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Estratégias lúdicas de coleta de dados com crianças com câncer: revisão integrativa

Estrategias lúdicas de recolección de datos con niños con cáncer: revisión integradora

Resumos

As crianças são as melhores fontes de informação sobre suas experiências e opiniões; e as pesquisas qualitativas têm privilegiado desenvolver e aplicar técnicas que deem vozes a elas e facilitem a sua aproximação com o pesquisador. Objetivou-se identificar, mediante revisão integrativa da literatura, recursos lúdicos utilizados na coleta de dados de pesquisas qualitativas com crianças com câncer e suas formas de aplicação. Realizaram-se buscas sistematizadas em bases de dados eletrônicas e biblioteca virtual, que, somadas a uma amostra não sistematizada, abrangendo o período de 2000 a 2010, totalizaram 15 estudos. Identificaram-se os recursos de desenho, brinquedo terapêutico, fantoche, fotografia e dinâmicas de criatividade e sensibilidade que, associados ou não à entrevista, mostraram-se facilitadores da coleta de dados, direta ou indiretamente, ampliando a interação com as crianças e permitindo maior expressão de seus sentimentos. São apresentadas vantagens e limitações da utilização desses recursos, contribuindo-se para o planejamento de pesquisas com crianças.

Coleta de dados; Pesquisa qualitativa; Criança; Neoplasias


Los niños son las mejores fuentes de información sobre sus experiencias y opiniones e investigaciones cualitativas han privilegiado el desarrollo y la aplicación de técnicas que les den voces y faciliten su aproximación con el investigador. La finalidad fue identificar, mediante revisión integradora de la literatura, recursos lúdicos utilizados para recolectar datos con niños con cáncer y sus formas de aplicación. Fueron efectuadas búsquedas sistematizadas en bases de datos electrónicas y biblioteca virtual que, sumadas a una muestra no sistematizada, del 2000 al 2010, totalizaron 15 estudios. Fueron identificados los recursos de diseño, juguete terapéutico, fantoche, fotografía y dinámicas de creatividad y sensibilidad que, asociados o no a la entrevista, se mostraron facilitadores de la recolección de datos, directa o indirectamente, ampliando la interacción con los niños y permitiendo mayor expresión de sus sentimientos. Se presentan ventajas y limitaciones de estos recursos, contribuyendo a la planificación de investigaciones con niños.

Recolección de datos; Investigación cualitativa; Niño; Neoplasias


Children are the best sources of information on their experiences and opinions, and qualitative studies have favored the development and application of techniques that facilitate their self-expression and approaching the researcher. Through an integrative literature review, the objective of this research was to identify playful resources used in qualitative research data collection with child cancer patients, and their forms of application. Systemized searches of electronic databases and a virtual library were undertaken, which, combined with a non-systemized sample, totaled 15 studies spanning the period from 2000 and 2010. Drawing, toys, puppets, photography and creativity and sensitivity dynamics were identified which, in association with interviews or not, were shown to directly or indirectly facilitate data collection, thereby broadening the interaction with the children, and permitting further expression of their feelings. The advantages and limitations of using these resources are presented, thus contributing to planning research with children.

Data collection; Qualitative research; Child; Neoplasm


REVISÃO INTEGRATIVA

Estratégias lúdicas de coleta de dados com crianças com câncer: revisão integrativa

Estrategias lúdicas de recolección de datos con niños con cáncer: revisión integradora

Amanda Mota Pacciulio SpositoI; Valéria de Cássia SparapaniII; Luzia Iara PfeiferIII; Regina Aparecida Garcia de LimaIV; Lucila Castanheira NascimentoV

ITerapeuta ocupacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Mestre pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Ribeirão Preto - SP, Brasil

IIEnfermeira Pediátrica da Unidade de Emergência do HCFMRP-USP. Doutoranda da EERP-USP. Ribeirão Preto - SP, Brasil

IIITerapeuta ocupacional. Professor Doutor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP. Ribeirão Preto - SP, Brasil

IVEnfermeira. Professor Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EERP-USP. Ribeirão Preto - SP, Brasil

VEnfermeira. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EERP-USP. Ribeirão Preto - SP, Brasil

