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O cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica em emergência geral: visão dos enfermeiros

Cuidado a la persona con comorbidad psiquiátrica en emergencia general: visión de los enfermeros

Resumo

OBJETIVO

Analisar dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica em uma emergência geral e suas sugestões para melhoria do cuidado à estas neste serviço.

MÉTODO

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado com doze enfermeiros em hospital geral do sul do Brasil em 2016. Para a coleta de informações utilizou-se entrevista e os resultados foram avaliados por Análise de Conteúdo.

RESULTADOS

Emergiram duas categorias: Dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica e Sugestões dos enfermeiros para qualificar o cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica. A primeira relacionada à estrutura física e recursos materiais; superlotação; falta de preparo da equipe e de consultoria psiquiátrica e a segunda indicou fluxograma de atendimento; consultoria psiquiátrica e capacitação para a equipe.

CONCLUSÕES

Deve-se transcender a fragmentação do cuidado desde a formação dos profissionais de saúde, trazendo a necessidade de capacitações e de maior investimento na formação acadêmica.

PALAVRAS-CHAVE:
Enfermagem; Saúde mental; Serviço hospitalar de emergência

Resumen

OBJETIVO

Analizar dificultades encontradas por los enfermeros en el cuidado a la persona con comorbilidad psiquiátrica en una emergencia general y sus sugerencias para mejorar el cuidado a éstas en este servicio.

MÉTODO

Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado con doce enfermeros en hospital general del sur de Brasil en 2016. Para la recolección de informaciones se utilizó entrevista y los resultados fueron evaluados por Análisis de Contenido.

RESULTADOS

Emergieron dos categorías: Dificultades encontradas por los enfermeros en el cuidado a la persona con comorbilidad psiquiátrica y Sugerencias de los enfermeros para calificar el cuidado a la persona con comorbilidad psiquiátrica. La primera relacionada con la estructura física y los recursos materiales; hacinamiento; falta de preparación del equipo y de consultoría psiquiátrica y la segunda indicó diagrama de atención; consultoría psiquiátrica y capacitación para el equipo.

CONCLUSIONES

Se debe trascender la fragmentación del cuidado desde la formación de los profesionales de salud, trayendo la necesidad de capacitaciones y de mayor inversión en la formación académica.

PALABRAS CLAVES:
Enfermería; Salud mental; Servicio de urgencia en hospital

Abstract

OBJECTIVE

To analyze the difficulties encountered by nurses when providing care to people with psychiatric comorbidity in the general emergency unit and their suggestions for improving the care of these patients.

METHOD

This is a qualitative, descriptive, and exploratory study conducted with twelve nurses at a general hospital in southern Brazil, in 2016. Information was collected during an interview and the results were evaluated using content analysis.

RESULTS

Data interpretation led to two categories: Difficulties of nurses when providing care to people with psychiatric comorbidity and Nurses' suggestions to improve care for people with psychiatric comorbidity. The first category is related to the physical structure and material resources of the service, overcrowding, and lack of preparation of the team and professionals who provide psychiatric consultations. In the second category, the workers suggested a care flow chart, psychiatric consultations, and team training.

CONCLUSIONS

We must transcend the fragmentation of care from the education years of health professionals, emphasize the need for training, and make greater investments in health education.

