está passando por um profundo processo de restruturação.

Em alguns setores como o automobilístico, o processo é mais claro. São os setores nos quais o capital internacional tem um interesse grande, possuindo um modelo de atuação. A nova dinâmica destes setores deriva do movimento do capital internacional, de uma lógica que é dada pelos novos padrões de atuação das empresas internacionais no atual cenário mundial, bastante diferente daquele existente nos anos 50 e 70, quando o Brasil recebeu as primeiras duas grandes injeções de investimentos diretos.

Em outros setores, como o de alimentos e eletroeletrônicos de consumo, a intensidade e velocidade das transformações também têm sido surpreendentes. Nestes, o tamanho do mercado brasileiro somado ao do Mercosul tem sido a grande fonte de atração. Tanto empresas nacionais voltaram a investir como grandes internacionais têm nos olhado como a grande alternativa aos mercados saturados dos países desenvolvidos.

Alguns setores mais tradicionais, como calçados e têxteis, estão sendo obrigados a renovar-se sob pena de, caso não o façam, simplesmente morrer. Nestes, independentemente da dinâmica internacional e da entrada de capitais estrangeiros, a abertura da economia provocou um impacto violento que os está levando a repensar estratégias, investir em novas tecnologias e produtos, enfim, agirem como uma empresa capitalista sem a proteção da reserva de mercado. É um processo doloroso, concentrador, com perdas pelo caminho, que, entretanto, apesar dos percalços e dramas individuais, está levando ao fortalecimento destes setores industriais como um todo. Mais ainda, apesar da concentração que é inequívoca, a terceirização e a retomada do crescimento da economia abrem novos espaços para empresas de pequeno e médio porte.

Há ainda alguns setores que começam a pensar em novos investimentos olhando as perspectivas de médio e longo prazos da economia. O controle da inflação permite planejar investimentos mais longos além de reduzir os ganhos especulativos no mercado financeiro que concorriam com os investimentos produtivos.

Entretanto, apesar do otimismo que estas informações nos trazem, existem quatro grandes incógnitas que precisamos decifrar: o setor de bens de capital; os setores de tecnologia de ponta; as implicações geográficas das transformações que estão ocorrendo e seus impactos sobre o emprego.

Quanto aos setores de bens de capital e de tecnologia de ponta, o passo inicial e fundamental para compreendê-los é conseguir nos situar entre os defensores da velha política industrial iniciada dos anos 50 e cujo ápice foi o II PND nos anos 70, quando se achava que internalizaríamos e controlaríamos toda a matriz industrial e os defensores do laissez-faire total, que não acreditam que exista algum espaço de atuação governamental em qualquer setor da economia.

4. POST-SCRIPTUM: DA REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL A UMA POLÍTICA DE INVESTIMENTO E COMPETITIVIDADE

Este artigo foi publicado em agosto de 1996. Nele, fazíamos uma primeira avaliação da reestruturação industrial pós-Plano Real. Como em um jogo de quebra-cabeça no qual ainda faltavam muitas peças para serem alocadas, começávamos a vislumbrar o desenho que se delineava.

Após o sucesso da primeira etapa, quando através da URV conseguiu-se iniciar o controle do processo inflacionário, a dinâmica da economia tomou rumos novos, cujos determinantes nada ou quase nada tinham a ver com aqueles com os quais estávamos acostumados e que nos balizavam na hora de analisar nossa economia.

Não só o plano de estabilização, ao contrário de seus anteriores, consolidava-se, criando uma nova dinâmica interna, como a dinâmica internacional passava por transformações que, aliás, foram decisivas para o sucesso do plano de estabilização.

Frente a um cenário completamente novo, no qual interagiam globalização, abertura da economia e estabilização, tinha-se grande dificuldade de entender o processo que, naquele momento, apenas se iniciava. Os velhos parâmetros nos levavam a análises equivocadas sobre os rumos do país. O retorno do processo inflacionário e a desindustrialização eram vistos por alguns como perspectivas inequívocas que trariam, por consequência, a explosão do desemprego.

Agora, passados dois anos da implantação do Plano Real e quase seis do início do processo de abertura da economia, fica mais fácil entender os determinantes da nova dinâmica da economia brasileira e as perspectivas que se configuram a partir dela. Já temos um conjunto de informações que confirmam a hipótese que apresentávamos no artigo de agosto de 1996: o país vem passando por um profundo processo de reestruturação industrial. Como já dizíamos então, é um processo doloroso por implicar uma certa concentração e desnacionalização, mas que, entretanto, é um processo positivo. Positivo porque está permitindo não só a consolidação da estabilização, mas também a construção das bases para a retomada de um crescimento sustentado.

