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Obesidade e a covid-19: uma reflexão sobre a relação entre as pandemias

RESUMO

Objetivo:

Realizar uma análise reflexiva sobre a relação da obesidade como fator de risco para o agravamento dos quadros de COVID-19.

Método:

Estudo reflexivo, subsidiado por evidências científicas, que contribuíram para uma construção crítico-reflexiva sobre a temática “Obesidade” em interface à “Covid-19”.

Resultados:

Este estudo traz à tona reflexões importantes para os profissionais de saúde, pesquisadores e gestores, desde o princípio da pandemia, período no qual a obesidade não era reconhecida como fator de risco, até o cenário atual, no qual uma serie de mecanismos fisiopatológicos que conectam clinicamente essas doenças estão sendo propostos.

Conclusão:

A obesidade é um fator de risco para agravamento da COVID-19, que está contribuindo para o congestionamento dos serviços de saúde, e que requer uma assistência de saúde diferenciada, com ajustes de protocolos assistenciais, farmacológicos e empenho na educação em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
Obesidade; Infecções por coronavírus; Fatores de risco

ABSTRACT

Objective:

Carry out a reflective analysis on the relationship of obesity as a risk factor for the worsening of COVID-19.

Method:

Reflective study, supported by scientific evidence, which contributed to a critical-reflexive construction on the theme "Obesity" in interface with "Covid-19".

Results:

This study brought up important reflections for health professionals, researchers and managers, from the beginning of the pandemic, a period in which obesity was not recognized as a risk factor, until the current scenario, in which a series of pathophysiological mechanisms that clinically connect these diseases are being proposed.

Conclusion:

Obesity is a risk factor for the worsening of COVID-19, which is contributing to the overload of health services, and which requires differentiated health care, with adjustments in care, pharmacological protocols and commitment to health education in the within the Unified Health System.

Keywords:
Obesity; Coronavirus infections; Risk Factors

RESUMEN

Objetivo:

Realizar un análisis reflexivo sobre la relación de la obesidad como factor de riesgo para el agravamiento de COVID-19.

Método:

Estudio reflexivo, sustentado en evidencia científica, que contribuyó a una construcción crítico-reflexiva sobre el tema "Obesidad" en interfaz con "Covid-19".

Resultados:

Este estudio trajo reflexiones importantes para los profesionales de la salud, investigadores y gestores, desde el inicio de la pandemia, período en el que la obesidad no fue reconocida como factor de riesgo, hasta el escenario actual, en el que una serie de mecanismos fisiopatológicos que conectan clínicamente estas enfermedades.

Conclusión:

la obesidad es un factor de riesgo para el agravamiento del COVID-19, que está contribuyendo a la congestión de los servicios de salud, y que requiere una atención de salud diferenciada, con ajustes en la atención, protocolos farmacológicos y compromiso con la educación en salud en el dentro del Sistema Único de Salud.

Palabras clave:
Obesidad; Infecciones por coronavirus; Factores de Riesgo

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 se espalhou rapidamente, acometendo milhares de pessoas e levando inúmeras delas à morte. Trata-se de uma condição desafiadora para os sistemas de saúde e pesquisadores de todo o mundo, em um grau sem precedentes nos últimos 100 anos. A doença é causada pela infeção com o novo coronavírus, SARS-CoV-2, que avança sobre as vias aéreas superiores e inferiores, iniciando um quadro gripal que pode evoluir para síndrome respiratória aguda grave (SARS)11. Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al: Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30566-3
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-22. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in coronavirus disease 2019 patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
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.

Os quadros mais críticos da doença têm sido observados em idosos e naqueles com doenças subjacentes, como as doenças cardiovasculares, pulmonares e diabetes. Contudo, novos e alarmantes dados têm revelado sintomas graves e até um prognóstico negativo para as pessoas com obesidade11. Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al: Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30566-3
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-22. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in coronavirus disease 2019 patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
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.