KEYWORDS:
Nursing; Mental health; Emergency service; hospital

INTRODUÇÃO

Os serviços de emergência configuram-se como portas de acesso à assistência à saúde, destinados àqueles que apresentam agravos clínicos ou cirúrgicos, com o objetivo de diminuir a morbimortalidade e as sequelas incapacitantes. Esses serviços são procurados pela população em geral como uma alternativa de acesso, pois estes entendem que ali encontrarão um somatório de recursos, como consultas, medicamentos, procedimentos de enfermagem, exames laboratoriais e internações, tornando-os mais resolutivos11. Versa GLGS, Vituri DW, Buriola AA, Oliveira CA, Matsuda LM. Assessment of user embracement with risk rating in emergency hospital services. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(3):21-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2014.03.45475.
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Sendo um serviço com perfil portas abertas, as unidades de emergência são um espaço de livre acesso aos usuários que procuram resolver seus problemas de saúde. Sabe-se que um número significativo de pessoas com comorbidades psiquiátricas sofre de doenças somáticas não diagnosticadas que podem estar relacionadas à etiologia ou ao agravamento de seu transtorno mental. Cerca de 5% dos atendimentos em serviços de emergências em hospital geral são de pacientes com alterações do comportamento, dos quais parte é decorrente das agitações psicomotoras e comportamento agressivo22. Paes MR, Maftum MA. Percepções da equipe de enfermagem de um pronto atendimento sobre a pessoa com transtorno mental. Rev Enferm UFSM. 2013;3(3):461-9. doi: https://doi.org/10.5902/217976929852.
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As pessoas com comorbidades psiquiátricas também procuram por atendimento nestes serviços por sintomas depressivos, tentativa ou ideação suicida, além de outras necessidades biológicas que possam surgir, clínicas, cirúrgicas e/ou obstétricas. Não é incomum para estas pessoas possuírem outras questões potencialmente comprometedoras como dependência de álcool e outras drogas, doenças físicas e sociais, que são importantes de considerar33. Bost N, Crilly J, Wallen K. Characteristics and process outcomes of patients presenting to an Australian emergency department for mental health and non-mental health diagnoses. Int Emerg Nurs. 2014;22(3):146-52. doi: https://doi.org/10.1016/j.ienj.2013.12.002.
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Ademais, ainda há dificuldade de acesso aos serviços extra hospitalares decorrentes de recursos financeiros insuficientes e a distância geográfica, além da resistência do atendimento a essas pessoas em outros serviços da rede de atenção à saúde, como na atenção primária11. Versa GLGS, Vituri DW, Buriola AA, Oliveira CA, Matsuda LM. Assessment of user embracement with risk rating in emergency hospital services. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(3):21-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2014.03.45475.
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. Tal situação assemelha-se a estudo desenvolvido em Bogotá, no qual evidenciou a incapacidade do serviço em absorver a demanda de pacientes psiquiátricos44. Bustos Y, Castro J, Wen LS, Sullivan AF, Chen DK, Camargo Jr CA. Emergency department characteristics and capabilities in Bogotá, Colombia. Int J Emerg Med. 2015;8:30. doi: https://doi.org/10.1186/s12245-015-0079-y.
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Nesse contexto, há vários desafios encontrados pela equipe de enfermagem do hospital geral no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica, como o manejo da agressividade que eventualmente ela possa apresentar, uma vez que, é possível sua admissão com comportamento violento, agressividade verbal, agitação extrema, episódios de delírios, psicose aguda e confusão mental em serviços de emergências dos hospitais gerais55. Fernandes MA, Pereira RMF, Leal MSM, Sales JMF, Silva JS. Cuidados de enfermagem ao paciente psiquiátrico na urgência de um hospital geral. Rev Enferm UFPI. 2016 5(2):41-5. doi: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i2.5241.
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A literatura mostra que a dificuldade no manejo de pessoas com comorbidade psiquiátrica está presente mesmo naqueles serviços ou setores específicos ao atendimento dessa população55. Fernandes MA, Pereira RMF, Leal MSM, Sales JMF, Silva JS. Cuidados de enfermagem ao paciente psiquiátrico na urgência de um hospital geral. Rev Enferm UFPI. 2016 5(2):41-5. doi: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i2.5241.
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. Assim, deve-se considerar o cuidado produzido pelas equipes de saúde em unidades não especializadas, a partir da percepção dos enfermeiros responsáveis por essa assistência.

Nesse cenário, os enfermeiros que atuam nesses serviços devem aliar a fundamentação teórica à capacidade de liderança, ao trabalho, ao discernimento, à iniciativa, à habilidade de ensino, à maturidade e à estabilidade emocional. O grande fluxo de pessoas atendidas e a dinamicidade da rotina fazem com que sua atuação precise ser eficaz e eficiente, uma vez que é essencial. Assim, esses profissionais são elementos fundamentais no processo de trabalho, não apenas ao realizarem o atendimento emergencial, mas ao atuarem efetivamente no gerenciamento da unidade, levando assim à melhor organização para sanar as necessidades de cada um66. Santos JLG, Lima MADS, Pestana AL, Colomé ICS, Erdmann AL. Strategies used by nurses to promote teamwork in an emergency room. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(1):e50178. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.01.50178.
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A assistência de enfermagem à pessoa com comorbidade psiquiátrica exige uma aproximação da relação pessoa-família para que o cuidado prestado seja eficiente, atuando participativamente no tratamento, contribuindo para a melhora do quadro55. Fernandes MA, Pereira RMF, Leal MSM, Sales JMF, Silva JS. Cuidados de enfermagem ao paciente psiquiátrico na urgência de um hospital geral. Rev Enferm UFPI. 2016 5(2):41-5. doi: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i2.5241.
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. Dessa maneira, a equipe de enfermagem promove aos usuários com comorbidade psiquiátrica na emergência hospitalar os cuidados com a administração da medicação, o manejo das crises, incentivo ao autocuidado, atenção com a dieta, a identificação das alterações psíquicas e, principalmente, a escuta qualificada, contribuindo para a alta do ambiente hospitalar.

Além disso, a equipe de enfermagem da emergência hospitalar deve possibilitar ao usuário a continuidade do cuidado em serviços extra hospitalares, como os Centros de Atenção Psicossocial e as Unidades Básicas de Saúde. Essa interlocução com a rede de atenção à saúde se faz necessária para o cuidado no território e também para a prevenção de novas reinternações.

A escassez de estudos que tratam do cuidado de enfermagem às pessoas com comorbidades psiquiátricas em serviços de emergência geral incita o questionamento sobre o cuidado produzido pelas equipes de saúde em unidades não especializadas, a partir da percepção dos enfermeiros responsáveis por essa assistência.

Deste modo, a questão de pesquisa deste artigo foi: “quais são as dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado dispensado à pessoa com comorbidade psiquiátrica em uma emergência geral e quais suas sugestões para melhoria do cuidado?”. E tem como objetivo: analisar dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica em uma emergência geral e suas sugestões para melhoria do cuidado à estas neste serviço.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa busca a compreensão do fenômeno e do contexto no qual ocorre, trabalhando com o universo de significados, lidando com valores e atitudes presentes nas ações e nas relações humanas, buscando o aprofundamento e a abrangência no processo de compreensão das informações77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014..