Endereço do autor Endereço do autor Lucila Castanheira Nascimento Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre 14040-902, Ribeirão Preto, SP E-mail: lucila@eerp.usp.br

RESUMO

As crianças são as melhores fontes de informação sobre suas experiências e opiniões; e as pesquisas qualitativas têm privilegiado desenvolver e aplicar técnicas que deem vozes a elas e facilitem a sua aproximação com o pesquisador. Objetivou-se identificar, mediante revisão integrativa da literatura, recursos lúdicos utilizados na coleta de dados de pesquisas qualitativas com crianças com câncer e suas formas de aplicação. Realizaram-se buscas sistematizadas em bases de dados eletrônicas e biblioteca virtual, que, somadas a uma amostra não sistematizada, abrangendo o período de 2000 a 2010, totalizaram 15 estudos. Identificaram-se os recursos de desenho, brinquedo terapêutico, fantoche, fotografia e dinâmicas de criatividade e sensibilidade que, associados ou não à entrevista, mostraram-se facilitadores da coleta de dados, direta ou indiretamente, ampliando a interação com as crianças e permitindo maior expressão de seus sentimentos. São apresentadas vantagens e limitações da utilização desses recursos, contribuindo-se para o planejamento de pesquisas com crianças.

Descritores: Coleta de dados. Pesquisa qualitativa. Criança. Neoplasias.

RESUMEN

Los niños son las mejores fuentes de información sobre sus experiencias y opiniones e investigaciones cualitativas han privilegiado el desarrollo y la aplicación de técnicas que les den voces y faciliten su aproximación con el investigador. La finalidad fue identificar, mediante revisión integradora de la literatura, recursos lúdicos utilizados para recolectar datos con niños con cáncer y sus formas de aplicación. Fueron efectuadas búsquedas sistematizadas en bases de datos electrónicas y biblioteca virtual que, sumadas a una muestra no sistematizada, del 2000 al 2010, totalizaron 15 estudios. Fueron identificados los recursos de diseño, juguete terapéutico, fantoche, fotografía y dinámicas de creatividad y sensibilidad que, asociados o no a la entrevista, se mostraron facilitadores de la recolección de datos, directa o indirectamente, ampliando la interacción con los niños y permitiendo mayor expresión de sus sentimientos. Se presentan ventajas y limitaciones de estos recursos, contribuyendo a la planificación de investigaciones con niños.

Descriptores: Recolección de datos. Investigación cualitativa. Niño. Neoplasias.

ABSTRACT

Children are the best sources of information on their experiences and opinions, and qualitative studies have favored the development and application of techniques that facilitate their self-expression and approaching the researcher. Through an integrative literature review, the objective of this research was to identify playful resources used in qualitative research data collection with child cancer patients, and their forms of application. Systemized searches of electronic databases and a virtual library were undertaken, which, combined with a non-systemized sample, totaled 15 studies spanning the period from 2000 and 2010. Drawing, toys, puppets, photography and creativity and sensitivity dynamics were identified which, in association with interviews or not, were shown to directly or indirectly facilitate data collection, thereby broadening the interaction with the children, and permitting further expression of their feelings. The advantages and limitations of using these resources are presented, thus contributing to planning research with children.

Descriptors: Data collection. Qualitative research. Child. Neoplasm.

INTRODUÇÃO

Em decorrência dos avanços constantes no tratamento do câncer infantil, a maioria dos pacientes hoje é curada(1), entretanto, este tratamento mantém-se prolongado, demandando um tempo considerável de hospitalização e expondo a criança a procedimentos invasivos e desagradáveis, tanto física quanto emocionalmente(2-3).

As pesquisas que envolvem crianças com câncer devem considerar as repercussões físicas, emocionais e sociais do adoecimento, assim como devem superar a tendência de considerar crianças como seres passivos, dependentes, incapazes de compreenderem os objetivos de uma pesquisa e expressarem suas próprias opiniões(4-5). Apesar de a criança ser capaz de comunicar seus sentimentos, ideias e valores, muitas têm dificuldade de se expressar a partir de perguntas e respostas diretas, requerendo que o pesquisador adentre em seu mundo, utilizando, na coleta de dados, recursos criativos, familiares ao universo infantil(3,6). Assim, reunir a produção científica que apresente diferentes recursos utilizados para a coleta de dados e apresentar suas vantagens e limitações de forma sistematizada, pode favorecer a sistematização do conhecimento sobre as estratégias apropriadas para acessar a clientela infantil. Desta forma, este estudo objetiva identificar, por meio de revisão integrativa da literatura, recursos lúdicos utilizados na coleta de dados de pesquisas qualitativas com crianças com câncer e suas formas de aplicação.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cuja finalidade é reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre determinado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para aprofundar o conhecimento na área(7). Para realizar esta revisão, foram seguidos os cinco estágios(8) especificados a seguir.

