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Incidentes de segurança com crianças hospitalizadas reportados por seus familiares

RESUMO

Objetivo:

Conhecer os principais incidentes de segurança reportados por familiares de pacientes internados em unidades pediátricas.

Métodos:

Pesquisa de abordagem qualitativa com delineamento exploratório-descritivo. Os dados foram coletados entre abril/2016 e dezembro/2017, em três hospitais de Porto Alegre/RS. Realizaram-se 91 entrevistas semiestruturadas com familiares de pacientes pediátricos hospitalizados em emergências, enfermarias e centros de terapia intensiva. Os depoimentos foram transcritos na íntegra e submetidos à análise de conteúdo temática.

Resultados:

Formulou-se a categoria Identificação de incidentes de segurança por familiares de pacientes pediátricos hospitalizados. Emergiram oito subtemas: terapia medicamentosa, higienização de mãos e ambiente, dietoterapia, risco de quedas, comunicação, identificação do paciente, processos/procedimentos assistenciais e acesso à instituição.

Conclusões:

Os familiares identificaram incidentes de segurança em variadas etapas de cuidado à criança hospitalizada. Faz-se necessário pensar em estratégias de integração dos familiares no cuidado à criança para minimizar os riscos e incidentes relacionados ao cuidado.

Palavras-Chaves:
Segurança do paciente; Pediatria; Criança hospitalizada; Cuidadores; Familiares

ABSTRACT

Objective:

To know the main safety incidents reported by relatives of patients hospitalized in pediatric units.

Methods:

This is a qualitative research with exploratory-descriptive design. Data were collected between April 2016 and December 2017, in three hospitals in Porto Alegre/RS. A total of 91 semi-structured interviews were conducted with relatives of pediatric patients hospitalized in emergencies, infirmaries, and intensive care centers. The statements were transcribed in full and submitted to a thematic content analysis.

Results:

The category Identification of safety incidents by relatives of hospitalized pediatric patients was formulated. Eight subtopics emerged: drug therapy, hand and environment hygiene, diet therapy, risk of falls, communication, patient identification, care processes/procedures and access to the institution.

Conclusions:

The family identified safety incidents in various stages of care for hospitalized children. It is necessary to think about strategies that integrate the family in the care of children, to minimize risks and complications resulting from care.

Keywords:
Patient safety; Pediatrics; Child, hospitalized; Caregivers; Family

RESUMEN

Objetivo:

Conocer los principales incidentes de seguridad reportados por familiares de pacientes internados en unidades pediátricas.

Métodos:

Investigación de abordaje cualitativa con delineamiento exploratorio-descriptivo. Los datos fueron recolectados entre abril/2016 y diciembre/2017, en tres hospitales de Porto Alegre/RS. Se realizaron 91 entrevistas semiestructuradas con familiares de pacientes pediátricos hospitalizados en emergencias, enfermerías y centros de terapia intensiva. Los testimonios fueron transcritos en su totalidad y sometidos al análisis de contenido temático.

Resultados:

Se formuló la categoría Identificación de incidentes de seguridad por familiares de pacientes pediátricos hospitalizados. Surgieron ocho subtemas: terapia con medicamentos, higiene de las manos y ambiente, dietoterapia, riesgo de caídas, comunicación, identificación del paciente, procesos/procedimientos asistenciales y acceso a institución.

Conclusiones:

los familiares identificaron incidentes de seguridad en variadas etapas de cuidado al niño hospitalizado. Se hace necesario pensar en estrategias de integración de los familiares en el cuidado al niño, revirtiendo ese panorama inseguro de asistencia.

Palabras clave:
Seguridad del paciente; Pediatría; Niño hospitalizado; Cuidadores; Familia

INTRODUÇÃO

O cuidado à criança e ao adolescente hospitalizado transpassa por procedimentos e cuidados que os expõem a riscos de saúde. Os eventos adversos na assistência em pediatria são considerados mais factíveis de ocorrência do que nos adultos e com maior potencial de evoluírem a desfechos mais graves devido às particularidades de desenvolvimento, da anatomia e de sistemas fisiológicos desse público.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a segurança do paciente está relacionada à redução a um mínimo aceitável do risco de danos desnecessários relacionados aos cuidados em saúde. Os incidentes são eventos que poderiam resultar ou resultaram em dano desnecessário ao paciente. Quando um incidente não atinge o paciente é denominado near miss. Quando atinge o paciente, mas não causa dano é chamado de incidente sem dano. Já o incidente que resulta em dano ao paciente é denominado de incidente com dano ou evento adverso11. World Health Organization (CH). Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety: version 1.1: final technical report January 2009. Genebra: WHO; 2009 [cited 2009 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
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Estudo que analisou os eventos adversos que resultaram em óbito a nível nacional apontou a ocorrência de 48 mortes em neonatos menores de 28 dias a adolescentes de até 17 anos, em dois anos de estudo22. Maia CS, Freitas DRC, Gallo LG, Araújo WN. Registry of adverse events related to health care that results in deaths in Brazil, 2014-2016. Epidemiol Serv Saúde. 2018;27(2):e2017320. doi: https://doi.org/10.5123/S1679-49742018000200004
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. Outro estudo revelou a ocorrência de 34 incidentes notificados em unidades pediátricas e unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal em, aproximadamente, 45 dias de estudo33. Souza JF, Vituri DW. Notificações de incidentes relacionados à segurança do paciente como ferramenta de gestão para a mudança da cultura organizacional. Rev Eletron Acervo Saúde. 2019;17 Supl:e237. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e237.2019
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A hospitalização pediátrica é permeada por características peculiares, como a participação dos acompanhantes em tempo integral e o desencadeamento de sentimentos negativos no acompanhante e na criança; como o medo e a angústia, que modificam a assistência dos profissionais da saúde. Para a criança, também pode ser um evento traumático e de risco decorrente das práticas assistenciais44. Antão C, Rodrigues N, Sousa F, Anes E, Pereira A. Hospitalização da criança: sentimentos e opiniões dos pais. INFAD Rev Psicol. 2018 [cited 2019 apr 10];1(1):125-32. Available from: http://www.infad.eu/RevistaINFAD/OJS/index.php/IJODAEP/article/view/1201/1044
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, o que faz com que o acompanhante assuma papel crucial junto aos profissionais como agentes promotores da segurança do paciente.