Foram entrevistados 12 enfermeiros, dois profissionais de cada turno de trabalho, de um total de 42 que compõe o quadro de enfermeiros do serviço. Estes profissionais estão distribuídos em seis turnos de trabalho: manhã, tarde, noite 1, noite 2, noite 3 e 6º turno (que se refere aos enfermeiros dos finais de semana).

O número de participantes foi definido pelo critério de saturação que consiste no conhecimento formado pelo pesquisador, no campo, à medida que consiga o entendimento das homogeneidades, da diversidade e da intensidade das informações, compreendendo-as como suficientes para sua pesquisa77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014..

Os critérios de inclusão para participar do estudo foram: profissionais com vínculo empregatício com o hospital geral e atuantes no Serviço de Emergência (SE). E como critérios de exclusão foram: estar de licença médica e/ou desfrutando de férias.

O estudo foi desenvolvido em um SE de um hospital geral do sul do Brasil. O hospital em questão é integrante da rede de hospitais universitários do Ministério da Educação e vinculado academicamente à uma Universidade Federal. O SE estudado situa-se no andar térreo do hospital, em uma área de 1700m², sendo composto por cinco setores de atendimento. Possui 41 leitos adultos cadastrados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. No entanto, há uma média diária de 150 pacientes em observação e internados88. Hospital de Clínicas de Porto Alegre (BR). Relatório de atividades do grupo de enfermagem. Porto Alegre: HCPA; 2017..

A coleta de dados ocorreu no período de julho a setembro de 2016. Utilizou-se como instrumento um roteiro para a aplicação de uma entrevista semiestruturada composta por questões abertas e fechadas. As questões fechadas compreenderam perguntas que permitiram identificar o perfil dos entrevistados, como sexo, idade, tempo de formação em enfermagem e o tempo de atuação no serviço estudado. As questões abertas estavam relacionadas ao tema da pesquisa, sendo: 1º: Na sua percepção, existe alguma dificuldade no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica no serviço? Se sim, qual? 2º: Você teria alguma sugestão para melhoria deste cuidado?

As entrevistas, com duração média de 20 minutos, foram realizadas em uma sala previamente reservada no SE e em turno inverso ao do trabalho do profissional. Além disso, foram identificadas com a letra E de Enfermeiro, seguida com a primeira letra do turno de trabalho e posteriormente com o número da entrevista. Por exemplo: EM1, refere-se à primeira entrevista realizada com o enfermeiro da manhã, respeitando o anonimato.

Para a análise dos dados foi utilizado o método de Análise de Conteúdo que consiste em três etapas: 1) Pré-análise, em que foi realizada a leitura flutuante e exaustiva de todo o material coletado na pesquisa. 2) Exploração do material, em que foi realizada a análise dos dados separando do material trechos e fragmentos importantes. Os mesmos foram distribuídos em tópicos, unidade de informação, em seguida foram aproximadas todas as unidades de informações semelhantes dando origem as unidades de sentido, a partir da aproximação e do trabalho analítico das unidades de sentido surgiram às categorias analíticas que norteiam o estudo. 3) Tratamento dos resultados e a interpretação das informações, em que foi realizada uma síntese interpretativa a partir do tratamento dos resultados obtidos, estes foram submetidos a intervenções complexas ou simples que permitiram ressaltar os dados da pesquisa77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014..

A pesquisa contemplou as prerrogativas bioéticas, conforme Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde99. Resolução nº 466, Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62.. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o número do parecer 1.600.517 em junho de 2016. Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, sendo uma destinada ao entrevistado e outra ao pesquisador. As entrevistas foram gravadas e após transcritas de forma literal, assegurando a veridicidade das informações e os áudios serão guardados por cinco anos, sob a responsabilidade dos pesquisadores da pesquisa e, após esse período, serão destruídos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A população, participante desse estudo, foi predominantemente do sexo feminino (10), e a idade média foi de 39,5 anos. Em relação ao tempo de formação na enfermagem quatro já estavam formados há mais de 20 anos, três há menos de 10 anos e cinco entre 10 e 20 anos. Em relação ao tempo de atuação no serviço a metade dos trabalhadores atuavam na unidade entre cinco e dez anos, tempo suficiente para compreender a dinâmica do serviço, conhecendo suas fragilidades e potencialidades.

A seguir serão expostos os resultados encontrados, respeitando as percepções dos participantes, distribuídos em categorias temáticas. As categorias emergidas foram: 1) Dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica e 2) Sugestões dos enfermeiros para qualificar o cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica.

Dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica

Com o propósito do processo de reforma psiquiátrica instituído no país, desde a década de 1970, o cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica passou a ser realizado na comunidade e nos serviços da rede de atenção à saúde, como nas Unidades Básicas de Saúde, nos ambulatórios de saúde e nos hospitais gerais e neste, também, dentro do setor de emergência. Considera-se que o advento do processo de reforma psiquiátrica é uma conquista de grande importância no cuidado em saúde mental, pois deu voz e direito de cidadania à pessoas institucionalizadas, garantindo o seu cuidado em serviços da rede22. Paes MR, Maftum MA. Percepções da equipe de enfermagem de um pronto atendimento sobre a pessoa com transtorno mental. Rev Enferm UFSM. 2013;3(3):461-9. doi: https://doi.org/10.5902/217976929852.
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As dificuldades relatadas pelos enfermeiros no cuidado de pessoas com comorbidade psiquiátrica no serviço de emergência foram relacionadas com a estrutura física e recursos materiais, superlotação, falta de preparo da equipe e falta de consultoria psiquiátrica na emergência.

A estrutura física e ambiência inadequadas no serviço de emergência estudado foram levantadas como dificuldades que interferem no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica, bem como a falta de materiais apropriados para procedimentos e para a permanência da família neste espaço.

[...]da unidade não estar preparada para atender esses pacientes. A gente não tem as contenções adequadas, muitas vezes eles estão em macas, [...] as macas ficam pequenas, tu não consegue fazer uma contenção adequada. A gente não tem acomodações para ele (EN1).

Uma coisa é escrever no prontuário ‘paciente com risco de suicídio, necessita de isolamento e segurança’ mas daí tu não tem essa condição [...] (EN3).

Não adianta o paciente ficar medicado num ambiente como o nosso, cheio de estímulos (EN6).

A família não fica junto porque não tem nem uma cadeira para sentar. A gente não dá condições para que a família permaneça ali dentro, com uma maca colada na outra, não tem cadeira (ET1).

O ambiente em que ocorre o cuidado, seja ele qual for, deve representar um espaço terapêutico, de qualidade e que a pessoa se sinta acolhida. Assim, considera-se relevante a preocupação dos entrevistados em relacionar a qualidade do cuidado com a adequação do ambiente. Eles demonstraram que estão cientes de que a forma de cuidar da pessoa com comorbidade psiquiátrica tem sido inadequada e precária, quando se considera a estrutura física do serviço.

Ademais, há também dificuldades estruturais que prejudicam a permanência de familiares na emergência, compreendendo que por vezes a instituição não oferta condições para sua permanência na unidade como, por exemplo, a falta de cadeiras para acomodação dos familiares.

Neste sentido, quando o ambiente apresenta limitações para a prestação do cuidado, podem surgir interferências negativas que inibem reconhecer as subjetividades das pessoas, além de o ambiente exercer forte influência sobre os indivíduos, estimulando ou inibindo a interação entre os envolvidos. A promoção de condições de trabalho, com recursos físicos e humanos e processos institucionais coerentes para a prática segura, possibilitam a assistência de qualidade1010. Lima ICS, Guimarães AB. Perfil das emergências psiquiátricas atendidas em serviços de urgência e emergência hospitalar. Rev Interd. 2015 [citado 2017 ago 11];8(2):185-94. Disponível em: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/61.
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Além disso, os recursos materiais também são essenciais no processo de assistência. O gerenciamento destes recursos é fundamental quando o objetivo é garantir que o cuidado não sofra interrupções por insuficiência na quantidade ou na qualidade de materiais. Dessa forma, possuir os materiais adequados para os procedimentos contribui para a garantia de que as ações sejam executadas satisfatoriamente, de acordo com o que é prescrito e necessário às pessoas com comorbidade psiquiátrica1010. Lima ICS, Guimarães AB. Perfil das emergências psiquiátricas atendidas em serviços de urgência e emergência hospitalar. Rev Interd. 2015 [citado 2017 ago 11];8(2):185-94. Disponível em: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/61.
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A questão da estrutura na fala dos entrevistados corrobora com os achados de um estudo australiano que considera que a unidade de emergência não é adequada às pessoas com comorbidades psiquiátricas, por ser um local com muito barulho, muita luminosidade e muitas pessoas. Este mesmo estudo destaca que a atmosfera altamente estimulante destes serviços pode contribuir para alteração do comportamento, dificultar a realização de intervenções preventivas e do próprio cuidado1111. Marynowski-Traczyk D, Moxham L, Broadbent M. A critical discussion of the concept of recovery for mental health consumers in the Emergency Department. Australas Emerg Nurs J. 2013;16(3):96-102. doi: https://doi.org/10.1016/j.aenj.2013.05.002.
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Nesta perspectiva, acredita-se que os recursos materiais e a estrutura física adequada são essenciais para o atendimento de pessoas com comorbidade psiquiátrica. Os setores de emergência devem adequar-se para atender esta população, visto que este cuidado em ambientes substitutivos aos hospitais psiquiátricos é o que está preconizado por lei, sendo um direito da pessoa com comorbidade psiquiátrica.

A superlotação do serviço de emergência foi verbalizada como um desafio importante no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica. Tal dificuldade foi levantada principalmente no aspecto da equipe não conseguir ofertar um atendimento adequado para essas pessoas, ficando esse cuidado secundário diante dos demais indivíduos e patologias.

É ter a superlotação, é tu não conseguir manejar o paciente. [...] Ele acaba se misturando junto com muitos outros de muitas outras comorbidades, então ele acaba sendo mais um [...]. Os pacientes com doença mental são secundários. Acaba ficando um pouquinho de lado (EN5).

