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Avaliação da percepção de coerção em idosos não institucionalizados submetidos a pesquisa para diagnóstico da disfunção temporomandibular

Resumos

OBJETIVO:

Neste estudo, avaliou-se a percepção de coerção (PC) em idosos não institucionalizados submetidos a pesquisa para diagnóstico da Disfunção Temporomandibular.

MÉTODO:

Realizou-se estudo transversal com 1.112 idosos, com idade igual ou superior a 60 anos, inscritos no Programa da Saúde da Família do município de Areia, Estado da Paraíba, Brasil, no período de janeiro a junho de 2013. Utilizou-se como instrumento de coleta a Escala de Percepção de Coerção.

RESULTADOS:

Houve predominância de pessoas do sexo feminino (62,5%), com faixa etária de 60 a 69 anos (45,9%) não alfabetizados (57,9%), casados ou em união estável (54,1%), aposentados (83,6%) e com renda mensal inferior a um salário mínimo (72,0%). A média geral de PC foi de 1,25+ 1,15 e Moda 1 (41,4%). Houve diferença da PC entre o grupo de alfabetizados, casados e em união estável versus os demais.

CONCLUSÃO:

Percebeu-se o grupo de idosos pouco coagido ao decidir quanto à sua participação na pesquisa para diagnóstico da Disfunção Temporomandibular, com associação significativa da PC com alfabetização e estado civil.

Autoimagem; Saúde do idoso; Bioética; Ética em pesquisa


OBJECTIVE:

To evaluate perceived coercion (PC) of noninstitutionalized elderly patients undergoing research for the diagnosis of temporomandibular joint dysfunction.

METHOD:

A cross-sectional study conducted with 1,112 elderly individuals aged 60 or older, enrolled in the Family Health Programme of the municipality of Areia, State of Paraíba, Brazil, from January to June 2013. The data collection tool was the Perceived Cohesion Scale (PSC).

RESULTS:

The participants were predominantly women (62.5%) in the 60 to 69 age group (45.9%), illiterate (57.9% percent), married or in a common law marriage (54.1%), retired (83.6%), and receiving a monthly income under the minimum wage (72.0%). The average overall PC was 1.25+ 1.15 and Trend 1 (41,4%). There was a difference between the group of individuals who were literate, married and in a common law marriage and the members of the other groups.

CONCLUSION:

Results showed that the elderly patients were minimally coerced when deciding whether to participate in research for diagnosing temporomandibular joint dysfunction. They also revealed a significant association of PC with literacy and marital status.

Self concept; Health of the elderly; Bioethics; Ethics, research


OBJETIVO:

En este estudio se evaluó la percepción de coerción (PC) en personas de edad avanzada, no institucionalizadas sometidas a la investigación para el diagnóstico de los trastornos temporomandibulares.

MÉTODO:

Se hizo un estudio transversal con 1.112 ancianos de 60 años de edad o mayores, participantes del Programa de Salud de la Familia, en la ciudad de Areia, estado de Paraiba, Brasil, en el periodo de enero a junio del año de 2013. La recolección de datos se hizo con la escala de percepción de coerción.

RESULTADOS:

La mayoría de los pacientes eran mujeres (62,5%), de 60-69 años de edad (45,9%), casados o como pareja estable (57,9%), retirados (54,1%), analfabetos (83,6%) y con menos de un sueldo base menual (72,0%). El promedio general de PC fue de 1,25 ± 1,15 y Moda 1 (41,4%). Hubo diferencias de PC entre el grupo de analfabetos, casados o pareja estable en comparación con los demás.

CONCLUSIÓN:

Se observó el grupo de ancianos poco coaccionado para decidir participar en la investigación del diagnóstico de los trastornos temporomandibulares, con una asociación significativa de PC con la alfabetización y el estado civil.

