Influência do letramento funcional em saúde na adesão ao tratamento com antidepressivos

RESUMO

Objetivo

Verificar a influência do nível de letramento funcional em saúde dos pacientes na adesão ao tratamento com antidepressivos.

Método

Estudo transversal, realizado nas farmácias da Secretaria Municipal de Saúde de Marília-SP, em 2020/2021. O questionário de letramento funcional verificou as habilidades numéricas e de interpretação dos pacientes, diante de textos relacionados à área de saúde. A adesão ao tratamento foi verificada pela escala de adesão terapêutica de Morisky, e os dados foram analisados por Anova-one-way e teste de Kruskal-Wallis.

Resultados

Participaram do estudo 150 pacientes, cuja maioria apresentou falhas na adesão e nível inadequado de letramento funcional em saúde, entretanto, não houve correlação entre letramento funcional em saúde e adesão ao tratamento.

Conclusão

Embora não tenha sido encontrada correlação entre as variáveis, há a necessidade de maiores investimentos em relação à adesão ao tratamento, com estratégias que considerem o nível de letramento funcional em saúde, nestes pacientes.

Palavras-chave
Letramento em saúde; Antidepressivos; Adesão à medicação

ABSTRACT

Objective

To verify the influence of patients’ level of functional health literacy on adherence to antidepressant treatment.

Method

Cross-sectional study, carried out in pharmacies of the Municipal Health Department of Marília-SP, in 2020/2021. The functional literacy questionnaire verified the numerical and interpretative skills of patients, in the face of texts related to the health area. The adherence to the treatment was verified using the Morisky therapeutic adherence scale, and the data were analyzed by Anova-one-way and Kruskal-Wallis tests.

Results

A total of 150 patients participated in the study, most of them showed failures in adherence and an inadequate level of functional health literacy. However, there was no correlation between functional health literacy and treatment adherence.

Conclusion

Although no correlation was found between the variables, there is a need for greater investments in terms of adherence to the treatment, with strategies that consider the level of functional health literacy in these patients.

Keywords
Health literacy; Antidepressive agents; Medication adherence

RESUMEN

Objetivo

Verificar la influencia del nivel de alfabetización funcional en salud de pacientes en la adherencia al tratamiento con antidepresivos.

Método

Estudio transversal, realizado en farmacias de la Secretaría Municipal de Salud de Marília-SP, en 2020/2021. El cuestionario de alfabetización funcional verificó las habilidades numéricas de los pacientes y su capacidad para interpretar textos relacionados con la salud. La adherencia al tratamiento se verificó mediante la escala de adherencia terapéutica de Morisky. Los datos se analizaron mediante ANOVA-one-way y test de Kruskal-Wallis.

Resultados

150 pacientes participaron en el estudio, la mayoría de los cuales presentaban fallos de adherencia y un nivel inadecuado de alfabetización funcional. Sin embargo, no hubo correlación entre alfabetización funcional sanitaria y adherencia al tratamiento.

Conclusión

Aunque no se encontró correlación entre las variables, es necesario invertir más en la adherencia al tratamiento, con estrategias que consideren el nivel de alfabetización funcional en salud de estos pacientes.

Palabras clave
Alfabetización en salud; Antidepresivos; Cumplimiento de la medicación

INTRODUÇÃO

A depressão é uma doença geralmente crônica e altamente prevalente, que pode promover incapacidade e diminuição da qualidade de vida. Trata-se de um problema de saúde pública mundial, que nos últimos anos, em casos mais graves, tem levado pacientes à morte, principalmente em decorrência de suicídio. Dados revelam que, aproximadamente, 300 milhões de pessoas sofrem com essa doença1.

A depressão representa um problema de saúde mental de grande impacto no sistema de saúde público, sendo classificada como a segunda doença a causar mais prejuízos econômicos e sociais. No ano de 2017, o atendimento a pacientes com depressão correspondeu a 23,9 % da procura pela Atenção Primária em Saúde. Cabe destacar que o acesso ao tratamento ainda pode esbarrar na dificuldade de se encontrar profissionais de saúde preparados para prestar assistência a esses pacientes2.