Emerge, nesse cenário, uma reflexão sobre outra pandemia, a da obesidade, que teve grande crescimento nas últimas três décadas, atingindo mais de 650 milhões de pessoas no mundo33. World Health Organization (CH) [Internet]. Genebra: WHO, c2020 [cited 2020 Jun 02]. Obesity and overweight; [about 1 screen]. Available from: Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
. Refere-se a uma doença crônica, inflamatória, causada pelo aumento da massa adiposa, refletindo em perda da homeostase metabólica e assim, atuando como precursora de doenças como a Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus tipo 2, alguns tipos de câncer, dentre outros44. Chait A, den Hartigh LJ. Adipose tissue distribution, inflammation and its metabolic consequences, including diabetes and cardiovascular disease. Front Cardiovasc Med. 2020;7:22. doi: https://doi.org/10.3389/fcvm.2020.00022
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.

Instigados pelo crescente e sólido corpo de evidências que conectam essas pandemias, este trabalho teve como objetivo realizar uma análise reflexiva sobre a relação da obesidade como fator de risco para o agravamento dos quadros de COVID-19, descrevendo os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, principalmente aqueles exacerbados pela obesidade na infecção pelo SARs-Cov2.

METODOLOGIA

Estudo reflexivo, realizado em maio de 2020, subsidiado por evidências científicas nacionais e internacionais, cujos descritores “obesidade” e “Covid-19”, e em inglês “Obesity” e “COVID-19”, foram reportados conjuntamente e por literaturas subjacentes sobre o tema. Com base no constructo teórico emergido, apresentou-se uma argumentação e interpretação fundamentada pelos autores do presente estudo, de modo a contribuir na construção crítico-reflexiva sobre a temática “Obesidade” em interface à “Covid-19”.

RESULTADOS

A leitura dos artigos científicos subsidiou uma análise das diversas faces de relação entre as pandemias obesidade e COVID-19, trazendo à tona uma série de conhecimentos e reflexões importantes para os profissionais de saúde, pesquisadores e gestores, desde o princípio da pandemia, período no qual a obesidade não era reconhecida como fator de risco, até o cenário atual, no qual uma serie de mecanismos fisiopatológicos que conectam clinicamente essas doenças estão sendo propostos.

A obesidade foi inicialmente negligenciada enquanto fator de risco para a COVID-19

A relação entre a obesidade e o SARS-CoV-2 não foi inicialmente documentada em relatórios clínicos da China, Itália ou Estados Unidos da América (EUA)22. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in coronavirus disease 2019 patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
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,55. Dietz W, Santos-Burgoa C. Obesity and its implications for COVID-19 mortality. Obesity (Silver Spring). 2020;28(6):1005. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22818
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.

Surpreendentemente, o índice de massa corporal (IMC) raramente foi registrado ou mencionado nos prontuários de pacientes acometidos por COVID-19, ainda que as doenças associadas ao aumento do risco de morbimortalidade por esta nova infecção, como cardiopatias, diabetes e problemas respiratórios, sejam também comorbidades da própria obesidade11. Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al: Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30566-3
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-22. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in coronavirus disease 2019 patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
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Tal qual, não foram consideradas experiências anteriores que detectaram a estreita correlação entre a obesidade e as complicações por infecções virais, tanto para o vírus influenza quanto para outros tipos de coronavírus, que causaram infecções de ampla disseminação (SARS, MERS, respectivamente)66. Luzi L, Radaelli MG. Influenza and obesity: its odd relationship and the lessons for COVID-19 pandemic. Acta Diabetol. 2020;57(6):759-64. doi: https://doi.org/10.1007/s00592-020-01522-8
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. Estudo realizado nos EUA, em 2009, demonstrou que 67% dos pacientes graves com H1N1 tinham obesidade de grau 3 (IMC≥ 40 kg/m2)77. Louie JK, Acosta M, Winter K, Jean C, Gavali S, Schechter R, et al. Factors associated with death or hospitalization due to pandemic 2009 influenza A(H1N1) infection in California. JAMA. 2009;302(17):1896‐902. doi: https://doi.org/10.1001/jama.2009.1583
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.

