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O trabalho de enfermagem na alta de crianças hospitalizadas: articulação da atenção hospitalar e básica

The nurse work in the discharge of hospitalized children: articulation of basic hospital attention

El trabajo de enfermería en el alta del niños hospitalizados: la articulación de la atención hospitalaria y la básica

Resumos

Esta pesquisa objetivou conhecer a atuação do enfermeiro no processo de alta hospitalar de crianças na articulação entre Atenção Hospitalar e Básica, na perspectiva da integralidade do cuidado. A proposta metodológica teve uma abordagem qualitativa-exploratória-descritiva, utilizando entrevistas semi-estruturadas com sete enfermeiros da atenção hospitalar e seis da atenção básica, coletadas entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, em seus locais de trabalho. Constatou-se uma lacuna no processo de trabalho de enfermagem no pós-alta hospitalar da criança, por praticamente não existir a articulação da atenção hospitalar e básica. A atuação do enfermeiro da atenção básica não acontece com freqüência, pois, dificilmente consegue identificar a criança em alta hospitalar. O agir integral de cada enfermeiro nem sempre consegue ultrapassar seu espaço de trabalho, sendo que os profissionais envolvidos reconhecem que existem limitações em sua atuação nessa articulação, as quais remetem à necessidade de reorganização do seu processo de trabalho.

Assistência integral a saúde; Enfermagem pediátrica; Papel do profissional de enfermagem; Trabalho


This study had as an objectived to know the actuation of the nursing in the discharge process of the child from the hospital, in the articulation Hospital Attention and Attention Basic, in the perspective of the comprehensive of care. The methodology proposal has the qualitative exploratory-descriptive character approach, utilizing semi-structured interviews with 07 nurses of hospital attention and 06 of basic attention, collected from December 2008 to January 2009, in their own workplaces. In the result it was noted the gap in the work process of nursing in the post discharge of the child from the hospital, because practically it does not exist the articulation of the basic hospital attention. The performance of the basic nursing attention in this process does not happens with frequency, where it is difficult to identify the child that is discharge from the hospital. The integral actuation of each nurse does not always overtake his work space. The proper professionals involved admits that limitations exists in their actuation in this articulation, this remits the necessity of reorganization of your work process.

Comprehensive health care; Pediatric nursing; Nurse's role; Work


Esta investigación tuvo como objetivo conocer, desde la perspectiva de la integralidad del cuidado, la labor del enfermero en el proceso de alta hospitalaria del niño, en el articulación entre Atención Hospitalaria y la Básica. La propuesta metodológica tuvo un abordaje cualitativo y exploratorio y descriptivo, utilizando entrevistas semiestructuradas con 7 enfermeros de la atención hospitalaria y 6 de la atención básica, recogidos entre diciembre de 2008 y enero de 2009, en sus propios lugares de trabajo. El resultado ostró un vacío en el proceso del trabajo de enfermería en el post-alta hospitalaria del niño, debido a que prácticamente no existe una articulación entre la atención hospitalaria y la básica. En ese proceso, la labor del enfermero de la atención básica no acontece con frecuencia, por lo que difícilmente consigue identificar al niño en el alta hospitalaria. La labor integral de cada enfermero no siempre ultrapasa su espacio de trabajo. Los propios profesionales reconocen que en esa articulación existen limitaciones en su labor que hacen necesaria la reorganización el proceso de trabajo.

Atención integral de salud; Enfermería pediátrica; Rol de la enfermera; Trabajo


ARTIGO ORIGINAL

O trabalho de enfermagem na alta de crianças hospitalizadas: articulação da atenção hospitalar e básica1 1 Artigo originado da dissertação de Mestrado apresentada em 2009 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

El trabajo de enfermería en el alta del niños hospitalizados: la articulación de la atención hospitalaria y la básica

The nurse work in the discharge of hospitalized children: articulation of basic hospital attention

