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Trajetórias familiares na pecuária leiteira no sul do Brasil: entre a especialização e o fim da atividade

Family trajectories in dairy farming in southern Brazil: between specialization and the end of the activity

Resumo:

O presente estudo pretende contribuir na identificação e explicação das mudanças nos sistemas produtivos de agricultores familiares produtores de leite bovino no Sul do Brasil. Foi realizada pesquisa de caráter histórico e comparativo, por meio de análise longitudinal das trajetórias de agricultores familiares, utilizando como contexto empírico a realidade de 58 famílias, em 2003 e 2018, pertencentes ao município de Salvador das Missões, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os resultados destacam a tendência histórica de especialização, ganhos de escala e concentração produtiva na pecuária leiteira, em paralelo com o processo de descontinuidade na produção e venda de leite por parte expressiva das famílias pesquisadas. O estudo longitudinal permitiu identificar: movimento majoritário de migração das famílias da produção comercial em direção à categoria sem produção de leite; movimento fragmentário de famílias da categoria de autoconsumo para a categoria de produtores comerciais; e inexistência de famílias que passaram de não produtoras para produtoras de leite. A descontinuidade da produção esteve associada a famílias menores, com maior idade média dos seus integrantes, sem sucessores e frágil apoio das políticas públicas.

Palavras-chave:
mudanças produtivas; exclusão; renda

Abstract:

The present study aims to contribute in identifying and explaining the changes in the production systems of family farmers producing bovine milk in Southern Brazil. Research of historical and comparative nature was conducted, through longitudinal analysis of the trajectories of family farmers, using as empirical context the reality of 58 families, in 2003 and 2018, belonging to the municipality of Salvador das Missões, in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The results highlight the historical trend of specialization, gains of scale and productive concentration in dairy farming, in parallel with the process of discontinuity in the production and sale of milk by an expressive part of the surveyed families. The longitudinal study allowed us to identify: a majority of families migrating from commercial production to the category of no milk production; a fragmentary movement of families from the category of self-consumption to the category of commercial producers; and the inexistence of families that went from not producing to producing milk. Discontinuity of production was associated with smaller families, with a higher average age of its members, without successors and less support from public policies. With less labor available, milk production was replaced by grain production and they became more dependent on rural retirement.

Keywords:
productive changes; exclusion; income

1 Introdução

A produção nacional de alimentos resulta de uma complexa teia de relações, na qual destaca-se os limites ecossistêmicos locais, sua interação com a cultura de diversos atores sociais e as tecnologias disponíveis, além das relações de mercado e da ação do Estado. A análise da realidade concreta e de processos de mudanças em curso nas dinâmicas agrícolas se assenta na necessidade de prover alimentos em escala global, com regularidade e qualidade, com preços razoáveis e estáveis, com sistemas produtivos de baixo impacto sobre a natureza e realizado de forma que a riqueza gerada promova o desenvolvimento.

Nos sistemas alimentares brasileiros, a produção leiteira tem elevada importância, visto que sua produção e consumo está presente em parcela expressiva de unidades produtivas do território nacional. Conforme dados do Censo Agropecuário de 2017, 23,2% dos estabelecimentos agropecuários do país informaram produzir leite de vaca (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.). Ainda, conforme o Censo Agropecuário de 2017, foi contabilizado aumento de 46,6% na quantidade produzida, se comparado ao Censo Agropecuário de 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2006). Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: SIDRA., 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.). Ao analisar o intervalo intercensitário de 2006 a 2017, houve uma redução de 13,1% no número de estabelecimentos que produzem, e de 27,5% no número de estabelecimentos que vendem leite. Como expressão dessa dinâmica, a mudança mais expressiva pode ser observada na média de litros de leite comercializado por estabelecimento, que em 2006 era de 587 litros/dia, e, em 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2006). Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: SIDRA., 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.), havia aumentado para 1137 litros/dia de leite por estabelecimento com vacas de leite. Essa mudança pode ser explicada pela especialização na produção e, consequentemente, por tecnologias de produção e de armazenamento de leite.

A cadeia produtiva do leite bovino também se destaca por sua importância econômica, pois o país é o terceiro maior produtor de leite do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia, apresentando taxa de crescimento de 1,5% de 2019 a 2020 (FAOSTAT, 2020FAOSTAT. (2020). Cultivos y productos de ganadería. Leche, entera fresca, vaca. Roma: FAOSTAT.). Enquanto o valor do leite comercializado pelos produtores foi de R$ 27,8 bilhões em 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.), o faturamento do setor lácteo representou 77,4 bilhões de reais em 2021, representando a quarta atividade mais importante do setor agropecuário, atrás apenas da soja, da carne bovina e do milho (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, 2022Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA. (2022).Panorama do Agro. Brasília: CNA.). Estes fatores econômicos ganham projeção ainda maior na medida em que se analisa a importância social dessa atividade, uma vez que ela gera emprego e renda, além de representar um modo de vida para muitas famílias produtoras. A produção é distribuída em todo o território nacional com diferentes níveis de intensificação produtiva. Em 2017, o estado do Rio Grande do Sul possuía a segunda maior produção de leite e o segundo maior número de estabelecimentos agropecuários com essa atividade, ficando atrás apenas de Minas Gerais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.). Cabe destacar que a atividade leiteira é caracterizada pela heterogeneidade em relação a padrões tecnológicos, produtividade e tamanho do rebanho, tanto entre as microrregiões como entre as unidades produtoras (Carbonera et al., 2020aCarbonera, R., Fernandes, S. B. V., Oliveira, F. G., Mello, J. B., Uhde, E. M., & Rigo, D. S. (2020a). Diversidade de sistemas produtivos e sustentabilidade na agricultura. DRd - Desenvolvimento Regional em Debate, 10, 98-118. http://dx.doi.org/10.24302/drd.v10i0.2505.
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; Telles et al., 2020Telles, T. S., Bachi, M. D., Costa, G. V., & Schuntzemberger, A. M. S. (2020). Milkproduction systems in Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 92(1), 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/0001-3765202020180852.
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).

A produção de leite pode desempenhar papel estratégico na promoção do desenvolvimento rural e regional. Em razão de ter potencial de absorção de trabalho, agregação de valor e geração de renda mensal - especialmente nos espaços com intensa presença de agricultores familiares -, a atividade eleva os níveis de qualidade de vida no campo, o que contribui para manter a população no meio rural. Entre as potencialidades da atividade leiteira, pode-se destacar que, em termos gerais, as diversas regiões do país possuem conhecimentos prévios historicamente acumulados para o seu desenvolvimento e, em termos ecológicos, ela permite o uso produtivo e conservacionista de terras com limites à mecanização. Todavia, historicamente tem se observado o caráter concentrador associado à dinâmica de especialização dos produtores na cadeia, o que tem levado a exclusão de muitos estabelecimentos, especialmente aqueles com limitadas disponibilidades de ativos e com menores escalas produtivas, o que configura problemática de ordem econômica e social nos territórios rurais (Vendruscolo et al., 2018Vendruscolo, R., Matte, A., Ventura, F., Tourrand, J. F., & Waquil, P. D. (2018). Entre a reconexão e a revalorização: a constituição de convenções em mercados da agricultura familiar no Brasil, na Itália e na França. Estudos Sociedade e Agricultura, 26, 495-516.; Matte & Waquil, 2021Matte, A., & Waquil, P. D. (2021). Changes in markets for lamb in livestock family farming in Brazil. Small Ruminant Research, 205, 106535.) e impulsiona o processo de desagrarização (Thies & Conterato, 2023Thies, V. F., & Conterato, M. A. (2023). Desagrarização e agrarização da agricultura familiar em Salvador das Missões - Rio Grande do Sul. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(1), 1-22. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.245689
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).

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é analisar as transformações e reconfigurações nos sistemas produtivos de agricultores familiares que desenvolvem a bovinocultura leiteira, discutindo as causas das diferentes trajetórias familiares relacionadas à produção de leite entre os anos de 2002 e 2017 no Sul do Brasil. Em síntese, busca-se responder a seguinte pergunta: quais são as distintas trajetórias familiares e as causas da diferenciação das famílias produtoras de leite entre os anos de 2002 e 2017?

Para tanto, foi realizada pesquisa de caráter histórico e comparativo, por meio de análise longitudinal das trajetórias de agricultores familiares, utilizando como contexto empírico a realidade do município de Salvador das Missões, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Foram coletados dados primários com o mesmo grupo de 58 famílias em dois momentos, em 2003 e 2018.

O artigo está organizado em cinco partes, que incluem a introdução e considerações finais. A segunda parte compreende o estado da arte, apresentando um panorama sobre a produção leiteira no Brasil. Na sequência, descrevem-se os procedimentos metodológicos que embasam o estudo, e, na quarta parte, são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa.

