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Segurança do paciente: análise dos incidentes notificados em um hospital do sul do Brasil

Resumos

Objetivou-se avaliar os incidentes notificados entre os anos 2008 e 2012, em um hospital de grande porte da região Sul do Brasil. Trata-se de um estudo retrospectivo de análise documental, transversal, descritivo, com abordagem quantitativa. Os dados foram coletados em março de 2013, analisados e apresentados em frequência absoluta e relativa. Identificaram-se 755 casos, que representaram 1,1% do total de internações. A maior frequência de notificação ocorreu nas unidades de internação (64,8%). O incidente de maior prevalência neste estudo foi a queda (45,4%), seguida do erro de medicação (16,7%) e outros incidentes (16,2%). O baixo número de notificações pode estar relacionado ao sistema adotado pela instituição, onde o profissional que notifica o incidente precisa ser identificado.

Segurança do paciente; Erros de medicação; Acidentes por quedas; Gerenciamento de segurança


This study aimed to evaluate the incidents reported between the years 2008 and 2012, in a large hospital in southern Brazil. This is a retrospective study of documentary analysis, transverse and descriptive with a quantitative approach. Data was collected in march 2013, analyzed and presented as absolute and relative frequency. We identified 755 cases; this represented 1.1% of total hospitalizations. The higher frequency of reporting in inpatient units was 64.8%. The incident with the highest prevalence in this study was 45.4% falls, followed by medication error 16.7% and 16.2% other incidents. The low number of notifications can be related to the system adopted by the institution where the professional who notifies the incident needs to be identified.

Patient safety; Medication errors; Accidental falls; Safety management


El objetivo fue evaluar los incidentes reportados entre los años 2005 y 2012 en un gran hospital en el Sur de Brasil. Se trata de un estudio retrospectivo de análisis documental, transversal, descriptivo, con enfoque cuantitativo. Los datos fueron recolectados en marzo de 2013, analizados y presentados como frecuencia absoluta y relativa. Se identificaron 755 casos, estos representaron 1,1% del total de hospitalizaciones. La mayor frecuencia de informes en las unidades de hospitalización fue del 64,8%. El incidente de mayor prevalencia en este estudio fue la caída 45,4%, seguida por error de medicación 16,7% y 16,2% de otros incidentes. El bajo número de notificaciones puede estar relacionado con el sistema adoptado pela institución, donde el profesional que notifica el incidente debe ser identificado.

Seguridad del paciente; Errores de medicación; Accidentes por caídas; Administración de la seguridad


INTRODUÇÃO

A ocorrência de incidentes que comprometem a segurança do paciente configura-se em desafio premente em todas as instituições que prestam serviços de assistência à saúde. O incidente pode ser sem lesão ou com lesão. Os incidentes com lesão são chamados de Eventos Adversos (EAs)( 11. Runciman W, Hibbert P, Thomson R, Van Der Schaaf T, Sherman H, Lewalle P. Towards an international classification for patient safety: key concepts and terms. Int J Qual Health Care. 2009;21(1):18-26. ). O tema segurança do paciente vem sendo cada vez mais difundido dentro das instituições e entre os profissionais de saúde, no que tange a busca incessante na qualidade da assistência prestada e a ocorrência do menor número possível de incidentes evitáveis.

O cotidiano da produção de cuidados de saúde é altamente complexo e, apesar dos elevados padrões de qualidade exigidos atualmente, EAs ocorrem todos os dias. Internacionalmente, entre 2,9% e 16,6% dos pacientes internados são afetados por EAs, tais como, complicações peri e pós-operatórias, erros de medicação, infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) ou quedas do leito( 22. Silva EF, de Faveri F, Lorenzini E. Errores de medicación en el ejercicio de la enfermaría: la revisión integrativa. Enfermería Global. 2014;13(34):330-7. - 33. Magalhães AMM, Dall'Agnol CM, Marck PB. Carga de trabalho da equipe de enfermagem e segurança do paciente: estudo com método misto na abordagem ecológica restaurativa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(nesp):146-54. ).