Estudo com familiares de pacientes e sua interface com a segurança do paciente destacou que as percepções dos acompanhantes quanto à segurança do paciente estão aquém do conhecimento empírico de proteção e deveres paternos. Com as devidas orientações dos profissionais, os acompanhantes recebem os subsídios necessários para adotarem condutas que vão ao encontro da cultura de segurança do paciente. Os acompanhantes demonstram interesse e disponibilidade para serem orientados e participarem dos cuidados à criança de forma protetiva para que os incidentes não atinjam o paciente55. Peres MA, Wegner W, Cantarelli-Kantorski KJ, Gerhardt LM, Magalhães AMM. Perception of family members and caregivers regarding patient safety in pediatric inpatient units. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0195. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0195
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Essa pesquisa justifica-se pela importância de estudos mais aprofundados nessa temática. O campo da segurança do paciente carece de pesquisas que contemplem a alta confiabilidade, a cultura de segurança, a comunicação aberta e a detecção precoce da deterioração e sepse do paciente no contexto da pediatria. Estudo internacional também aborda como prioritária a investigação de erros de diagnóstico, a segurança da medicação e a segurança do paciente ambulatorial como áreas prioritárias de estudo66. Hoffman JM, Keeling NJ, Forrest CB, Tubbs-Cooley HL, Moore E, Oehler E, et al. Priorities for pediatric patient safety rResearch. Pediatrics. 2019;143(2):e20180496. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2018-0496
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Apesar da sua reconhecida importância, ainda há poucos estudos que investiguem a identificação de incidentes na percepção do paciente, familiar ou acompanhante. Desse modo, a questão que norteou essa pesquisa foi: de que maneira os incidentes de segurança com a criança hospitalizada são percebidos e reportados por seus familiares? O objetivo do estudo foi conhecer os principais incidentes de segurança reportados por familiares de pacientes internados em unidades pediátricas.

Este estudo foi desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem, Educação e Tecnologias (GEPEETec), o qual vem contribuindo com a produção de conhecimento na área da saúde e enfermagem ao longo de quase 10 anos vinculado à história de sucesso dos 68 anos da Escola de Enfermagem e 20 anos do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

MÉTODO

Trata-se de estudo de abordagem qualitativa com delineamento exploratório-descritivo77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: HUCITEC; 2014.. O estudo faz parte de um projeto matriz intitulado “Segurança do Paciente nos Serviços de Atenção Hospitalar à Criança na Cidade de Porto Alegre/RS”. Os dados foram coletados no período de abril de 2016 a dezembro de 2017, em três instituições hospitalares de grande porte do município de Porto Alegre/RS, com leitos em unidades de internação pediátrica, unidade de tratamento intensivo pediátrica (UTIP) e emergência pediátrica que atendem usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). As instituições hospitalares em questão, em conjunto, são responsáveis pela maioria dos atendimentos a crianças com doenças crônicas, no tratamento oncológico pediátrico e de alta complexidade. Juntos somam mais de 500 leitos de internação pediátrica e neonatal, sendo referências para todo o Estado no tratamento à criança.

Totalizaram-se 91 entrevistas com familiares de pacientes pediátricos internados em enfermarias (unidades clínicas e cirúrgicas), centros de terapia intensiva e emergências pediátricas. Anteriormente à coleta dos dados, foi estipulado o número mínimo de seis entrevistas por unidade de internação; porém, esse número sofreu alterações à medida em que as entrevistas foram realizadas pela aplicação do critério de saturação empírica e teórica das informações77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: HUCITEC; 2014.. Por isso, houve a realização de 56 entrevistas em unidades de internação, 17 em UTIP e 18 em emergências. Os critérios para inclusão foram o familiar ter idade igual ou superior a 18 anos, e a criança estar hospitalizada há pelo menos, sete dias na enfermaria ou na UTIP, ou seis horas na emergência. Excluíram-se os familiares que não eram os cuidadores legais da criança. Essas informações foram coletadas mediante prontuário do paciente e/ou diretamente com os profissionais. A escolha dos participantes ocorreu de forma intencional, sendo realizado o convite para participação do estudo à beira do leito do paciente.