2 As transformações na atividade leiteira nas últimas décadas

A bovinocultura leiteira no Brasil caminhou morosamente em termos de dinamismo tecnológico até 1950, passando, desde então, a avançar mais intensamente em termos de modernização produtiva (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.). Nos anos 1990, o setor foi fortemente afetado por alterações na postura do Estado e por mudanças na política econômica, especialmente a abertura comercial à concorrência externa e o avanço da ação de empresas multinacionais no âmbito da globalização da economia (Jank & Galan, 1999Jank, M. S., & Galan, V. B. (1999). Competitividade do sistema agroindustrial do leite no Brasil. In M. S. Jank, E. M. Q. Farina & V. B. Galan. O agribusiness do leite no Brasil (p. 41-100). São Paulo: Milkbizz.). Além disso, impactaram a cadeia o fim do tabelamento do preço do leite e as mudanças no mercado decorrentes do avanço da distribuição de leite por grandes redes varejistas e da introdução da venda de leite longa vida (UHT), modalidade que se tornou a mais consumida em meados dos anos 1990 e que, desde então, regula o mercado no país (Acosta et al., 2018Acosta, D. C., Souza, J. P., & Bankuti, S. M. S. (2018). Tecnificação de produtores e estruturas de governança no sistema agroindustrial de leite. Desenvolvimento em Questão, 16(45), 292-315. Recuperado em 19 de outubro de 2021, de https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/article/view/6442
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; Meneghatti et al., 2020Meneghatti, M. R., Griebeler, A., Fariña, L. O., & Bertolini, G. R. F. (2020). Impactos do sistema de pagamento por qualidade do leite em uma cooperativa da agricultura familiar. DRd - Desenvolvimento Regional em Debate, 10, 1203-1234. https://doi.org/10.24302/drd.v10i0.2963.
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).

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de leite e apresenta crescimento sistemático na produção nos últimos 50 anos. Com a melhor organização do setor desde os anos 2000, o país apresenta maiores possibilidades de participação dos agricultores e ampliação da visão de planejamento da cadeia a longo prazo. Contudo, o setor mantém historicamente maior frequência de déficit na balança comercial de leite industrializado e níveis de produtividade inferiores aos dos demais países que compõem o quadro dos principais produtores mundiais (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.).

O setor tem sido marcado por uma dinâmica de diferenciação e grande heterogeneidade dos produtores no que diz respeito à disposição para a inovação, ao nível tecnológico, de capital e de terra disponível, além do volume e qualidade do leite produzido (Moura & Santos, 2017Moura, A., & Santos, C. (2017). Distribuição espacial e fontes de crescimento da pecuária leiteira paranaense.Revista de Política Agrícola, 2(26), 5-19. Recuperado em 19 de outubro de 2021, de https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/view/1268/1052
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; Acosta et al., 2018Acosta, D. C., Souza, J. P., & Bankuti, S. M. S. (2018). Tecnificação de produtores e estruturas de governança no sistema agroindustrial de leite. Desenvolvimento em Questão, 16(45), 292-315. Recuperado em 19 de outubro de 2021, de https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/article/view/6442
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; Carbonera et al., 2020bCarbonera, R., Basso, N., Buratti, J. B. L., Kovalski, C. H., Scheer, M. R., & Oliveski, F. E. (2020b). Níveis de reprodução social e estratégias para a agricultura familiar. Redes, 25(Ed. Esp. 2), 2035-2059. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v25i0.14108.
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; Telles et al., 2020Telles, T. S., Bachi, M. D., Costa, G. V., & Schuntzemberger, A. M. S. (2020). Milkproduction systems in Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 92(1), 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/0001-3765202020180852.
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). Observa-se a descontinuidade da atividade por muitos produtores ao longo do tempo. A exclusão destes, destacadamente os de menor escala, é parte do processo de modernização do setor (Borges et al., 2014Borges, M. S., Castro, M. C. D., Guedes, C. A. M., & Alimonda, H. A. (2014). Modernização, trabalho e produtividade na pequena produção leiteira na Argentina e no Brasil. Revista ADM. MADE, 18(1), 12-31., 2016Borges, M. S., Guedes, C. A. M., & Castro, M. C. D. (2016). Programa de assistência técnica para o desenvolvimento de pequenas propriedades leiteiras em Valença-RJ e região Sul Fluminense. Cadernos EBAPE.BR, 14, 9(Ed. Esp.), 569-592. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395115513n.; Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.).

Ressalta-se a persistente assimetria de informações e a fragilidade na forma de contrato entre produtores e indústria, além de comportamento oportunista e conflitos entre os agentes que compõem a cadeia produtiva, o que eleva o nível de incerteza e os custos de transação na atividade (Oliveira & Silva, 2013Oliveira, L. F. T., & Silva, S. P. (2013). Mudanças institucionais e produção familiar na cadeia produtiva do leite no oeste catarinense. RESR, 50(4), 705-720.; Roncato et al., 2017Roncato, P. E. S., Roncato, M. A., & Villwock, A. P. S. (2017). As fraudes na cadeia produtiva do leite: um estudo de caso na Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul sob a luz da nova economia institucional. Desenvolvimento em Questão, 15(38), 295-318.; Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.). Além disso, a ampliação da competitividade - decorrente da abertura ao mercado externo desde os anos 1990 (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.; Meneghatti et al., 2020Meneghatti, M. R., Griebeler, A., Fariña, L. O., & Bertolini, G. R. F. (2020). Impactos do sistema de pagamento por qualidade do leite em uma cooperativa da agricultura familiar. DRd - Desenvolvimento Regional em Debate, 10, 1203-1234. https://doi.org/10.24302/drd.v10i0.2963.
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) e da incorporação de tecnologia com vistas aos incrementos de produtividade, sobretudo entre os produtores mais capitalizados e com maior capacidade de endividamento (Alves et al., 2012Alves, E. R. A., Souza, G. S., & Rocha, D. P. (2012). Lucratividade da agricultura. Revista de Política Agrícola, 21(2), 45-63.) - impulsionou mudanças técnicas, operacionais e institucionais na cadeia produtiva, sobretudo desde o final dos anos 1990 (Telles et al., 2020Telles, T. S., Bachi, M. D., Costa, G. V., & Schuntzemberger, A. M. S. (2020). Milkproduction systems in Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 92(1), 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/0001-3765202020180852.
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). Essas mudanças implicam em diferentes reações dos atores sociais responsáveis pela atividade. Alguns produtores adotam tais mudanças, o que implica aumentos de escala produtiva e de capital mobilizado; outros optam por descontinuar a atividade leiteira e priorizar outras atividades, como a produção de grãos; enquanto outros continuam com seu sistema de produção de menor escala, sem ingressar nas cadeias formais de comercialização, mantendo-se vinculado aos mercados informais.

O setor ainda busca a melhoria dos aspectos qualitativos do leite, que ganha impulso especialmente quando se tornam públicos escândalos relacionados à adulteração intencional da qualidade do leite inspecionado, ou se discutem os riscos decorrentes da persistente venda informal de leite não inspecionado (Brandão et al., 2015Brandão, J. B., Breitenbach, R., Dias, V. S., & Silva, F. B. (2015). Leite clandestino: a informalidade orientada pela demanda - um diagnóstico da produção e comercialização em Itaqui/Rio Grande do Sul. Revista Extensão Rural, 22(2), 113-131.; Zanela & Ribeiro, 2017Zanela, M. B., & Ribeiro, M. E. R. (2017). Qualidade do leite: CCS e CBT. In M.B. Zanela & Dereti R. M. (Orgs.), Boas práticas agropecuárias na produção de leite: da pesquisa para o produtor (pp. 56-69). Pelotas: Embrapa.; Roncato et al., 2017Roncato, P. E. S., Roncato, M. A., & Villwock, A. P. S. (2017). As fraudes na cadeia produtiva do leite: um estudo de caso na Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul sob a luz da nova economia institucional. Desenvolvimento em Questão, 15(38), 295-318.). Tais elementos intensificaram as recorrentes alterações no ambiente institucional e na estrutura de governança da cadeia do leite, especialmente por meio de instruções normativas que estabelecem os parâmetros das exigências sanitárias. Essas normas têm afetado a dinâmica de funcionamento da cadeia produtiva e influenciado de forma direta as possibilidades de permanência da agricultura familiar na atividade (Oliveira & Silva, 2013Oliveira, L. F. T., & Silva, S. P. (2013). Mudanças institucionais e produção familiar na cadeia produtiva do leite no oeste catarinense. RESR, 50(4), 705-720.).

Aspectos normativos impactaram sobremaneira a pecuária leiteira. A Instrução Normativa n° 51, de 18 de setembro de 2002, reivindicou restrições em busca de qualidade, especialmente por meio de exigências relativas à refrigeração. Em 2018, é publicada a IN n° 76, que demandou tecnologias de refrigeração e salas de ordenha, que, grosso modo, se viabilizavam por meio de crédito e incremento no número e produtividade dos animais. Adicionalmente, essas exigências implicaram estratégias para aumentar a produtividade com fins de compensar o aumento nos investimentos. Assim, há uma intensificação da produção em sistemas de confinamento, semiconfinamento ou a pasto, com aumento na suplementação de alimentos concentrados e de silagem. Em paralelo, a indústria passou a adotar estratégias de premiação para o produto recebido, por meio do pagamento diferenciado em função da litragem, concentração de gordura ou proteína. Os prêmios pagos por produtividade e descontos nas aquisições de grandes volumes de insumos geraram um efeito espiral de seleção de produtores, restringindo e excluindo parcela significativa de produtores de leite Brasil afora.