Para a formulação do problema, foi elaborada a questão norteadora: quais as diferentes estratégias lúdicas utilizadas, isoladamente ou em associação com entrevistas e observação, para facilitar a expressão e comunicação de crianças com câncer na obtenção de dados em pesquisas qualitativas? A coleta de dados foi conduzida utilizando-se palavras-chave e descritores do DeCS (Descritores em Ciência da Saúde) e do MeSH (Medical Subject Headings), em diferentes combinações: criança/child; câncer/cancer; entrevista/interview; fantoche/puppet; brincar/play; fotografia/photo; desenho/draw; pintura/paint; brinquedo terapêutico/therapeutic play; pesquisa qualitativa/qualitative research; coleta de dados/data collection. Estes termos foram pesquisados nas bases de dados CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), PubMed, ISI Web of Knowledge, LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PsycINFO (Psychology Information) e Scopus, assim como na biblioteca virtual SciELO (Scientific Eletronic Library Online).

Para ser incluído nesta revisão, o estudo deveria ser qualitativo; ter sido publicado, de janeiro de 2000 a dezembro de 2010; apresentar crianças com câncer como participantes; utilizar qualquer estratégia lúdica de coleta de dados, isolada ou associada a entrevistas e observação; ser escrito em português, inglês, espanhol ou francês. Foram excluídos os artigos publicados antes do ano 2000; estudos quantitativos; pesquisas que apresentavam como participantes crianças com outras patologias ou adolescentes e adultos; que utilizaram apenas entrevistas, questionários ou observação para coleta de dados. Não foram encontrados artigos em outros idiomas. Duas pesquisadoras (primeira e última autoras) trabalharam de forma independente na seleção dos artigos, a partir da leitura de seus títulos e resumos. Diante de dúvidas sobre a adequação dos estudos, estes foram lidos na íntegra e discordâncias entre as pesquisadoras foram discutidas, alcançando-se um consenso. Estudos que abrangessem população mista (crianças e adolescentes ou crianças e familiares), e que preenchiam os outros critérios de inclusão, também foram considerados, objetivando não se perder dados relevantes para a revisão. Entretanto, ressalta-se que a extração e análise foram feitas levando-se em conta apenas os dados referentes à população infantil, quando esta separação por faixa etária foi também valorizada pelos autores dos artigos(5,9), distinguindo inclusive o recurso lúdico utilizado nas entrevistas. Nos casos em que esta divisão não foi apresentada no delineamento metodológico do estudo(10-14), considerou-se que os autores dos estudos julgaram que os recursos possibilitaram dados semelhantes, em todas as idades avaliadas.

Dos 123 estudos encontrados, excluindo-se repetições entre as bases de dados e biblioteca virtual, foram selecionados oito artigos que se adequaram aos critérios de inclusão deste estudo. Acrescentaram-se a esta amostra, estudos selecionados intencionalmente em arquivos pessoais das autoras e outros, obtidos a partir de referências dos artigos incluídos na busca sistematizada, estratégia indicada por alguns autores(15), totalizando uma amostra de 15 estudos.

Para a extração de dados, inicialmente, classificou-se cada artigo de acordo com os autores, país de origem do estudo, ano de publicação, formação profissional dos autores e objetivo da pesquisa. Em seguida foram extraídos dados relativos especificamente às diferentes estratégias lúdicas utilizadas para facilitar a expressão e comunicação de crianças com câncer durante a coleta de dados, bem como aspectos, valorizados pelos autores, referentes à aplicação das técnicas, suas facilidades e limitações. Na análise e interpretação dos dados, as informações extraídas foram comparadas e os conteúdos similares foram agrupados em categorias, as quais representam as temáticas mais significativas da análise, que serão detalhadas e discutidas na apresentação dos resultados.