Raquel Vicentina Gomes de Oliveira SilvaI; Flávia Regina Souza RamosII

IMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC, Enfermeira Assistencial da Unidade de Internação Pediátrica do Hospital Universitário da UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Departamento e da Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC, Pesquisadora e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Endereço da autora Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Raquel Vicentina Gomes de Oliveira da Silva R. Elpídio da Rocha, 345, Rio Tavares 88048-398, Florianópolis, SC E-mail: raquelenfer@yahoo.com.br

RESUMO

Esta pesquisa objetivou conhecer a atuação do enfermeiro no processo de alta hospitalar de crianças na articulação entre Atenção Hospitalar e Básica, na perspectiva da integralidade do cuidado. A proposta metodológica teve uma abordagem qualitativa-exploratória-descritiva, utilizando entrevistas semi-estruturadas com sete enfermeiros da atenção hospitalar e seis da atenção básica, coletadas entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, em seus locais de trabalho. Constatou-se uma lacuna no processo de trabalho de enfermagem no pós-alta hospitalar da criança, por praticamente não existir a articulação da atenção hospitalar e básica. A atuação do enfermeiro da atenção básica não acontece com freqüência, pois, dificilmente consegue identificar a criança em alta hospitalar. O agir integral de cada enfermeiro nem sempre consegue ultrapassar seu espaço de trabalho, sendo que os profissionais envolvidos reconhecem que existem limitações em sua atuação nessa articulação, as quais remetem à necessidade de reorganização do seu processo de trabalho.

Descritores: Assistência integral a saúde. Enfermagem pediátrica. Papel do profissional de enfermagem. Trabalho.

RESUMEN

Esta investigación tuvo como objetivo conocer, desde la perspectiva de la integralidad del cuidado, la labor del enfermero en el proceso de alta hospitalaria del niño, en el articulación entre Atención Hospitalaria y la Básica. La propuesta metodológica tuvo un abordaje cualitativo y exploratorio y descriptivo, utilizando entrevistas semiestructuradas con 7 enfermeros de la atención hospitalaria y 6 de la atención básica, recogidos entre diciembre de 2008 y enero de 2009, en sus propios lugares de trabajo. El resultado ostró un vacío en el proceso del trabajo de enfermería en el post-alta hospitalaria del niño, debido a que prácticamente no existe una articulación entre la atención hospitalaria y la básica. En ese proceso, la labor del enfermero de la atención básica no acontece con frecuencia, por lo que difícilmente consigue identificar al niño en el alta hospitalaria. La labor integral de cada enfermero no siempre ultrapasa su espacio de trabajo. Los propios profesionales reconocen que en esa articulación existen limitaciones en su labor que hacen necesaria la reorganización el proceso de trabajo.

Descriptores: Atención integral de salud. Enfermería pediátrica. Rol de la enfermera. Trabajo.

ABSTRACT

This study had as an objectived to know the actuation of the nursing in the discharge process of the child from the hospital, in the articulation Hospital Attention and Attention Basic, in the perspective of the comprehensive of care. The methodology proposal has the qualitative exploratory-descriptive character approach, utilizing semi-structured interviews with 07 nurses of hospital attention and 06 of basic attention, collected from December 2008 to January 2009, in their own workplaces. In the result it was noted the gap in the work process of nursing in the post discharge of the child from the hospital, because practically it does not exist the articulation of the basic hospital attention. The performance of the basic nursing attention in this process does not happens with frequency, where it is difficult to identify the child that is discharge from the hospital. The integral actuation of each nurse does not always overtake his work space. The proper professionals involved admits that limitations exists in their actuation in this articulation, this remits the necessity of reorganization of your work process.

Descriptors: Comprehensive health care. Pediatric nursing. Nurse's role. Work.

INTRODUÇÃO

O processo de trabalho em enfermagem é complementar e interdependente ao processo de trabalho em saúde(1).

A Enfermagem é uma prática social, cooperativa, com finalidade básica de atender às necessidades do indivíduo que, em seu percurso de vida, procura os serviços de saúde(2). A enfermagem assiste ao indivíduo em sua integralidade como ser biológico e social(2). O trabalho do enfermeiro pode ser desenvolvido em vários serviços de saúde, dentre eles encontram-se os hospitais e as Unidades Locais de Saúde (ULS), sendo que, uma das parcelas de atuação da enfermagem ocorre durante a hospitalização e processo de alta de crianças.