Em relação à sintomatologia, geralmente, pacientes deprimidos apresentam alterações no sono, apetite e peso, sentimento de culpa, cansaço, autodesvalorização, desesperança, ansiedade, tristeza, anedonia, retardo ou agitação psicomotora e diminuição da libido1. Uma das opções de tratamento do paciente com depressão é a farmacológica, entretanto uma grande parte dos medicamentos não é utilizado da maneira como foram prescritos, resultando, portanto, em falha no tratamento. Dessa forma, apesar dos benefícios destes medicamentos para os pacientes com depressão, com melhora do estado do humor, é importante que o paciente seja melhor orientado, visto que a adesão ao tratamento ainda representa um desafio3.

A adesão ao tratamento é definida como o rigor com o qual o paciente segue as recomendações recebidas dos profissionais de saúde em relação ao tratamento, o que na terapêutica farmacológica envolve o seguimento correto das orientações em relação à dose, o horário, e à frequência de uso dos medicamentos4.

Nos casos de tratamento com antidepressivos, a adesão ao uso dos medicamentos assume um papel fundamental para que o sucesso terapêutico seja atingido, uma vez que a melhora do quadro clínico leva algum tempo para ocorrer e, em contrapartida, os efeitos colaterais podem se manifestar imediatamente. Nesse contexto, falhas na adesão podem levar a episódios de crises depressivas, aumento no número de internações e até mesmo contribuir para o aumento de casos de suicídio5.

Dentre os fatores que podem influenciar na adesão do paciente ao tratamento medicamentoso destacam-se a falta de acesso à medicação, esquecimento, efeitos colaterais, falta de acompanhamento da equipe de saúde, polifarmácia, que acontece principalmente em pacientes idosos, e a falta de entendimento sobre o medicamento e seu uso6.

A verificação do grau de compreensão dos pacientes em relação às informações fornecidas pelos profissionais de saúde é um passo importante para o planejamento de ações educativas, e a identificação do Letramento Funcional em Saúde poderá trazer informações importantes para respaldar a elaboração de ações em saúde que levem a uma maior adesão à medicação por parte dos pacientes7.

Letramento ou alfabetização refere-se ao processo de aprendizagem da habilidade de leitura e escrita. O letramento funcional, por sua vez, tem um conceito mais amplo e envolve a capacidade de o indivíduo aplicar os conhecimentos adquiridos na alfabetização, nas diversas áreas8.

Na área de saúde, o termo representa a capacidade cognitiva de um paciente compreender, avaliar e aplicar as informações em saúde8. Nessa lógica está incluída a compreensão sobre as prescrições médicas, rótulos de medicamentos, cartões de agendamento e instruções de saúde para serem seguidas em casa. A compreensão dessas informações é necessária para que o paciente entenda as orientações fornecidas pelo médico como também pela equipe de saúde, propiciando o seguimento correto do seu plano de cuidado9. É importante ressaltar que a habilidade em leitura não está necessariamente associada a um bom letramento funcional em saúde, visto que o indivíduo pode ter uma boa formação escolar, mas ser incapaz de entender instruções médicas relacionadas a sua saúde7.

Com o objetivo de identificar o potencial dos pacientes na compreensão das informações relacionadas à saúde, foi desenvolvido o Teste de Letramento Funcional em Saúde em adultos nome em português para o “Test of Functional Health Literacy in Adults - TOFHLA”, composto por trechos escritos e numéricos com informações da área de saúde9.

Pelo fato de o TOFHLA levar até 22 minutos para ser aplicado em cada paciente, foi desenvolvida uma versão com número reduzido de questões, porém com a mesma estrutura e finalidade, denominada “The Short TOFHLA” (S-TOFHLA), reduzindo o tempo de aplicação para no máximo 12 minutos9.