Autoimagen; Salud del anciano; Bioética; Ética en investigación


INTRODUÇÃO

Com o avançar da ciência questões como coerção em pesquisa tornam-se relevantes, uma vez que a história mostra relatos de muitos abusos e desrespeito à condição de liberdade humana, na busca de ganhos e progresso tecnocientíficos que levam o pesquisador, muitas vezes, a negligenciar princípios éticos como autonomia, beneficência e não maleficência, em prol de descobertas, utilizando-se de práticas, que, no seu entender, justificam-se mediante a importância dos resultados que objetiva alcançar(11. Volmann J, Winau R. Informed consent in human experimentation before the Nuremberg code. Br Med J. 1996;313(7070):1445-9. - 22. Beecher HK. Ethics and clinical research. New England J Med. 1966;274(24):1354-60. ).

Sob uma perspectiva histórica, pode-se observar que, no campo biomédico, as primeiras manifestações de afirmação do princípio do respeito à autonomia da pessoa, deram-se no contexto da pesquisa clínica com seres humanos(3)3. Taborda JGV. Percepção de coerção em pacientes psiquiátricos, cirúrgicos e clínicos hospitalizados [tese]. Porto Alegre(RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002..

Reportando-nos ainda à mesma, podemos relembrar o fato de que um tribunal instalado na cidade de Nuremberg, após julgar prisioneiros alemães acusados de crimes por procederem de forma cruel ao realizar experimentos em prisioneiros, elaboraram o Código de Nuremberg, marco fundamental para pesquisa com seres humanos, o qual apresenta como tema central o respeito à autonomia e a manifestação de vontade dos sujeitos da pesquisa(4)4. Annas GH, Grodin MA. The nazi doctors and the Nuremberg code. New York: Oxford University Press; 1992..

Destaca-se também nesta mesma conjuntura, a criação da Declaração de Helsinki(5)5. World Medical Association (FR). WMA declaration of Helsinki: ethical principles for medical research involving human subjects [Internet].Ferney-Voltaire: World Medial Association; c1964- [citado 2007 out 20]. Disponível em:http://www.wma.net/en/30publications/10policies/b3/.
http://www.wma.net/en/30publications/10p...
, documento este que também evidencia a preocupação de que o sujeito da pesquisa seja informado para que possa tomar sua decisão de forma voluntária.

Atualmente dispõe-se da Resolução CNS 466/2012(6)6. Ministério da Saúde (BR).Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62. que regulamenta as pesquisas em saúde no Brasil, baseando-se no respeito à dignidade humana. A mesma incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado.

Outrossim, a Bioética envolve uma reflexão complexa, compartilhada e interdisciplinar sobre a adequação que envolve a vida e o viver(7)7. Goldim JR. Bioética: origens e complexidade. Rev HCPA. 2006;26(2):86-92.. Em se tratando da pesquisa clínica, a mesma procura ter um olhar mais apurado sobre os aspectos referentes à pessoa do participante da pesquisa, a relação entre pesquisador/pesquisado, riscos e consequências das intervenções para o sujeito da pesquisa e para a sociedade(8)8. Protas JS; Bittencourt VC, Wollmann L, Moreira CA, Fernandes CF, Fernandes MS, et al. Avaliação da percepção de coerção no processo de consentimento. Rev HCPA. 2007;27(Supl1):272..

Um dos grandes temas de seu interesse é o Procedimento de Consentimento Informado, que visa fornecer informação ao paciente de pesquisa, possibilitando que ele tome a decisão quanto à sua participação ou não no estudo, de maneira voluntária, livre de quaisquer tipos de pressão externa(8)8. Protas JS; Bittencourt VC, Wollmann L, Moreira CA, Fernandes CF, Fernandes MS, et al. Avaliação da percepção de coerção no processo de consentimento. Rev HCPA. 2007;27(Supl1):272..

No processo de consentimento, a voluntariedade é a capacidade de escolher no seu melhor interesse, livre de pressões externas. As pessoas com voluntariedade preservadas organizam sua vida com base em um conjunto de crenças, valores, interesses, desejos e objetivos. Estes elementos permitem que a decisão de cada pessoa seja peculiar. O importante é diferenciar um valor ou crença pessoal de uma situação de coerção de terceiros, de constrangimento no ato de optar por uma das alternativas(8)8. Protas JS; Bittencourt VC, Wollmann L, Moreira CA, Fernandes CF, Fernandes MS, et al. Avaliação da percepção de coerção no processo de consentimento. Rev HCPA. 2007;27(Supl1):272..