A hospitalização é traumática para a criança e "causa um estado de insegurança e ameaça psíquica"(3). Nela ocorre a interrupção da vivência com familiares e os procedimentos realizados pela Enfermagem causam, algumas vezes, danos físicos, emocionais e cognitivos aos envolvidos nesse processo. A criança hospitalizada e em processo de alta hospitalar é um ser fragilizado e necessita de atenção integral para promoção de sua saúde.

Após a alta hospitalar é necessária a continuidade da assistência, quando a criança necessita de suporte do nível da atenção básica a saúde para uma melhor recuperação. Apoiar esse processo da alta hospitalar corresponde a uma das dimensões da assistência do enfermeiro, seja do nível hospitalar ou da atenção básica / Equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF). É sua atribuição envolver-se na alta da criança e promover a continuidade da assistência do hospital ao domicílio, uma assistência integrada e comprometida. No entanto, esse processo para ser positivo, necessita de integração entre estes dois níveis de atenção.

Entretanto, a organização dos serviços ainda demonstra falta de comunicação entre os diversos níveis de atenção. O enfermeiro da Unidade Básica avalia como precário o funcionamento do sistema de referência e contra-referência(4) e tal insuficiência é uma das principais dificuldades referidas pelos gestores municipais do sistema(5,6).

Esta realidade, de inefetivo sistema de referência e contra-referência, dificulta o processo de articulação entre a unidade hospitalar e básica, bem como a integralidade do cuidado. A falta de informação e as limitações organizacionais do processo de trabalho favorecem uma ruptura na assistência prestada.

Nesta perspectiva, o hospital contribuiria para a integralidade quando o "sistema de saúde" fosse referência em determinadas situações e, após realizar o atendimento, fizesse uma adequada contra-referência, sendo a alta hospitalar considerada um "momento privilegiado" para se trabalhar a integralidade(7).

Por outro lado, a ESF poderia facilitar a construção de um sistema integrado à medida que valoriza os atributos necessários para uma atenção básica resolutiva, especialmente pelo princípio da integralidade e pelo acesso da população a todos os níveis de atenção à saúde(8).

Na Lei Orgânica da Saúde 8.080/90, a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) é norteada por alguns princípios e diretrizes(9), dentre os quais a integralidade. Esta, deve ser percebida em uma dimensão individual, relacionada à intensidade do cuidado no ato de atenção à saúde e em uma dimensão sistêmica, em relação a uma atenção contínua, através de ações articuladas em rede que promovam a coordenação do cuidado entre os diversos serviços de saúde(8).

Como um elemento que favorece a integralidade da assistência e promove saúde, percebe-se a importância da assistência de enfermagem, por sua presença continuada junto à criança hospitalizada, e ressalta-se o seguimento pós-alta hospitalar como parte deste cuidado.

Este artigo relata parte dos resultados de uma dissertação(10). Tem como objetivo conhecer a atuação do enfermeiro no processo de alta hospitalar de crianças na articulação entre Atenção Hospitalar e Básica, na perspectiva da integralidade do cuidado.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo teve como proposta metodológica a abordagem qualitativa(11) de caráter exploratório-descritivo. Foi desenvolvido em um hospital universitário público, e em Unidades Locais de Saúde (ULS) de um Município da região sul do Brasil.

Os participantes do estudo foram 13 enfermeiros/as: sete atuantes em uma Unidade de Internação Pediátrica (UIP) e seis atuantes na atenção básica/ESF, selecionados através de um sorteio prévio, realizado pela pesquisadora. Na Atenção Básica, com o propósito de alcançarmos um resultado que correspondesse à totalidade deste Município, realizamos um sorteio em cada uma das cinco Regionais de Saúde. Salientamos que uma enfermeira da atenção básica, por ser coordenadora da Saúde da Criança do município foi intencionalmente selecionada, por poder contribuir no enriquecimento da discussão.