A questão relacionada ao aumento dos custos de produção e à redução de preços recebidos pelos produtores, denominado por Ploeg (2008)Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS. como o squezze dos preços, funciona como uma dupla haste de pressão sobre os produtores, sendo um dos problemas que representa ameaça para a continuidade (Sabbag & Costa, 2015Sabbag, O. J., & Costa, S. M. A. L. (2015). Análise de custos da produção de leite: aplicação do método de Monte Carlo. Revista Extensão Rural, 22(1), 125-145. http://dx.doi.org/10.5902/2318179614153
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; Pieniz, 2016Pieniz, L. P. (2016). Concentração produtiva e custos de produção em explorações leiteiras no RS (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Alves et al., 2016Alves, E. R. A., Lício, A., & Contini, E. (2016). Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos. In D. Vilela, R. P. Ferreira, E. N. Fernandes & F. V. Juntolli (Eds.), A pecuária de leite no Brasil: cenários e avanços tecnológicos (432 p.). Brasília, DF: Embrapa.; Silva et al., 2019Silva, C. J. L. S., Neske, M. Z. N., Becker, C., Guedes, A. A. M., Oliveira, A. I., & Miotti, S. P. (2019). Análise multidimensional da sustentabilidade em sistemas produtivos de leite em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. Revista Verde, 14(4), 531-539.). O domínio do setor por reduzido grupo de indústrias, o que coloca os agricultores em posição de dependência e dificuldade para barganhar melhores preços e serviços (Kischner et al., 2019Kischner, P., Brum, A. L., Muenchen, J., & Baso, D. (2019). A cadeia produtiva do leite na Região Noroeste do RS: estudo de caso do município de Ijuí. Brazilian Journal of Development, 5(9), 15162-15176. http://dx.doi.org/10.34117/bjdv5n9-105
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), é agravado pelos baixos níveis de cooperação e associação entre os produtores (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.; Matte & Waquil, 2021Matte, A., & Waquil, P. D. (2021). Changes in markets for lamb in livestock family farming in Brazil. Small Ruminant Research, 205, 106535.) e pelos tensionamentos gerados por posturas simultâneas de cooperação e competição (Winckler et al., 2013Winckler, N. C., Santos, T. S., & Machado, J. A. D. (2013). A competição entre produtores familiares na cadeia produtiva do leite no oeste catarinense. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 9(1), 40-66.).

A produção leiteira no Brasil tem forte participação da agricultura familiar (Borges et al., 2014Borges, M. S., Castro, M. C. D., Guedes, C. A. M., & Alimonda, H. A. (2014). Modernização, trabalho e produtividade na pequena produção leiteira na Argentina e no Brasil. Revista ADM. MADE, 18(1), 12-31.; Matte Júnior & Jung, 2017), categoria responsável por 64,2% da produção em 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: SIDRA.), constituindo-se como uma atividade estratégica para a diversificação dos sistemas produtivos e na composição da renda dessas famílias (Zarnott et al., 2016Zarnott, A. V., Flech, E. M., & Neumann, P. S. (2016). Estilos de agricultura e estratégias de reprodução social no Assentamento Conquista da Esperança, Município de Tupanciretã/RS. Redes, 21(3), 146-164.; Meneghatti et al., 2020Meneghatti, M. R., Griebeler, A., Fariña, L. O., & Bertolini, G. R. F. (2020). Impactos do sistema de pagamento por qualidade do leite em uma cooperativa da agricultura familiar. DRd - Desenvolvimento Regional em Debate, 10, 1203-1234. https://doi.org/10.24302/drd.v10i0.2963.
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; Gazolla & Lovatel, 2020Gazolla, M., & Lovatel, M. (2020). Novidades construídas no Sistema de Produção do Leite Orgânico na Região Extremo Oeste de Santa Catarina. REDES, 25(3), 1422-1446.). Além disso, no Sul do país, possibilita a diversificação dos sistemas produtivos, dada a possibilidade de uso produtivo de terras com limites para a motomecanização utilizada na produção de grãos, o que impacta positivamente na composição da renda das famílias (Tonin et al., 2016Tonin, J., Machado, J. T. M., & Wives, D. G. (2016). Evolução e diferenciação dos sistemas agrários: a situação da agricultura familiar de Cerro Largo e Salvador das Missões. Revista Agropampa, 2(1), 90-106.; Deon et al., 2017Deon, P. R. C., Azevedo, L. F., & Almeida Netto, T. (2017). A produção de grãos como estratégia de reprodução da agricultura familiar reflexões a partir do caso do município de Novo Machado - RS. Desenvolvimento em Questão, 15(38), 261-294.; Carbonera et al., 2020aCarbonera, R., Fernandes, S. B. V., Oliveira, F. G., Mello, J. B., Uhde, E. M., & Rigo, D. S. (2020a). Diversidade de sistemas produtivos e sustentabilidade na agricultura. DRd - Desenvolvimento Regional em Debate, 10, 98-118. http://dx.doi.org/10.24302/drd.v10i0.2505.
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, 2020bCarbonera, R., Basso, N., Buratti, J. B. L., Kovalski, C. H., Scheer, M. R., & Oliveski, F. E. (2020b). Níveis de reprodução social e estratégias para a agricultura familiar. Redes, 25(Ed. Esp. 2), 2035-2059. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v25i0.14108.
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), além de elevada potencialidade para impulsionar o desenvolvimento regional (Silva Neto & Basso, 2005; Trennepohl, 2011Trennepohl, D. (2011). Avaliação de potencialidades econômicas para o desenvolvimento regional. Ijuí: Unijuí.; Winckler & Molinari, 2015Winckler, N. C., & Molinari, G. T. (2015). Reflexões sobre a pecuária leiteira no oeste catarinense: impactos cooperativistas para o Desenvolvimento Regional. Redes, 20(3), 119-137.), que é favorecido pelas vantagens oferecidas pela proximidade que a concentração da atividade em dada região possibilita (Pieniz, 2016Pieniz, L. P. (2016). Concentração produtiva e custos de produção em explorações leiteiras no RS (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), a exemplo do caso estudado.

As políticas públicas tiveram papel central nas transformações históricas e na configuração atual do setor leiteiro no Brasil. A ação pública é apontada na literatura como fundamental para o futuro da atividade, especialmente para o destino de parte expressiva dos produtores, destacadamente os de caráter familiar e com menor escala de produção (Oliveira & Silva, 2013Oliveira, L. F. T., & Silva, S. P. (2013). Mudanças institucionais e produção familiar na cadeia produtiva do leite no oeste catarinense. RESR, 50(4), 705-720.; Borges et al., 2014Borges, M. S., Castro, M. C. D., Guedes, C. A. M., & Alimonda, H. A. (2014). Modernização, trabalho e produtividade na pequena produção leiteira na Argentina e no Brasil. Revista ADM. MADE, 18(1), 12-31.; Moura & Santos, 2017Moura, A., & Santos, C. (2017). Distribuição espacial e fontes de crescimento da pecuária leiteira paranaense.Revista de Política Agrícola, 2(26), 5-19. Recuperado em 19 de outubro de 2021, de https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/view/1268/1052
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; Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.; Fossá et al., 2022Fossá, J. L., Matte, A., & Mattei, L. F. (2022). A trajetória do Pronaf: análise das operações de crédito nos municípios brasileiros entre 2013 e 2020. Extensão Rural, 29, e1-e27.).

O cenário apresentado até aqui aponta para uma atividade produtiva majoritariamente realizada por agricultores familiares vinculados a uma cadeia produtiva cada vez mais homogênea e com menor número de empresas na atividade. Diante da complexidade desse cenário, entender como os produtores tem reagido e interagido com essas mudanças é essencial, uma vez que permite auxiliar no fomento da atividade, bem como entender os fatores que impulsionam as diferentes trajetórias das famílias em relação à produção leiteira.

3 Metodologia

Os trabalhos acadêmicos sobre o rural tendem a pautar a análise teórica e empírica dos fatos (econômicos, históricos, sociais e culturais) com base na coleta de dados da realidade em um determinado ponto no tempo, constituindo “fotografias da realidade”, visto que são captadas em apenas um momento. Por sua vez, os estudos longitudinais, em que os dados da mesma amostra são coletados repetidamente durante certo intervalo de tempo, são adequados para identificar trajetórias e estabelecer relações causa e efeito, especialmente quando aplicados a análises das transformações produtivas, de políticas públicas e da mobilidade social.

Para a compreensão mais adequada das transformações rurais, parte-se do entendimento de que as sequências de fotografias são mais adequadas para captar e explicar as mudanças ao longo do tempo. Para tanto, nesse trabalho foi estabelecida uma amostra fixa e representativa da população estudada, sendo repetida a observação de campo com a mesma amostra num intervalo de 15 anos, configurando um estudo longitudinal.

Os estudos longitudinais são baseados na observação diacrônica dos fenômenos, utilizando dados gerados em, ao menos, dois momentos. Ploeg (2008Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS., 2018aPloeg, J. D. V. D. (2018a). Differentiation: old controversies, new insights. The Journal of Peasant Studies, 45(3), 489-524. http://dx.doi.org/10.1080/03066150.2017.1337748
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) tem destacado a importância da realização desse tipo de estudo, pois eles permitem a análise dos percursos históricos das famílias por meio do reconhecimento das mudanças ocorridas ao longo do tempo, nas diversas dimensões da vida dos agricultores, das quais se pode derivar elementos convergentes e divergentes em suas distintas trajetórias. Isso permite identificar os resultados, em termos da diferenciação das famílias e também as tendências de desenvolvimento rural.