Dessa forma, a crescente prevalência da obesidade e as evidências anteriores documentadas do impacto da obesidade na mortalidade por influenza H1N1 deveriam alertar os profissionais de saúde que cuidam de pacientes com obesidade e COVID‐19 quanto à necessidade de tratamento direcionado e maior atenção na assistência a essa população. Em conjunto com as evidências anteriores, estudos começaram a surgir fazendo também uma correlação entre a obesidade e a COVID-1955. Dietz W, Santos-Burgoa C. Obesity and its implications for COVID-19 mortality. Obesity (Silver Spring). 2020;28(6):1005. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22818
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,88. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, et al. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22831
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.

A obesidade é um fator de risco independente para a morbidade e mortalidade por COVID-19

Dados internacionais inquietantes mostram a alta frequência da obesidade entre os pacientes graves internados em terapia intensiva por SARS-CoV-288. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, et al. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22831
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-1010. Lighter J, Phillips M, Hochman S, Sterling S, Johnson D, Francois F, et al. Obesity in patients younger than 60 years is a risk factor for Covid-19 hospital admission. Clin Infect Dis. 2020;71(15):896-7. doi: https://doi.org/10.1093/cid/ciaa415
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. No Reino Unido, essa frequência foi de até 72% dos pacientes99. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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. Já no Brasil, a obesidade é a principal comorbidade associada aos óbitos em pessoas com menos de 60 anos1111. Bol Epidemiol Esp COE-COVID 19. 2020 [cited 2020 Jun 02];(16):1-67. Available from: Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/May/21/2020-05-19---BEE16---Boletim-do-COE-13h.pdf
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O risco de agravos e de morte por COVID-19 é até quatro vezes maior em pessoas com obesidade88. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, et al. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22831
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,-1010. Lighter J, Phillips M, Hochman S, Sterling S, Johnson D, Francois F, et al. Obesity in patients younger than 60 years is a risk factor for Covid-19 hospital admission. Clin Infect Dis. 2020;71(15):896-7. doi: https://doi.org/10.1093/cid/ciaa415
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. Estudo realizado por Simonnet e colaboradores, em 2020, demostrou que 85% dos pacientes com IMC≥ 40kg/m2 acometidos por SARS-CoV-2 necessitaram de ventilação mecânica invasiva, enquanto que apenas 47% daqueles com IMC menor que 25kg/m2 apresentaram tal demanda88. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, et al. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22831
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Os estudos denotam que a gravidade da doença COVID-19 está diretamente associada ao aumento do IMC, e que a obesidade é um fator de risco para a morbimortalidade pela infecção por SARS-CoV-2, independente da associação ou não com as outras comorbidades88. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, et al. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22831
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-1010. Lighter J, Phillips M, Hochman S, Sterling S, Johnson D, Francois F, et al. Obesity in patients younger than 60 years is a risk factor for Covid-19 hospital admission. Clin Infect Dis. 2020;71(15):896-7. doi: https://doi.org/10.1093/cid/ciaa415
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Se a obesidade representa um preditor de mau prognóstico ou de complicações para a COVID-19, ações terapêuticas direcionadas para a redução do estado inflamatório crônico gerado pela obesidade, e para o reestabelecimento da homeostase metabólica corporal devem ser consideradas, visando reduzir o impacto da obesidade na infecção por SARS-COV-2.

Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na associação entre a obesidade e os casos graves de COVID-19

O SARS-CoV-2 infecta os seres humanos através das vias aéreas superiores e invade as células que expressam em suas membranas a enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), como as células do pulmão, coração, tecido adiposo, renal e gastrointestinal. Isso resulta em um intenso estado inflamatório, descrito como uma “tempestade de citocinas”, mediado especialmente por IL-61212. Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-19) outbreak. J Autoimmun. 2020;109:102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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Postula-se que o mecanismo de lesão pulmonar aguda e dos danos cardiovasculares seja, em grande parte, mediado pela ativação do sistema renina-angiotensina e maior biodisponibilidade da angiotensina II, que é uma molécula conhecida por seus efeitos inflamatórios, vasoconstrictores, hipertensores e oxidativos. O vírus promove diminuição no número de sítios disponíveis para ligação da angiotensina II à ECA2, reduzindo, consequentemente, sua conversão para angiotensina 1-7, que possui ação anti-inflamatória e vasodilatadora1212. Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-19) outbreak. J Autoimmun. 2020;109:102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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O entendimento, por parte dos profissionais de saúde, dos mecanismos fisiopatológicos que conectam a obesidade e a COVID-19 é determinante para a assistência adequada. Para tal, inicialmente é necessário saber que o tecido adiposo, para muito além de estoque energético dos mamíferos, é o centro regulador do metabolismo corporal e um órgão endócrino produtor de hormônios, adipocinas e citocinas44. Chait A, den Hartigh LJ. Adipose tissue distribution, inflammation and its metabolic consequences, including diabetes and cardiovascular disease. Front Cardiovasc Med. 2020;7:22. doi: https://doi.org/10.3389/fcvm.2020.00022
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A figura 1 sumariza os diferentes mecanismos, recentemente descritos, pelos quais a obesidade estaria contribuindo para o agravamento da infecção pelo SARs-COV2, sendo eles: amplificação do estado de inflamação, danos ao sistema respiratório, cardiovascular e metabolismo da glicose, favorecimento da formação de trombos e a desregulação do sistema imune66. Luzi L, Radaelli MG. Influenza and obesity: its odd relationship and the lessons for COVID-19 pandemic. Acta Diabetol. 2020;57(6):759-64. doi: https://doi.org/10.1007/s00592-020-01522-8
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,99. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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,1313. Petrakis D, Margină D, Tsarouhas K, Tekos F, Stan M, Nikitovic D, et al. Obesity ‑ a risk factor for increased COVID‑19 prevalence, severity and lethality (Review). Mol Med Rep. 2020;22(1):9-19. doi: https://doi.org/10.3892/mmr.2020.11127
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-1414. Sattar N, McInnes IB, McMurray JJV. Obesity a risk factor for severe COVID-19 infection: multiple potential mechanisms. Circulation. 2020;142(1):4-6. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
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Figura 1-
Mecanismos fisiopatológicos que explicam o agravamento dos casos de COVID-19 em pacientes com obesidade