RESULTADOS

Os 15 estudos que compuseram esta revisão são apresentados no quadro 1. A maioria dos estudos foi conduzida no Brasil (n=7) e Inglaterra (n=5), incluindo uma parceria com os Estados Unidos, sendo que os estudos exclusivamente ingleses apresentavam autores em comum, evidenciando terem sido elaborados pelo mesmo grupo de pesquisadores. Também foram encontrados estudos desenvolvidos no Canadá (n=2) e Itália (n=1).


Nos dez anos analisados, encontramos estudos publicados a partir de 2002, com destaque ao ano de 2008, que somou seis produções científicas. A maioria (n=12) dos estudos tinha como autores, enfermeiros; os demais, foram escritos por psicólogos (n=6), médicos (n=4), recreacionista (n=1) e profissional de saúde não especificado (n=1).

Em relação aos instrumentos de coleta de dados, considerando a própria terminologia citada pelos pesquisadores, eles realizaram entrevistas semiestruturada (n=3), não estruturada (n=1) e outras não especificadas (n=4); observação participante (n=2) e exploratória (n=1) e discussões em grupo (n=1). Quanto às estratégias lúdicas, os estudos registraram a utilização de um ou mais recursos: desenhos (n=7); fantoches (n=4); fotografias (n=4); brinquedos (n=3); colagens (n=2) e modelagem com massa de modelar (n=1).

Recursos para coleta de dados

Desenhos (n=7)

As pesquisas que utilizaram desenhos para coleta de dados, fizeram-no isoladamente(21) ou em combinação com a escrita(5,9,16), técnicas gráficas e expressivas(14), entrevistas(11-12), observação participante(12), ou mesmo com a descrição oral dada pela criança sobre o desenho produzido(5,9,11,16).

Três estudos(5,9,16) utilizaram a técnica que denominaram "desenhar e escrever", na qual foram oferecidos lápis e papel às crianças, entre seis e 12 anos, e foi solicitado que elas desenhassem uma figura relevante ao tema da pesquisa e acrescentassem balões com textos descritivos. Em seguida, a criança era incentivada a discutir seu desenho. O local de coleta dos dados foi o domicílio das crianças(16), o hospital(9), e um lugar não especificado(5).

Em outra pesquisa(11) a idade dos participantes variava entre quatro e 14 anos e foram entrevistados no ambulatório de um hospital pediátrico. Cada desenho realizado de acordo com temática livre, foi acompanhado de uma entrevista e de uma descrição por escrito, feita pela criança acerca de sua produção. Nos casos em que isto não era possível, a redação da explicação do desenho foi feita pela recreacionista ou pelo psicólogo. Um estudo(12) realizou observação participante e entrevista não estruturada com crianças e adolescentes entre sete e 18 anos, além de três técnicas de desenhos, as quais foram: "desenho de uma pessoa pegando uma maçã de uma árvore"; "a imagem mais assustadora"; e "encerramento do desenho". A primeira técnica buscava obter, a partir do autorrelato da criança, medidas psicológicas. As duas últimas técnicas permitem a expressão dos maiores medos dos participantes e o encerramento da sessão de forma prazerosa. As entrevistas e a aplicação das técnicas foram feitas na enfermaria, no parquinho do hospital ou na área de espera de um laboratório, fora do hospital.

Identificou-se uma abordagem diferenciada no estudo(21) em que foi realizado um teste, com crianças entre seis e 12 anos, para a validação do Instrumento de Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização, o qual dispunha de pranchas com desenhos que representavam possíveis estratégias de enfrentamento e, mais especificamente, a importância atribuída ao brincar como uma dessas estratégias. As crianças deveriam identificar, a partir dos desenhos apresentados, atitudes e atividades que realizavam "sempre", "quase sempre", "às vezes" ou "nunca", com o objetivo de facilitar o enfrentamento da hospitalização.

Apenas um estudo(14) realizou uma oficina lúdica, na qual crianças e adolescentes hospitalizados, entre três e 14 anos, foram convidados a realizar desenhos, colagens, modelagem ou outra técnica gráfica de sua escolha para expressarem como era estar hospitalizado. Realizou-se uma única oficina, com duração de cerca de uma hora e trinta minutos.