A delimitação do número de entrevistas baseou-se no critério de "saturação" qualitativa(12) e foi considerado como critério de inclusão, o tempo mínimo de um ano de atuação desses enfermeiros em suas áreas específicas e que demonstraram aceitação voluntária em participar da entrevista.

Na coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, pautada por um roteiro previamente elaborado(13), realizadas individualmente pela pesquisadora, no ambiente de trabalho dos participantes, em data e horários combinados, no período de dezembro de 2008 a janeiro de 2009, registradas por gravação de áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra. Após serem digitadas, foi realizada leitura e releitura e análise individual das entrevistas; seleção e identificação das unidades de significado; organização das unidades de significado por semelhança de conteúdo e; constituição das categorias(14).

Na análise, utilizou-se como ferramenta tecnológica o software ATLAS. Ti. Seu uso favorece a estocagem dos dados e sua análise(15). Entretanto, a codificação é produto do pensamento e da versatilidade do pesquisador(16).

Após a categorização, foi realizada uma análise e discussão dos dados, sob a ótica do referencial teórico: processo de trabalho de enfermagem e integralidade do cuidado.

As fases desta pesquisa foram fundamentadas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(17). Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (certificado 291). O anonimato foi garantido com o uso de códigos para identificar suas falas (E1ESF, E1UIP), com a letra "E", seguida do número e do local de trabalho - Estratégia Saúde da Família (ESF) e Unidade de Internação Pediátrica (UIP). A autorização foi obtida através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A alta hospitalar é entendida pelos entrevistados como um processo que inicia com a internação, inclui o período que antecede a saída da criança do hospital e o período após a saída desta do hospital, incluindo o seu seguimento pós-alta na comunidade onde reside.

Neste processo, existe um agir multiprofissional, sendo que dentre estes encontra-se o enfermeiro, com seu processo de trabalho e sua assistência à saúde da criança.

O dia da alta é importante tanto para a criança, como para a equipe de enfermagem. Para o primeiro, gera alegria e insegurança e, para o segundo, um momento de responsabilidade e segurança em relação às orientações que deverão ser realizadas(18).

O assistir à criança em processo de alta hospitalar está inserido como parte do cuidado do enfermeiro da atenção hospitalar e básica, como um elemento que favorece a integralidade da assistência e promoção da saúde.

Por sua vez, percebemos a integralidade "como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema"(9).

A atuação no processo de alta hospitalar: o enfermeiro da atenção hospitalar

Tomando por base os relatos dos sujeitos de pesquisa acerca do processo de trabalho de enfermagem à criança em processo de alta realizado na atenção hospitalar, pode-se afirmar que, na maioria das vezes, é realizada uma prática de cuidado integral, porém em uma dimensão individual(8), ou seja, enquanto este binômio (criança/família) encontra-se internado, existe um esforço por parte da equipe para assistir todas as suas necessidades.

As enfermeiras da UIP conseguem atuar de forma direta, durante o processo de internação e na alta propriamente dita.

A gente consegue trabalhar com este paciente durante o processo de internação [...]. Minha atuação é direta, [...] e principalmente no final [...] eu procuro [...] resgatar, trabalhar aquilo que foi perdido com a doença (E1 UIP).

Na chegada da criança e sua família à UIP, é realizado um acolhimento e um histórico de enfermagem. Através deste, são realizadas prescrições de enfermagem individuais, sendo que estas são trabalhadas durante o período de internação e alta hospitalar, na qual são resgatadas as necessidades da criança.

Na alta eu resgato o histórico pra ver se todas as necessidades da criança [...] foram trabalhadas. [...] (E1 UIP).

Na alta hospitalar, as enfermeiras procuram reorientar o responsável pela criança sobre informações recebidas durante a internação e na própria alta, inclusive as orientações recomendadas pelo médico, e quando necessário, é fornecido a medicação para continuidade ao tratamento.

Essa questão da orientação apareceu na maioria das falas dos entrevistados, quando questionados acerca de seu processo de trabalho, seja durante a internação ou na alta hospitalar.