A publicação do relatório The Error is Human em 1999, pelo Institute of Medicine (IOM) apontou que cerca de 44.000 a 98.000 pessoas morreram, a cada ano, nos hospitais dos Estados Unidos da América (EUA), vítimas EAs( 44. Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS, editors. To err is human: building a safer health system. Washington: The National Academy Press; 2000. ). A ocorrência de EAs é um problema mundialmente relevante, e representa também, um enorme prejuízo em termos financeiros.

Em resposta a essa necessidade global, a OMS, lançou em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente. O programa conta com estratégias, diretrizes e metas internacionais, que visam disseminar e garantir, em diferentes países, práticas que viabilizem a segurança dos pacientes( 55. World Health Organization. World alliance for patient safety. [mentioned in 15 aug. 2012] Available in: http://www.who.int/patientsafety/worldalliance/en/.
http://www.who.int/patientsafety/worldal...
). A Aliança atua em diferentes áreas, desde a lavagem de mãos, cirurgia segura até a taxonomia, que visa organizar os aspectos taxonômicos ligados ao tema segurança do paciente( 66. Garrouste-Orgeas M, Philippart F, Bruel C, Max A, Lau N, Misset B. Overview of medical errors and adverse events. Ann. Intensive Care. 2012 Feb 16;2(1):2. ).

Sabe-se que atualmente, em solo brasileiro, estão instalados mais de 200 mil estabelecimentos assistenciais de saúde, nos quais os doentes são expostos rotineiramente às tecnologias em saúde e às intervenções de profissionais de saúde, estando sujeitos, portanto, aos EAs( 77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília; 2013. Available in: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente/documentos/junho/Modulo%201%20-%20Assistencia%20Segura.pdf
http://www.anvisa.gov.br/hotsite/seguran...
). Uma pesquisa realizada em três hospitais universitários no Estado do Rio de Janeiro evidenciou que, do total de 1.103 pacientes internados no ano de 2003, 7,6% haviam sofrido EAs e que, destes, 66,7% poderiam ter sido evitados( 88. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in Brazilian hospitals. Int J Qual Health Care. 2009;21(4):279-84. ). Esses achados sugerem a possibilidade de que os problemas com a segurança do paciente sejam mais frequentes nos hospitais brasileiros, quando comparados aos de países desenvolvidos( 88. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in Brazilian hospitals. Int J Qual Health Care. 2009;21(4):279-84. ).

Esse contexto incentivou na última década a promoção de iniciativas diferentes para proporcionar cuidados de saúde mais seguros. Dentre essas iniciativas, destaca-se a criação de programas para monitorar a qualidade e segurança baseada em indicadores. Ainda, em abril de 2013, foi criado no Brasil, o Programa Nacional de Segurança do Paciente, que, dentre outros objetivos visa o monitoramento e a prevenção de danos na assistência à saúde( 99. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) [citado em 11 fev. 2014]. Brasília (DF). Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Considerando a falta de dados disponíveis, o que impossibilita definir, de forma exata, a magnitude do problema dos EAs no Brasil, o presente estudo justifica-se, pois vislumbra a possibilidade de produção de conhecimento acerca de tema amplamente discutido no espectro mundial, a segurança do paciente. A mensuração dos dados fornece subsídios para formular planos e estratégias, objetivando a melhora significativa na segurança do paciente. Nesse sentido, formulou-se a questão norteadora deste estudo: Quais são os incidentes que ocorrem durante a prestação do cuidado em um hospital de grande porte?

Assim, o objetivo deste estudo consiste em avaliar os incidentes notificados entre os anos 2008 e 2012, em um hospital de grande porte da região Sul do Brasil.

MÉTODO

Trata-se de um estudo retrospectivo de análise documental, transversal, descritivo, com abordagem quantitativa.

O estudo foi desenvolvido em uma instituição de grande porte, de caráter filantrópico, que atende usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e Saúde Suplementar, localizado no sul do Brasil. Não foram previstos critérios de exclusão, desta forma, foram incluídos e analisados todos os registros de incidentes notificados entre os anos 2008 e 2012. A coleta de dados foi realizada no mês de março de 2013, pela pesquisadora, através do acesso aos registros eletrônicos dos incidentes notificados na instituição. Esses dados são coletados de forma regular e digitados em planilha específica no software Microsoft Office Excel 7. Uma planilha idêntica foi gerada pela pesquisadora.

