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Acidente com material perfurocortante entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário

Accidents with cutting and piercing materials among nursing professionals at a university hospital

Accidente con material corto-punzante entre profesionales de enfermería de un hospital universitario

Resumos

Os riscos ocupacionais a que os profissionais da equipe de enfermagem estão sujeitos no desempenho de suas funções são consideráveis. Assim estabeleceu-se como objetivo deste estudo analisar os acidentes perfurocortantes no período de 2002 a 2006, envolvendo a equipe de enfermagem de um hospital universitário, para compreender o contexto em que ocorrem. A utilização destas informações pode ser ferramenta de prevenção. Estudo descritivo, retrospectivo quantitativo e qualitativo. Na análise quantitativa foi utilizada estatística descritiva e na qualitativa o discurso do sujeito coletivo. Por meio das fichas de notificação do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital, foi possível identificar acidentes do gênero no período pesquisado. Entrevistas foram direcionadas às vítimas de acidentes que tiveram como paciente-fonte portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/ Vírus da Imunodeficiência Humana, hepatite B e C. Os achados demonstraram que ainda persiste um grau significativo do desconhecimento ou banalização dos acidentes entre profissionais da saúde.

Saúde do trabalhador; Enfermagem do trabalho; Exposição ocupacional; Exposição a agentes biológicos


The occupational hazards to which nursing professionals are subject while performing their duties are considerable. Hence, this study aimed at analyzing accidents with cutting and piercing instruments involving the nursing team of a university hospital from 2002 to 2006 in order to understand the context in which they occurred. The use of such information can be a prevention tool. This is a descriptive, retrospective, quantitative and qualitative study. Descriptive statistics was used for quantitative analysis and the collective subject discourse was utilized for qualitative observation. By using report forms from the hospital's Epidemiological Surveillance Center, it was possible to identify that type of accident in the studied period. Interviews were targeted at accident victims who had patients with the Acquired Immunodeficiency Syndrome/ the Human Immunodeficiency Virus, Hepatitis B and C as source patients. The findings showed that a significant lack of knowledge and the banalization of accidents still persist among health care professionals.

Occupational health; Occupational health nursing; Occupational exposure; Exposure to biological agents


Los riesgos ocupacionales a que los profesionales del equipo de enfermería están sujetos en el desempeño de sus funciones son considerables. Así, se estableció como objetivo de este estudio analizar los accidentes con perforación y corte en el período de 2002 a 2006 que involucraron al equipo de enfermería de un hospital universitario, para comprender el contexto en que ocurren. Usar esta información puede ser una herramienta de prevención. Este es un estudio descriptivo, retrospectivo cuantitativo y cualitativo. En el análisis cuantitativo se usó la estadística descriptiva y en la cualitativa el discurso del sujeto colectivo. Por medio de las fichas de notificación del Núcleo de Vigilancia Epidemiológica del Hospital, fue posible identificar accidentes del género en el período investigado. Se hicieron entrevistas con las víctimas de accidentes que tuvieron como paciente-fuente a portadores de Síndrome de la Inmunodeficiencia Adquirida/ Virus de la Inmunodeficiencia Humana, hepatitis B y C. Lo hallazgos demostraron que todavía persiste un grado significativo de desconocimiento o banalización de los accidentes entre profesionales de la salud.

Salud laboral; Enfermería del trabajo; Exposición profesional; Exposición a agentes biológicos


ARTIGO ORIGINAL

Acidente com material perfurocortante entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário

Accidente con material corto-punzante entre profesionales de enfermería de un hospital universitario

Accidents with cutting and piercing materials among nursing professionals at a university hospital

Talita Rodrigues da SilvaI; Suelen Alves RochaII; Jairo Aparecido AyresIII; Carmen Maria Casquel Monti JulianiIV

IEnfermeira graduada pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, São Paulo, Brasil

IIEnfermeira, Aluna do Programa de Residência em Saúde da Família da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP, Botucatu, São Paulo, Brasil

IIIDoutor em Doenças Tropicais, Professor do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP, Botucatu, São Paulo, Brasil

IVDoutora em Enfermagem, Professora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP, Botucatu, São Paulo, Brasil

Endereço do autor Endereço do autor: Jairo Aparecido Ayres UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu Departamento de Enfermagem Campus Universitário Rubião Jr, s/nº 18603-970, Botucatu, SP E-mail: ayres@fmb.unesp.br