A maior dificuldade é justamente que eles ficam no meio de todo mundo. Tu não consegue parar para estimular esse paciente, dar atenção para ele que ele precisa (EN6).

Se a gente não consegue ficar ali perto do paciente, eu acho que isso é um desafio. O psiquiátrico é meio deixado de lado [...] (EM1).

A superlotação das emergências e escassez de leitos para atender a demanda e as necessidades dos usuários pode comprometer a qualidade do cuidado prestado. Estudos relacionam a superlotação a aumento dos custos, decréscimo na eficiência e na qualidade da assistência, aumento na incidência de efeitos adversos e na mortalidade, traduzindo em baixo desempenho do sistema de saúde1212. Acosta AM, Marques GQ, Levandovski PF, Peralta JP, Lima MADS. User satisfaction regarding nursing care at emergency services: an integrative review. REME Rev Min Enferm. 2016;20:e938. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20160008.
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Assim, a superlotação nas unidades de emergência é uma preocupação também em nível internacional, associado ao aumento da mortalidade dos pacientes e à má qualidade da assistência. Além disso, a demanda por serviços nestas unidades tem aumentado significativamente nos Estados Unidos, crescendo 32% de 1999 a 2009, além de que a procura tem sido maior por pacientes com estado de saúde mais crítico1313. Carter EJ, Pouch SM, Larson EL. The relationship between emergency department crowding and patient outcomes: a systematic review. J Nurs Scholarsh. 2014;46(2):106-15. doi: https://doi.org/10.1111/jnu.12055.
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Nesse cenário, entende-se que o comprometimento da qualidade do cuidado é ressaltado na fala dos entrevistados quando os mesmos percebem que as pessoas com comorbidade psiquiátrica não recebem a mesma atenção que outros, com outras doenças clínicas. Além disso, a demanda excessiva e a superlotação podem interferir sobre os processos de trabalho causando tensões e conflitos entre a equipe e com os usuários e familiares.

Portanto, entende-se que a superlotação do serviço de emergência prejudica o cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica, bem como a população em geral. Deste modo, compreende-se que é necessário maior investimento público nos setores de emergência e no fortalecimento dos serviços territoriais como na Atenção Básica e nos Centros de Atenção Psicossocial, sendo este responsável pelo manejo da crise, assim evitando a superlotação dos serviços de emergência.

Os entrevistados referiram que as dificuldades que eles encontram no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica estão fortemente relacionadas à falta de conhecimentos específicos na área. Eles mencionam que possuem pouco ou nenhum preparo nesta área, dificultando a prestação de cuidado de qualidade à pessoa com comorbidade psiquiátrica.

Acho que é o despreparo mesmo, da equipe como um todo, porque nunca trabalharam com esse tipo de paciente, não possuem a menor ideia do que tem que ser feito (ET2).

Nós não temos preparo para isso. Nós nunca tivemos treinamento para tratar com paciente psiquiátrico [...]. A equipe não é preparada [...]. Ninguém sabe como agir com paciente psiquiátrico. É um despreparo total (EN6).

O preparo do profissional direcionado à pessoa com comorbidade psiquiátrica é crucial para um bom atendimento, entretanto, quando este atendimento é realizado em serviços de emergência em hospitais gerais, passa a ser uma vivência diferente para os profissionais. Assim, a abordagem da pessoa que possui alguma comorbidade psiquiátrica em uma unidade não especializada é, na maioria das vezes, destinada aos profissionais que não possuem especializações e experiência1414. Moll MF, Silva LD, Magalhães FHL, Ventura CAA. Nursing professionals and psychiatric admission in general hospital: perceptions and professional training. Cogitare Enferm. 2017;22(2):e49933. doi: https://https:/.doi.org/10.5380/ce.v22i2.49933.
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Outrossim, alguns dos enfermeiros entrevistados acreditam que sua dificuldade ultrapassa os limites da falta de treinamento, relacionando-a à sua falta de preparo pessoal devido, principalmente, às experiências prévias negativas com essas pessoas. Tal despreparo gera insegurança nos profissionais que, muitas vezes não se sentem aptos a executar um cuidado de qualidade a estas pessoas.

O despreparo também pode ser oriundo da falta de oportunidades de lidar com pessoas com comorbidades psiquiátricas anteriormente1414. Moll MF, Silva LD, Magalhães FHL, Ventura CAA. Nursing professionals and psychiatric admission in general hospital: perceptions and professional training. Cogitare Enferm. 2017;22(2):e49933. doi: https://https:/.doi.org/10.5380/ce.v22i2.49933.
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. O despreparo relatado por alguns entrevistados, estava associado à pouca ou nenhuma experiência anterior com a assistência às pessoas com comorbidades psiquiátricas.

Ademais, faz-se importante, também, repensar sobre os processos de formação profissional. No Brasil, os cursos de graduação em enfermagem têm disciplinas e carga-horária destinadas à saúde mental reduzidas diante da complexidade que a envolve1515. Pessoa Júnior JM, Santos RCA, Clementino FS, Nascimento EGC, Miranda FAN. Mental health education and professional practice in the psychiatric hospital. Texto Contexto Enferm. 2016;25(3):e3020015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016003020015.
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. Visto que é na graduação, por meio do ensino, que as percepções e práticas dos futuros profissionais são moldadas, as disciplinas que envolvem o tema deveriam ser melhor exploradas, no sentido de oportunizar aos acadêmicos as vivências do cuidado ao indivíduo em sofrimento mental.