Brinquedo terapêutico (n=3)

Três estudos(13,18,20) optaram por esta técnica para coleta de dados em suas pesquisas. Foram utilizados bonecos que representassem a família e a equipe de saúde, objetos de uso doméstico e hospitalar. Foram disponibilizados ainda materiais de desenho e pintura(13) e um boneco que permitia a visualização dos órgãos do corpo(20).

Participaram destes estudos crianças entre três e nove anos e uma adolescente de 14 anos. As sessões de brinquedo dramático individual foram realizadas em contexto ambulatorial(13) e com crianças internadas em unidade oncológica(18).

Em outra pesquisa(20), as crianças foram convidadas especificamente a brincar "de uma criança que fez medicação nas costas", no ambulatório, uma semana após terem recebido quimioterapia intratecal. O tempo das sessões variou entre 45 e 60 minutos.

Fantoches (n=4)

Dentre os estudos revisados, quatro utilizaram fantoches para entrevistar as crianças(3,5-6,19). As pesquisas tinham como objetivo explorar experiências, percepções e opiniões acerca da doença e tratamento.

Os fantoches foram utilizados com crianças com idades entre quatro e oito anos. Os locais escolhidos para a realização da entrevista com este recurso foram a enfermaria ou ambulatório(3,5-6,19) e domicílio da criança(3,6). Ainda, dois estudos tiveram a oportunidade de coletar dados tanto no domicílio(3,6) quanto no hospital, especificamente em uma sala de recreação(19) e uma sala privativa, até então desconhecida pela criança(6).

Três estudos(3,6,19) relataram algum tipo de estratégia de aproximação com as crianças antes da entrevista. Um deles(3) relatou o uso de um jogo que continha fotografias de expressões faciais, as quais foram posteriormente utilizadas durante a entrevista com o fantoche; os outros estudos descreveram o manuseio(6) ou a confecção prévia(19) do fantoche pela criança. O fantoche foi criado, na maioria dos estudos(3,5-6), a partir de brinquedos de pelúcia, pré-confeccionados. Para a coleta dos dados, dois estudos(3,5) relataram a participação de um pesquisador especialista em jogos/brincadeiras e um outro(6) citou que o entrevistador foi uma enfermeira pediátrica, com experiência prévia no uso dos fantoches. Alguns estudos relataram sobre o estímulo dado à criança para que ela dramatizasse(19), criasse personagens e conversasse com outro fantoche, caso esse fosse o seu desejo(6). Somente uma pesquisa(6) informou que o tempo de aplicação da técnica variou entre 30 e 120 minutos.

Fotografias (n=4)

A fotografia foi utilizada como recurso auxiliar da entrevista semiestruturada, com ou sem o uso de fantoches, ou como técnica principal de coleta de dados, com participantes entre quatro e 16 anos.

Um destes estudos(9) utilizou a técnica da "Abordagem do Mosaico" modificada, na qual cada criança ficou com uma máquina fotográfica durante uma semana, para retratar qualquer aspecto de sua experiência, diagnóstico ou tratamento que considerasse importante. Após uma semana, a criança se encontrou com um recreacionista, com a qual elaborou um cartaz com suas fotos, adicionando textos e desenhos, enquanto contava suas histórias e motivos. Não foi mencionado o ambiente em que a coleta de dados ocorreu.

Em outro estudo(3), fotografias de crianças com diferentes expressões faciais foram utilizadas na realização de um jogo, antes do início da entrevista, como estratégia de aproximação entre o pesquisador e a criança. Essas mesmas fotografias foram usadas com três crianças durante a entrevista, para ajudá-las a expressar diferentes emoções.

A avaliação de um acampamento para crianças com câncer, através da apresentação de fotografias, foi abordada em dois estudos(6,10) que se complementaram, porém, em apenas um deles(10) a técnica foi descrita e detalhada. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, no hospital ou domicílio, uma semana após o participante retornar do acampamento. Foram utilizadas 13 fotos coloridas, tiradas pelos pesquisadores, que retratavam estruturas físicas, o ambiente natural e o ambiente social do acampamento.