Define-se Coerção como "toda relação entre dois ou mais indivíduos na qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio"(9)9. Piaget J. Les troissystèmes de la pensée de l'enfant; étude sur les rapports de la pensé rationelle et de l'inteligence motrice. Bull Soc Fr Philos. 1928; xxviii:121-2.. Ainda, de acordo com o autor, a coerção "existe na medida em que é sofrida, [...] independentemente do grau efetivo de reciprocidade existente"(10)10. Piaget J. Études sociologiques. 3. ed. Genevè: Groz; 1977..

A validade do consentimento, depende, dentre outros fatores, da garantia de que não houve coerção durante o processo(11)11. Raymundo MM, Goldim JR. Do consentimento por procuração à autorização por representação. Bioética. 2007;15(1):83-99..

Para tal investigação existe a Escala de Percepção de Coerção, utilizada no presente estudo, que deriva de uma escala para avaliar coerção em internação psiquiátrica, a MacArthurAdmission Experience Survey(12)12. Bergk J, Flammer E, Steinert T. "Coercion Experience Scale" (CES): validation of a questionnaire on coercive measures. BMC Psychiatry. 2010;10:5..

Sendo o presente estudo desenvolvido numa população de idosos, que pela própria natureza, revela-se frágil devido às particularidades inerentes ao processo de envelhecimento que impõe limitações fisiológicas e patológicas, além do baixo nível de escolaridade apresentado, despertou-se nos pesquisadores envolvidos, a necessidade de avaliar a presença de coerção na pesquisa de base para análise da presença da Disfunção Temporomandibular, visto que alguns instrumentos foram aplicados por agentes comunitários de saúde, podendo, pela grande relação de proximidade e assistencialismo que os mesmos mantém com esses idosos, gerar nestes o sentimento de obrigatoriedade de participar da pesquisa em questão.

Nesta premissa, considera-se pertinente este olhar de preocupação nas pesquisas realizadas pelos membros das equipes de saúde, destacando-se particularmente, médicos e enfermeiros, haja vista, o contato direto e constante que determina sentimento de gratidão e respeito no individuo sujeito da assistência.

Outrossim, no contexto da Gerontologia, ao se considerar a autonomia, ou o princípio bioético do respeito à pessoa, discute-se a competência em lidar e tomar decisões, mesmo ante outros fatores controladores como patologias, limitações cognitivas, maus tratos, cultura ou até mesmo a própria família(13)13. Saquetto S, Schettino L, Pinheiro P, Sena ELS, Yarid SD, Gomes Filho DL. Aspectos bioéticos da autonomia do idoso. Rev Bioét. 2013;21(3):518-24..

O presente estudo objetivou avaliar a percepção de coerção (PC) em idosos não institucionalizados submetidos a pesquisa para diagnóstico da Disfunção Temporomandibular.

MÉTODO

Este estudo transversal foi aninhado dentro do estudo sobre avaliação da prevalência e ocorrência de Disfunção Temporomandibular (DTM) e dor orofacial, desenvolvido com idosos não institucionalizados, cadastrados no Programa da Saúde da Família do município de Areia- Paraíba (Brasil), como Tese de Doutorado em Gerontologia Biomédica do Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Durante todas as fases do estudo foram considerados os aspectos éticos que tratam da pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com o que estabelece a Resolução CNS 466/12. Nesse sentido, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS e aprovado na Plataforma Brasil sob protocolo nº 180.129.

O convite para participação foi feito por agentes comunitários de saúde devidamente treinados pela pesquisadora responsável pela condução do trabalho, procedendo-se em seguida a obtenção do consentimento e assinatura do respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro a junho de 2013. A amostra do estudo original sobre DTM foi constituída por 1410 idosos. O critério de inclusão foi o idoso estar cadastrado no Programa de Saúde da Família, receber assistência domiciliar por parte do agente comunitário de saúde (ACS) e ter 60 anos ou mais. Foram excluídos pacientes acamados (uma vez que na segunda etapa do estudo, o pesquisado deveria ser examinado no consultório odontológico do posto de saúde, no qual achava-se cadastrado, sendo portando, inviável a sua locomoção) e os que não conseguiram responder aos questionários. A amostra final deste estudo foi composta por 1.112 idosos, justificada pela expressão do desejo de não responder ao instrumento de percepção de coerção explicitada por alguns dos idosos.