RESUMO

Os riscos ocupacionais a que os profissionais da equipe de enfermagem estão sujeitos no desempenho de suas funções são consideráveis. Assim estabeleceu-se como objetivo deste estudo analisar os acidentes perfurocortantes no período de 2002 a 2006, envolvendo a equipe de enfermagem de um hospital universitário, para compreender o contexto em que ocorrem. A utilização destas informações pode ser ferramenta de prevenção. Estudo descritivo, retrospectivo quantitativo e qualitativo. Na análise quantitativa foi utilizada estatística descritiva e na qualitativa o discurso do sujeito coletivo. Por meio das fichas de notificação do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital, foi possível identificar acidentes do gênero no período pesquisado. Entrevistas foram direcionadas às vítimas de acidentes que tiveram como paciente-fonte portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/ Vírus da Imunodeficiência Humana, hepatite B e C. Os achados demonstraram que ainda persiste um grau significativo do desconhecimento ou banalização dos acidentes entre profissionais da saúde.

Descritores: Saúde do trabalhador. Enfermagem do trabalho. Exposição ocupacional. Exposição a agentes biológicos.

RESUMEN

Los riesgos ocupacionales a que los profesionales del equipo de enfermería están sujetos en el desempeño de sus funciones son considerables. Así, se estableció como objetivo de este estudio analizar los accidentes con perforación y corte en el período de 2002 a 2006 que involucraron al equipo de enfermería de un hospital universitario, para comprender el contexto en que ocurren. Usar esta información puede ser una herramienta de prevención. Este es un estudio descriptivo, retrospectivo cuantitativo y cualitativo. En el análisis cuantitativo se usó la estadística descriptiva y en la cualitativa el discurso del sujeto colectivo. Por medio de las fichas de notificación del Núcleo de Vigilancia Epidemiológica del Hospital, fue posible identificar accidentes del género en el período investigado. Se hicieron entrevistas con las víctimas de accidentes que tuvieron como paciente-fuente a portadores de Síndrome de la Inmunodeficiencia Adquirida/ Virus de la Inmunodeficiencia Humana, hepatitis B y C. Lo hallazgos demostraron que todavía persiste un grado significativo de desconocimiento o banalización de los accidentes entre profesionales de la salud.

Descriptores: Salud laboral. Enfermería del trabajo. Exposición profesional. Exposición a agentes biológicos.

ABSTRACT

The occupational hazards to which nursing professionals are subject while performing their duties are considerable. Hence, this study aimed at analyzing accidents with cutting and piercing instruments involving the nursing team of a university hospital from 2002 to 2006 in order to understand the context in which they occurred. The use of such information can be a prevention tool. This is a descriptive, retrospective, quantitative and qualitative study. Descriptive statistics was used for quantitative analysis and the collective subject discourse was utilized for qualitative observation. By using report forms from the hospital's Epidemiological Surveillance Center, it was possible to identify that type of accident in the studied period. Interviews were targeted at accident victims who had patients with the Acquired Immunodeficiency Syndrome/ the Human Immunodeficiency Virus, Hepatitis B and C as source patients. The findings showed that a significant lack of knowledge and the banalization of accidents still persist among health care professionals.

Descriptors: Occupational health. Occupational health nursing. Occupational exposure. Exposure to biological agents.

INTRODUÇÃO

Acidente de trabalho é o evento súbito ocorrido no exercício de atividades laborais, independentemente da situação empregatícia e previdenciária do trabalhador acometido, e que acarreta dano à saúde, potencial ou imediato, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa, direta ou indiretamente, a morte, ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade laboral. Inclui-se ainda o acidente ocorrido em qualquer situação em que o trabalhador esteja representando os interesses da empresa; bem como aquele ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho(1).

Adotamos o termo acidente retirando-lhe, contudo, a conotação eventual e casual que lhe pode ser imputada. Uma vez que tais eventos são, em maior ou menor grau, previsíveis e preveníveis.

No entanto, tendo em vista as evidências de não notificação destes eventos e/ou inadequação do acompanhamento dos indivíduos acidentados(2), o Ministério da Saúde (MS) investe na política nacional de notificação de acidentes e doenças no trabalho. Uma das ações é a expansão da Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador (Renast) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). A Portaria nº 2.437/GM, de 7 dezembro de 2005, dispõe sobre a ampliação e o fortalecimento da Renast e dá outras providências, como apoiar a organização e a estruturação da assistência de média e alta complexidade, local e regional, que atende os acidentes de trabalho e agravos contidos na lista de doenças relacionadas ao trabalho constantes na Portaria nº 1.339/GM, de 18 de novembro de 1999, e aos agravos de notificação compulsória citados na Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de 2004(3).