Realizaram-se entrevistas semiestruturadas, gravadas em dispositivo digital. A coleta de dados foi conduzida por bolsistas de iniciação científica treinadas para tal finalidade. O roteiro abordava questões que instigaram o acompanhante a refletir seu conhecimento sobre a temática, se já havia identificado falhas, erros ou riscos na assistência, ações que afetam a segurança do paciente, seu papel como familiar e acompanhante, se a participação e a orientação da família aumentam a segurança da criança hospitalizada, e os fatores essenciais para promover a segurança do paciente quando internado em serviço de saúde.

Inicialmente as entrevistas foram transcritas na íntegra e digitadas no software Microsoft Word® 2010, totalizando, aproximadamente, 329 páginas de material empírico. Os depoimentos dos participantes foram identificados pela letra I, quando realizadas em unidade de internação; U, quando realizadas em UTIP e E, quando realizadas em emergência, e precedidas de um numeral conforme a ordem de sua realização. Posteriormente o material foi organizado com auxílio do software QSR NVivo versão 11.0 e submetido à análise de conteúdo temática proposta por Minayo. A análise de conteúdo consistiu na etapa de Pré-análise, que consiste na leitura exaustiva do material, organização do material, formulação e reformulação dos objetivos do estudo. A segunda etapa da análise foi a exploração do material, classificação os dados coletados em categorias organizadas de acordo com expressões ou palavras significativas. A terceira etapa da análise foi o tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação77. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: HUCITEC; 2014..

Os familiares que participaram do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo seguiu as normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da instituição proponente, parecer nº 1.072.189, e das três instituições coparticipantes, sob pareceres nº 1.221.489, 1.383.292 e 1.175.995.

RESULTADOS

Os resultados oriundos das falas dos familiares foram organizados em uma categoria principal: Identificação de incidentes de segurança por familiares de pacientes pediátricos hospitalizados; com suas subcategorias: incidentes na terapia medicamentosa, na higienização de mãos e ambiente, na dietoterapia do paciente, no risco de quedas do paciente, na comunicação ineficaz entre todos os envolvidos no cuidado à criança, na identificação do paciente, nos processos/procedimentos assistenciais e na segurança para acesso à instituição de saúde; sendo um recorte de um estudo mais amplo.

Identificação de incidentes de segurança por familiares de pacientes pediátricos hospitalizados

Os relatos em todos os setores de hospitalização se assemelharam, o que possibilitou a criação de grandes eixos temáticos de acordo com os incidentes relatados pelos acompanhantes nas unidades de internação, UTIP e emergências pediátricas.

Terapia medicamentosa

Os incidentes ocorreram em variados processos assistenciais, dentre eles o medicamentoso. Os familiares reconheceram incidentes com medicamentos relacionados a atrasos na administração, falhas na comunicação quanto à terapêutica, dosagem e tempo de infusão incorretos, suspensão da medicação equivocada, falta de pulseira de alergia e quase erro interceptado pelo próprio familiar.

[...] ela ia dar nebulização para o meu filho, só que ele já tinha feito nebulização, dai eu falei pra ela [...] (I 1)

[...] porque tem comprimidos que devem ser tomados uma hora antes dos alimentos ou uma hora depois [...] (I 30)

Uma vez uma quimioterapia que era para infundir em três horas, infundiu em 55 minutos. E outra vez, a programação também foi feita totalmente errada, era para infundir 318 ml em uma hora e ela colocou para infundir 26 ml em uma hora [...] (I 36)

[...] ele no caso não está usando uma pulseira pra quem tem alergia, sendo que ele tinha alergia [...] (I 47)

No caso, esse medicamento, o tempo que vai colocar. Uma hora coloca um tempo, outra hora coloca outro e depois, vem corrigir. Aí, eu vi que estão errando mesmo [...] (U 10)

Higienização de mãos e ambiente

Os incidentes relacionados à higienização das mãos e aos cuidados na propagação de doenças infectocontagiosas estiveram presentes nos relatos de forma expressiva. Os familiares identificaram a higienização de mãos incorreta ou até mesmo ausente em momentos essenciais da assistência, e por vezes não realizada pelos próprios familiares das crianças. Foram mencionados erros na utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) em isolamentos e na orientação quanto à utilização desses materiais pelos profissionais. A higienização do ambiente e das crianças também foi considerada aspecto importante na qualidade da assistência e que foi frágil em alguns momentos.