A pesquisa foi realizada com base no método comparativo (Marconi & Lakatos, 2010Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2010). Metodologia científica. São Paulo: Atlas.) e é classificada: quanto à abordagem, como qualitativa; quanto aos objetivos, como explicativa; e quanto aos procedimentos, como estudo de caso (Silveira & Córdova, 2009Silveira, D. T., & Córdova, F. P. (2009). A pesquisa científica. In T. E. Gerhardt & D. T. Silveira. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS.). O trabalho utiliza as famílias agricultoras como unidade de análise e busca destacar as transformações históricas através da análise longitudinal de dados comparados em painel.

Além de revisão de literatura, foram coletados dados primários junto ao mesmo grupo de agricultores, tendo um intervalo de tempo de quinze anos entre a primeira e a segunda coleta. A pesquisa de campo foi realizada no município de Salvador das Missões (RS), e os dados foram coletados em dois momentos: nos anos de 2003 e 2018, os quais se referem, respectivamente, aos anos agrícolas imediatamente anteriores.

A amostra foi do tipo sistemática por comunidade, sendo composta por 10% do número dos estabelecimentos rurais da agricultura familiar do município. Isso resultou, no primeiro momento da pesquisa (2003)1 1 Em 2003, a pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e executada em parceria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O acesso ao banco de dados daquele ano Missões possibilitou o desenvolvimento do presente trabalho que, em 2018, foi realizado em parceria entre a UFRGS e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS – Cerro Largo). , em 58 famílias pesquisadas, que foram escolhidas por meio de sorteio. No segundo momento do estudo (2018), todas as mesmas famílias foram localizadas e participaram novamente da pesquisa.

Para a obtenção das informações junto aos agricultores, utilizou-se questionário estruturado, em que se mantiveram os mesmos procedimentos e critérios no levantamento das informações nos dois momentos da pesquisa, considerando-se as seguintes dimensões: características das famílias, recursos disponíveis, configuração dos sistemas produtivos, custos e valor da produção agropecuária, formação da renda, participação social e acesso a políticas públicas. No presente artigo serão exploradas as variáveis relacionadas à produção de leite, o que representa, portanto, um recorte no banco de dados.

Os procedimentos para a coleta de dados foram padronizados segundo manual elaborado especificamente para orientar o trabalho de campo. Nos dois momentos do estudo, utilizou-se o mesmo questionário padrão, cabendo ressaltar que, no segundo ano da coleta de dados, o questionário foi reaplicado, contendo as questões originais, mas também novas questões, as quais foram incorporadas para o levantamento das informações de campo.

Após digitalização, os dados levantados foram analisados por meio da comparação de painéis (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas.), utilizando sobretudo estatísticas descritivas. As variáveis econômicas foram calculadas conforme os procedimentos recomendados por Lima et al. (1995), eLima, A. J. P., Basso, N., Neumann, P. S., Santos, A. C., & Müller, A. G. (1995). Administração da Unidade de Produção Familiar: modalidades de trabalho com agricultores (175 p.). Ijuí: Editora UNIJUÍ. todos os valores monetários referentes ao ano de 2002 foram atualizados para 2017, utilizando-se para tal o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). As variáveis específicas que são analisadas neste trabalho são detalhadas ao longo do artigo.

Com o propósito de entender as mudanças de trajetória ao longo do tempo, os dados foram analisados a fim de estabelecer clusters produtivos. Essa classificação seguiu as orientações de Fávero et al. (2009)Fávero, L. P., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro: Campus Elsevier., de modo a agrupar sujeitos ou variáveis em grupos homogêneos por meio do método hierárquico K-médias, aos moldes do que Santos et al. (2015)Santos, T., Cunha, M. F., & Elias, C. O. (2015). Aplicação da análise de clusters em empresas do agronegócio: um estudo de caso na pecuária leiteira. Revista de Administração da UEG, 6(3), 28-37. realizaram.

4 Resultados e discussão

A fim de facilitar a compreensão dos resultados e das análises do estudo, esta seção está subdividida de modo a apresentar, em um primeiro momento, mudanças em caraterísticas familiares, seguidas de aspectos relacionados aos sistemas produtivos e ao destino da produção, e, por fim, a interferência de políticas públicas e as reconfigurações dos rendimentos.

4.1 Alterações no perfil das famílias e na alocação do trabalho

Das 58 famílias pesquisadas, seis não produziam leite em 2002. Entre as famílias que produziam leite (Tabela 1), a maioria realizava a produção comercial, sendo que outras oito famílias produziam e não vendiam leite, ou seja, destinavam a produção exclusivamente para o consumo familiar. No segundo momento da pesquisa, esse panorama sofre expressiva modificação, visto que decresce o número de famílias com produção comercial, bem como o número de famílias que produziam exclusivamente para o autoconsumo. Por outro lado, observou-se expressivo crescimento no número de famílias que deixaram de produzir leite, que passa a representar metade dos casos em 2017 (Tabela 1).

Tabela 1
Número de famílias segundo categorias de produção de leite, Salvador das Missões - 2002 e 2017

A descontinuidade da produção de leite, que marca a trajetória de expressivo número de famílias, confirma o registrado nos dados censitários e as hipóteses recorrentemente apontadas em estudos anteriores, que sinalizavam a possibilidade de exclusão de muitas famílias da atividade leiteira diante da pressão por intensificação por parte do mercado (Oliveira & Silva, 2013Oliveira, L. F. T., & Silva, S. P. (2013). Mudanças institucionais e produção familiar na cadeia produtiva do leite no oeste catarinense. RESR, 50(4), 705-720.; Borges et al., 2014Borges, M. S., Castro, M. C. D., Guedes, C. A. M., & Alimonda, H. A. (2014). Modernização, trabalho e produtividade na pequena produção leiteira na Argentina e no Brasil. Revista ADM. MADE, 18(1), 12-31.; Leite et al., 2015Leite, J. L. B., Stock, L. A., Siqueira, K. B., & Zoccal, R. (2015). Dinâmica da pecuária leiteira no Brasil: evolução de características das propriedades. Panorama do Leite, 7(82), 12-15.; Carbonera et al., 2020bCarbonera, R., Basso, N., Buratti, J. B. L., Kovalski, C. H., Scheer, M. R., & Oliveski, F. E. (2020b). Níveis de reprodução social e estratégias para a agricultura familiar. Redes, 25(Ed. Esp. 2), 2035-2059. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v25i0.14108.
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). Com os agricultores familiares pesquisados, entre os dois momentos da pesquisa, o índice de abandono da atividade leiteira foi de 44,23%, valor bastante similar ao da redução relativa no número de estabelecimentos do município de Salvador das Missões que abandonaram a atividade leiteira entre os Censos Agropecuários de 2006 e 2017, que foi de 44,02%. Esses valores são inferiores ao estimado por Silva Neto & Basso (2005), que apontavam a possibilidade de exclusão de mais de dois terços dos produtores dessa atividade no curto prazo. Todavia, os dados de campo confirmam a hipótese dos autores de intenso processo de exclusão produtiva. Todos os agricultores que deixaram de produzir leite possuíam, em 2002, rebanhos com menos de 30 vacas, corroborando a tendência, apontada por Leite et al. (2015)Leite, J. L. B., Stock, L. A., Siqueira, K. B., & Zoccal, R. (2015). Dinâmica da pecuária leiteira no Brasil: evolução de características das propriedades. Panorama do Leite, 7(82), 12-15., de exclusão mais intensa entre os produtores com os menores rebanhos.

A disponibilidade da força de trabalho é um dos fatores condicionantes da continuidade dos produtores na atividade leiteira (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.; Machado, 2021Machado, J. T. M. (2021). Mudanças socioprodutivas, vulnerabilidades e intitulamentos na pecuária leiteira do Rio Grande do Sul (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).Entre os casos estudados, observou-se que é entre as famílias com maior número de membros e mais jovens que a produção de leite foi mantida (Tabela 2). Entre as famílias que produzem leite (para ambas as finalidades), a disponibilidade familiar de mão de obra manteve-se maior (variou de 2,84 para 2,90 UTHs2 2 Unidade de Trabalho Humana (UTH) equivale a 300 dias de trabalho humano de oito horas e é utilizada para dimensionar a disponibilidade de mão de obra de cada família. Ela é calculada considerando-se a idade e o tempo dedicado às atividades produtivas. Quanto à idade, considerou-se: 1,0 UTH (pessoas de 18 a 59 anos); 0,75 UTH (pessoas de 14 a 17 anos, ou mais de 60 anos); 0,5 UTH (pessoas de 7 a 13 anos); em caso de um membro da família estudar durante um turno, contabilizou-se somente 50% desses valores. /família) que entre as famílias que descontinuaram sua produção. Entre estas, a disponibilidade de mão de obra familiar variou de 3,99 para 1,40 UTHs. Isso evidencia que a manutenção da atividade leiteira, tanto para a venda como para o autoconsumo, está diretamente associada à disponibilidade familiar de força de trabalho, sendo este um dos fatores explicativos das distintas trajetórias familiares no que tange à continuidade ou descontinuidade da atividade entre as famílias pesquisadas. Observou-se que entre as famílias maiores e mais jovens, que dispõem de maior volume de trabalho familiar, é maior a tendência de continuidade na atividade leiteira.