O processo que descrevemos como sendo uma nova dinâmica dos investimentos que leva a um “círculo virtuoso” vem avançando desde então, passando por novas etapas que nos permitem ter mais clareza não somente sobre o que está acontecendo, como sobre o que nos espera e, felizmente, do ponto de vista das autoridades econômicas, sobre o que é preciso fazer para ajudar o processo.

Relembrando, dizíamos que a interação de quatro processos levava a uma nova dinâmica que resultava na profundidade da reestruturação industrial por que passávamos.

A “globalização” impõe a abertura da economia e gera determinantes novos para os fluxos de capitais internacionais.

A abertura, ao introduzir a competição na economia, tem um brutal impacto de distribuição de renda através da redução das margens de lucro das empresas até então protegidas pela reserva de mercado e do consequente aumento de competitividade que elas são obrigadas a implementar. A redução dos preços dos bens de consumo assalariado eleva o salário real e amplia significativamente o mercado para outros bens. Além disso, a redução das tarifas de importação também resulta em transferência de renda do governo para os consumidores.

A estabilização, além de produzir um efeito importante de distribuição de renda e, consequentemente, de ampliação do mercado consumidor, restabelece a confiança necessária não só para a retomada dos investimentos, mas também para o retorno do crédito que, por sua vez, potencializa ainda mais a ampliação do mercado consumidor.

Finalmente as privatizações, além de contribuírem para o processo de aumento geral da eficiência da economia, sinalizam novas possibilidades de investimento e atraem capitais, tanto estrangeiros como diferentes capitais nacionais, que até há pouco limitavam-se a girar na órbita especulativa. Tem início a partir daí um enorme conjunto de novos arranjos financeiros idealizados para permitir a participação conjunta de diferentes grupos de capitais na miríade de novas oportunidades de investimento que começam a surgir.

A interligação deste conjunto de processos vem provocando o que à época chamamos de terceira onda de investimentos internacionais e a ruptura do tripé ( empresa nacional familiar, empresa estrangeira e empresa estatal) que, desde os anos cinquenta até início do anos 90, havia sido a base do capitalismo brasileiro. A empresa estatal está sendo privatizada, a tradicional empresa nacional/familiar é obrigada a modernizar-se, sob pena de sucumbir à violência das transformações e a empresa internacional vem mudando sua tradicional forma de inserção no país. Agora, diferentemente dos anos 50, quando o grosso dos investimentos externos diretos foi localizado basicamente no setor de bens de consumo duráveis e, mais especificamente, na indústria automobilística, os investimentos externos passaram a se dirigir para os mais diferentes segmentos da economia. A conjunção das grandes transformações ocorridas no mundo (revolução tecnológica, novas formas de produção, globalização e saturação de importantes mercados consumidores nos países desenvolvidos) com a espantosa ampliação do mercado consumidor brasileiro e, obviamente, o retorno da segurança para os investidores dada pela estabilização, tomou o Brasil uma das economias mais atrativas a nível internacional.

Nossos velhos parâmetros estão datados historicamente e, consequentemente, não servem mais para explicar uma realidade que se transforma. As verdades que tinham sido úteis nos anos 50 e 60 não mais dão conta da nova realidade nacional e internacional. Portanto, compreender a nova dinâmica a que nos referimos passa pela compreensão do que está ocorrendo não só com as empresas nacionais e as estrangeiras aqui já instaladas, mas também com as novas empresas que estão chegando.

Quanto às empresas nacionais eleitas pelo II PND para serem líderes, estão sendo obrigadas, como já dissemos, a modernizar-se. Sem reserva de mercado e retirados todos os tipos de subsídios e incentivos, quem não partiu para uma agressiva política de modernização reduziu seu espaço no mercado (muitas vezes limitando-se ao mercado de reposição), faliu ou foi absorvido por outra empresa. Aqui, sem a menor dúvida, o processo foi muito doloroso. A política monetária restritiva (excessivamente, diriam alguns), intrínseca a qualquer plano de estabilização, acabou tornando o ajuste das empresas nacionais difícil. Entretanto, apesar das dificuldades e críticas que podem ser feitas ao processo, não se pode negar que as empresas nacionais passaram a mudar de mentalidade e, mais importante do que tudo, as decisões de investimento começaram a ser implementadas. Reestruturação, produtividade, competitividade entraram pela primeira vez no vocabulário das empresas, que começaram a passar por verdadeiras revoluções.