Porque eu vejo direto um monte de gente entrando, tanto médico, quanto enfermeiro, quanto técnico. Entram ali, tocam muitas vezes em criança, e mesmo se não toca, sai dali e entra direto já na nossa sala [...] (I 51)

[...] eu vejo que muita gente pai e mãe, não lavam muito as mãos na hora de entrar [...] (U 17)

Porque pra começar na emergência elas não utilizam a máscara. Eu já disse para elas colocarem a máscara nele porque eu sei que ele não pode ter o contato né [...] (I 36)

[...] de quando vai o banho de uma criança para outra, às veze,s elas não limpam muito bem assim...Não passam álcool ( na pia onde são realizados os banhos) só passam o pano assim... rapidinho [...] (I 50)

O que eu vejo, assim, aqui... que não sei onde é que eu li, que tem...Não sei se é todo dia ou por semana, que tem que passar álcool no berço. E isso eu vejo o que quase ninguém [...] não sei se faria parte desse procedimento... passar, talvez, um pano por cima da prateleira. Porque eu fiquei um mês na UTI eu não vi ninguém passando o paninho por cima, sabe? (U 17)

Dietoterapia

A dietoterapia das crianças hospitalizadas apresentou incidentes no seu processo de distribuição, na demora na entrega de determinadas dietas e para a liberação de NPO, na temperatura dos alimentos, na infusão de dietas enterais, na adaptação dos alimentos hospitalares à preferência da criança, na dosagem e na omissão na terapia nutricional:

Aconteceu quando nós conseguimos ir uma semana para o andar e ele tem uma gastro, e pela abstinência ele ficou muito nervoso e eu pedi para tirarem a gastro. Então, ele ficou dias sem se alimentar[...] mas tem duas médicas [...] elas me negaram NPT [...] Ele fez uma hipoglicemia, menos de 20, e veio a convulsionar durante 8 minutos [...] Então, isso pra mim foi uma negligência [...] (U 7)

[...] como ela é acostumada para comer uma banana, uma maçã, tomar um iogurte [...] como aqui, até agora ninguém me ajudou a resolver a situação [...] eles não dão bola, ninguém resolveu ainda [...] Daí botam no prontuário dela “ela recusou o mama, ela recusou o mama” [...] (E 2)

Acontece de pedir uma coisa e vem outra coisa. Que nem ela odeia maçã e sempre vem, dai eu tenho que ir lá e destrocar. (E 8)

Teve uma vez, que ele estava recebendo dieta e aumentaram a dieta. E veio com a dieta a mais e a prescrição estava a menos. E acabou que jogaram o que não necessitava fora e, depois, chegou a prescrição com a dieta a mais [...] (U 17)

[...]Às vezes as funcionárias que trazem o lanche dão umas “rateadas”, trazem errado [...] Dai, às vezes, como está prescrito mamadeira fria, vem uma quente [...] (I 14)

[...] Dai ele estava muito faminto [...] dai o enfermeiro conseguiu um lanchinho para ele. Hoje pela manhã quando era o horário do café da manhã, porque a enfermagem não tinha comunicado a copa que estava liberado [...] (I 37)

[...] a técnica não instalou o mama na sonda [...] ela instalou só que ela não ligou a pontinha do mama com a, não tirou a sonda do saquinho e ligou, e deixou ali em cima da cama, e aí a cama que tomou o mama. (I 57)

Risco de quedas

Quanto às quedas, houve o relato de uma queda por um acompanhante e menção por outros depoentes do risco de quedas pela ausência de leitos mais seguros e adequados para o tamanho das crianças e por práticas inseguras por parte dos profissionais.

Ele caiu do berço, olha a grade como é [...] caiu meu crachá e quando fui pegar ele virou por cima da grade e bateu com a cabeça no chão [...] Eu vejo que ele é uma criança maior para a idade dele, mas a grade estava mais ou menos aqui (apontou) e mesmo assim ele virou. (I 2)

[...] quando eu cheguei achei estranho que a grade dela é meio baixinha. Ela vai fazer dois anos, então ela fica em pé [...] (I 9)

Da grade também já vi uma, que estava mexendo nele e não levantou a grade porque foi rapidinho buscar outra coisa. (I 51)

[...] ele fica batendo o rosto, ele escorrega, ele fica com as pernas para fora do bercinho [...] Agora eles vão trocar, vão colocar ele em um berço que tem grade. Ela olhou agora ali e viu que está bem perigoso. (E 13)

Comunicação

Outro aspecto que mobilizou os entrevistados foi a comunicação entre e com os profissionais. Para eles, a comunicação falha é percebida no processo medicamentoso, na dietoterapia, na transferência de cuidados, na escuta das queixas do familiar e na ausência de escuta sensível, na falta de informação do horário de visita, nas informações desencontradas entre os profissionais e na comunicação de prognóstico e exames do paciente, sendo os principais pontos abordados.

Ele fez uns exames e não me falaram que ele tinha meningite, então eu fui saber segunda-feira, sendo que ele está aqui desde quarta-feira [..] Mas eu falei: “como eu não sabia?”. (I 10)

[...] até vir o professor mesmo, vem uns três médicos, quatro médicos... e aí cada um fala uma coisa diferente né [...] (I 49)

Mas esse pra mim foi o maior erro deles, falar que meu filho não ia sobreviver e que não tinha nenhum remédio, nenhuma cirurgia, não tinha nada [...] que tinha que esperar a morte dele chegar [...] (I 55)

[...] como na visita também pedi um papel para saber como era a visita porque ninguém me falou nada [...] (E 2)

Ela tentou furar ele várias vezes, meu filho estava passando mal durante a madrugada [...] E eu dizendo assim “fulana, ele tem veia somente na cabecinha para poder tirar” [...] Lá pelas tantas eu já estava cansada de ver ela furando ele, e ele tem um braço com extravasamento de cálcio [...] ela ameaçou furar o braço dele. Ali foi o ponto final[...] (U 7)

O que converge para a questão da comunicação entre profissionais e familiares é a relação desenvolvida por eles durante a internação. Para muitos depoentes, o paciente não recebe a atenção necessária para sua segurança quando o familiar não está por perto, assim como eles não se sentem acolhidos e ouvidos pelos profissionais.