Tabela 2
Características das famílias pesquisadas - Salvador das Missões, 2002 e 2017

Estudos relacionados à mão de obra na atividade leiteira dedicam-se mais a analisar a rentabilidade quando esta é contratada ou familiar (Lopes et al., 2007Lopes, M. A., Lima, A. L. R., Carvalho, F. M., Reis, R. P., Santos, I. C., & Saraiva, F. H. (2007). Efeito do tipo de mão-de-obra nos resultados econômicos de sistemas de produção de leite na região de Lavras (MG): um estudo multicascos. Revista Ceres, 54(312), 172-181.; Cittadin et al., 2021Cittadin, A., Monteiro, J. J., & Studsinski, T. M. (2021). Gestão de custos na produção de leite em uma propriedade de agricultura familiar. In Anais do Congresso Brasileiro de Custos - ABC. Recuperado em 19 de outubro de 2021, de https://anaiscbc.abcustos.org.br/anais/article/view/4883
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) do que a avaliar se a modalidade da mão de obra interfere na continuidade da atividade, evidenciando a necessidade de estudos que testem essa hipótese.

Outra estratégia ativamente acionada pelos agricultores familiares tem sido a pluriatividade (Kageyama, 1999Kageyama, A. (1999). Pluriatividade na agricultura Paulista. Revista da Sober, 37(1), 35-56.). Esse fenômeno é conceituado por Schneider (2003)Schneider, S. (2003). Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 99-121. como uma estratégia de reprodução social dos agricultores. A diversidade de atividades produtivas e econômicas, agrícolas e não agrícolas, está presente no portfólio de ações das famílias, as quais não ficam restritas apenas às atividades internas, mas contemplam também atividades fora da propriedade. Henig (2019)Henig, E. V. (2019). Reflexões sobre o trabalho e a pluriatividade na agricultura familiar. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, 5(9), 129-148. complementa que esse fenômeno amplia a diversidade de atividades produtivas em que é dedicada a mão de obra e o trabalho, representando importante condição para a produção da população rural. Em estudo com produtores de leite no Paraná, Villwock (2015)Villwock, A. P. S. (2015). As estratégias de renda dos agricultores familiares de Itapejara D’Oste nos anos 2005 e 2010 (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco. aponta que a pluriatividade e a diversidade de atividades e de rendas proporcionam melhores condições para a reprodução social dessas famílias. De modo diverso, como se demonstrará mais adiante, entre as famílias pesquisadas, a opção por intensificar as atividades não agrícolas foi acompanhada por um distanciamento da atividade leiteira, que demanda intensa disponibilidade de mão de obra.

Nos casos estudados observou-se a tendência de que, quanto maior o nível de investimento de mão de obra familiar em atividades não agrícolas, maior a possibilidade dessa família descontinuar a produção de leite. Como se observa na Tabela 3, a proporção de trabalho familiar alocado em atividades não agrícolas, nos dois momentos da pesquisa, é crescente entre as categorias de agricultores. No mesmo ano ocorre crescimento nesse sentido nas categorias na seguinte ordem: produtores comerciais; para autoconsumo; sem produção de leite. No segundo ano do estudo, as famílias que não produziam leite alocavam o triplo do volume de trabalho familiar em atividades não agrícolas em relação às famílias que produziam leite para venda e autoconsumo. Aqui reside outro fator explicativo das distintas trajetórias familiares em relação à produção de leite: o avanço das famílias no uso de estratégias pluriativas, tendencialmente, as distancia da continuidade da produção leiteira.

Tabela 3
Alocação de trabalho em atividades não agrícolas entre as famílias pesquisadas - Salvador das Missões, 2002 e 2017

4.2 Transformações nos sistemas produtivos e o destino da produção

O volume de leite produzido pelo conjunto das famílias pesquisadas não acompanha a queda no número de famílias produtoras, pois apresentou expressivo crescimento, praticamente dobrando ao longo dos 15 anos do estudo (Tabela 4). Como o número total de vacas de todas as famílias pesquisadas teve aumento menos intenso - passou de 567 para 620 -, não resta outra explicação para o significativo crescimento do volume total de leite produzido que não o aumento da produtividade dos animais.

Tabela 4
Características da produção de leite em Salvador das Missões - 2002 e 2017

Quando se observa a distribuição do número médio de vacas entre as famílias que produzem leite nos dois momentos, percebe-se outra mudança de grande envergadura, pois ocorre uma reconfiguração dos rebanhos, com aumento do tamanho médio dos plantéis, que dobra ao longo do período.

Conforme Alves & Rocha (2010)Alves, E., & Rocha, D. P. (2010). Ganhar tempo é possível. In J. Gasques, J. E. R. Vieira Filho & Z. Navarro. A agricultura brasileira: desempenho recente, desafios e perspectivas (pp. 275-291). Brasília: IPEA/MAPA. e Guanziroli et al. (2012)Guanziroli, C. H., Buainain, A. M., & Di Sabbato, A. (2012). Dez anos de evolução da agricultura familiar no Brasil: (1996 e 2006). Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(2), 351-370., existe expressiva diferenciação entre os agricultores brasileiros em relação a outros países no que tange ao valor bruto da produção agropecuária e à capacidade de geração de renda, destacando-se forte processo de concentração dos maiores valores em reduzido grupo de produtores. De modo específico, essa tendência também é apontada no caso da atividade leiteira, já que 82% da produção nacional de leite era gerada por apenas 200 mil produtores (Vilela et al., 2017Vilela, D., Resende, J. C., Leite, J. B., & Alves, E. (2017). A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, 26(1), 5-24.). Entre os casos estudados, observou-se que as dez famílias com maior volume de leite produzido em 2002 respondiam por 51,04% do volume total, cifra que sobe para 73,27% em 2017. As observações de campo corroboram a tendência de concentração da produção apontada pela literatura, destacando-se o paralelismo entre os processos de concentração e exclusão de muitas famílias dessa atividade produtiva.

Conforme Ploeg (2008Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS., 2018bPloeg, J. D. V. D. (2018b). The new peasantries: rural development in times of globalization. Abingdon: Routledge.), uma das tendências dos processos contemporâneos de desenvolvimento rural é a crescente industrialização da produção agrícola, especialmente impulsionada pelas formas empresariais e capitalista de agricultura, que avançam nos espaços rurais, com crescente controle dos impérios alimentares. Todavia, no recorte da pesquisa, ainda que tenha aumentando a quantidade média de UTHs contratadas entre os produtores comerciais de leite (passou de 0,09 para 0,16 UTHs/família/ano), quando se considera a variável força de trabalho, entende-se que não se pode falar da mudança de caráter dessas famílias, no sentido de metamorfosearem-se de produtores familiares para produtores tipicamente capitalistas, pois a força de trabalho utilizada pelas famílias pesquisadas seguiu sendo predominantemente da própria família.

A perspectiva de agricultura ordenada pelos impérios alimentares é baseada, entre outros aspectos, na intensificação do uso de capital, na especialização produtiva e nos ganhos de escala, residindo aí outras variáveis explicativas da diferenciação das trajetórias familiares. Entre os produtores comerciais de leite, avançaram consideravelmente tanto o volume de capital mobilizado3 3 O capital foi calculado considerando-se o valor atual das máquinas, equipamentos, instalações e benfeitorias de cada família, conforme procedimentos descritos por Lima et al. (1995). como a escala de produção. Porém, entre aqueles que produzem leite apenas para o autoconsumo, a tendência é inversa (Tabela 5). Além disso, a crescente externalização do processo de produção, medida pelo consumo intermediário4 4 O consumo intermediário representa todos os gastos necessários para a realização de um ciclo produtivo e que são consumidos integralmente nesse mesmo ciclo, envolvendo, especialmente, insumos, pagamento de serviços temporários, despesas com manutenção de máquinas e instalações, etc. São exemplos: o combustível utilizado para o plantio de uma cultura, os gastos com aquisição de rações e medicamentos. O consumo intermediário é medido em reais (R$). , apresentou tendência inversa entre os distintos tipos de produtores. Como se observa na referida tabela, o aumento do consumo intermediário revela a crescente dependência dos produtores comerciais em relação aos mercados, sendo que estes passaram a desenvolver formas mais empresariais de agricultura. Em sentido inverso, os casos que produzem leite para o autoconsumo apresentam tendência de maior autonomia em relação ao mercado de insumos e de venda, o que aproxima a configuração da atividade produtiva leiteira desenvolvida por essas famílias às formas camponesas de agricultura (Ploeg, 2008Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS., 2018bPloeg, J. D. V. D. (2018b). The new peasantries: rural development in times of globalization. Abingdon: Routledge.), em que os agricultores possuem maior autonomia em relação aos mercados.

Tabela 5
Características dos sistemas produtivos das famílias pesquisadas, Salvador das Missões - 2002 e 2017

A produção para autoconsumo é definida por Grisa & Schneider (2008)Grisa, C., & Schneider, S. (2008). Plantar pro gasto: a importância do auto consumo entre famílias de agricultores do Rio Grande do Sul. RESR, 46(2), 481-515. como a parcela da totalidade da produção agrícola familiar que é destinada para o consumo da própria família, podendo ser constituída por produtos de origem animal ou vegetal, que podem ser consumidos in natura, ou processados. Nessa dimensão, observou-se outra modificação importante na dinâmica familiar relacionada à produção leiteira, pois ocorreu redução da quantidade média de leite destinada ao consumo familiar, que passou de 1.487 para 684 litros por ano por família. Isso demonstra que, além de ocorrer a redução no número de famílias que produziam leite para autoconsumo, também ocorreu redução do volume médio de leite que é produzido e consumido pelas próprias famílias. Com isso, configura-se uma tendência de elevação da proporção de leite que é vendida em relação à quantidade total produzida, pois os valores passaram de 94,09% para 98,80%, revelando a tendência de crescente destinação do leite produzido para a venda, majoritariamente destinado para grandes empresas agroindustriais privadas, ou para cooperativas.