A grave exacerbação do estado inflamatório na obesidade ocorre por secreção acentuada, pelo tecido adiposo, de adipocinas e citocinas pró-inflamatórias como IL-6 e TNF-alfa, além da infiltração de células do sistema inume44. Chait A, den Hartigh LJ. Adipose tissue distribution, inflammation and its metabolic consequences, including diabetes and cardiovascular disease. Front Cardiovasc Med. 2020;7:22. doi: https://doi.org/10.3389/fcvm.2020.00022
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,99. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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Além disso, o tecido adiposo humano tem seu próprio sistema renina angiotensina e expressão da ECA e ECA2. A interação entre o tecido adiposo, o SARS-CoV-2 e a ECA2/angiotensina II, pode, também, explicar os danos cardiovasculares e a forte inflamação que eleva o risco de morbimortalidade de pacientes obesos com COVID-1999. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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,1212. Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-19) outbreak. J Autoimmun. 2020;109:102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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,1414. Sattar N, McInnes IB, McMurray JJV. Obesity a risk factor for severe COVID-19 infection: multiple potential mechanisms. Circulation. 2020;142(1):4-6. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
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A obesidade, isoladamente, acarreta risco aumentado para a formação de trombos, devido a maior produção do inibidor do ativador de plasminogênio tipo 1 (PAI-1) e ao estresse oxidativo; condição clínica que merece bastante atenção, dada a associação entre COVID-19, a coagulação intravascular disseminada e altas taxas de tromboembolismo venoso44. Chait A, den Hartigh LJ. Adipose tissue distribution, inflammation and its metabolic consequences, including diabetes and cardiovascular disease. Front Cardiovasc Med. 2020;7:22. doi: https://doi.org/10.3389/fcvm.2020.00022
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,99. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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Além das comorbidades cardiovasculares e trombóticas, pessoas com obesidade possuem diminuição da capacidade funcional e da complacência do sistema respiratório, da excursão diafragmática e hipoventilação, que, somado a um quadro de infecção pulmonar, acentua a condição de hipóxia pré-existente1414. Sattar N, McInnes IB, McMurray JJV. Obesity a risk factor for severe COVID-19 infection: multiple potential mechanisms. Circulation. 2020;142(1):4-6. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
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Cabe salientar, ainda, o grande acometimento metabólico em pacientes portadores de obesidade. O excesso de gordura corporal, principalmente da gordura visceral, gera comprometimento da captação de glicose, resistência à insulina e redução da função das células beta pancreáticas, fato que dificulta uma resposta metabólica apropriada, tão imprescindível numa condição de desafio imunológico, como ocorre nas infecções graves. Igualmente, o vírus SARS-CoV-2 pode afetar diretamente a função das células beta pancreáticas, por sua interação com a ECA21414. Sattar N, McInnes IB, McMurray JJV. Obesity a risk factor for severe COVID-19 infection: multiple potential mechanisms. Circulation. 2020;142(1):4-6. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
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. Outra associação entre essas doenças no prejuízo do metabolismo da glicose é a elevação da dipeptidil peptidase 4 (DDP-4), uma enzima de efeito hiperglicemiante, inibidora da GLP-199. Malavazos AE, Romanelli MMC, Bandera F, Iacobellis G. Targeting the adipose tissue in COVID-19. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1178-9. doi: https://doi.org/10.1002/oby.22844
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Por fim, pessoas com excesso de peso corporal desenvolvem maior carga viral e demandam maior tempo para resolução de processos infecciosos, por redução da resposta imune inata e adquirida. Apresentam menor ação de fagocitose por macrófagos, atraso na apresentação de antígenos e desenvolvimento de anticorpos, menor ação de leucócitos B e T e menor produção de interferons66. Luzi L, Radaelli MG. Influenza and obesity: its odd relationship and the lessons for COVID-19 pandemic. Acta Diabetol. 2020;57(6):759-64. doi: https://doi.org/10.1007/s00592-020-01522-8
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,1414. Sattar N, McInnes IB, McMurray JJV. Obesity a risk factor for severe COVID-19 infection: multiple potential mechanisms. Circulation. 2020;142(1):4-6. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
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Em conjunto, as alterações próprias da obesidade fazem com que esses indivíduos, além de possuírem risco aumentado para infecção e suas complicações, também são capazes de transmitir o vírus por tempo superior quando comparado à população geral. Equipes de saúde devem refletir sobre estes dados e considerar a necessidade de um tempo de quarentena para pessoas com COVID19 portadores de obesidade mais longo que o preconizado para todos os outros pacientes.

Quais são as implicações destes estudos para os profissionais de saúde, gestores da saúde pública e pesquisadores?

A obesidade é um fator de risco modificável e a redução na sua incidência contribuirá para redução dos casos graves de COVID-19 e de tantas outras doenças infecciosas e crônicas já existentes ou que venham a surgir.

Aos profissionais de saúde, de posse de todas essas evidências clínicas disponíveis na literatura científica, vem a tona a necessidade de um olhar diferenciado para esta população, considerando suas necessidades individuais para ajustes de protocolos assistenciais, visando prevenir e minimizar os casos graves de COVID-19 em pessoas com obesidade.