Outro entrave para os entrevistados diz respeito à falta de auxílio de uma equipe especializada em saúde mental, principalmente para auxiliar em momentos de crise da pessoa junto à equipe da emergência.

A gente não tem às vezes um suporte adequado, de uma avaliação psiquiátrica que vem das unidades (EN1).

A psiquiatria não desce para avaliar paciente na emergência (EN4).

A equipe psiquiátrica do hospital não assume, não vem aqui. A clínica empurra para a psiquiatria, a psiquiatria não assume. Tanto que não vem nem a psiquiatria olhar, vem só de vez em quando; não vem (EN6).

A inclusão da consultoria nos serviços de emergência pode ser um importante recurso de suporte para a equipe na busca da ampliação do acesso à informação, educação e treinamento, ampliando a qualidade da assistência oferecida à essas pessoas. Ademais, as atividades de consultorias estabelecem um trabalho interdisciplinar que resulta em respostas efetivas e qualificadas, tanto na assistência às necessidades do paciente quanto na capacitação da equipe, pois as ações de cuidado são executadas pela própria equipe1616. Bambaréna CY, Zimmermann PR, Sfoggia A. Características das solicitações de interconsultas psiquiátricas em idosos internados em hospital universitário da região sul do Brasil. PAJAR Pan Am. J. Aging Res. 2015;3(1):8-14. doi: https://doi.org/10.15448/2357-9641.2015.1.19739.
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Na fala dos entrevistados percebe-se que no SE estudado a consultoria é pouco utilizada, causando a impressão que não há avaliação psiquiátrica. Isto posto, fica a critério da equipe clínica avaliar, manejar e tratar a pessoa com comorbidade psiquiátrica, gerando desconforto e insegurança na equipe. Assim, evidencia-se a necessidade de maior articulação entre a equipe do SE e a equipe de consultoria, objetivando um cuidado qualificado à pessoa com comorbidade psiquiátrica.

No SE em estudo, a equipe conta com a consultoria em psiquiatria, mas a falta de articulação entre os serviços tem gerado a fragmentação do cuidado, pois a pessoa com comorbidade psiquiátrica não é cuidada, em alguns momentos, por uma equipe capacitada, gerando o descontentamento nos profissionais da emergência e possível estresse no trabalhador.

De fato, percebe-se a importância do serviço de emergência ter no hospital a consultoria em psiquiatria, no entanto, é preciso investir em diálogos, discussões de caso, reuniões de equipe, visto que os casos nem sempre são discutidos entre os profissionais.

Sugestões dos enfermeiros para qualificar o cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica

O fato de apontar dificuldades não é suficiente se não há proposição de sugestões para melhorar os aspectos abordados. Dessa forma, esta categoria revela as percepções dos enfermeiros no que diz respeito às sugestões para qualificar o atendimento a pessoa com comorbidade psiquiátrica no serviço de emergência. Assim, emergiram três elementos importantes: fluxograma de atendimento; consultoria psiquiátrica e capacitação para a equipe.

De um modo geral, os entrevistados compreendem que deveria existir um fluxo de atendimento da pessoa com comorbidade psiquiátrica do serviço de emergência, que priorizasse seu encaminhamento, à rede de atenção à saúde ou à internação. Além disso, citam a necessidade de seguir um protocolo de atendimento diferenciado a estas.

Tem que ter um fluxograma de atendimento para esse paciente. Eu acho que deveria ter um fluxograma que priorizasse a internação desses pacientes (EM1).

Eles tem que ter um fluxo diferente para eles. [...] um fluxo para eles específico no andar da psiquiatria com um número de leitos específico para emergência. [...]Melhorar a forma de fluxo para retirar esses pacientes daqui da emergência. Tentar dar um destino para esse paciente o quanto antes (EM2).

Se seguisse o protocolo eu acho que seria melhor. [...] Retomar esse protocolo, alinhar ele melhor, e orientar as equipes, trazer, passar em reunião, sei lá de que forma; colocar em display as rotinas. Dentro da rotina do protocolo, esse paciente deveria ser encaminhado (ET1).

O fluxograma representa um processo que esboça um caminho de decisão, percorrido desde a entrada do usuário. Os protocolos funcionam como “passo-a-passo” que instrumentalizam os profissionais na tomada de decisão e são importantes ferramentas para atualização na área da saúde, utilizados para reduzir variação inapropriada na prática clínica1717. Silva JASV, Hinrichsen SL, Brayner KAC, Vilella TAS, Lemos MC. Glosas Hospitalares e o Uso de Protocolos Assistenciais: Revisão Integrativa da Literatura. Rev Adm Saúde. [Internet]. 2017 [citado 2017 set 07];17(66):[18 telas]. Disponível em: http://ww.cqh.org.br/ojs-2.4.8/index.php/ras/article/view/13/24 .
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O SE em estudo possui, desde 2014, um protocolo de atendimento à pessoa com comorbidade psiquiátrica que ainda é pouco conhecido e utilizado pelos profissionais. O mesmo indica que a pessoa deve ser classificada como laranja pelo sistema Manchester de Classificação de Risco; deve ser realizada a investigação de queixas clínicas e, em caso de ser uma emergência psiquiátrica, a mesma deverá ser encaminhada para a rede de saúde do município. Assim, como na fala de ET1, acredita-se que a retomada deste protocolo no serviço implicaria em melhora no processo de trabalho e, consequentemente, na qualidade de assistência à pessoa com comorbidade psiquiátrica.