É uma reclamação das técnicas de enfermagem, elas poderiam ser um pouco mais atenciosas com as crianças. A criança fica agitada e elas deixam até o último. A criança chora, chora até dormir [...] (I 5)

[...] E dai uma tal de V. cuidou do meu filho, só que diz que ela jogava ele para um lado e para o outro e “cala essa boca”. Ainda bem que eu não vi, mas uma mãe viu e me falou [...] (I 19)

[...] tem horas que ficam muito tempo sabe, fora do quarto [...] Essa semana mesmo, tinha um dos bebezinhos que estava num outro leito, eu tive que pegar ela porque ela estava com...fizeram tipo um ninhozinho pra ela, e ela estava com a cabeça assim embaixo, e ela não conseguia respirar. A enfermeira não estava no quarto, a outra lá da frente estava lá outras crianças, e eu tive que mexer na criança. [...] (I 50)

Identificação do paciente

A identificação do paciente, uma das estratégias de maior importância para a segurança do paciente, também apresentou falhas, segundo os familiares, pela ausência ou pela falta de verificação da pulseira de identificação.

[...] desde ontem quando ela chegou até agora ainda não colocaram pulseirinha nela [...]entraram aqui agora entraram no quarto e falaram que ela é um menino, mas ela é uma menina. Não tem o nome para identificar ela. (E 9)

Sim, ele estava lá embaixo, dai lá eles não colocaram a pulseirinha, ele veio para cá sem a pulseirinha no bracinho [...] (I 16)

Só que agora a minha está sem porque eles tiveram que fazer um procedimento nela e na hora eles rasgaram e tiraram, mas daí não trouxeram outra. O certo é eles trazerem outra né. (I 33)

Que... todos olhassem a pulseira né... tipo, são gêmeos, dá pra diferenciar um ao outro né, mas se fosse dois meninos ou duas meninas? Saberia qual é a medicação? Se os dois ficam no mesmo berço […] (I 45)

Processos/procedimentos assistenciais

Quanto aos processos e procedimentos assistenciais, foram identificados incidentes nos cuidados com sondas, no descarte de materiais, na demora no encaminhamento para exames e procedimento cirúrgico, nas tentativas de punção venosa desmedidas, no descuido para manipulação de cateter, na alta hospitalar precoce, nos riscos relacionadas às limitações naturais da criança para determinados procedimentos, no excesso de movimentação de pessoas no espaço do paciente, na demora no atendimento na emergência, na falta de atenção dos profissionais para os cuidados e dispositivos dos pacientes.

[...] Ontem mesmo antes dele entrar para cá eu pedi para ela tirar o xixi com sonda e eles esperaram ele fazer o xixi, era para ele esperar 10 minutos. Uma criança desse tamanho espera 10 minutos? Não tem como [...] (E3)

[...] o que se nota é quando, por exemplo, uma movimentação de pessoas muito grande e às vezes, você esperou um tempo para que a criança venha mamar ou possa dormir e dai entra mais uma pessoa [...] então dentro desse critério de segurança, acredito que o ponto que eu exploro não fuja disso [...]( E14)

Era muita demora, tinham que passar ela e demoraram. Dai eu peguei e falei “quero ver se dá uma crise nela, quero ver quem vai segurar ela”, “ah não se der dai a gente resolve”. Eu cheguei às 21h e fui atendida às 24h. Demorou bastante. (E 7)

Hoje já era para eles teriam levado para o bloco para tirar a infecção e ainda até agora não chamaram, o curativo dele estava todo molhado e fui eu que troquei, os médicos não vieram ver como ele está, eles dão o antibiótico, mas também precisam fazer o curativo e não estão fazendo como tem que fazer. (E 11)

[...] então o Omeprazol é via oral. E ela não se certificou de que era via oral e colocou pela sonda, e não estava bem diluído, porque ele estava para ser tomado via oral e ai acabou obstruindo. (I 57)

[...]Mas eu fui reclamar da demora da cirurgia do meu filho na ouvidoria e disseram que não poderiam fazer nada[...](I 20)

[...] Até mesmo a manipulação do cateter, que tem umas que não tem tanto cuidado como outras né [...] (I 36)

[...] eles tem pressa acho de mandarem embora as crianças mais rápido né.. sem se curar 100% né […] (I 44)

Acesso à instituição

Os familiares também relacionaram os incidentes de segurança do paciente com as fragilidades na identificação e seleção de quem ingressa no hospital para visita aos pacientes.