A literatura é restrita em relação à influência do nível de LFS do paciente e sua adesão ao tratamento com antidepressivos. Essa temática foi verificada em estudo norte-americano, que mostrou uma associação entre LFS limitado dos pacientes e maior descontinuidade do uso destes medicamentos, principalmente no início do tratamento. É importante destacar que, neste estudo, a adesão ao tratamento foi verificada somente pela retirada do medicamento na farmácia, o que não garante a utilização do mesmo pelo paciente10.

A hipótese deste estudo é que a baixa adesão ao tratamento com antidepressivos esteja associada aos níveis inadequados de letramento funcional em saúde dos pacientes, e que a melhor adesão ocorra em pacientes com níveis adequados de letramento funcional em saúde. Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi verificar a influência do nível de letramento funcional em saúde dos pacientes na adesão ao tratamento com antidepressivos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, com abordagem quantitativa e coleta de dados de maneira prospectiva e transversal, com uso de questionários validados sobre Letramento Funcional em Saúde e adesão ao tratamento medicamentoso9^,11.

O estudo foi realizado nas farmácias da Secretaria Municipal da Saúde em Marília-SP, as quais realizam o atendimento de receituários provenientes de instituições públicas e privadas. Cada unidade realiza, em média, 600 dispensações de medicamentos por dia.

Considerando uma margem de erro do tipo I (α) de 5%, um poder de estudo de 80% e quatro graus de liberdade, para um tamanho de efeito médio (0,30), estimou-se um tamanho amostral mínimo de 133 participantes. A coleta de dados foi realizada com 50 pacientes de cada farmácia, com idade mínima de 18 anos, que estavam em tratamento farmacoterapêutico com medicamentos antidepressivos, há pelo menos um mês, atingindo uma amostra final de 150 participantes.

Os pacientes foram convidados a participar do estudo enquanto aguardavam a retirada do medicamento nas farmácias municipais. A coleta foi realizada em uma sala de espera, um local afastado e silencioso, exclusivamente pelo pesquisador principal deste estudo. O paciente foi convidado a sentar-se em uma cadeira, a um metro e meio do pesquisador, o qual realizou as orientações para o autopreenchimento do questionário do LFS e em seguida, o pesquisador realizou as perguntas do questionário sobre adesão ao tratamento, em voz alta. Foram excluídos os pacientes não alfabetizados, aqueles que se recusaram a participar do estudo e também aqueles impossibilitados de realizar a autoadministração do medicamento. O paciente também foi orientado que poderia se recusar a participar do estudo e que poderia solicitar sua exclusão a qualquer momento.

O questionário utilizado para avaliar o letramento funcional foi a versão em português do “The Short Test of Functional Health Literacy in Adults” (S-TOFHLA), que é composto por duas etapas: compreensão de leitura e interpretação de situações numéricas.

A etapa de compreensão de leitura é composta por frases com informações relacionadas à saúde e orientações para a realização de exames nas quais uma ou duas palavras estão omitidas, totalizando 36 lacunas. O paciente foi orientado a preencher essas lacunas, selecionando entre quatro opções possíveis, visto que somente uma palavra era a correta, as demais estavam fora de contexto ou com erro gramatical9.

A etapa numérica consiste em quatro cartões com informações sobre agendamento de consulta, resultado de exame e prescrição de medicamentos, às quais o paciente respondeu oralmente9.

O nível do LFS global refere-se à soma do desempenho nas etapas de compreensão de leitura e numérica. Para cada resposta correta do teste de compreensão, foram atribuídos 2 pontos, podendo chegar a uma pontuação máxima de 72 pontos (LFS interpretação). Em relação ao teste numérico, para cada acerto foram atribuídos 7 pontos, podendo atingir 28 pontos (LFS numérico). Portanto, a soma das duas etapas pode atingir 100 pontos (LFS global). De acordo com a pontuação, o LFS do paciente poder ser estratificado em três níveis: inadequado (pontuação de zero a 53), limitado (pontuação de 54 a 66) e adequado (pontuação de 67 a 100)9.