O interesse por este tema decorre das preocupações com os riscos ocupacionais a que os profissionais da saúde, principalmente da equipe de enfermagem, estão sujeitos no desempenho de suas funções, dos quais se destacam os acidentes com perfurocortantes.

As principais causas destes acidentes relacionam-se a não observação de normas, imperícia, condições laborais inadequadas, instruções incorretas ou insuficientes, falhas de supervisão e orientação, falta ou inadequação no uso de equipamentos de proteção individual (EPI)(2).

Os acidentes com perfurocortantes foram associados à transmissão da hepatite B (HBV), hepatite C (HCV) e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) aos profissionais de saúde(4). Sendo que 80 a 90% são acidentes com agulhas, estima-se ainda, que o risco de contaminação por este tipo de material alcança índices de 6 a 30% para HBV, 0,4 a 1,8% para HCV e 0,25 a 0,4% para HIV(5).

Após o advento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) na década de 80, foram implementadas medidas para proteção dos profissionais nos serviços de saúde, as chamadas Precauções Universais (PU), estabelecidas em 1996 pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC)(6). Devem ser utilizadas na assistência a todos os pacientes, independente de sua patologia, na manipulação de sangue, secreções e excreções e contato com mucosas e pele não-íntegra. Incluem o uso de EPI, bem como cuidados na manipulação e descarte de materiais perfurocortantes contaminados com material biológico(7).

Neste contexto, a Norma Regulamentadora (NR) 32 que objetiva o estabelecimento das diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral, preconiza o uso de EPI, a higienização das mãos, a vacinação contra hepatite B, tétano e difteria, entre outras disposições(8). Em complementação, a Portaria nº 939, de 19 de novembro de 2008, determinou o prazo de dois anos, a partir da data de sua publicação, para as empresas substituírem os materiais perfurocortantes por outros com dispositivo de segurança(9).

Os patógenos que podem ser transmitidos pela exposição ocupacional ao sangue são mais de vinte, porém, os que apresentam importância epidemiológica são os vírus do HIV, hepatites B e C(10).

A AIDS pode se desenvolver de acordo a carga viral e a velocidade com que o vírus atinge o sistema imunológico. Assim sendo, após um acidente com paciente-fonte (PF) portador de HIV deve o profissional ser submetido a exames sorológicos para HIV (teste rápido), e em caso do PF ser positivo é indicado início da quimioprofilaxia durante 28 dias em no máximo 48h após o acidente. O acompanhamento sorológico para HIV, Hepatite B (HBsAg) e Hepatite C (AntiHCV), em casos de acidentes com materiais biológicos, é protocolado pelo MS em 30, 60 e 180 dias(11).

Os prejuízos econômicos e sociais desses acidentes – seus impactos na dinâmica familiar das vítimas, por exemplo – tem sido pouco estudados, bem como as sequelas crônicas e de instalação tardia com o estabelecido do nexo causal laboral e aquelas de estabelecimento tardio do nexo, visto que os acidentes inicialmente não foram registrados como do trabalho(1).

Neste contexto, este artigo, originado a partir de trabalho de conclusão de curso(12), objetivou analisar os acidentes perfurocortantes no período de 2002 a 2006, envolvendo a equipe de enfermagem de um hospital universitário, para compreender o contexto em que ocorrem.

O estudo se justifica pois a utilização destas informações pode ser uma ferramenta de prevenção de acidentes, oferecendo subsídios para a educação permanente.

METODOLOGIA

No presente estudo foi realizada uma análise retrospectiva quantitativa dos dados presentes nas fichas de notificação do Núcleo de Vigilância Epidemiológica (NVE), em junho e julho de 2008, fornecidas diretamente pelo Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital das Clínicas de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (HC-UNESP). A população estudada foi composta por profissionais de enfermagem que trabalhavam nesta instituição no período de 2002 a 2006 que sofreram acidentes com materiais perfurocortantes com material biológico.

As variáveis estudadas foram: sociodemográficas (idade, sexo, categoria profissional) e clínicas (acompanhamento sorológico, tipo de exposição, prevalência de material orgânico e agentes causadores nos acidentes, prevalência de materiais perfurocortantes possivelmente infectados pelo vírus HIV, HBV e HCV). Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva.