Dinâmica de criatividade e sensibilidade (n=1)

Um único estudo(17) realizou a dinâmica de criatividade e sensibilidade para a coleta de dados, de acordo com o método criativo e sensível, durante a qual acontecem simultaneamente a discussão de grupo mobilizada pela produção do tipo artística e observação participante. Realizou-se, em ambulatório, com 12 crianças em idade escolar, a dinâmica "O brincar em cena", a qual utilizou canetas coloridas, lápis de cor, giz de cera, papel sulfite, papel pardo, brinquedos em miniatura e massa de modelar.

DISCUSSÃO

Crianças podem dar informações precisas acerca de suas experiências, porém, para envolvê-las de forma ativa em pesquisas, faz-se necessária a utilização de técnicas e recursos diferenciados dos estudos com participantes adultos(22). Os pesquisadores precisam ainda estar conscientes das vantagens e desvantagens do uso de cada estratégia, bem como das implicações para os dados produzidos na pesquisa(16).

Observa-se que os recursos para coleta de dados, tais como os apresentados nesta revisão, não se constituem ainda como técnicas difundidas em diversos países, o que nos remete à necessidade de divulgação destas estratégias como forma de estimular e propiciar sua utilização em novas pesquisas.

Dentre os cuidados éticos apontados nos estudos, destaca-se a preocupação em respeitar a liberdade de as crianças utilizarem, ou não, os recursos lúdicos. Para tanto, os pesquisadores devem estar preparados para situações em que as crianças optem por não usar os materiais, o que pode provocar sentimentos de frustração. Obter o assentimento das crianças tem sido uma prática amplamente utilizada, sendo importante ressaltar que este não é um procedimento de caráter legal, entretanto, garantir às crianças a possibilidade de expressar seu desejo de participar ou não da pesquisa, demonstra o cuidado dos pesquisadores em relação a estas(23).

De forma geral, os estudos descreveram minuciosamente a técnica utilizada, explicitando as questões dirigidas às crianças ou mesmo a forma de abordá-las, o que pode facilitar a utilização destes recursos em pesquisas futuras. Contudo, os autores ressaltaram a importância de que estas estratégias sejam aplicadas por pesquisadores treinados ou familiarizados com o uso de recursos lúdicos.

O tempo de aplicação das técnicas variou entre 30 a 120 minutos, indicando sua atratividade e o grande interesse que as crianças demonstraram por estes métodos lúdicos, pois se mantiveram nesta atividade, apesar do adoecimento e possíveis desconfortos decorrentes de sua condição.

Vantagens do uso de estratégias diversificadas de coleta de dados

Desenhar é uma atividade divertida para a maioria das crianças e pode ser utilizada para facilitar a comunicação entre elas e os pesquisadores, bem como para fomentar a confiança e a motivação dos participantes(16). As crianças podem achar difícil comunicar verbalmente seus sentimentos, medos e opiniões e os desenhos facilitam essa expressão(24). Um dos estudos(12) discutiu ainda a utilidade dos desenhos como disparadores da entrevista, a partir dos quais, após se sentir mais confortável e segura, a criança pôde, inclusive, comunicar conteúdos que não representou na produção gráfica, mas que gostaria de compartilhar com o pesquisador.

O caráter lúdico da proposição de pranchas com desenhos prontos, no Instrumento de Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização, mostrou-se capaz de envolver e motivar a participação da criança com câncer na entrevista e ampliou as possibilidades de expressão de seus sentimentos, comportamentos e pensamentos. Isto pôde ser constatado frente à diferença de conteúdos obtidos por meio das questões abertas e das questões intermediadas pelas pranchas, ambas integrantes do mesmo instrumento(21).

Em relação ao emprego do brinquedo terapêutico, este se mostrou um excelente recurso para conhecer as reações e sentimentos manifestados pelas crianças, além de favorecer o estreitamento da relação destas com as pesquisadoras, o que contribuiu para o aprofundamento dos dados coletados(20).

Os estudos(3,5) que utilizaram fantoches como recurso na coleta de dados, apresentaram como justificativa a necessidade de maior aproximação entre pesquisador e criança. Para os autores, o fantoche permitiu entrar em um mundo que é familiar para a criança, como o dos desenhos, animais, bichos de pelúcia e das histórias. Além disso, o fantoche foi utilizado como um estímulo à resposta aos questionamentos do pesquisador(6,19), não requerendo que o participante falasse diretamente com o entrevistador e mantivesse contato visual, o que é difícil para algumas crianças(3).