A importância das agroindústrias para o desenvolvimento rural tem sido apontada como relevante estratégia, especialmente entre agricultores familiares (Gazolla, 2017Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas agroalimentares na agroindústria familiar: dinâmicas e atores sociais envolvidos. In M. Gazolla & S. Schneider (Orgs.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Ed. UFRGS.). A agroindustrialização da produção é importante por garantir ocupações, possibilitar agregação de valor e gerar renda, ao mesmo tempo em que amplia os laços relacionais com os consumidores, especialmente quando os alimentos são canalizados através de cadeias curtas, o que qualifica a relação com os consumidores e potencializa sua fidelização (Bastian et al., 2014Bastian, L., Waquil, P. D., Amin, M. C., & Gazolla, M. (2014). Agroindústrias rurais familiares e não-familiares: uma análise comparativa. Redes (Bernal), 19(3), 51-73.; Matte et al., 2016Matte, A., Neske, M. Z., Borba, M. F. S., Waquil, P. D., & Schneider, S. (2016). Mercado de cadeias curtas na pecuária familiar: um processo de relocalização no território Alto Camaquã no Sul do Rio Grande do Sul/Brasil. Redes (Bernal), 21, 137-158.; Gazolla, 2017Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas agroalimentares na agroindústria familiar: dinâmicas e atores sociais envolvidos. In M. Gazolla & S. Schneider (Orgs.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Ed. UFRGS.; Silva & Gazolla, 2021Silva, A., & Gazolla, M. (2021). Agroindústrias rurais e o desenvolvimento regional: uma análise comparativa entre os estados da Região Sul do Brasil. Colóquio, 18(4), 231-255.).

Constatou-se que a estratégia de agroindustrialização do leite pelas próprias famílias, especificamente por meio da produção de queijos, teve sua intensidade reduzida. Como se observa na Tabela 6, ocorreu diminuição do número de famílias que produzem queijo e também da quantidade produzida, destacando-se que essa redução foi mais acentuada entre as famílias que produziam leite para venda. As famílias que produziam leite exclusivamente para autoconsumo foram responsáveis pela produção de 90,09% da quantidade total de queijos em 2017, ante 43,26% em 2002, revelando que a intensificação da produção comercial de leite foi acompanhada pela desativação (menos famílias produzindo) e desintensificação (redução da quantidade produzida) da agroindustrialização de leite.

Tabela 6
Características da agroindustrialização de leite das famílias pesquisadas, Salvador das Missões - 2002 e 2017

Ainda em relação aos sistemas produtivos, cabe destacar que não foram observados: a) processos de transição agroecológica nessa atividade, ou mesmo intensificação do uso de tecnologias na perspectiva da produção orgânica de leite (Capellesso & Cazella, 2015Capellesso, A. J., & Cazella, A. A. (2015). Entre a especialização produtiva e a agroecologia: estratégias de reprodução social de agricultores familiares da Região Extremo Oeste Catarinense. Sustentabilidade em Debate, 6(2), 33-50.; Balem & Machado, 2019Balem, T. A., & Machado, R. L. (2019). Sistemas de produção de leite de base ecológica: a construção das variáveis a partir de uma experiência de extensão rural em Santa Maria - RS. Revista Brasileira de Agroecologia, 14(1), 16-30.; Balem et al., 2020Balem, T. A., Bastos, T. H., & Machado, R. L. (2020). Sistema de produção de leite de base ecológica: uma alternativa ao esgotamento dos sistemas convencionais. Cadernos de Agroecologia, 15(2), 1-5.; Gazolla & Lovatel, 2020Gazolla, M., & Lovatel, M. (2020). Novidades construídas no Sistema de Produção do Leite Orgânico na Região Extremo Oeste de Santa Catarina. REDES, 25(3), 1422-1446.); b) tampouco a perspectiva da constituição de sistemas agroalimentares localizados (Ceolin, Silva & Ambrosini, 2020Ceolin, L., Silva, L., & Ambrosini, L. (2020). Queijo artesanal serrano nos Campos de Cima da Serra (RS): análise da dimensão institucional de um sistema agroalimentar localizado. Extensão Rural, 27(1), 81-99. http://dx.doi.org/10.5902/2318179640117.
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; Ambrosini et al., 2020Ambrosini, L. B., Kroeff, D. R., Matte, A., Cruz, F. T., & Waquil, P. D. (2020). Sabor, história e economia local: percepções dos consumidores gaúchos sobre o Queijo Colonial. Pesquisa Agropecuária Gaúcha, 26, 201-221.); nem, por fim, c) avanços na produção leiteira com uso de estratégias de agregação de valor utilizando mecanismos de indicação geográfica (Niederle, 2013Niederle, P. A. (2013). Indicações geográficas e processos de qualificação nos mercados agroalimentares. In P. A. Niederle (Org.), Indicações geográficas: qualidade e origem nos mercados alimentares (pp. 23-53). Porto Alegre, Ed. UFRGS.). Em sentido inverso, observou-se ampla integração dos produtores de leite que se mantiveram na atividade comercial às cadeias nacionais e globais de valor, com avanço nas formas empresariais de agricultura, conforme tendência apontada por Ploeg (2008)Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS..

4.3 Políticas públicas e reconfiguração dos rendimentos

Observou-se que as políticas públicas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e crédito rural foram as que mais alcançaram o grupo estudado. O crédito rural, destacadamente através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), beneficiou 37 famílias no primeiro ano do estudo, e 18 famílias no segundo. Em 2017 nenhuma família com produção de leite exclusivamente para autoconsumo acessou crédito rural, e 76,77% do valor financiado foi captado pelas famílias que desenvolviam produção comercial de leite. Portanto, a concentração do financiamento público da agricultura é outra variável explicativa das diferentes trajetórias familiares. Entre as famílias pesquisadas, observou-se a tendência apontada por Conterato & Bráz (2019)Conterato, M. A., & Bráz, C. A. (2019). O processo de especialização produtiva dos agricultores familiares da Zona Sul do Rio Grande do Sul através do Pronaf-custeio. Redes (Bernal), 24(3), 12-34., de que o crédito público contribuiu para o fortalecimento das desigualdades da agricultura local. Por um lado, a concessão de valores crescentes de crédito agrícola a número decrescente de famílias ao longo do tempo favorece a incorporação tecnológica e os ganhos de produtividade desse seleto grupo. Por outro lado, isso amplia sua vulnerabilidade, em função da redução da diversidade produtiva e da dependência das cadeias globais de valor, decorrentes da especialização produtiva.

Os serviços de ATER foram disponibilizados especialmente pela EMATER/RS e por empresas privadas. A primeira beneficiou 67,31% das famílias no primeiro ano pesquisado e reduziu para 17,31% no segundo. No segundo ano da pesquisa, entre os produtores de leite comercial, 81,82% receberam algum tipo de ATER, e a EMATER assistiu 40,91% deles. Nesse mesmo ano, a EMATER não assistiu nenhuma família que descontinuou a produção de leite, mas um terço dessas famílias contaram com ATER de origem privada. Assim, o acesso aos serviços de ATER está associado a maior ou menor continuidade na atividade leiteira, sendo uma das variáveis explicativas das trajetórias familiares.

O Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) teve cobertura menos abrangente, contemplando ao todo 11 famílias no segundo momento da pesquisa, sendo nove delas do grupo que manteve a produção comercial de leite. Outras políticas públicas alcançaram número menos expressivo de famílias, não sendo identificada uma relação com as trajetórias familiares. Os programas de compras institucionais de alimentos da agricultura familiar, especificamente o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e as compras através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), alcançaram, em conjunto, quatro famílias, mas de modo descontínuo e por curto período de tempo, enquanto o Banco da Terra beneficiou tão somente duas famílias.

Quanto à configuração das rendas familiares, pode-se destacar a elevação da importância relativa da renda de aposentadoria entre as famílias que interromperam a produção de leite (Tabela 7). Ela decorre do aumento da idade média dessas famílias (como visto na Tabela 2) e a consequente elevação dos ganhos familiares com aposentadoria rural, sendo este outro elemento explicativo da diferenciação das trajetórias, que decorre fortemente da ausência de sucessores. A literatura tem destacado a importância dos recursos da previdência rural para a renda das famílias agricultoras (Delgado, 2015Delgado, G. (2015). Previdência social e desenvolvimento rural. In C. Grisa & S. Schneider (Orgs.), Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS.), além de sua relevância entre famílias que não dispõem de sucessores (Spanevello et al., 2017Spanevello, R., Matte, A., Andreatta, T., & Lago, A. (2017). A problemática do envelhecimento no meio rural sob a ótica dos agricultores familiares sem sucessores. Desenvolvimento em Questão, 15(40), 348-372.; Boscardin & Spanevello, 2019Boscardin, M., & Spanevello, R. M. (2019). A importância da aposentadoria rural para agricultores familiares sem sucessores no norte do Rio Grande do Sul: o caso do município de Frederico Westphalen. Estudo & Debate, 26(2), 35-51.). Nos casos estudados, entre as famílias que deixaram de realizar a produção de leite, os recursos auferidos com aposentadoria e atividades agrícolas funcionam como uma contratendência à redução dos recursos auferidos com atividades não agrícolas.