Para análise estatística considerou-se as seguintes variáveis: data, incidente, local de ocorrência (setor), idade e sexo; Utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (r) (SPSS) versão 17.0. Os dados categorizados foram apresentados em frequência absoluta e relativa.

A pesquisa respeitou as diretrizes da Resolução 196/96( 1010. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196/96. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos. Brasília (DF); 1996. ) do Conselho Nacional de Saúde, foi autorizada pela instituição cenário do estudo e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Virvi Ramos, com o parecer número 224.450 e CAAE 12266513.7.0000.5523.

RESULTADOS

Neste estudo foram analisados 755 casos notificados de incidentes que ocorreram de 2008 a 2012. De acordo com os resultados obtidos, o ano de 2008 foi o que apresentou o menor percentual de notificação 103 (13,6%), sendo o ano de 2012 aquele com maior percentual 239 (31,7%), como mostra a Figura 1.

Figura 1
Distribuição absoluta dos incidentes notificados no período 2008 a 2012. Caxias do Sul, RS, 2012. Fonte: Dados da pesquisa.

O crescimento do número total de incidentes notificados se mostrou presente nas comparações ano a ano, onde, de 2008 para 2009 o aumento foi de 5,8%; de 2009 para 2010 de 7,3%; de 2010 para 2011 de 59,8%; e de 2011 para 2012 o aumento na proporção de casos foi de 27,8%. Desta forma, os dados apontam para um percentual médio de crescimento entre 2008 e 2012 de 25,2%.

Tomando como base o quantitativo de internações ano a ano, este apresentou um total de 71.037 internações. Realizando a ponderação do número de incidentes notificados em relação ao número de internações, verificou-se que, realmente ocorreu um crescimento de 142% dos incidentes de 2008 (0,7%) em comparação com 2012 (1,7%). Sobre o total de incidentes, estes representaram 1,1% do total de internações.

Quanto ao local de ocorrência apresentado na Tabela 1, os incidentes notificados foram mais frequentes nas unidades de internação 487 (64,8%).

Tabela 1
Distribuição absoluta e relativa dos incidentes notificados ocorridos em cada setor para total de incidentes e por ano de avaliação. Caxias do Sul, RS, 2012.

Os diversos tipos de incidentes com medicamentos, (Tabela 2), representaram 151 (20%). O incidente de maior prevalência observado neste estudo foi a queda 343 (45,4%) dos casos, Tabela 3, seguida do erro de medicação (126 16,7%) do total de incidentes e outros eventos 123 (16,2%), conforme Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição absoluta e relativa dos incidentes com medicamentos notificados para o total de incidentes com medicamentos e por ano de avaliação. Caxias do Sul, RS, 2012.
Tabela 3
Distribuição absoluta e relativa dos incidentes notificados para o total de incidentes e por ano de avaliação. Caxias do Sul, RS, 2012.

Na análise dos incidentes notificados em relação ao sexo, Tabela 4, observou-se que para o total de incidentes notificados, não houve diferença relevante na distribuição entre homens 377 (50,4%) e mulheres 372 (49,6%).

Tabela 4
Distribuição absoluta e relativa dos incidentes notificados para o sexo e a faixa etária, para o total de incidentes e por ano de avaliação. Caxias do Sul, RS, 2012.

Em relação à faixa etária, Tabela 4, para o total de incidentes predominaram as idades de 13 a 59 anos 377 (51,8%) e de 60 anos ou mais, representando 303 (41,6%) dos incidentes notificados.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que a prevalência de incidentes notificados foi de 1,1% do total de internações, menor do que a encontrada em outro estudo brasileiro, que foi de 1,47%( 1111. Paiva MC et al. Caracterização das quedas de pacientes segundo notificação em boletins de eventos adversos. Rev Esc Enferm USP. 2009;44(1):134-8. ). Ainda, no Brasil, uma pesquisa recente em três hospitais de ensino do Rio de Janeiro identificou uma incidência de 7,6% de pacientes que sofreram EAs, sendo que 66,7% destes eram considerados evitáveis( 1212. Gouvêa CSD, Travassos C. Indicadores de segurança do paciente para hospitais de pacientes agudos: revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2010;26(6):1061-78. ).