[...] orientar as necessidades dessa família, tanto no contexto intra-hospitalar como extra- hospitalar, como ela deve proceder nessa alta (E3 UIP).

Nesse caso, a orientação pode ser vista como um instrumento que contribui para a integralidade do cuidado, ainda que voltada para uma dimensão individual, sendo utilizada para garantir a continuidade do cuidado. Considera-se que as orientações devem ser realizadas durante toda a internação, e reforçados os pontos mais importantes no momento da alta(18).

Segundo as enfermeiras da UIP, na alta hospitalar, quando ocorre o encaminhamento direto para a atenção básica, na maioria das vezes isso ocorre informalmente, de forma verbal. Não existe uma prática instituída, um protocolo para orientar este agir.

Observa-se que somente em alguns casos muito específicos ocorre articulação do processo de trabalho de enfermagem entre atenção hospitalar e básica por escrito.

Isso a gente costuma fazer é com os indígenas, porque existe essa ligação [...] (E6 UIP).

As falas seguintes apontam que os profissionais reconhecem que existem limitações em sua atuação na articulação entre atenção hospitalar e básica, no que se refere ao processo de alta hospitalar, bem como, uma lacuna na assistência, que necessita ser preenchida e reorganizada.

[...] a gente não atua como deveria [...] damos mais orientações (E4 UIP).

Sempre que a criança [...] recebe alta, eu me preocupo em conversar [...]. Mas eu tenho consciência de que é bastante limitada a minha atuação [...] deveria existir um processo de alta que deveria englobar todos esses cuidados [...] como fazer um contato com a unidade de saúde [...] pra estabelecer uma continuidade (E6 UIP).

Na perspectiva da integralidade em saúde, em uma "dimensão sistêmica"(8), acredita-se que no processo de alta hospitalar existe uma necessidade que vai além das orientações. Apesar de se reconhecer que esta é um importante instrumento da assistência, muitas vezes não é o suficiente para impedir a reinternação da criança, haja vista que, geralmente, essas orientações e informações não chegam às ULS. Algumas vezes a informação chega muito tempo após a alta, dificultando assim a atuação da equipe da ESF. Somente um enfermeiro da atenção básica relatou que a criança foi a ULS após receber alta hospitalar, bem como levou as orientações dos profissionais da atenção hospitalar.

Identifica-se também que, a enfermeira da UIP encaminha a criança para o assistente social. Este, juntamente com outros profissionais, participa do "intercâmbio": um momento multidisciplinar, onde diversos profissionais reúnem-se e discutem os casos das crianças internadas, determinando assim, a articulação dos diversos saberes.

Quando os diferentes profissionais realizam troca de informações, conhecimentos acerca do trabalho, estudos de casos e decidem em equipe uma resolução para os problemas de saúde dos pacientes, aí acontece a articulação das ações(19).

[...] a gente acaba sabendo da situação de todos os ângulos dessa família [...] criança [...] (E6 UIP).

Assim, o "intercâmbio" é uma prática realizada no processo de trabalho de enfermagem da atenção hospitalar, na qual, reflete a integralidade do cuidado. Apesar disso, nem todos os profissionais lembraram-se de citá-lo. Isso leva-nos a pensar que, apesar desse princípio ser praticado no cotidiano da enfermagem, de estar presente no agir desses profissionais, não está presente no falar.

Outro aspecto identificado é a posição importante que o enfermeiro ocupa no processo de alta hospitalar: "peça especial", "visão ampliada" (E6 ESF).

Por fim, os sujeitos trabalhadores de enfermagem da atenção hospitalar reconhecem que a alta hospitalar da criança rompe o cuidado integral executado durante a internação.

Mas a partir do momento que a criança ganha alta, eu acho que quebra esse vínculo de integralidade do cuidado (E2 UIP).

Apesar de a integralidade poder estar presente no cuidado individual diário do enfermeiro, membro de uma equipe, percebe-se que no momento da alta hospitalar, esta não consegue alcançar sua intensidade em potencial.