Utilizou-se ainda, uma abordagem qualitativa de pesquisa realizada por meio de entrevistas aos trabalhadores, em agosto e setembro de 2008, que tiveram como portadores de sorologias positivas para HIV, HBsAg e AntiHCV, perfazendo um total de 16 indivíduos. Não foi possível encontrar cinco destes trabalhadores, obtendo-se uma amostra de 11 sujeitos.

A entrevista abordou as seguintes questões: a) Fale-me sobre o que significou para sua vida a ocorrência do acidente pérfuro-cortante que você sofreu durante o desempenho da sua atividade profissional; b) Você relaciona esse acidente com as suas condições de trabalho e/ou da instituição? c) Você gostaria de fazer alguma sugestão à gerência relacionada aos acidentes de trabalho? As entrevistas foram gravadas em fitas K-7, transcritas na íntegra, e destruídas após a coleção de dados. Para a análise utilizou-se a metodologia qualitativa do discurso do sujeito coletivo (DSC)(13). Cada discurso foi identificado com um número arábico, a fim de preservar a identidade do sujeito entrevistado.

A coleta de dados foi realizada após a obtenção de parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme ofício 431/2007-CEP-Botucatu e a autorização dos atores que participaram deste estudo, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(14), que aprovou as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise quantitativa

Ocorreram 149 acidentes, no período estudado, com materiais perfurocortantes, dos quais sete foram reincidências, envolvendo a equipe de enfermagem nas categorias: enfermeiro; técnico (TE); auxiliar (AE) e atendente de enfermagem (ATE). Nenhuma vítima contraiu patologias. A distribuição da frequência destes acidentes foi descrita na Tabela 1.

A maioria dos acidentes acometeu profissionais do sexo feminino (85,41%), na faixa etária entre 21 a 40 anos (65,77%), na categoria profissional AE (67,1%). O percentual de auxiliares de enfermagem na equipe é de 74,4 %, o que justifica a maior ocorrência de acidente nesta categoria.

A prevalência do sexo feminino se relaciona ao fato da equipe de enfermagem ser composta majoritariamente por profissionais deste sexo, no período analisado (89,75 %). Estudo aponta que trabalhadores que possuem menor conhecimento e qualificação profissional estariam sujeitos a sofrerem maior número de acidentes(2). O menor índice de acidentes envolvendo o ATE (1,3%) deve-se a participação apenas de atividades elementares relacionadas à higiene, conforto, transporte do paciente, organização do ambiente e de documentos, se abstendo de procedimentos invasivos e que oferecem riscos, em atendimento à resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 185/95(15).

Por outro lado, nosso estudo evidenciou um índice alto de acidentes com enfermeiros (18,1%), que certamente possuem maior qualificação, pressupondo incremento no envolvimento da categoria profissional em procedimentos técnicos voltados ao cuidado direto.

Entretanto, quando comparamos o número de acidentes por categoria profissional com o número total de profissionais atuantes nesta categoria, no período analisado, percebemos que proporcionalmente os TE são os mais acometidos, conforme apresentado no Gráfico 1.


Estudo indica que independente da categoria profissional, trabalhadores com maior tempo de serviço acabam se arriscando mais, por adquirir uma autoconfiança na execução de suas atividades, por vezes, negligenciando medidas de precaução para proteção individual. Estudo demonstra que os riscos aumentam cerca de 4% por ano de trabalho(16).

O protocolo do MS prevê o acompanhamento sorológico por até seis meses, seja por HIV, HBsAg ou AntiHCV(11). No entanto, dos 149 acidentes ocorridos apenas oito (5,4%) realizaram tal procedimento, o restante não deu continuidade ao acompanhamento. A não adesão ao tratamento pode estar ligada às dificuldades físicas e psíquicas enfrentadas numa quimioprofilaxia de caráter preventivo. Considera-se também que o resultado negativo das sorologias imediatas conduz ao negligenciamento da continuidade do seguimento.

Ao analisar os acidentes ocorridos no período, pode-se observar conforme dados na Tabela 2, a prevalência de lesão percutânea (79,87%), do sangue (86,58%) como material orgânico envolvido e das agulhas com lúmen (59,06%) como agente causador dos acidentes.

Esses achados reafirmam dados literários, os quais apontam que acidentes com material perfurocortantes ocorrem frequentemente durante a manipulação de agulhas com lúmen, com exposição percutânea e tendo o sangue como material biológico(2).

Apesar dos resultados mostrarem alto índice de acidentes de agulhas com lúmen, o manipular artigos em geral, independente do nível de sujidade do material, deve ser feito com o uso dos EPI adequados, atentando para o descarte correto(7).