Internacionalmente, o método mais utilizado para detectar incidentes e EAs é a notificação voluntária. Entretanto, constitui-se em limitações desse método, a subnotificação devido a limitações de tempo, a falta de sistemas de informação adequados, o medo de litígio, a relutância das pessoas para relatar os próprios erros, a falta de conhecimento sobre a importância dos eventos, e a falta de mudanças após a notificação. No entanto, este método de comunicação é o mais útil para a indução de alterações comportamentais, demonstrando os benefícios da produção de relatórios de EAs, pois permite aprender com os próprios erros. A presença de uma equipe de segurança voluntária, multidisciplinar pode facilitar elaboração de relatórios( 66. Garrouste-Orgeas M, Philippart F, Bruel C, Max A, Lau N, Misset B. Overview of medical errors and adverse events. Ann. Intensive Care. 2012 Feb 16;2(1):2. ).

Os resultados deste estudo mostraram um crescimento considerável do número de incidentes notificados 103 (13,6%) em 2008, para 239 (31,7%) em 2012. É relevante destacar que a instituição que forneceu os dados para este estudo, vem desenvolvendo uma política de cultura de segurança, primeiro pela adesão ao sistema de Acreditação Hospitalar, e segundo pela disseminação da campanha pela segurança do paciente, no ano de 2010. No entanto, apesar do aumento no número total de notificações ano a ano, a prevalência encontrada ainda é baixa, o que permite inferir que o sistema de notificação adotado pela instituição, onde, o profissional que notifica o incidente precisa identificar-se, pode contribuir para que haja grande número de subnotificações.

Em geral, apesar do evidente crescimento do número de incidentes notificados, estudos nacionais e internacionais apontam para a presença de subnotificação ou a não notificação, devido ao medo e receio ainda presente nas situações de erros( 22. Silva EF, de Faveri F, Lorenzini E. Errores de medicación en el ejercicio de la enfermaría: la revisión integrativa. Enfermería Global. 2014;13(34):330-7. , 66. Garrouste-Orgeas M, Philippart F, Bruel C, Max A, Lau N, Misset B. Overview of medical errors and adverse events. Ann. Intensive Care. 2012 Feb 16;2(1):2. ). A despeito de todas as campanhas e incentivo da OMS para notificação dos erros, visando à análise dos processos em que os mesmos ocorrem, o que possibilita elaborar planos de ação para prevenção de novas ocorrências, infelizmente, no Brasil, ainda prevalece uma cultura de punição ao profissional( 22. Silva EF, de Faveri F, Lorenzini E. Errores de medicación en el ejercicio de la enfermaría: la revisión integrativa. Enfermería Global. 2014;13(34):330-7. ). Ainda, o desconhecimento do que se considera erro e as possíveis intercorrências com o paciente e o próprio temor quanto ao seu futuro profissional, também são fatores que levam os trabalhadores a não notificar qualquer tipo de erro causado ou relacionado ao paciente( 1313. Telles PC, Praxedes MF, Pinheiro ML. Erros de medicação: análise do conhecimento da equipe de enfermagem de uma instituição hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):539-45. ).

No presente estudo os locais de ocorrências mais frequentes de incidentes notificados, foram as Unidades de Internação 487 (64,8%), o que pode estar relacionado ao maior número de leitos e pacientes internados nessas unidades. Em segundo lugar na frequência de ocorrências, estão as UTI's e UCI adulto 50 (6,6%). Um estudo de avaliação de EAs em três hospitais públicos de ensino localizados no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil, evidenciou que a origem mais frequente de EAs - 36,2% do total de casos - foi o procedimento cirúrgico. O Centro Cirúrgico foi o segundo local de maior frequência de EAs, onde ocorreram 34,7% dos casos( 88. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in Brazilian hospitals. Int J Qual Health Care. 2009;21(4):279-84. ).

Quanto aos erros de medicação (EM) verificou-se uma taxa de 126 (16,7% do total de incidentes), sendo o segundo mais frequente no presente estudo. Nos achados de outra pesquisa, no entanto, os erros de medicação corresponderam a 62,7%. O conhecimento dos tipos de erros prevalentes no hospital e dos subsistemas envolvidos é fundamental para melhoria do processo de administração de medicamentos no mesmo. No entanto, cabe ressaltar que há evidências que mostram que os profissionais não conhecem todos os erros de medicação, o que leva à baixa notificação( 1414. Camerini GF, Silva DL. Segurança do paciente: análise do preparo de medicação intravenosa em hospital da rede sentinela. Texto Contexto Enferm. 2011;20(1):41-9. ).