Para verificar a adesão ao tratamento dos pacientes, utilizou-se a Escala de Adesão Terapêutica de oito itens de Morisky (MMAS-8)11, adaptada ao contexto dos medicamentos antidepressivos. A MMAS-8 representa uma das escalas mais utilizadas para verificação de adesão ao tratamento farmacológico. Atualmente é composta por oito itens, sendo que os sete primeiros são dicotômicos, com respostas sim ou não, e a última pergunta apresenta uma escala do tipo “Likert”, com cinco pontos, na qual o paciente poderá escolher uma das seguintes opções: “nunca”, “quase nunca”, “às vezes”, “frequentemente” e “sempre11.

O grau de adesão do paciente ao tratamento é definido por meio da somatória de pontos obtidos. Nas questões de 1 a 7, para cada resposta negativa é atribuído um ponto. Na questão 8, somente é atribuído um ponto para as respostas “nunca” e “quase nunca”. Quanto maior a pontuação, maior o grau de adesão do paciente11.

Os pacientes com escore oito são considerados altamente aderentes ao tratamento. A adesão foi considerada mediana para os que apresentaram escore entre sete e seis e baixa adesão para os que apresentaram escore menor que seis11.

A distribuição dos dados da amostra foi verificada pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, e a homogeneidade das variâncias, pelo teste de Levene. Os dados com distribuição normal foram analisados pelo teste Anova-one-way, e para identificar a diferença entre os grupos foi realizado o pós-teste de Sidak. Os dados não paramétricos, por sua vez, foram analisados pelo teste de Kruskal-Wallis. As variáveis quantitativas foram descritas pela média e desvio padrão (DP). A correlação entre as variáveis quantitativas e qualitativas ordinais foi analisada pelo teste não paramétrico de Spearman. Para todas as análises adotou-se o nível de significância de 5% (p-valor≤0,05), e todos os dados foram analisados pelo software SPSS versão 24.0 para Windows^®.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEP) da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), sob o Parecer no 4.168.050 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 26391919.0.0000.5413, e pelo Conselho Municipal de Avaliação em Pesquisa (COMAP) do município de Marília-SP. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

O estudo foi realizado no período de agosto de 2020 a abril de 2021, com a participação de 150 indivíduos. A maioria dos participantes do estudo pertence ao sexo feminino (82%), com idade entre 40 a 59 anos (49,3%), que possuem apenas o ensino fundamental (46,7%) e renda de até 2 salários mínimos (80%) (Tabela 1).

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica dos pacientes (n=150) em uso de antidepressivos atendidos nas farmácias municipais. Marília, São Paulo, Brasil, 2021

		n	(%)
Sexo	Masculino	27	18
	Feminino	123	82
Faixa etária	18-39 anos	31	20,7
	40-59 anos	74	49,3
	>59 anos	45	30
Escolaridade	Fundamental	70	46,7
	Médio	56	37,3
	Superior	24	16
Renda Familiar (Salários mínimos)	Até 2	120	80
	3 a 4	21	14
	>4	9	6

• Fonte: Dados da pesquisa, 2021.
• ^*Em Salário mínimo nacional: (+/- R$ 1.100,00)

Após a aplicação do S-TOFLHA, verificou-se que o nível de letramento funcional em saúde (LFS) foi considerado adequado em 47,3% dos participantes. Dessa forma, a maioria dos pacientes apresentou falhas em relação ao teste de LFS, pois 11,3% foram considerados limitados e 41,3%, inadequados.

A Tabela 2 apresenta as análises entre as características sociodemográficas dos pacientes e desempenhos no letramento funcional em saúde, nas etapas de interpretação, habilidade numéricas e a somatória das mesmas, descritas como LFS global. Constatou-se que a faixa etária, a escolaridade e a renda familiar influenciaram significativamente no desempenho dos participantes no teste do LFS (p<0,05) e o sexo do participante não foi um aspecto importante para esse desempenho.