O número de acidentes com PF com sorologia positiva para HIV/AIDS, HbsAg e AntiHCV, relacionado a categoria profissional, podem ser visualizados na Tabela 3.

Dos oito AE que se acidentaram, dois tiveram como pacientes fontes portadores de duas patologias. Um portando HIV e HBsAg (+), e o outro portando HBsAg (+) e AntiHCV (+), perfazendo um total de dez patologias.

A sorologia positiva para HBsAg não significa que o paciente é portador de Hepatite B, pois o indivíduo pode ter sido vacinado e não desenvolvido anticorpo como o esperado, porém sua presença por mais de seis meses é indicativa de hepatite crônica. Já a presença de AntiHCV é indicadora de um contato prévio com o vírus da hepatite C, mas não define se recente ou tardio, neste caso o diagnóstico de infecção aguda deve ser realizado por meio da viragem sorológica documentada, enquanto o de infecção crônica só deve ser confirmado pela pesquisa qualitativa de HCV-RNA(17).

A soro-conversão dos trabalhadores da saúde por meio de exposição ocupacional aos vírus HIV, HBV e HCV tem sido reconhecida, comprovada e documentada. O risco é variável, devendo ser analisado todo o conjunto da situação. De acordo o MS existe a possibilidade de diminuí-lo por meio da quimioprofilaxia para o HIV e HBV apenas(12,18).

Análise qualitativa

A partir das questões norteadoras da entrevista construímos dois temas que desvelam a experiência investigada: "sentimentos vividos na experiência do acidente" e "a relação com as condições de trabalho e institucionais".

Sentimentos vividos na experiência do acidente

Nos depoimentos a seguir são registrados sentimentos expressos pelos funcionários quando se acidentam, os quais revelam a importância do funcionário receber apoio nessa situação.

Fiquei com medo, preocupado, porque o paciente era portador de HIV. Foi angustiante você esperar 30 dias pra saber o resultado da sorologia, enquanto isso você é submetido a um tratamento muito oneroso, passei muito mal com a medicação [...] não consegui vir trabalhar, entrei de licença por acidente de trabalho. Além do mais, não tive nenhum acompanhamento profissional na parte de enfermagem, a não ser da minha chefe, pois se tornou muito difícil pra mim a falta de um acompanhamento emocional, até hoje faço terapia com uma psicóloga [Idéia central: Passar por isso foi difícil, fiquei com medo de me contaminar] (1,2,3,5,7).

É complicado [...] ainda mais hepatite C que não tem vacina, então você fica naquela expectativa, [...] cada coleta que fazia era uma coisa nova, ainda mais eu que sou casada então tenho que pensar também na minha família, tenho que me prevenir, com relação sexual e tudo mais [Idéia central: Tenho que pelo menos proteger quem está do meu lado] (9).

Percebe-se o predomínio de relatos de sentimentos de medo, preocupação e angústia, explicado pelo fato de que profissionais de saúde possuem maior compreensão dos riscos acarretados pelo acidente, bem como consciência das possíveis consequências pessoais e familiares. Neste contexto, apresenta-se ainda a falta de acompanhamento psicológico, contribuindo para a instalação e permanência de danos emocionais relacionados à experiência.

No entanto, o DSC 10 revela a indiferença em relação ao acidente, bem como banalização dos riscos potenciais de infecção em cada ocorrência. Segundo dados do Núcleo de Vigilância Epidemiológica, há reincidência de acidentes ocorridos com este sujeito, o que pode parcialmente justificar tal comportamento.

[...] não significou nada, não fiquei preocupada. Fiz os exames, colhi sangue [...], não fiquei com medo. Nem lembrava desse acidente, quando você me ligou ai que lembrei, pois foi uma picadinha de nada [Ideia central: Não teve preocupação com o acidente] (10).

O medo foi o primeiro sentimento expresso com intensidade pelos sujeitos diretamente relacionado ao possível adoecimento decorrente da exposição. Dado divergente de estudo similar em que o medo foi relacionado à "represália" da chefia e ao risco de perder o emprego, ficando o medo de adoecer em segundo plano(19). Esse mesmo estudo corrobora nossos achados referentes aos sentimentos de preocupação e angústia vivenciados pelos trabalhadores, relacionando-os diretamente à esfera familiar e social. Porém, devemos considerar a influência de algumas características que são peculiares de cada instituição de saúde: processos de trabalho, vínculo empregatício e relacionamento interpessoal na equipe.