Algumas literaturas apontam que os EM podem ocorrer em qualquer etapa da terapia medicamentosa, representando cerca de 65% de todos os EAs( 1515. Gimenes FR. Administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, relacionada à prescrição médica. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):7 telas. ). Na presente investigação, os mais frequentes foram os erros de medicação, erros de omissão, erros de dose, administração de medicamento em horário errado e administração de medicação em via errada. Denota-se que tais erros não se constituem, eminentemente, em erros cometidos pelo profissional, ao contrário, podem também ser um reflexo do processo da cadeia medicamentosa como um todo.

Um estudo realizado na Espanha aponta o EM com uma taxa de 5,21%, destacando-se como um dos tipos mais frequente de incidente( 1616. Merino P, Álvarez J, Martín MC, Alonso, Gutiérrez S. Adverse events in Spanish intensive care units: the SYREC study. Int J Qual Health Care. 2011;24 (2):105-13. ). Outro estudo realizado em cinco hospitais universitários brasileiros evidenciou entre as principais causas de EM a administração de medicamentos em vias diferentes das prescritas com 92 (6,5%) do total de 1.425 EM. Tais erros foram atribuídos aos itens da prescrição médica, como as siglas e/ou abreviaturas que estavam na redação da dose, mesmo sendo prescrição do tipo eletrônica( 1515. Gimenes FR. Administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, relacionada à prescrição médica. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):7 telas. ).

Estudo de monitoramento invasivo do uso de antimicrobianos em um hospital do Paraná identificou a ocorrência de 91 EAs, sendo que 3,3% foram reação adversa a medicamentos e 7,7% foram erros de notificação. Em um hospital universitário de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, foram analisadas 925 prescrições, 21% delas continham rasuras e 28,2% apresentavam informações que deixavam dúvidas aos profissionais( 1414. Camerini GF, Silva DL. Segurança do paciente: análise do preparo de medicação intravenosa em hospital da rede sentinela. Texto Contexto Enferm. 2011;20(1):41-9. ). A literatura pesquisada atribui o pouco conhecimento técnico-científico e a falta de atualização na enfermagem como principais causas relacionadas ao EM( 1313. Telles PC, Praxedes MF, Pinheiro ML. Erros de medicação: análise do conhecimento da equipe de enfermagem de uma instituição hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):539-45. ).

Cabe salientar que a relação entre o sujeito e a organização do trabalho pode afetar negativamente o desempenho do trabalhador de saúde, o que pode contribuir para a ocorrência de incidentes e EAs. Alguns fatores como, o alto número de pacientes, os níveis elevados de ruído e de luz e os turnos de trabalho longos podem estar contribuindo para os números de EAs assim como, as mudanças de turnos, e a ocorrência de conflitos( 1717. Azoulay E, Timsit JF, Sprung CL, Soares M, Rusinova K, Lafabrie A, et al. Prevalence and factors of intensive care unit conflicts: the conflicts study. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(9):853-60. ).

Dentre os principais incidentes a serem prevenidos em instituições de saúde, as quedas, representaram o incidente de maior ocorrência neste estudo 343 (45,4%). Em pacientes idosos hospitalizados ou em cuidados domiciliares, as quedas estão entre as causas mais comuns de injúrias, provocando traumas teciduais, fraturas e até mesmo a morte( 1818. Tinetti ME, Baker DI, King M, Gottschalk M, Murphy TE, Acampora D, et al. Effect of dissemination of evidence in reducing injures from falls. N Engl J Med. 2008;359(3):252-61. ).