Tabela 2 -
Influência de aspectos sociodemográficos sobre o Letramento Funcional em Saúde (n=150). Marília, São Paulo, Brasil, 2021

Letramento Funcional em Saúde
		Global	Numérico	Interpretação
		M(±DP)	M(±DP)	M(±DP)
Sexo	Masculino	59(26,1)	15,6(9)	43,8(20,1)
	Feminino	62,4(28)	16,3(11,8)	46(21,4)
		p=0,556	p=0,751	p=0,621
Faixa etária	18-39 anos	85,8(19,1)a	21,2(7,3)a	64,9(13,4)a
	40-59 anos	63,9(25,6)b	17,8(12,8)a	45,8(19,7)b
	>59 anos	41,8(20,7)c	9,9(8)b	31,8(17,1)c
		p<0,001*	p<0,001*	p<0,001*
Escolaridade	Fundamental	45,7(22,6)a	11,9(10,3)a	34,2(17,7)a
	Médio	73,9(23,7)b	18,6(9,7)b	54,6(18,7)b
	Superior	80,5(23,8)b	22,8(13,1)b	57,6(19,4)b
		p< 0,001+	p< 0,001+	p< 0,001+
Renda Familiar (Salários mínimos)	Até 2	58,7(27,6)a	15,1(10,7)	43,5(21,3)a
	3 a 4	69,3(27)	20,1(14,9)	49,2(20,4)
	>4	85(13,5)b	21(7)	64(8,3)b
		p=0,009*	p=0,076++	p=0,028*

• Fonte: Dados da pesquisa, 2021.
• ^*
  indica diferença significativa entre os grupos pelo teste de Kruskal-Wallis para p-valor ≤ 0,05.
• ⁺
  indica diferença significativa entre os grupos pelo teste Anova-one-way para p-valor ≤ 0,05.
• ⁺
  ⁺p-valor calculado pelo teste Anova-one-way.
• Letras diferentes indicam diferença significativa entre os grupos pelo pós-teste de Sidak para p-valor ≤ 0,05.

O teste de Morisky mostrou que a maioria dos pacientes do estudo apresentou falhas na adesão, sendo que 37,3% foram considerados com baixa adesão e 45,3%, com adesão mediana. Dessa forma, somente 17,3% mostraram-se altamente aderentes ao tratamento.

Entre as variáveis independentes que poderiam influenciar na adesão ao tratamento, apenas a faixa etária dos participantes apresentou associação significativa com os resultados obtidos no Teste de Morisky (p<0,05). Os menores índices de adesão foram encontrados nos pacientes de 18 a 39 anos (Tabela 3).

Tabela 3 -
Influência dos aspectos sociodemográficos e tempo de tratamento sobre o desempenho no teste de adesão de Morisky (n=150). Marília, São Paulo, Brasil, 2021

Teste de Morisky
		Média	DP	p-valor
Sexo	Masculino	6,1	1,5	0,386
	Feminino	5,7	1,8
Faixa etária	18-39 anos	4,7a	2	< 0,001+
	40-59 anos	5,9b	1,7
	>59 anos	6,2b	1,5
Escolaridade	Fundamental	6,1	1,5	0,323*
	Médio	5.7	1,7
	Superior	5,3	2,4
Renda Familiar (Salários Mínimos)	Até 2	5,8	1,7	0,463++
	3 a 4	6,1	1,7
	>4	5,2	2,8
Tempo de tratamento	Até 5 anos	5,8	1,9	0,524
	6 a 10 anos	5,4	1,4
	> 10 anos	5,9	1,6

• Fonte: Dados da pesquisa, 2021.
• ⁺indica diferença significativa entre os grupos pelo teste Anova-one-way para p-valor ≤ 0,05
• ^*p-valor calculado pelo teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.
• ⁺⁺p-valor calculado pelo teste Anova-one-way
• Letras diferentes indicam diferença significativa entre os grupos pelo pós-teste de Sidak para p -valor ≤ 0,05.