Neste sentido, entende-se que a existência de um protocolo de atendimento acrescenta melhorias no atendimento, uma vez que seja aliado a um treinamento que vise a compreensão da pessoa com comorbidade psiquiátrica pelos enfermeiros e sua subjetividade1717. Silva JASV, Hinrichsen SL, Brayner KAC, Vilella TAS, Lemos MC. Glosas Hospitalares e o Uso de Protocolos Assistenciais: Revisão Integrativa da Literatura. Rev Adm Saúde. [Internet]. 2017 [citado 2017 set 07];17(66):[18 telas]. Disponível em: http://ww.cqh.org.br/ojs-2.4.8/index.php/ras/article/view/13/24 .
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. Assim, através das falas dos entrevistados, evidencia-se que a sugestão da existência de um fluxograma e de um protocolo de atendimento à pessoa com comorbidade psiquiátrica traria benefícios para o atendimento destes no SE, tanto na sua chegada ao serviço quanto na sua saída. Deste modo, a existência de um protocolo de atendimento e a padronização dos fluxos dentro do SE tendem a contribuir para a uniformização do cuidado, ao passo que também podem tornar os profissionais mais seguros de suas ações.

Em contrapartida, à luz do processo da reforma psiquiátrica, compreende-se que o serviço de emergência geral é um serviço que deve atender as demandas de saúde mental, além das questões clínicas das pessoas com comorbidades psiquiátricas. No entanto, percebe-se que isto ainda não é real quando os profissionais sugerem que haja um fluxo de atendimento que retire os pacientes do serviço.

Corroborando com a dificuldade da falta de auxílio de uma equipe especializada em saúde mental no SE, os entrevistados acreditam que uma consultoria eficaz auxiliaria e agilizaria o tratamento da pessoa com comorbidade psiquiátrica na emergência.

Eu acho que ele deveria ter uma avaliação bem precoce do psiquiatra, já iniciar as medicações. [...]A avaliação psiquiátrica teria que ser mais eficaz [...]. Até a enfermagem, que quando aciona o psiquiatra, a gente também já poderia acionar a enfermagem psiquiátrica, para ela também analisar esses riscos (EM1).

Eu acho que primeiramente deveria ser atendido por um clínico, verificar qual o tratamento adequado, e na sequência um psiquiatra. Eu acho que eles deveriam atender juntos pro tratamento ser mais eficaz (ES1).

Como sugestão, além da presença do psiquiatra para avaliação, os entrevistados também incluem a consultoria em enfermagem psiquiátrica como ferramenta no cuidado. A consultoria em enfermagem surge como estratégia no compartilhamento da atenção com outro enfermeiro, gerando a participação em diversos cenários de atuação desse profissional. Também apresenta-se como uma ferramenta institucional, ao favorecer parcerias no atendimento das demandas do cuidado de enfermagem à pessoa internada1818. Lima MS, Rêgo RMV, Maia LFRB, Nogueira LSS, Souza AMA. Sofrimento psíquico do enfermeiro assistencial em hospital geral: desafios e possibilidades. Rev Enferm. UFPE on line. 2014 [citado 2017 set 07];8(2):286-94. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/9673/9710.
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O hospital em estudo conta com uma equipe de Consultoria de Enfermagem Psiquiátrica que desenvolve estratégias para fortalecer a relação das equipes de Enfermagem das unidades de internação com os pacientes com comorbidades psiquiátricas. No entanto, este serviço ainda é pouco conhecido e utilizado dentro do hospital. O baixo aproveitamento desta consultoria é uma perda importante da qualidade de assistência à pessoa com comorbidade psiquiátrica na emergência.

Considera-se que o auxílio de uma equipe especializada e a inclusão de avaliação precoce da psiquiatria pode ampliar as possibilidades de acesso facilitado, o diagnóstico antecipado dos problemas com o início de intervenções apropriadas e imediatas, além da criação de um ambiente não estigmatizante e promoção de educação permanente1616. Bambaréna CY, Zimmermann PR, Sfoggia A. Características das solicitações de interconsultas psiquiátricas em idosos internados em hospital universitário da região sul do Brasil. PAJAR Pan Am. J. Aging Res. 2015;3(1):8-14. doi: https://doi.org/10.15448/2357-9641.2015.1.19739.
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Dessa maneira, as capacitações, os processos de educação permanente, os espaços de discussões em equipe com os trabalhadores do SE, da consultoria de psiquiatria e de outros setores devem ser fortalecidos. Assim, busca-se garantir cuidados ampliados em saúde mental, na perspectiva da integralidade e conforme proposto pelo modelo de atenção psicossocial instituído pela reforma psiquiátrica.