O aumento da expressão verbal das crianças e maior estreitamento da relação pesquisador e entrevistado obtido com o uso dos fantoches, nos estudos com crianças com câncer, também têm sido alcançados em outras pesquisas, confirmando o sucesso desta estratégia(25-26). Os estudos analisados utilizaram os fantoches com crianças entre quatro e oito anos de idade, porém, há pesquisas em que a faixa etária dos participantes se estendia até 12 anos(25,27).

A Abordagem Mosaico mostrou-se como um processo interativo de coleta de dados, útil para revelar o contexto social da criança com câncer, bem como sua visão de mundo e dos acontecimentos(9). O uso de fotografias foi considerado, ainda, um facilitador do vínculo pesquisador-participante, além de possibilitar uma atmosfera informal durante a entrevista, e ser capaz de tirar o foco de perguntas e respostas que, geralmente, recai sobre a criança(10).

As dinâmicas de criatividade e sensibilidade também se apresentaram como estratégias efetivas no auxílio da comunicação com crianças com câncer, possibilitando que os participantes expressassem o que pensavam e falassem de si, de seus valores e crenças, tomando como ponto de referência a produção artística(17).

Todas as técnicas lúdicas utilizadas apresentaram a vantagem de poderem ser aplicadas tanto no hospital (ambulatório ou enfermaria) quanto no domicílio, constituindo-se em importantes ferramentas auxiliares no acesso à subjetividade dos participantes e facilitadoras da aproximação e interação das crianças com o pesquisador.

Limitações do uso de estratégias diferenciadas de coleta de dados

Em determinadas situações, conforme apontaram os pesquisadores de um dos estudos(9), o uso de imagens, como desenhos ou fotografias, mostra-se mais útil para propiciar o entrosamento e a aproximação do pesquisador com os participantes, sendo base para a entrevista ou discussão que se segue, do que como fonte de dados propriamente dita.

Estudos(11,16) indicaram que o uso de desenhos como recurso de coletas de dados possui desvantagens relacionadas à dificuldade de análise e interpretação das produções. Em relação ao uso de fotografias, um estudo(10) utilizou apenas retratos trazidos pelos pesquisadores e apontou que a coleta e análise dos dados seria enriquecida se fossem incluídas fotografias pessoais, espontaneamente compartilhadas pelos participantes.

Uma mesma técnica lúdica foi utilizada em alguns estudos(10-14) como recurso auxiliar à entrevista e observação, de forma indiferenciada com crianças e adolescentes, dificultando sua aplicabilidade por outros pesquisadores, uma vez que estes estudos não apresentam um detalhamento sobre qual faixa etária se sentiu mais atraída pelo recurso lúdico, ou mesmo se houve resistência ou dificuldade em alguma idade específica. A criança tem necessidades e características particulares à fase do desenvolvimento na qual se encontra(28) e, desta forma, as pesquisas que envolvem crianças como participantes devem atentar para estas singularidades e empregar métodos adequados e atrativos a cada faixa etária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sempre um desafio encontrar métodos de coleta de dados que entusiasmem crianças com câncer e sejam condizentes com sua condição clínica, entretanto, esta revisão identificou, na literatura, recursos lúdicos que foram utilizados com sucesso em pesquisas qualitativas com crianças com câncer, bem como apresentou suas formas de aplicação. Os recursos aqui discutidos mostraram-se facilitadores da coleta de dados, direta ou indiretamente; possibilitaram a expressão de sentimentos, medos, opiniões e dúvidas das crianças e corresponderam a uma necessidade ética de adequação da técnica à faixa etária e contexto sócio-cultural dos participantes, além de respeitarem sua autonomia. Apesar das vantagens do uso destes recursos, esta revisão aponta para a necessidade e possibilidade de desenvolvimento de novas pesquisas, fortalecendo sua aplicabilidade.

Recebido em: 06.08.2012

Aprovado em: 13.08.2013

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  • Endereço do autor
    Lucila Castanheira Nascimento
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP
    Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre
    14040-902, Ribeirão Preto, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2012
    • Aceito
      13 Ago 2013
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