A análise para verificar se o LFS poderia influenciar na adesão ao tratamento com fármacos antidepressivos foi feita comparando os desempenhos dos participantes no LFS (global, numérico e interpretação) e nível de LFS (inadequado, limitado e adequado) com os desempenhos obtidos no teste de adesão de Morisky e os níveis de adesão (alta, média e baixa). Após a realização de todas essas combinações, não foram encontradas correlações entre o LFS e a adesão ao tratamento com antidepressivos (p>0,05). Os resultados estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 -
Correlação entre o LFS e adesão ao tratamento. Marília, São Paulo, Brasil, 2021

	Morisky		Grau de adesão**
	r	p-valor	R	p-valor
LFS global	-0,035	0,666	0,003	0,975
LFS numérico	-0,031	0,707	0,032	0,700
LFS interpretação	-0,028	0,733	-0,008	0,921
Nível de Letramento Funcional*	-0,036	0,665	0,049	0,549

• Fonte: Dados da pesquisa, 2021.
• Nota: coeficiente de correlação de Spearman (r)
• ^*Nível de Letramento Funcional em Saúde (inadequado, limitado e adequado)
• ^**Grau de adesão (alta, média e baixa)

DISCUSSÃO

A maioria dos participantes deste estudo não apresentou nível adequado de LFS. Resultados semelhantes foram observados em estudo realizado em serviço público de atendimento especializado, que avaliou o LFS em pessoas vivendo com HIV, no qual 68 % dos participantes apresentaram LFS inadequado e 21,8 %, limitado12.

Da mesma forma, um estudo iraquiano sobre associação de alfabetização em saúde e avaliação do estado nutricional com controle glicêmico em adultos com diabetes mellitus tipo 2, usando como instrumento a versão do S-TOFHLA iraquiana (árabe), demonstrou que 55,6 % dos entrevistados apresentaram níveis inadequados de LFS e 20,8 %, níveis limitado13.

Com relação às variáveis sociodemográficas, os melhores desempenhos do LFS foram apresentados pelos pacientes com idade menor que 60 anos, que possuíam, no mínimo, ensino médio completo e rendimentos superiores a 3 salários mínimos. Estes dados são reforçados por um estudo realizado com pacientes portadores de doenças cardiovasculares, o qual demonstrou que os pacientes mais jovens apresentaram desempenhos mais satisfatórios nos testes de LFS7. De modo a enfatizar a relação entre a faixa etária e nível de LFS em adultos, outro estudo envolvendo o desempenho de uma população com diabetes mellitus tipo 2 no LFS também mostrou que, quanto maior a idade, menos adequado o LFS14.

Da mesma forma, ao serem analisadas as habilidades numéricas dos pacientes, observa- se que o pior desempenho foi obtido nos pacientes mais idosos, ou seja, acima de 59 anos. Os aspectos numéricos do teste podem sinalizar a existência de dificuldades na administração dos medicamentos nas doses e horários corretos.

Os resultados referentes à etapa de interpretação também seguiram a mesma lógica de diminuição progressiva de desempenho dos participantes de acordo com o avançar da idade. Esses aspectos são importantes e podem refletir na compreensão do paciente sobre a sua doença e sobre o seu tratamento.

Neste sentido, a polifarmácia torna-se um problema, visto que é maior nesta faixa etária. Além disso, os idosos podem apresentar problemas visuais e auditivos, com prescrições de difícil entendimento, levando ao uso incorreto dos medicamentos15.

Por isso, torna-se importante a presença da equipe multidisciplinar no atendimento à saúde do idoso, orientando para as possíveis reações adversas, dosagem e modo de utilizar os medicamentos15. Abordagens desta natureza poderão ser úteis no desenvolvimento de estratégias voltadas para a educação em saúde, principalmente na população idosa.

Neste contexto, destaca-se o papel da equipe de enfermagem para verificação dos níveis de LFS e adesão. Por meio dos processos de trabalho, a enfermagem pode identificar as necessidades e especificidades do paciente e planejar ações de educação em saúde, que podem contribuir para melhorar as taxas de adesão6.

Os resultados obtidos no teste de LFS, mostraram um melhor desempenho dos pacientes com nível de escolaridade média e superior. Estudo que correlacionou escolaridade com os resultados no teste S-TOFHLA demonstrou que pacientes com dez anos ou mais de escolaridade apresentaram susceptibilidade maior a apresentar desempenhos adequados no teste de LFS14.