A Escala de Percepção de Coerção, aplicada no presente estudo, deriva de uma escala para avaliar coerção em internação psiquiátrica, a MacArthur Admission Experience Survey(12)12. Bergk J, Flammer E, Steinert T. "Coercion Experience Scale" (CES): validation of a questionnaire on coercive measures. BMC Psychiatry. 2010;10:5. que é composta por 16 questões. Este instrumento foi desenvolvido pelo MacArthur Coercion Study e validado para a língua portuguesa por Taborda(3)3. Taborda JGV. Percepção de coerção em pacientes psiquiátricos, cirúrgicos e clínicos hospitalizados [tese]. Porto Alegre(RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002.. A Escala de Coerção em Pesquisa contém 5 afirmativas nas quais o participante deve optar se concorda ou discorda, sendo que cada resposta que o participante opta em assinalar a alternativa "concordo" é considerada um nível de percepção de coerção. O preenchimento dura, em média, 5 minutos.

Além do instrumento de Percepção de Coerção, foi aplicado também um questionário específico para diagnóstico da Disfunção Temporomandibular, denominado Índice Anamnésico de Fonseca(14)14. Fonseca DM, Bonfante G, Valle AL, Freitas SFT. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. RGO. 1994;42(1):23-8., que apresenta dez perguntas relativas à DTM, permitindo a classificação do indivíduo em relação à presença e a severidade da disfunção, que era o objetivo do projeto ao qual este se insere. Este instrumento foi reavaliado por alguns autores(15)15. Campos JADB, Carrascosa AC, Bonafé FSS, Maroco J. Severity of temporomandibular disorders in women: validity and reliability of the Fonseca Anamnestic Index. Braz Oral Res. 2014;28(1):16-21., que confirmaram sua validade e confiabilidade. Estes dados, porém, não serão objeto de avaliação no presente artigo.

Foram coletadas também as informações referentes a dados sociodemográficos como: idade, sexo, renda familiar, ocupação, estado civil e escolaridade.

Para análise dos dados foram utilizadas estatísticas descritivas como média, mediana, moda, desvio padrão e frequências absolutas e relativas. Para avaliar a associação entre as variáveis, o teste Qui-quadrado de Pearson foi aplicado. As diferenças entre as médias foram obtidas utilizando-se o teste F. O nível de significância estabelecido foi de 5% (P=0,05). Os cálculos estatísticos foram realizados utilizando-se o aplicativo SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 18.0.

RESULTADOS

Avaliando-se as características sociodemográficas da amostra de 1.112 idosos do município de Areia - Paraíba (Brasil), verificou-se que a idade dos pesquisados variou de 60 a 100 anos, teve média de 73,32 anos, desvio padrão de 8,70 anos e mediana de 71,00 anos.

Houve predominância do sexo feminino (62,5%); da faixa etária de 60 a 69 anos (45,9%), da não alfabetização (57,9%), do estado civil casado ou união estável (54,1%), de ser aposentado (83,6%) e ter uma renda mensal inferior a um salário mínimo (72,0%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Distribuição sociodemográfi ca de 1.112 idosos não institucionalizados, cadastrados no Programa da Saúde da Família do Município de Areia - Paraíba (Brasil)

A Escala de Percepção de Coerção, que pode variar de zero a cinco pontos, obteve uma média geral de 1,25+ 1,15. Os valores variaram de zero (27,0%) a cinco pontos (0,1%), sendo que a Moda foi igual a um ponto (41,4%).