Tabela 7
Participação relativa das principais fontes da renda total das famílias pesquisadas - Salvador das Missões, 2002 e 2017

O aumento da importância relativa da renda agrícola entre as famílias que descontinuam a atividade leiteira requer um olhar mais atento. Isso se explica pela substituição da produção de leite pela produção de soja por uma parte dessas famílias, pois a sojicultura demanda menos mão de obra em função da elevada mecanização da atividade. Entre as famílias que deixaram de produzir leite, a área total cultivada com soja saltou de nove para pouco mais de 200 hectares. Além disso, entre essas famílias também aumentou o arrendamento de terras para terceiros, o que é viabilizado pela produção mecanizada de grãos. Essa saída da pecuária para a produção de soja também é apontada por Matte & Waquil (2020)Matte, A., & Waquil, P. D. (2020). Productive changes in Brazilian Pampa: impacts, vulnerabilities and coping strategies. Natural Hazards, 101, 469-488., que ilustram os conflitos por trás dessa mudança e as implicações ambientais da saída da pecuária.

Entre as famílias que interromperam a produção de leite, observou-se a diversificação das fontes de renda, que reduziu a elevada dependência de renda não agrícola do primeiro ano do estudo por meio da elevação das rendas agrícola e de aposentadoria (Tabela 7). Portanto, a substituição da produção de leite por soja, bem como o ciclo demográfico familiar, como demonstrado por Thies (2021)Thies, V. F. (2021). Transformações demográficas e nas estratégias de trabalho: uma abordagem longitudinal da agricultura familiar em Salvador das Missões - Rio Grande do Sul. Redes (Bernal), 26, 1-19. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v26i0.16819
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, também se constituem como elementos determinantes nas trajetórias que conduziram certas famílias ao abandono da atividade leiteira. Além disso, não se pode desconsiderar o papel das dinâmicas internas de gestão dos recursos produtivos de cada família como elemento explicativo do processo de descontinuidade da produção leiteira, como já demonstrado por Pieniz (2016)Pieniz, L. P. (2016). Concentração produtiva e custos de produção em explorações leiteiras no RS (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre..

Entre as trajetórias familiares que se dedicam à produção de leite exclusivamente para autoconsumo, também ocorre diversificação das fontes de renda. Como se observa na Tabela 7, ocorre redução da importância da renda agrícola e da renda não agrícola e aumento da contribuição da renda de aposentadoria. Para Villwock (2015), aVillwock, A. P. S. (2015). As estratégias de renda dos agricultores familiares de Itapejara D’Oste nos anos 2005 e 2010 (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco. diversificação de renda é uma forma dos agricultores evitarem riscos de mercado e de clima, na medida em que diversificam as fontes de renda que compõem a renda total da família. Essa diversificação das fontes de renda não foi observada entre as famílias com produção de leite para a venda, nas quais a renda agrícola amplia sua importância como fonte predominante nos dois momentos pesquisados, como se observa na referida tabela. Como visto (vide Tabela 2), trata-se de famílias mais jovens e com maior número de integrantes, que mantêm forte viés agrícola em suas atividades e que centram suas estratégias de reprodução social na atividade agrícola, combinando produção leiteira especialmente com a de soja e milho, mas também, em menor frequência, com a produção integrada de suínos.

Quando se avalia o valor total da produção agrícola das famílias pesquisadas, percebe-se que, entre os produtores comerciais de leite, ocorre expressivo aumento do Produto Bruto (PB)5 5 O Produto Bruto (PB) representa a produção gerada no sistema (para venda e autoconsumo) durante um ano agrícola, obtida pela conversão da produção agropecuária vegetal, animal e da transformação caseira em valores monetários. O cálculo para a sua obtenção é feito através da multiplicação das quantidades produzidas por seus preços unitários de venda e se expressa em reais (R$). médio familiar e, apesar da combinação da atividade leiteira com a produção de suínos e grãos, ocorre crescimento da participação relativa da produção de leite no valor da produção total (Tabela 8). Isso significa que essas famílias intensificaram fortemente as atividades agrícolas, especialmente a produção de leite, que teve sua participação no valor total da produção agrícola aumentada de, aproximadamente, um terço para quase dois terços no período.

Tabela 8
Participação relativa do leite no valor da produção total e renda per capita mensal das famílias pesquisadas - Salvador das Missões, 2002 e 2017

Entre os produtores comerciais de leite, a taxa de crescimento da renda per capita foi a mais elevada, tendo triplicado entre 2002 e 2017, o que mostra que a produção comercial de leite incide positivamente nos níveis de renda dos agricultores familiares. Semelhante intensidade no aumento da renda per capita foi observada entre as famílias que não produzem leite. Tal aumento foi impulsionado sobretudo pelo incremento na produção de soja e pela renda de aposentadoria. Assim, este foi um período bastante favorável ao aumento dos rendimentos do conjunto dos agricultores familiares, pois, entre os produtores de leite para o autoconsumo, a renda per capita também aumentou, todavia de modo menos intenso, tendo dobrado no período considerado.

Na mesma direção, Villwock (2015)Villwock, A. P. S. (2015). As estratégias de renda dos agricultores familiares de Itapejara D’Oste nos anos 2005 e 2010 (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco. demonstra que, entre produtores de leite no Paraná, o binômio leite e grãos apresenta maiores índices de rendimento econômico entre os produtores estudados, proporcionados pela maior disponibilidade de mão de obra e área de terra. Entre as famílias de Salvador das Missões que participaram da pesquisa, observou-se o mesmo fenômeno em relação a mão de obra, como visto anteriormente e também em relação à disponibilidade de terra. A Superfície Agrícola Útil (SAU) média, nos dois momentos da pesquisa, foi superior entre as famílias que mantiveram a produção comercial de leite, tendo variado de 17,35 ha para 27,31 ha, enquanto que, entre os produtores de leite para autoconsumo, a SAU variou de 16,58 ha para 8,94 ha.

4.4 Trajetórias familiares relacionadas à produção de leite entre os anos de 2002 e 2017

Foram identificadas as diferentes trajetórias relacionadas à produção de leite no período de 15 anos (Tabela 9). A compreensão das transformações identificadas no período ocorre a partir da análise global dos elementos descritivos captados em dois períodos distintos, com uma amostra representativa da população local que, como visto, teve acesso diferenciado às políticas públicas destinadas ao fortalecimento da agricultura familiar, com distintos efeitos sobre as trajetórias. Conforme já mencionado, essa diferenciação no acesso às políticas públicas é um dos elementos que explica as distintas trajetórias.

Tabela 9
Trajetórias de movimentação entre categorias de produção de leite das Unidades de Produção (UP), no município de Salvador das Missões-RS, período de 2002 a 2017.

A observação longitudinal dos períodos (Tabela 9) permite apontar as trajetórias possíveis e verificar as tendências gerais. A categoria de produtores “comerciais” contava com 44 famílias no primeiro ano e apresentou redução de 45%. Comportamento similar teve a categoria “autoconsumo”, que apesar de receber quatro famílias da categoria “comercial”, teve redução de 25% no número de famílias. Nas distintas trajetórias identificadas, destaca-se a categoria de “não produtores”, que recebeu 18 famílias da categoria comercial, e cinco famílias da categoria autoconsumo, com incremento de 384%. Destaca-se que nenhuma das famílias que não produziam leite no primeiro ano da pesquisa passaram a produzir no segundo ano do estudo.

A observação dos dois pontos no tempo (2002 e 2017) permitiu descrever e comparar os períodos. A análise dos percursos históricos das famílias, por meio do reconhecimento das mudanças ocorridas, permitiu identificar os elementos de diferenciação das categorias estudadas que explicam as distintas trajetórias. As alterações no perfil das famílias e na alocação do trabalho apontam para falta de mão de obra, decorrente da redução do número de integrantes e do envelhecimento.

As transformações nos sistemas produtivos, com destacada intensificação de parte dos produtores comerciais, caracterizada pelo aumento no número de animais por UP comercial e da produtividade por animal, foram sustentadas por significativo incremento de capital. As políticas públicas de ATER e de crédito foram reduzidas e concentradas no público caracterizado pela produção comercial. O crédito rural aumenta conforme a disponibilidade de garantias, servindo como barreira para a mudança das categorias de autoconsumo e de não produtores, ao mesmo tempo em que promove a intensificação da produção dos produtores comerciais. O Estado apresenta maior relevância nas categorias de produtores não comerciais por meio da aposentadoria na composição da renda e, em menor grau, pelas compras públicas.

A análise dos percursos familiares em relação à produção de leite permitiu identificar, ao todo, sete trajetórias (Figura 1). As duas trajetórias mais importantes, em termos do número de famílias, são: a Trajetória 1 (T1), percorrida por produtores que no primeiro ano estavam na categoria “comercial” e que nela se mantiveram-se no segundo ano (37,93% da amostra); e a Trajetória 2 (T2), traçada por famílias que desativaram a produção de leite (30,03% da amostra) no segundo ano da pesquisa. Todas as demais trajetórias representam, aproximadamente, menos do que 10% das famílias pesquisadas. A terceira Trajetória 3 (T3) é composta pelos casos que migraram da produção comercial para a produção de autoconsumo (6,90% da amostra).