A atuação no processo de alta hospitalar: o enfermeiro da atenção básica

No processo de trabalho na atenção básica, os enfermeiros colocam que sentem dificuldade em praticar um atendimento integral a saúde da criança, principalmente no processo de alta hospitalar. Uma das dificuldades citadas foi a presença do especialista pediatra na ULS que, muitas vezes faz o atendimento a todas as crianças da área de abrangência.

[...] a gente não tem contato com as crianças, por essa presença do especialista dentro da unidade, a gente não trabalha como equipe de saúde da família no atendimento integral a criança [...] O cuidado diretamente a gente tem como se fosse um buraco [...] o especialista [...] acaba atendendo todas as crianças (E3 ESF).

Evidencia-se que nem todos os enfermeiros da atenção básica conseguem realizar consultas à criança, sendo que poucos intercalam suas consultas com o médico de saúde da família conforme preconiza o programa do município. Nessas consultas, algumas vezes, o enfermeiro identifica crianças em processo de alta hospitalar e procura dar continuidade no cuidado.

Outras vezes, os enfermeiros da atenção básica ficam sabendo da alta hospitalar da criança, através do Agente Comunitário de Saúde (ACS) e ou através dos familiares das crianças que recebem orientação das enfermeiras da atenção hospitalar para procurarem a ULS.

Essa contra-referência [...] passa a acontecer quando algum profissional de saúde, ou ACS identifica que essa criança teve alta hospitalar [...] ou a própria família vem nos avisar [...] Ou se essa unidade funciona muito bem, e se essa criança for monitorada pelo ACS a gente vai saber a tempo. [...] ainda vejo que não é comum no nosso processo de trabalho na unidade de saúde (E6 ESF).

Apesar disso, geralmente o enfermeiro não consegue atuar nesse processo, pois, na maioria das vezes, não fica a par da internação da criança, ou quando é notificado já ocorreu a alta hospitalar há dias. Essas situações fragmentam a assistência integral, o processo de trabalho de enfermagem não contribui para a integralidade, o que reflete diretamente na promoção de saúde da criança. Ressalta-se a importância do ACS e de seu agir, em que acompanhar a criança é uma de suas atribuições, bem como repassar as informações a sua equipe. O não atuar da equipe de ESF no pós-alta da criança pode resultar em uma nova reinternação.

Após a identificação da criança em processo de alta hospitalar, os enfermeiros procuram obter informações acerca da internação com o responsável pela criança e, também, as informações encaminhadas pelos profissionais da atenção hospitalar.

Identifica-se que poucas crianças possuem registradas em suas cadernetas, anotações relacionadas à sua internação hospitalar, outras trazem somente o cartão de alta com o diagnóstico e receituário médico. São raras as situações nas quais ocorrem todos os registros acerca da internação e prescrições ou indicações para continuidade do tratamento na atenção básica, o que facilitaria a integralidade do cuidado.

Além das consultas nas ULS, outra atividade realizada pelo enfermeiro é a visita domiciliar (VD) à criança no processo de alta hospitalar. A VD é uma das atribuições do enfermeiro e muitas vezes, é a única oportunidade, que este encontra para realizar consulta a criança.

Por outro lado, nas falas abaixo, alguns dos enfermeiros reconhecem que nem sempre conseguem realizar VD, dando prioridade, aos casos mais críticos.

Que pelo menos eu priorize as situações de riscos [...] às vezes é uma demanda muito grande, você não consegue dar conta da criança mais saudável, mas muito menos você da conta daquela que é de risco (E6 ESF).

Em uma pesquisa acerca da visão da enfermeira sobre as articulações das ações de saúde entre profissionais de equipes de saúde da família, o excesso de demanda de usuários pelo serviço, assim como nesta pesquisa, também aparece como dificuldade, gerando falta de tempo para planejamento e articulação das ações em saúde(19).

No processo de trabalho de enfermagem, existe uma preocupação do enfermeiro em agir integralmente, quando repassa as informações resgatadas durante a VD para a equipe ESF e principalmente para o pediatra.