Avaliando-se individualmente cada uma das suas cinco questões foi possível identificar, considerando-se a concordância com a afirmativa, que em duas questões as respostas foram equilibradas: Foi minha ideia de participar da pesquisa (54,4%) e Tive mais influência do que qualquer outra pessoa sobre o fato de participar ou não da pesquisa (47,7%). Nas demais três outras questões, houve predominância de uma das alternativas: Senti-me livre para fazer o quisesse a respeito da minha participação da pesquisa (99,6%); Tive bastante decisão sobre se eu participaria da pesquisa (89,0%); Eu escolhi participar da pesquisa (84,0%) (Tabela 2)

Tabela 2.
Distribuição das questões da Escala de Percepção de Coerção aplicada em 1.112 idosos não institucionalizados, cadastrados no Programa da Saúde da Família do município de Areia - Paraíba (Brasil)

Comparando-se os valores obtidos na Escala de Percepção de Coerção com as diferentes variáveis demográficas foi obtido que não houve diferença entre os valores obtidos com relação a idade, ao sexo e a renda dos participantes. Na variável escolaridade, considerando-se apenas alfabetizados ou não, e no estado civil, agregando-se os casados e em união estável versus os demais, foram obtidas diferenças significativas. Os indivíduos não alfabetizados obtiveram um valor médio de coerção percebida (1,10+1,06) significativamente inferior (F=29,65; P=0,0001) aos alfabetizados (1,49+1,25). No grupo dos participantes casados ou com união estável a média obtida (1,19+1,10) foi inferior (F5,90; P=0,015) a verificada nos demais estados civis (1,34+1,21).

Verificando-se as associações entre as respostas individuais às questões da Escala de acordo com as variáveis escolaridade e estado civil foram obtidas associações significativas e não significativas.

Com relação a escolaridade, a questão 1 - "Senti-me livre para fazer o que quisesse a respeito da minha participação da pesquisa", não teve associação significativa (X2=0,418; P>0,05). As demais questões todas tiveram associações significativas. Na questão 2, "Eu escolhi participar da pesquisa", foi verificada uma associação significativa (x2=28,86; P=0,0001), sendo que os indivíduos não-alfabetizados afirmaram ter tido escolha de forma proporcionalmente superior aos indivíduos alfabetizados. Na questão 3, "Foi minha ideia de participar da pesquisa", a associação também foi significativa (X2=7,87; P=0,003), sendo que os indivíduos não-alfabetizados se associaram a terem tido a ideia e os alfabetizados discordaram. Na questão 4, "Tive bastante decisão sobre se eu participaria da pesquisa", a associação significativa (X2=20,46; P=0,0001) foi que os indivíduos não-alfabetizados afirmaram ter tido decisão de forma proporcionalmente superior aos indivíduos alfabetizados. Finalmente, a questão 5, "Tive mais influência do que qualquer outra pessoa sobre o fato de participar ou não da pesquisa", igualmente significativa (X2=9,72; P=0,001) indicou que as pessoas alfabetizadas afirmam não ter mais influência do que qualquer outra pessoa.

Com relação ao estado civil apenas duas questões, Questão 1 - "Senti-me livre para fazer o quisesse a respeito da minha participação da pesquisa" e Questão 5 -"Tive mais influência do que qualquer outra pessoa sobre o fato de participar ou não da pesquisa", tiveram associações significativas. As demais questões, 2 (X2=2,66; P>0,05), 3 (X2=0,654; P>0,05) e 4 (X2=1,817; P>0,05) não apresentaram associações significativas com esta variável. A questão 1, "Senti-me livre para fazer o quisesse a respeito da minha participação da pesquisa", teve uma associação significativa (X2= 4,973; P=0,04) que foi devida ao fato de todos os quatro participantes que discordaram desta afirmativa não serem casados ou em união estável. Na questão 5, "Tive mais influência do que qualquer outra pessoa sobre o fato de participar ou não da pesquisa", a associação significativa (X2=8,15; P=0,003) demonstrou que os indivíduos casados ou em união estável tiveram maior concordância, e os demais, maior desconcordância com essa afirmativa (51,5% x 43,1%).

DISCUSSÃO

É crescente o interesse da comunidade científica sobre a adequação ética como agente norteador na condução de pesquisas envolvendo seres humanos, de forma que seja prioritariamente resguardado ao mesmo, seus direitos de autonomia, dignidade e liberdade de expressar livremente a sua vontade.