Esses resultados reforçam que as orientações relacionadas à saúde devem ser fornecidas levando em consideração a escolaridade do paciente. Uma alternativa para verificar a compreensão sobre as orientações fornecidas é solicitar ao paciente que repita as informações transmitidas pelo profissional de saúde, o que permitirá identificar a sua real compreensão sobre o que foi transmitido16.

A análise da influência da renda familiar sobre o LFS mostrou desempenho mais satisfatório nos pacientes com renda familiar mais alta. Esses resultados foram obtidos em relação à vertente do teste voltada para a interpretação e também no desempenho global, porém não ocorreu para as habilidades numéricas. A obtenção de melhores resultados no teste de LFS, de acordo com o rendimento, também pode estar associado à escolaridade, pois geralmente, indivíduos com melhor formação tendem a atingir salários mais elevados, assim como maior acesso a informações17.

Em relação à adesão ao tratamento com antidepressivos, observou-se que a maioria dos pacientes atendidos nas farmácias municipais apresentou falhas na adesão, sendo que apenas 17,3% dos participantes foram considerados altamente aderentes ao tratamento. Outro estudo que investigou a adesão a terapia medicamentosa em pacientes com transtornos depressivos, observou que as taxas de adesão nestes pacientes variaram, sendo que 27% apresentaram alto grau de adesão, utilizando como instrumento a escala de Morisky de 4 itens (MMAS-4) e 20% apresentaram alto grau na MMAS-83.

A baixa adesão em pacientes jovens também foi observada em estudo realizado com pacientes deprimidos, sugerindo a existência de uma associação significativa entre a preocupação com o tratamento farmacológico e seus efeitos colaterais, ou seja, quanto menor a preocupação com os medicamentos e seus efeitos, maior é adesão do paciente18.

Outro aspecto que pode propiciar falha na adesão ao tratamento é a falta de esclarecimentos do paciente em relação à doença e à importância do uso correto dos medicamentos6. Neste sentido, podem ser desenvolvidas estratégias com envolvimento de cuidadores, familiares e equipe de saúde, com a elaboração de um plano de cuidados que conscientize o paciente sobre seu diagnóstico e a importância do cumprimento da terapia medicamentosa, com obediência aos regimes posológicos. Também é necessária a realização de esclarecimentos sobre possíveis efeitos adversos provocados pelo tratamento19.

Nesta lógica, a psicoeducação emerge como uma ferramenta a ser utilizada para melhorar a adesão aos antidepressivos. Esta técnica consiste em fornecer informações ao paciente por meio de orientações verbais ou escritas, que podem ser realizadas por ações simples utilizando o telefone, correio eletrônico e formação de grupos, ou por ações mais complexas como visitas domiciliares5.

Uma vez que os tratamentos são, em grande maioria, ofertados de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), estratégias fortalecedoras de amplo acesso a esses medicamentos podem contribuir para melhorar o acesso da população a esses tratamentos, contribuindo assim para minorar as consequências da utilização inadequada dos antidepressivos, dentre as quais o suicídio representa o aspecto mais preocupante. Os dados demonstram que, em cada 100 pacientes com depressão, um comete o suicídio20. Somente no ano de 2019, houve mais de 800 mil casos de suicídio20. Enquanto as taxas de suicídio no mundo diminuíram 36% nos últimos 20 anos, nas Américas, no mesmo período, observou-se um aumento de 17% desses casos19.

Outro aspecto importante, emerge da necessidade de investimentos em estratégias educativas em saúde para esclarecer, conscientizar e motivar o paciente, fazendo-o compreender sobre as características da sua doença e a importância da utilização correta dos medicamentos e possíveis efeitos colaterais, com intuito de melhorar a adesão ao tratamento. Além disso, são importantes algumas ações estratégicas que possam reverter essas dificuldades de compreensão das informações transmitidas pelos profissionais de saúde.

A hipótese inicial deste trabalho em verificar se o LFS poderia influenciar na adesão ao tratamento com fármacos antidepressivos, não se confirmou. Estudos com amostras mais robustas poderão ser desenvolvidos para confirmar os resultados obtidos no presente estudo.