A vigilância constante de pacientes é um fator fundamental para a prevenção de quedas. Ainda, há evidências de que o adequado dimensionamento de pessoal de enfermagem contribui na obtenção de melhores resultados assistenciais e, consequentemente, na redução de taxas de quedas entre pacientes hospitalizados( 1919. Lorenzini E, Deckman LR, Costa TC, Silva EF. Dimensionamento de pessoal de enfermagem: revisão integrativa. Cienc Cuid Saúde. 2014;13(1):166-71. ). Estudo realizado em hospital terciário, na Região sul do Brasil, evidenciou que atribuir mais pacientes para equipe de enfermagem nas 24hs, eleva a incidência de quedas do leito entre os pacientes atendidos( 33. Magalhães AMM, Dall'Agnol CM, Marck PB. Carga de trabalho da equipe de enfermagem e segurança do paciente: estudo com método misto na abordagem ecológica restaurativa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(nesp):146-54. ).

A amamentação cruzada esteve presente em 14 (1,9%) dos casos. Observa-se que é uma prática considerada antiga, mas ainda presente atualmente, que consiste na ingestão de leite de outras mães para ganho de peso ou conforto do recém nascido. A amamentação cruzada pode ser oferecida por mães de bebês internados ou por profissionais que tiveram seus filhos nesse período( 2020. Pedron CD, Bonilha ALL. Práticas de atendimento ao neonato na implantação de uma unidade neonatal em hospital universitário. Rev Gaúcha Enferm. 2008;29(4):612-8. ). Denota-se que a amamentação cruzada pode se concretizar, com a transmissão de doenças, em dano ao bebê. No contexto de gerenciamento de riscos e segurança do paciente, esse tipo de incidente é considerado evitável. A notificação desses incidentes é de extrema importância, no que concerne a implementação de estratégias para evitar a ocorrência dos mesmos. A atuação do enfermeiro detém papel central, no tange a orientação da equipe de enfermagem e das mães dos bebês internados, promovendo a educação em saúde.

Na análise dos incidentes notificados em relação ao sexo, observou-se que não houve diferença relevante na distribuição entre homens 377 (50,4) e mulheres 372 (49,6%), corroborando com o estudo realizado na Espanha, que também não encontrou essa diferença significativa entre os sexos( 1616. Merino P, Álvarez J, Martín MC, Alonso, Gutiérrez S. Adverse events in Spanish intensive care units: the SYREC study. Int J Qual Health Care. 2011;24 (2):105-13. ).

No presente estudo a presença de incidentes notificados predominou em pacientes entre a faixa etária de 13 a 59 anos 377 (51,8%), enquanto os pacientes de 60 anos ou mais representaram 303 (41,6%) dos incidentes notificados. Tais dados diferem dos encontrados em outra pesquisa, onde a prevalência foi em pacientes com idade superior a 62 anos( 1616. Merino P, Álvarez J, Martín MC, Alonso, Gutiérrez S. Adverse events in Spanish intensive care units: the SYREC study. Int J Qual Health Care. 2011;24 (2):105-13. ).

CONCLUSÃO

Do total de 755 incidentes notificados de 2008 a 2012, verificou-se, que ocorreu um crescimento de 142% dos incidentes de 2008 (0,7%) em comparação com 2012 (1,7%). A prevalência foi de 1,1% sobre o total de internações, sendo mais frequentes as quedas 45,4% e os erros de medicação 16,7% do total de incidentes notificados. O baixo número de notificações pode estar relacionado ao sistema adotado pela instituição, onde, o profissional que notifica o incidente precisa ser identificado.

O presente estudo contribui na produção de conhecimento acerca de tema amplamente discutido no espectro mundial, a Segurança do Paciente. Diante da análise dos incidentes notificados, sugere-se que as instituições de saúde trabalhem em busca da Cultura de Segurança, considerada como ponto de partida, a partir do qual começa o planejamento de ações para a promoção da Segurança do Paciente. Para tanto, faz-se necessário o envolvimento da direção e de todos os atores dos diversos níveis operacionais.

Os dados ausentes se constituíram em limitação deste estudo, no entanto, considera-se que não comprometeram os resultados ora apresentados. Ainda, é importante destacar que o mesmo foi realizado em apenas uma instituição, o que não garante a possibilidade de generalização dos resultados. Nesse sentido, sugere-se que sejam realizados outros estudos, de diferentes métodos, em diferentes instituições, para que se possam criar novas estratégias que contribuam para evitar a ocorrência de incidentes e eventos adversos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2013
  • Aceito
    09 Maio 2014
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