A relação do acidente com as condições de trabalho e institucionais

Os participantes, em sua maioria, não identificaram nenhuma característica de suas condições laborais que poderia ter contribuído para a ocorrência do acidente. Em relação aos comportamentos adotados após a experiência, relatam prestar mais atenção durante a realização de suas atividades laborais e o uso adequado dos EPI. Relatam ainda estarem satisfeitos com os materiais relacionados às Precauções Universais fornecidos pela instituição. Apenas um sujeito enfatizou a deficiência quantiqualitativa dos recursos materiais, e o déficit de recursos humanos (RH).

As condições de trabalho são boas. É fornecido o EPI, os funcionários têm boa orientação. Na verdade isso daí acontece com o ser humano, ele erra; desde então eu simplesmente passei a tomar mais cuidados [...] e não confiar tanto no serviço dos outros, então nisso ganho mais atenção, jamais esperei que isso ia acontecer. Não foi sobrecarga de trabalho, atribuo este acidente por consequências que passava no momento. A gente tem todos os cuidados, só que a agulha, o bisturi, são coisas que não segura, se você pegar ele vai furar [Ideia central: EPI não o protege, e sim a atenção redobrada ao executar procedimentos] (1,4,6,7,8,9,10,11).

Eu relaciono sim, com a falta de material no momento disponível na sala onde estava, procurei uma luva, tinha acabado o soro do paciente, a mãe estava desesperada, e eu não tinha luva, e a sala mais próxima, eram umas quatro salas pela frente, e também faltava um AE pra me ajudar, então acabei fazendo sem luvas [Ideia central: Problema da instituição pela falta de material no momento e falta de RH] (3).

É evidente que o cuidado na manipulação de artigos perfurocortantes é fundamental para se evitar acidentes. Entretanto, a instituição é responsável pela aplicabilidade da biossegurança nas atividades dos trabalhadores de enfermagem, por meio da adequação de recursos humanos e materiais, fornecimento de EPI, incentivo à educação permanente, adoção de medidas de higiene e segurança no ambiente laboral(20).O assunto predominante nas sugestões dos indivíduos entrevistados foi a possibilidade de haver treinamentos aos funcionários, como uma forma de aprendizagem e atualização, além de investimentos institucionais que envolvem diferentes aspectos.

Sempre alertar os funcionários sobre o uso dos EPI, independente se o paciente tem a sorologia, toda vez que se trabalhe com material pérfuro-cortante, que se perca o tempo de levar e jogar num lugar adequado, orientá-lo como proceder quando ocorrer o acidente, além de oferecer cursos de reciclagem, não só com nós da área de enfermagem, mas também com o pessoal da limpadora e com a ala médica. A instituição por sua vez, possa disponibilizar um material de boa qualidade e em maior quantidade, melhorar RH, pois muitas vezes a enfermeira gerente acaba assumindo o papel de AE, dar também um acolhimento psicológico, e procurar sempre, adquirir materiais que facilitam a execução dos serviços nas enfermarias [Ideia central: Condição de trabalho adequada minimiza os acidentes, para não passar tudo aquilo que passei] (1,2,3,4,5,6,7,8,9,10).

Dentro de uma instituição, o processo educativo deve contribuir para o surgimento de novas potencialidades individuais e novos projetos profissionais. A forma de organização do trabalho em enfermagem confirma a necessidade da educação continuada, enquanto estratégia de fortalecimento, permitindo ao trabalhador valorizar seu trabalho e sentir satisfação no realizado(21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de toda essa importância, ainda persiste um grau significante de desconhecimento ou banalização dos agravos causados pela contaminação destes vírus (HIV, Hepatite B e C), entre profissionais da saúde. Por estas constatações, verifica-se a necessidade da educação permanente destes profissionais quanto à saúde do trabalhador, abrangendo os riscos e prevenções de acidentes ocupacionais, uso de equipamentos de proteção individual e coletiva, importância da notificação imediata e acompanhamento sorológico completo, bem como o suprimento da estrutura das instituições em termos de recursos humanos e materiais. Isso implicará diretamente na diminuição dos índices de acidentes e/ou doenças ocupacionais.

Recebido em: 08/07/2010

Aprovado em: 16/11/2010

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  • Endereço do autor:
    Jairo Aparecido Ayres
    UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu
    Departamento de Enfermagem
    Campus Universitário Rubião Jr, s/nº
    18603-970, Botucatu, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Jul 2010
    • Aceito
      16 Nov 2010
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