A relação entre LFS e adesão ao tratamento medicamentoso foi investigada em outro estudo realizado com pacientes portadores de diabetes tipo 2, mostrando que a maioria dos pacientes apresentou LFS inadequado, e que a interpretação de textos foi a principal responsável por este resultado14. Com relação à adesão, o estudo ainda mostrou que a grande maioria dos participantes aderiu ao tratamento, porém foi utilizado um instrumento diferente do utilizado no presente estudo. Contudo, diferente do presente trabalho, pacientes com LFS inadequado foram considerados altamente aderentes à terapêutica medicamentosa, e os pacientes com LFS adequado foram menos aderentes.

Uma fragilidade do presente estudo foi a verificação da renda familiar ao invés da renda do participante, pois a simples declaração da renda familiar pode sofrer influência do número de membros economicamente ativos na família. Além disso, esse formato de identificação socioeconômica no questionário deixa de identificar o aspecto principal, que é o rendimento individual do participante do estudo.

Outra limitação deste estudo refere-se ao tamanho amostral, que foi calculado segundo um tamanho de efeito médio entre as variáveis. Dessa forma, uma amostra mais robusta permitiria realizar as análises de correlação entre adesão ao tratamento e letramento funcional em saúde, de acordo com o antidepressivo utilizado pelo paciente. Esse aspecto é importante, visto que os medicamentos apresentam particularidades que podem interferir na adesão, entre as quais se destacam os efeitos colaterais e tempo de latência entre início do tratamento e melhora dos sintomas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal contribuição do presente trabalho refere-se à verificação, pela primeira vez na população brasileira, da correlação entre o LFS e o processo de adesão ao tratamento com antidepressivos, com uso de instrumentos de referência internacional, porém adaptados para a nossa cultura.

Nesta perspectiva, este estudo poderá favorecer a compreensão da importância da adesão ao tratamento medicamentoso, visto que a medicalização do paciente envolve diversos profissionais da área da saúde, responsáveis pela prescrição, dispensação, preparo e administração. Na última etapa deste processo estão os profissionais de enfermagem que respondem pelos cuidados diretos ao paciente, incluindo a administração de medicamentos e monitoramento dos efeitos colaterais.

Os resultados mostraram que a população estudada apresentou dificuldades em relação à compreensão de informações fornecidas pelos profissionais em saúde. Além disso, foram encontradas algumas dificuldades relacionadas às habilidades numéricas, com possíveis repercussões no seguimento de esquemas posológicos dos medicamentos prescritos. As dificuldades apontadas pelo teste de letramento funcional em saúde foram mais proeminentes em pessoas mais idosas, com menor escolaridade e rendimentos mensais inferiores. De acordo com esses resultados, os pacientes em tratamento farmacológico para depressão com essas características sociodemográficas são os mais vulneráveis no que se refere ao seguimento das orientações fornecidas pelos profissionais da saúde.

Em relação à adesão ao tratamento medicamentoso, verificou-se que uma parcela expressiva da população possui problemas em relação ao uso correto das medicações. Nesse aspecto, a população mais propensa a não aderir adequadamente ao tratamento farmacológico está representada pelos mais jovens.

Apesar de o presente estudo ter demonstrado essas vulnerabilidades em relação à compreensão de informações em saúde e também potenciais falhas de adesão ao tratamento com antidepressivos, nas condições estudadas, não foram encontradas associações significativas entre o LFS e a adesão ao tratamento.

Os resultados encontrados, mostram a necessidade de maiores investimentos para melhorar a adesão ao tratamento com antidepressivos. Entretanto, tendo em vista o perfil dessa população, caracterizada por deficit no LFS, é importante que as ações em saúde sejam realizadas com linguagem acessível, com uso de figuras e pictogramas e evitando termos técnicos, permitindo assim que a população compreenda melhor as informações transmitidas pelo profissional de saúde.

Agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, a qual agradecemos.

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Editado por

Editor associado

Carlise Rigon Dalla Nora

Editor-chefe

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  15 Nov 2021
• Aceito
  16 Maio 2022