Quanto às empresas estrangeiras, as que já estavam instaladas no país usufruíam do fechamento da economia, o que lhes possibilitava auferir margens de lucro inusitadamente elevadas, apesar de manterem baixas taxas de investimento e nenhum compromisso com qualidade. Essas, com a abertura, viram-se obrigadas a mudar radicalmente suas políticas de investimento sob pena de perderem o espaço no mercado que por tantos anos tinham dominado com tanta facilidade. Já nas empresas novas, nos mais diferentes segmentos, de chocolates a automóveis, que vinham atraídas pelo imenso mercado consumidor recém ampliado, o processo era semelhante: começavam “sondando” este novo mercado, introduzindo seus produtos primeiro através de importações para, somente após a comprovação de sua aceitação, iniciarem investimentos em plantas industriais. Ao iniciarem seus investimentos, além de continuarem importando seus produtos finais, começavam a importar máquinas e equipamentos.

Assim, quando a generalizada retomada dos investimentos, tanto das empresas nacionais como das estrangeiras, vem deixando cada vez mais claro que não corremos o risco de estarmos passando pelo que Canitrot chama de “vôo da galinha”, ou seja, por uma retomada da economia de fôlego curto, fundada em uma bolha de consumo que se esgotaria rapidamente, a grande preocupação passa a ser com a balança comercial.

Sem a menor dúvida, toda esta somatória de processos está tendo um impacto colossal sobre a balança comercial brasileira. Não há como negar que, como diz um brilhante observador da economia brasileira, “os coeficientes de importação de todos os setores da economia, particularmente os da indústria, sofreram mudanças dramáticas, provocando um encolhimento das cadeias produtivas (partes, peças e componentes), afetando a geração doméstica de valor agregado”. Entretanto, apesar de este raciocínio ser verdadeiro para o curto e médio prazo, ele não o é, necessariamente, para o longo prazo. Após um processo, em muitos segmentos radical, de exteriorização da compra de componentes ou até mesmo de produtos finais, como forma de se conseguir rapidamente aumentar a competitividade e sobreviver à redução das margens de lucros, começamos, agora, a assistir a um processo de reintegração produtiva que, se persistente e auxiliado por alguma política de investimentos, permitirá o adensamento das cadeias produtivas com a internalização da produção.

São vários os motivos que nos levam a acreditar nesta nova hipótese. Após um primeiro momento no qual o caminho mais fácil e rápido era importar tudo que barateasse a produção, a opção pela produção local, em larga escala e com alta produtividade passa a se colocar. Os custos de depender totalmente do fornecimento externo, a distância do Brasil e, principalmente, o tamanho do nosso mercado justificam os investimentos em certos elos das cadeias produtivas que haviam sido amplamente externalizados ou que nunca tinham sido produzidos aqui em escala suficiente.

A produção em grande escala segundo as modernas sistemáticas de produção enxuta e online implica, e em alguns casos obriga, a existência de um fornecedor local. Fatores como distância e elevadas taxas de juros inviabilizam a manutenção de grandes estoques, reforçando a opção pela internalização da produção.

Em algumas cadeias produtivas, como por exemplo na automobilística, as escalas de produção que passamos a alcançar após o Plano Real, e os atuais processos produtivos, ao contrário do que tem sido dito, levam à internalização de importantes segmentos da cadeia. O moderno processo produtivo baseado no just in time obriga a presença dos fornecedores em locais próximos das montadoras, o que as tem levado a fomentar a vinda de seus parceiros internacionais, produtores de autopeças, para o Brasil. Ou seja, aos poucos estamos internalizando novamente setores que haviam passado por um processo de importações de grandes volumes. O resultado, do ponto de vista macroeconômico, é o adensamento da cadeia produtiva embora, não se pode negar, com profunda transformação das características dos produtores no nível micro. O setor de autopeças é um dos que tem passado pelas maiores transformações, com fusões, encerramento de atividades e desnacionalização.