Na fala seguinte, é referida outra maneira do enfermeiro identificar a criança em processo de alta hospitalar, durante o acolhimento. Este passa a ser utilizado como uma ferramenta, para que, tanto os profissionais, como os serviços de saúde prestem uma assistência integral, um alicerce da integralidade em saúde(10).

Os enfermeiros mencionaram que quando conseguem identificar as crianças em processo de alta hospitalar durante o acolhimento, procuram realizar VD para dar continuidade no atendimento.

Tá identificando no acolhimento [...] história de internação hospitalar [...] pra posterior visita ou acompanhamento do ACS [...] (E1 ESF).

Observamos que, apesar da importância do enfermeiro realizar a VD, em algumas situações quem realiza é somente o ACS, que serve de elo entre a criança e o profissional de saúde. Este traz informações ao enfermeiro supervisor sobre a criança e também procura trazê-las para consulta com a equipe ESF.

Nesta outra fala, desvela-se a falta de informação dos enfermeiros e sua equipe acerca de internações, reinternações e óbitos de suas crianças.

[...] algumas crianças que morrem após 28 dias, são crianças que já estão em situação de risco, re-hospitalizada e cuja equipe nem sabia dessa existência [...] (E6 ESF).

Essa situação confirma a lacuna existente no processo de trabalho de enfermagem no pós-alta da criança hospitalizada e denota a importância de investimento na organização do sistema de referência e contra-referência mais efetivo. Revela também o reconhecimento desse fato pelos gestores e sua preocupação em rever a atual prática realizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O enfermeiro da atenção hospitalar consegue, na maioria das vezes, atuar na perspectiva da integralidade durante a permanência da criança no hospital. Entretanto, no seguimento pós-alta, identifica-se uma fragilidade no cuidado integral por praticamente não existir uma articulação da atenção hospitalar e básica nesse processo. Os próprios profissionais reconhecem que existem limitações em suas atuações nessa articulação, bem como, uma lacuna na assistência, que necessita ser preenchida por uma reorganização do processo de trabalho.

A atuação do enfermeiro da atenção básica nesse processo não acontece com freqüência, pois nem sempre consegue identificar a criança em processo de alta hospitalar. Após a identificação, o enfermeiro encontra dificuldades para dar continuidade à atenção integral à criança, seja por não atuar em consultas às crianças, não conseguir realizar visitas e ou identificar a criança somente muito tempo após a alta.

Assim, constata-se uma lacuna no processo de trabalho de enfermagem na alta, pós-alta da criança e na articulação da atenção hospitalar e básica. Percebe-se um conflito quando a integralidade do cuidado é vista como idéia de totalidade e o processo de alta hospitalar como algo que ultrapassa as paredes institucionais, entretanto a atuação do enfermeiro não consegue alcançar a integralidade "sistêmica"(8). O agir integral de cada enfermeiro não ultrapassa seu próprio espaço de trabalho, estabelecendo-se aí um vazio na assistência.

A articulação do trabalho do enfermeiro da atenção hospitalar e básica/ESF no processo alta hospitalar da criança favoreceria a integralidade do cuidado. Um cuidado integral requer uma assistência que rompa os limites da instituição hospitalar em encontro à equipes de ESF e a elaboração de um caminho que contribua para o fortalecimento da referência e contra-referência deste processo.

Diante do exposto, espera-se que o estudo tenha incitado questionamentos e que estimule o desenvolvimento de novos estudos a cerca da temática e de novas práticas. Consideramos que o estudo contribuiu para uma reflexão das práticas executadas e nas futuras a serem desenvolvidas na Enfermagem Pediátrica. Está diretamente relacionado com os demais artigos desta revista, ao procurar compartilhar e agregar conhecimentos, no sentido de propiciar um cuidado qualificado e integral, tendo em vista, a escassez de estudos nesta temática.

Recebido em: 07/11/2010

Aprovado em: 16/05/2011

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    Raquel Vicentina Gomes de Oliveira da Silva
    R. Elpídio da Rocha, 345, Rio Tavares
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  • 1
    Artigo originado da dissertação de Mestrado apresentada em 2009 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Nov 2010
    • Aceito
      16 Maio 2011
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