O que mais aflige é o fato de a obesidade estar promovendo a elevação das mortes por COVID-19. Esta população deve evitar qualquer contaminação por SARS-CoV-2, redobrando os cuidados com a adoção de medidas de prevenção e, após o contágio, devem ser prioritariamente monitorados por profissionais de saúde e por tempo superior àqueles com IMC≤25 Kg/m2 ou eutróficos.

Para os pesquisadores, a associação entre obesidade e casos graves de COVID19 devem subsidiar a construção de instrumentos para avaliação ou investigação de riscos, considerando o IMC e a circunferência abdominal. Faz-se necessário investigar novas intervenções terapêuticas para reduzir as chances de desenvolvimento da forma grave da COVID-19, com foco no tecido adiposo, tais como medicamentos para perda de peso e para a redução do estado inflamatório gerado pela obesidade, além de dietas apropriadas. Pesquisas envolvendo a validação de protocolos clínicos direcionados para pacientes portadores de obesidade também se fazem necessárias.

No que diz respeito à saúde pública, diante de todos os fatores de gravidade para a COVID-19, é preciso compreender que a obesidade é um fator de risco modificável, e, portanto, as mudanças do estilo de vida devem ser insistentemente incentivadas, visando diminuir os riscos destas doenças e de tantas outras associadas à obesidade. Criar estratégias para educar a população sobre a alimentação saudável e sobre a prática de exercícios físicos deve ser uma prioridade dentre as politicas públicas de saúde. Evidente que isso é desafiador, especialmente diante da atual crise econômica, porque envolve mudanças sociais e culturais da população.

Também é preciso compreender a obesidade como doença, e não apenas como um padrão estético, e que como tal, requer assistência multiprofissional, forte empenho na educação em saúde, fármacos e cirurgias disponíveis no âmbito do Sistema Único de Saúde.

CONCLUSÃO

Ainda que tardiamente, a obesidade foi reconhecida como fator de risco para o agravamento da infecção pelo novo coronavírus. Os casos graves do COVID-19, a demanda por leitos de terapia intensiva e por ventilação mecânica invasiva estão diretamente relacionados à IMC elevados (≥ 30Kg/m2). Logo, a pandemia da obesidade está contribuindo para o congestionamento dos serviços de saúde, já que é associada ao agravamento dos casos de COVID-19.

Alguns dos mecanismos fisiopatológicos da relação entre a obesidade e a COVID-19 já foram sugeridos, incluindo: estado de inflamação, danos ao sistema respiratório, cardiovascular, formação de trombos e desregulação do metabolismo e do sistema imune. Portanto, estudos futuros devem continuar explorando esta temática para nortear a prática assistencial baseada em evidências e protocolos clínicos de saúde.

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    » https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047659
  • Errata

    Errata ao artigo: Bolsoni-Lopes A, Furieri LB, Alonso-Vale MIC. Obesidade e a covid-19: uma reflexão sobre a relação entre as pandemias. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(spe):e20200216. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200216
    Na página 1, Autores:
    onde se lê:
    Lorena Furieri
    leia-se:
    Lorena Barros Furieri
    Na página 5, Contribuição de autoria:
    onde se lê:
    Conceituação: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Furieri.
    Metodologia: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Furieri.
    Visualização: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.
    Escrita – rascunho original: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.
    Escrita – revisão e edição: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.
    leia-se:
    Conceituação: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Barros Furieri.
    Metodologia: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Barros Furieri.
    Visualização: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Barros Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.
    Escrita – rascunho original: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Barros Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.
    Escrita – revisão e edição: Andressa Bolsoni-Lopes; Lorena Barros Furieri; Maria Isabel Alonso-Vale.

Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2020
  • Aceito
    09 Set 2020
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