Figura 1
Diagrama de Sankey com a transição entre categorias na pecuária leiteira. Salvador das Missões-RS, período de 2002 a 2017. Fonte: Pesquisa AFDLP (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Universidade Federal de Pelotas - UFPel. (2003). Agricultura familiar, desenvolvimento local e pluriatividade no Rio Grande do Sul: a emergência de uma nova ruralidade - AFDLP. Relatório final. Porto Alegre: UFRGS/PGDR; Pelotas: UFPel/PPGA.) e pesquisa de campo 2018.

Cabe destacar que seriam necessários mais pontos de observação ao longo do tempo para identificar se as famílias da T2 teriam mantido a produção para autoconsumo durante algum período de tempo entre os momentos estudados, como uma etapa transitória, ou se deixaram abruptamente de produzir leite. Trata-se de questão a ser considerada em pesquisas futuras.

Da categoria autoconsumo, no primeiro ano do estudo, desdobraram-se três trajetórias. A Trajetória 4 (T4) é formada por 8,62% da amostra, sendo constituída pelas famílias que passaram do autoconsumo à desativação. A Trajetória 5 (T5) é formada por aqueles casos que se mantiveram na produção de leite exclusiva para o autoconsumo (3,45% da amostra). Por fim, a Trajetória 6 (T6) é formada por apenas uma família, que migrou da produção de autoconsumo para a produção comercial. Na categoria de famílias que não produziam leite no primeiro ano da pesquisa desdobrou-se apenas a Trajetória 7 (T7), pois todas essas famílias mantiveram-se nessa mesma categoria.

Por fim, a análise das trajetórias representadas no diagrama de Sankey (Figura 1) indica três tendências gerais: movimento de migração majoritária das famílias da produção comercial para as duas outras categorias; movimento fragmentário de famílias da categoria autoconsumo para a categoria de produtores comerciais; e inexistência do ingresso de famílias não produtoras de leite nessa atividade produtiva entre os anos pesquisados.

As duas trajetórias mais importantes, em termos do número de famílias envolvidas (T1 e T2) seguem percursos históricos que confluem com as tendências de desenvolvimento rural apontadas por Ploeg (2008Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS., 2018a)Ploeg, J. D. V. D. (2018a). Differentiation: old controversies, new insights. The Journal of Peasant Studies, 45(3), 489-524. http://dx.doi.org/10.1080/03066150.2017.1337748
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, especialmente através de trajetórias de maior subordinação dos camponeses aos impérios alimentares, de especialização e continuidade produtiva, mas também de desativação e exclusão. A T1 aglutina famílias que avançam no desenvolvimento de formas empresariais de agricultura, ampliando a especialização e escala produtiva, através da elevação do nível de capital mobilizado e de externalização do processo produtivo. Essas famílias são amplamente mercantilizadas e possuem reduzida margem de manobra frente às imposições dos impérios alimentares, mas se mantêm na atividade leiteira, com aumento da renda e do viés agrícola ao longo do tempo, ainda que com menores níveis de autonomia. Já na T2 estão as famílias que se desagrarizam com maior intensidade, ampliando a importância da renda de aposentadoria e do arrendamento de terras na composição da renda total, sobretudo em decorrência da ausência de sucessores. Na T2 também estão as famílias que mantêm o viés agrícola, mas descontinuam a atividade leiteira, priorizando a produção de grãos, o que explica a continuidade da importância da renda agrícola, enquanto o aumento da importância da renda não agrícola se explica pela maior centralidade que a pluriatividade ocupa nas estratégias de reprodução social dessas famílias.

5 Conclusões

O objetivo do trabalho foi identificar as principais tendências na bovinocultura leiteira entre agricultores familiares, discutindo as causas das diferentes trajetórias relacionadas à produção de leite entre os anos de 2002 e 2017 no Sul do Brasil. Foi vencido o desafio em reproduzir uma pesquisa com a mesma amostra de anos anteriores, o que representa inovação em termos tanto de abordagem empírica como de dificuldade de reencontrar as mesmas famílias em vista das reconfigurações que podem ter ocorrido nos núcleos familiares, envolvendo aspectos da dinâmica social, produtiva e cultural.

Os resultados permitem apontar a tendência histórica da especialização da pecuária leiteira, em que se destacam 1) o aumento da escala de produção, do tamanho médio dos rebanhos e da produtividade; 2) a elevação do volume de capital mobilizado na atividade; e 3) a ampliação da mercantilização da produção, com crescente dependência das famílias produtoras da lógica empresarial. Em paralelo a esse processo de especialização, observou-se a descontinuidade da atividade leiteira por parte expressiva das famílias pesquisadas, o que configura tendência de articulação entre os movimentos de exclusão de famílias da atividade e a crescente concentração da produção.

No quadro dessas tendências, duas trajetórias predominaram entre as famílias pesquisadas. A primeira é configurada por famílias que já eram produtoras comerciais e que investiram na atividade como estratégia central de sua reprodução social, destacando-se a intensificação da produção comercial de leite, com a ampliação dessa atividade na composição do produto bruto gerado por esses produtores que se especializam na bovinocultura leiteira. Tratam-se de famílias mais jovens e numerosas, que, com base nessa estratégia, triplicaram os rendimentos médios ao longo do período estudado e que, nos dois momentos do estudo, apresentaram os maiores níveis médios de renda per capita. Essas famílias apresentam ampla integração às cadeias nacionais e globais de valor, com ampliação da externalização e das formas empresariais de agricultura.

Outra trajetória é configurada por numeroso grupo de famílias que descontinuam integralmente a produção de leite. Tratam-se das famílias menores, com maior idade média dos seus integrantes e sem sucessores. Com menor disponibilidade de mão de obra, essas famílias promovem a substituição da produção leiteira pela produção mecanizada de grãos. Além disso, essas famílias possuem os maiores níveis de alocação de trabalho familiar em atividades não agrícolas e passam a ser mais dependentes da aposentadoria rural, contribuindo para a descontinuidade da produção de leite, uma vez que essas rendas substituem o valor mensal anteriormente obtido com a atividade leiteira. Tais mudanças possibilitam que esses casos também tripliquem o rendimento per capita ao longo do período estudado, ainda que, no segundo ano da pesquisa, a renda média dessas famílias seja inferior à renda média das famílias que produzem leite comercialmente.

A análise de trajetórias permitiu visualizar um conjunto de elementos propulsores de mudanças. Nossa pesquisa permitiu encontrar elementos que interferem sobre as mudanças, como também levantar novas questões para estudos relacionados à pecuária leiteira. Recomendamos, para estudos futuros, a adoção de estudos longitudinais como ferramenta para análise das mudanças nas dinâmicas rurais.

  • 1
    Em 2003, a pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e executada em parceria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O acesso ao banco de dados daquele ano Missões possibilitou o desenvolvimento do presente trabalho que, em 2018, foi realizado em parceria entre a UFRGS e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS – Cerro Largo).
  • 2
    Unidade de Trabalho Humana (UTH) equivale a 300 dias de trabalho humano de oito horas e é utilizada para dimensionar a disponibilidade de mão de obra de cada família. Ela é calculada considerando-se a idade e o tempo dedicado às atividades produtivas. Quanto à idade, considerou-se: 1,0 UTH (pessoas de 18 a 59 anos); 0,75 UTH (pessoas de 14 a 17 anos, ou mais de 60 anos); 0,5 UTH (pessoas de 7 a 13 anos); em caso de um membro da família estudar durante um turno, contabilizou-se somente 50% desses valores.
  • 3
    O capital foi calculado considerando-se o valor atual das máquinas, equipamentos, instalações e benfeitorias de cada família, conforme procedimentos descritos por Lima et al. (1995)Lima, A. J. P., Basso, N., Neumann, P. S., Santos, A. C., & Müller, A. G. (1995). Administração da Unidade de Produção Familiar: modalidades de trabalho com agricultores (175 p.). Ijuí: Editora UNIJUÍ..
  • 4
    O consumo intermediário representa todos os gastos necessários para a realização de um ciclo produtivo e que são consumidos integralmente nesse mesmo ciclo, envolvendo, especialmente, insumos, pagamento de serviços temporários, despesas com manutenção de máquinas e instalações, etc. São exemplos: o combustível utilizado para o plantio de uma cultura, os gastos com aquisição de rações e medicamentos. O consumo intermediário é medido em reais (R$).
  • 5
    O Produto Bruto (PB) representa a produção gerada no sistema (para venda e autoconsumo) durante um ano agrícola, obtida pela conversão da produção agropecuária vegetal, animal e da transformação caseira em valores monetários. O cálculo para a sua obtenção é feito através da multiplicação das quantidades produzidas por seus preços unitários de venda e se expressa em reais (R$).
  • Como citar: Thies, V. F., Schneider, E. P., & Matte, A. (2023). Trajetórias familiares na pecuária leiteira no Sul do Brasil: entre a especialização e o fim da atividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e265911. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.265911
  • JEL Classification: Q12, Z1, O13.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2022
  • Aceito
    13 Nov 2022
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