Algumas vezes, porque tem gente entra lá na emergência conseguem entrar para o hospital da criança e aqui só sobe se eles avisam, mas já vi casos de pais, parentes entrarem sem ser avisado aqui em cima [...] (I 18)

[...] até a identificação, é péssima, entra qualquer um, vi gente entrando que não era pai e mãe e que não podia [...] (I 51)

Os incidentes de segurança do paciente reportados por familiares de crianças hospitalizadas são variados e abrangem diferentes etapas dos processos assistenciais relacionados ao cuidado.

DISCUSSÃO

Em relação à terapêutica medicamentosa, estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos com relatórios de vigilância sobre a segurança do paciente demonstrou que os eventos adversos narrados pelos familiares envolveram mais frequentemente danos temporários aos pacientes, os quais exigiram intervenções em 84,9% dos casos ou aumento no tempo de hospitalização em 15,2% das crianças; sendo que, majoritariamente, os incidentes estavam relacionadas diretamente à medicação88. Khan A, Coffey M, Litterer KP, Baird JD, Furtak SL, Garcia BM, et al. Families as partners in hospital error and adverse event surveillance. JAMA Pediatr. 2017;171(4):372-81. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2016.4812
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Uma revisão integrativa de literatura sobre a visão dos acompanhantes a respeito dos incidentes relacionadas ao processo medicamentoso identificou que a maioria desses erros dizem respeito à sobrecarga de trabalho e a problemas do âmbito da gestão, sendo a melhoria das condições de trabalho, a educação continuada e a cultura de segurança como principais medidas preventivas99. Forte ECN, Pires DEP, Padilha MI, Martins MMFPS. Nursing errors: a study of the current literature. Texto Contexto-Enferm. 2017;26(2):e01400016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001400016
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Dentre as principais estratégias trazidas pela literatura para a redução da incidência de erros de medicação estão melhorias/implantação dos sistemas eletrônicos de prescrição médica, qualificação dos profissionais que atuam na pediatria e melhorias na comunicação no que tange à administração segura de fármacos entre os profissionais que compõem a equipe e destes com as famílias1010. Basco WTJ, Gamer SS, Ebeling M, Freeland KD, Hulsey TC, Simpson K. Evaluating the potential severity of look-alike, sound-alike drug substitution errors in children. Acad Pediatr. 2016;16(2):183-91. doi: https://doi.org/10.1016/j.acap.2015.06.014
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. Essa ação converge para os achados do nosso estudo, apontado que a comunicação ineficiente na terapêutica medicamentosa é um fator importante apontado pelos familiares das crianças, e que propicia incidentes.

A higienização das mãos e do ambiente foi resultado de outro estudo1111. Lyndon A, Jacobson CH, Fagan KM, Wisner k, Franck LS. Parents’ perspectives on safety in neonatal intensive care: a mixed-methods study. BMJ Qual Saf. 2014;23(11):902-9. doi: https://doi.org/10.1136/bmjqs-2014-003009
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, convergindo com os achados desse estudo, em que alguns acompanhantes observaram que nem sempre as boas práticas para controle de infecção são seguidas, o que demonstra a conscientização dos familiares quanto à necessidade de proteger as crianças de infecção.

Estudo de intervenção identificou aumento da adesão e percepção positiva da lavagem de mãos após aplicação do Guia para a Implementação da Estratégia Multimodal da OMS para melhoria da Higiene de Mãos em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica que incluía observações quadrimestrais da adesão, divulgação dos resultados, instituição de semana comemorativa, disponibilização de material educativo e treinamentos anuais1212. Gurgel SS, Ferreira MKM, Sandoval LJS, Araújo PR, Galvão MTG, Lima FET. Nursing competencies in the prevention of falls in children in light of the Galway consensus. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e03130016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720170003140016
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A higienização das mãos e o uso de EPI também estão diretamente ligadas a medidas citadas por autores na prevenção de infecções relacionadas à assistência em saúde. Este estudo traz ainda que a educação permanente é um importante instrumento promotor de mudanças da prática, aliada à atuação das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) na sensibilização dos profissionais1313. Monteiro TS. Infecção hospitalar: visão dos profissionais da equipe de enfermagem. Rev Epidemiol Control Infec. 2015;5(2):84-8. doi: https://doi.org/10.17058/reci.v5i2.5665
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Em pesquisa semelhante ao estudo em questão, a dietoterapia das crianças hospitalizadas também foi citada pelos familiares como uma preocupação para a segurança física do paciente1111. Lyndon A, Jacobson CH, Fagan KM, Wisner k, Franck LS. Parents’ perspectives on safety in neonatal intensive care: a mixed-methods study. BMJ Qual Saf. 2014;23(11):902-9. doi: https://doi.org/10.1136/bmjqs-2014-003009
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. A correta verificação do nome do paciente, a dosagem, os cuidados quanto à infusão de dietas parenterais e a maior flexibilização da terapia alimentar da criança para maior aproximação com a dietoterapia ofertada em seu domicilio podem ser ações indicadas para redução de incidentes e maior qualidade da assistência nesse âmbito.