Além disso, os enfermeiros entrevistados sugeriram fortemente que a instituição proporcione capacitação para a equipe do SE, uma vez que, entre as principais dificuldades no atendimento à pessoa com comorbidade psiquiátrica está a falta de preparo dos profissionais. Acredita-se que o fornecimento de informações atualizadas e treinamento possa qualificar o cuidado a estes indivíduos.

Proporcionando cursos; dúvidas a gente acaba esclarecendo ali no momento, mas aquilo acaba se perdendo depois, então se tivesse uma coisa mais continuada [...] (ET2).

Eu acho que nós deveríamos ter um treinamento específico para atender esse tipo de paciente [...] para conseguir identificar, para saber que cuidados fazer, e até para ver como vai ser o desfecho, o que se faz na saída desse paciente. A gente poderia ter mais conhecimento, ter uma troca (EN4).

A gente discutir os casos seria uma coisa bem interessante. E não só a equipe médica, mas discutir de forma interdisciplinar, multidisciplinar. Acho que é discutir os casos é uma forma de capacitar (ES2).

As maneiras sugeridas pelos entrevistados para capacitação incluem cursos, integração com a equipe da unidade psiquiátrica do hospital e momentos em reuniões de equipe visando a aquisição de competências profissionais. A obtenção de conhecimento deve surgir não só como posse de saberes disciplinares ou técnico-profissionais, mas a capacidade de mobilizá-los para enfrentar os imprevistos na situação de trabalho1919. Miccas FL, Batista SHSS. Educação permanente em saúde: metassíntese. Rev Saúde Pública. 2014;48(1):170-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004498.
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Porém, além de capacitar, deve-se proporcionar espaços que vão ao encontro dos pressupostos da Educação Permanente em Saúde, que serve como instrumento para transformar o profissional de saúde em um profundo conhecedor da sua realidade local. Os espaços coletivos construídos para trocas de saberes, reflexões e avaliações delineiam novos modos de produção do cuidado que exige a apreensão da realidade, não para a adaptação a ela, mas para nela intervir2020. França T, Medeiros KR, Belisario SA, Garcia AC, Pinto ICM, Castro JL, et al. Política de educação permanente em saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1817-28. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.30272016.
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A busca pela capacitação do profissional torna-se crucial para que se tenha como referências as mudanças no modelo de assistência decorrentes do processo de reforma psiquiátrica e, em consequência, promover a inserção da pessoa com comorbidade psiquiátrica no hospital geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa trouxe à tona as dificuldades encontradas pelos enfermeiros no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica no serviço de emergência as seguintes questões: a estrutura física e ambiência inadequada e a superlotação que interferem no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica dificultando a oferta de um atendimento adequado.

Os entrevistados referiram, ainda, que as dificuldades que eles encontram no cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica, estão fortemente relacionadas à falta de conhecimentos específicos na área. Outro entrave para os entrevistados diz respeito à falta de auxílio de uma equipe especializada em saúde mental, principalmente, para auxiliar em momentos de crise junto à equipe da emergência.

Em relação as sugestões para melhoria do cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica os participantes destacam a necessidade de um fluxo de atendimento da pessoa com comorbidade psiquiátrica do serviço de emergência, que priorizasse seu encaminhamento à rede de atenção à saúde ou à internação. Além disso, acreditam que uma consultoria eficaz auxiliaria e agilizaria o tratamento, bem como a presença do psiquiatra para avaliações. Os entrevistados também incluem a consultoria em enfermagem psiquiátrica como ferramenta no cuidado. Os enfermeiros sugeriram fortemente que a instituição proporcione capacitação para a equipe do SE, uma vez que, entre as principais dificuldades no atendimento à pessoa com comorbidade psiquiátrica está a falta de preparo dos profissionais.

No local estudado há espaço para discussão sobre o tema e muitos entrevistados entenderam que esta pesquisa ofertou espaço para o assunto, por vezes pouco debatido. Portanto, deve-se transcender a fragmentação do cuidado prestado às pessoas com comorbidade psiquiátrica desde a formação dos profissionais de saúde, em especial dos enfermeiros, que carecem de conhecimentos e preparo para realizar esse cuidado com qualidade.

O presente artigo contribuiu para repensar a necessidade de investimentos nos currículos de formação da enfermagem para o cuidado da pessoa com comorbidade psiquiátrica. Assim, as instituições de saúde devem estimular a busca de conhecimento e as instituições de ensino propiciar uma formação que abranja a área de saúde mental em emergência, preparando melhor o futuro profissional para o trabalho nestas áreas.

Por fim, as limitações deste estudo referem-se a impossibilidade de generalização dos resultados tendo em vista que é uma pesquisa com metodologia qualitativa, assim, os resultados encontrados estão relacionados à trajetória, experiência e significações das pessoas investigadas. Além disso, os dados oriundos, deste estudo, podem contribuir e incentivar novos estudos que permitam a adequação e qualificação dos cuidados de enfermagem às pessoas com comorbidade psiquiátricas em serviços de emergência de hospitais gerais, pois este também é um espaço de cuidado destes usuários.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2018
  • Aceito
    17 Dez 2018
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