Portanto, apesar de não duvidarmos de que está em curso um processo de ajuste ao movimento inicial de externalização da produção que permitirá um processo de reintegração produtiva com adensamento das cadeias produtivas, concordamos não só que o ritmo do processo deveria ser maior como também que importantes segmentos da cadeia produtiva, especialmente aqueles altamente intensivos em tecnologia, não passarão necessariamente por esse processo. É por isso que acreditamos que mais do que nunca precisamos de uma Política de Investimentos e Competitividade para minimizar as dores desse processo e consolidá-lo de forma a garantir a reestruturação dos setores mais tradicionais, com maior dificuldade de se adaptarem aos novos condicionantes da economia; o adensamento do valor adicionado das várias cadeias produtivas; investimentos em tradables e em setores que exigem maior capacitação tecnológica.

Uma Política de Investimentos e Competitividade não deve ser confundida com a velha política industrial do passado que, em nome da proteção a determinados setores, comprometia a produtividade de toda a economia. Não se pode repetir o erro de dar incentivos para alguns setores às custas da perda de competitividade internacional e da obsolescência tecnológica. Também não é mais possível criar competitividade às custas do Tesouro, nem reproduzir o velho jogo de “escolha de ganhadores”.

Porém, entre a tentativa de controle absoluto da matriz industrial e o laissez faire precisamos encontrar um novo perfil de política industrial, uma atuação governamental que contribua para adensar as cadeias produtivas, incentivando, viabilizando investimentos em certos elos que padecem de estrangulamentos. Não é necessariamente uma política generalizada para todas as cadeias produtivas tanto quanto não é para todos os elos da cadeia. E, ao contrário da nossa prática passada, os segmentos que receberem algum tipo de incentivo só o farão com a contrapartida de se manterem competitivos internacionalmente.

Com esta análise em mente, acreditamos que os objetivos a serem alcançados por uma Política de Investimentos e Competitividade podem ser assim sintetizados:

  • reestruturação dos setores mais afetados;

  • adensamento das cadeias produtivas;

  • aumento do valor adicionado e modernização tecnológica das exportações.

E os caminhos iniciais de atuação (muitos dos quais já em processo de implantação) para viabilizar estes objetivos podem ser assim resumidos:

  • redução do custo de produção para elevar a competitividade tanto das exportações como da produção interna vis-à-vis as importações: logística, impostos, desregulamentação, desburocratização, redução das taxas de juros;

  • criação de linhas e instituições de crédito, além da inovação da inclusão do capital de giro como item financiável, para suportar a reorganização setorial;

  • criação de linhas especiais de crédito para estimular o adensamento das cadeias produtivas. A mudança recente anunciada pela FINAME de mudança em seus critérios de financiamento de forma a estimular newcomers é um bom exemplo não só das possibilidades de inovação nesta área, mas também de sua efetividade;

  • criação e desenvolvimento de parcerias no risco dos projetos: fundos de empresas emergentes e project finance;

  • políticas horizontais gerais, dado que cada vez mais as vantagens comparativas são “criadas” por investimentos maciços em treinamento, educação, tecnologia e informação. No caso particular da educação, a revolução é a inversão de prioridades na direção do ensino fundamental e técnico. No caso do investimento em tecnologia, o desafio é a implementação de políticas de atração de investimentos e upgrade tecnológico;

  • políticas de suporte das exportações: desoneração fiscal, seguro de crédito, linhas especiais de crédito e promoção comercial;

  • políticas de atração de investimentos e upgrade tecnológico: redução do custo fiscal dos investimentos; parcerias tecnológicas;

  • políticas específicas para pequenas e médias empresas;

  • defesa da concorrência no mercado interno.

  • 1
    O retorno do crédito como atividade essencial do sistema bancário pode ser avaliado pelo número de bancos de investimento que têm comprado financeiras.
  • 2
    O BNDES aprovou financiamentos que totalizam US$ 1,6 bilhão para projetos de infraestrutura entre janeiro e julho deste ano.
  • 3
    Entre as várias montadoras que ainda não estão instaladas aqui e que têm anunciado intenções de vir, temos a Honda e a Toyota. Já Mercedes e Renault são as que estão com o processo decisório mais adiantado.
  • 4
    A Fiat projeta exportações de US$ 750 milhões a partir de 1997. Nos últimos dois anos, sua média foi de US$ 500 milhões.
  • 5
    Segundo estudo recente do BNDES, apesar de a Ásia e Oceania também terem um parque produtivo velho, “eles vêm investindo na aquisição de teares novos, sendo responsáveis por 55% das importações mundiais destes equipamentos no período de 1984 a 1993, cabendo à América do Sul apenas a fatia de 3%, dos quais 2% são para o Brasil”.
  • 6
    JEL Classification: F61; F13; L16; O25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1997
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