A ênfase no cuidado ao público infantil reforça que as quedas e o risco para tal adquirem maior visibilidade, pois devido às condições de crescimento e desenvolvimento da criança estas são mais predispostas a quedas. Dentre as recomendações de ações para prevenção de quedas destaca-se: manter uma das grades elevadas do berço durante a troca de roupa/fralda da criança; providenciar para que as crianças com idade > 6 meses ≤ 36 meses sejam transportadas deitadas em maca na companhia do responsável quando for submetida a procedimentos com anestesia/sedação ou em cadeira de rodas no colo do responsável; e avaliar o risco para quedas no momento da admissão da criança. Também é indicado a orientação à criança e ao familiar sobre a presença do risco de queda relacionado aos fatores contribuintes, tais como idade, diagnóstico, fatores cognitivos, história pregressa, jejum prolongado, cirurgia/sedação/anestesia e/ou medicação, e como prevenir sua ocorrência, além de ser imprescindível que os profissionais informem o familiar se a criança está liberada ou não para deambular1212. Gurgel SS, Ferreira MKM, Sandoval LJS, Araújo PR, Galvão MTG, Lima FET. Nursing competencies in the prevention of falls in children in light of the Galway consensus. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e03130016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720170003140016
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.

As ações que se relacionam à comunicação são complexas e devem ser discutidas dentro das instituições hospitalares, pois quando não ocorre de forma efetiva gera risco à segurança do paciente e se relaciona a erros múltiplos dentro do contexto de cuidado. Os incidentes de comunicação são a principal causa de falhas que afetam a segurança do paciente. Estudos ressaltam em seus resultados que, assim como os familiares entrevistados para essa pesquisa, outros familiares pesquisados reconheceram a ligação entre a comunicação e a segurança. Assim, são necessárias ações para melhoria da comunicação entre profissionais de saúde e familiares e/ou entre os próprios integrantes da equipe assistencial, refletindo em mais segurança para os pacientes pediátricos1414. Vanderbilt AA, Pappada SM, Stein H, Harper D, Papadimos TJ. Increasing patient safety with neonates via handoff communication during delivery: a call for interprofessional health care team training across GME and CME. Adv Med Educ Pract. 2017;8:365-7. doi: https://doi.org/10.2147/AMEP.S129674
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-1515. Khan A, Furtak SL, Melvin P, Rogers JE, Schuster MA, Landrigan CP. Parent-reported errors and adverse events in hospitalized children. JAMA Pediatr. 2016;170(4):e154608. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2015.4608
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Estudos reforçam a importância da inclusão dos familiares nos cuidados à criança hospitalizada, principalmente no papel de vigilantes para a segurança do paciente; diminuindo, assim, a ocorrência de falhas através dos relatórios de incidentes de segurança realizados pelos familiares. Foi identificado em relatório, um aumento na detecção geral de erros médicos em 16% e um acréscimo em 10% dos relatos de eventos adversos, sendo mais eficiente que os relatórios dos profissionais em saúde. Isto tem sustentado a importância de incluir os familiares na vigilância da segurança na assistência aos pacientes pediátricos hospitalizados1515. Khan A, Furtak SL, Melvin P, Rogers JE, Schuster MA, Landrigan CP. Parent-reported errors and adverse events in hospitalized children. JAMA Pediatr. 2016;170(4):e154608. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2015.4608
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-1818. Souza S, Tomazoni A, Rocha PK, Cabral PFA, Souza AIJ. Identificação da criança na pediatria: percepções dos profissionais de enfermagem. Rev Baiana Enferm. 2015;29(1):5-11.).

Entretanto, como os familiares não estão preocupados somente com as questões diretamente relacionadas à segurança do paciente, seus relatos podem ser muito úteis para o aumento na qualidade dos cuidados com a criança hospitalizada, ampliando a visão dos profissionais em saúde. Mas para que os pais sejam parceiros efetivos na prevenção das falhas, estes precisam estar bem informados sobre os planos de cuidados, sempre estarem atualizados sobre as mudanças na terapêutica adotada e serem incentivados a participar e se manifestar1515. Khan A, Furtak SL, Melvin P, Rogers JE, Schuster MA, Landrigan CP. Parent-reported errors and adverse events in hospitalized children. JAMA Pediatr. 2016;170(4):e154608. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2015.4608
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.

Ainda sobre a comunicação entre profissionais e familiares, os familiares demonstram a necessidade da equipe de enfermagem em reavaliar e refletir sobre o seu papel no provimento de informações e orientações aos pacientes e aos acompanhantes. Também, os familiares reconhecem a necessidade de maior humanização na assistência já que o enfermeiro tem potencial para tornar a hospitalização menos traumática para a criança justamente através da comunicação1616. Carvalho JL, Silva AEBC, Sousa MRG, Freitas JS, Bezerra ALQ. Assessment of quality and safety of nursing assistance to the hospitalized child: Perception of accompanying. J Nurs UFPE on line. 2017;11(Supl 11):4700-8. .

Os familiares desse estudo também referiram incidentes relacionados à identificação do paciente. A ausência de pulseira de identificação ou a falta de verificação da mesma demonstram fragilidades, corroborando com estudo realizado em UTIP, que evidenciou que a fixação de placa na cabeceira do leito ou na porta do box era o recurso mais utilizado para a identificação do paciente, o que expõe a riscos visto que essa forma de identificação geralmente não acompanha o paciente no transporte para realização de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos fora da unidade de origem1717. Bernal SCZ, Raimondi DC, Oliveira JLC, Inoe KC, Matsuda LM. Patient identification practices in a pediatric intensive care unit. Cogitare Enferm. 2018;(23)3:e55390. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v23i3.53390
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.

A literatura reitera a importância de assegurar a correta identificação do paciente para a sua segurança. Nos cuidados, há inúmeras situações que interferem na identificação do paciente e que devem ser consideradas, como a presença de pacientes com nomes iguais ou semelhantes. Como estratégia indicada para garantia da segurança do paciente, sugere-se a conferência sempre pelo nome completo do paciente e não a utilização exclusiva de outros indicadores como o número do leito. A identificação correta do paciente também está relacionada com a garantia da correta administração de fármacos e em todos os cuidados prestados ao paciente. Além disso, a identificação do paciente pode ser considerada uma forma de garantia dos seus direitos, assegurando-se assim que o paciente receberá um cuidado planejado e direcionado para suas necessidades, sem circunstâncias que causem dano e afetem sua segurança1818. Souza S, Tomazoni A, Rocha PK, Cabral PFA, Souza AIJ. Identificação da criança na pediatria: percepções dos profissionais de enfermagem. Rev Baiana Enferm. 2015;29(1):5-11..

A atenção para a identificação do paciente além de ser um cuidado importante para o paciente, também é para a segurança do profissional, pois todos os envolvidos no processo de cuidado sofrem implicações de um incidente de segurança do paciente. Por isso, a atualização dos conhecimentos profissionais é de extrema valia para sua proteção e para segurança do paciente, sobretudo, aos profissionais que trabalham em setores que possuem particularidades, como a pediatria, necessitando de ações específicas e voltadas para esse público1919. Silva HS, Araújo TS, Alves AS, Silva MN, Costa HOG, Melo M, et al. Error-producing conditions in nursing staff work. Rev Bras Enferm 2018;71(4):1858-64. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0192
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.

A fragilidade quanto ao controle do acesso de pessoas que visitam as crianças hospitalizadas também foi relacionada pelos familiares como um incidente. Essa perspectiva, apesar de mais recente, também foi relatada como preocupação para a segurança do paciente em pesquisa realizada em unidade neonatal, na qual os pais dos pacientes conferiram significativa importância à disponibilidade de um profissional em tempo integral na recepção do serviço, possibilitando o monitoramento do fluxo de pessoas2020. Rodrigues FA, Wegner W, Kantorski KJC, Pedro ENR. Patient safety in a neonatal unit: concerns and strategies experienced by parents. Cogitare Enferm. 2018; (23)2. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v23i1.52166
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. Desta forma, o controle do fluxo de pessoas nos serviços de saúde configura-se como uma nova dimensão a ser considerada para a segurança do paciente, a qual carece de maior investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo apontaram incidentes relacionados à terapia medicamentosa, higiene de mãos e do ambiente, identificação do paciente, risco de quedas, terapia alimentar, acesso ao serviço, comunicação e relação dos profissionais com os familiares, processos e procedimentos assistenciais. Apesar das diversas situações identificadas como incidentes de segurança e risco na assistência pelos participantes, ambos são de extrema importância para a compreensão da concepção que os familiares têm sobre segurança do paciente, identifica-se que seu conhecimento sobre a temática apresenta limitações e pontos que devem ser trabalhados pelas instituições de saúde.

Os principais incidentes relatados pelos participantes demonstraram que para reverter o panorama para um cuidado mais seguro às crianças e aos adolescentes hospitalizados é crucial que tanto os profissionais, quanto os gestores sejam conscientizados da dimensão e da complexidade do problema, estimulando a participação dos familiares nos cuidados e na prevenção de incidentes.

A inclusão dos familiares em todos os processos de cuidado faz com que consigam identificar possíveis riscos e incidentes nos cuidados à criança hospitalizada. A inserção desse familiar significa ter uma comunicação aberta e efetiva, com diálogo que possibilite ao familiar questionar condutas terapêuticas e participar da tomada de decisão em parceria com a equipe multiprofissional.

Informar o paciente e seu familiar sobre os processos durante a assistência e a importância de determinados cuidados contribui para a promoção da cultura de segurança. Assim, o estudo contribui para que estratégias possam ser repensadas na inclusão destes familiares nas questões de segurança do paciente durante a hospitalização da criança. Além disso, colabora com o avanço científico referente à temática, possibilitando a sensibilização de enfermeiros em formação e incentivando novas pesquisas em busca da qualificação do cuidado.

As limitações deste estudo se relacionam à dificuldade dos participantes em relatarem situações vivenciadas, às restrições do seu entendimento sobre a temática e à apreensão de se afastarem do leito das crianças. Sugere-se novos estudos que testem a utilização de formulário de notificação de incidentes para o relato de familiares e pacientes sobre os incidentes na hospitalização infantil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2019
  • Aceito
    13 Ago 2019
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