Nesta conjuntura, a discussão no meio acadêmico gera questionamentos à luz da ética, vislumbrando reflexões sobre os diversos aspectos envolvidos na elaboração e condução das pesquisas, bem como questões sobre a avaliação e controle do efeito da coerção no processo de consentimento, que representa um elemento fundamental na garantia de que o indivíduo pesquisado está exercendo livremente seu direito de escolha, não havendo nenhuma expressão de constrangimento ou fragilidade na relação pesquisador-pesquisado.

A tomada de decisão na participação em pesquisas deve estar apoiada em diversas habilidades incluindo a capacidade de compreender e avaliar o tipo de questionamento, de envolvimento com o tema e principalmente ser capaz de manifestar sua preferência(16)16. Erlen JA. Informed consent: the information component. Orthop Nurs.1994;13(2):75-8., livre de quaisquer fatores externos que caracterizem relações de medo, submissão ou subserviência entre pesquisado e pesquisador.

Ao avaliar-se a percepção de coerção observa-se prioritariamente o participante da pesquisa e os sentimentos nele despertados durante o processo de consentimento, bem como durante a obtenção das respostas(33. Taborda JGV. Percepção de coerção em pacientes psiquiátricos, cirúrgicos e clínicos hospitalizados [tese]. Porto Alegre(RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002. , 99. Piaget J. Les troissystèmes de la pensée de l'enfant; étude sur les rapports de la pensé rationelle et de l'inteligence motrice. Bull Soc Fr Philos. 1928; xxviii:121-2. ).

No presente estudo verificou-se que 99,6% dos pesquisados sentiram-se livres para fazer o que quisessem a respeito de sua participação; 84% afirmaram que escolheram participar da pesquisa, 89% afirmaram ter tido bastante decisão sobre se participariam da pesquisa. Estes dados revelam que a voluntariedade foi preservada e corroboram com outro estudo(8)8. Protas JS; Bittencourt VC, Wollmann L, Moreira CA, Fernandes CF, Fernandes MS, et al. Avaliação da percepção de coerção no processo de consentimento. Rev HCPA. 2007;27(Supl1):272. visto que os resultados apontam para o fato de que a vontade e valores do paciente foram respeitados. Apenas 54,5% dos participantes afirmaram ser sua a ideia de participar da pesquisa, fato este coerente com a forma como as pesquisas dessa natureza são conduzidas, já que o próprio pesquisador convida o pesquisado a participar do estudo. Porém, menos da metade (47,7%) dos pesquisados responderam que tiveram mais influência do que qualquer outra pessoa sobre o fato de participar ou não da pesquisa.

Verificou-se também associação significativa entre a percepção de coerção e escolaridade (p<0,01). Nesta variável, considerando-se apenas alfabetizados ou não, os indivíduos não alfabetizados obtiveram um valor médio de coerção percebida (1,10+1,06) significativamente inferior (F=29,65; P=0,0001) aos alfabetizados (1,49+1,25). A escolaridade está relacionada aos processos de avaliação cognitiva relativa à saúde, podendo ocorrer diferenças quanto a sua percepção, dependendo do nível educacional do indivíduo(17)17. Paine PA. Atitudes sobre o papel de gênero e auto-avaliação de saúde em mulheres brasileiras de três grupos socioeconômicos. Est Pesqui Psicol. 2001;1(1):0.. No entanto outros autores(18)18. Bajotto AP, Goldim JR. Avaliação da qualidade de vida e tomada de decisão em idosos participantes de grupos socioterápicos da cidade de Arroio do Meio, RS, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14:753-62. afirmam que as pessoas com pouca escolaridade também podem ter desenvolvimento psicológico-moral que lhes permita avaliar as alternativas e decidir no seu melhor interesse. No presente estudo verificou-se que idosos alfabetizados sentiram-se mais coagidos que aqueles não-alfabetizados. Isto pode ser em parte creditado à vulnerabilidade destas populações, ao ter maior escolaridade elas puderam reconhecer esta possível situação de coerção(19)19. Guimarães MCS, Novaes SC. Autonomia reduzida e vulnerabilidade: liberdade de decisão, diferença e desigualdade. Rev Bioética. 1999;7(1):0.. Verificou-se também associação significativa entre a percepção de coerção e estado civil, mais especificamente no grupo dos participantes casados ou com união estável. Isto talvez possa ser explicado pelo fator de proteção associado ao fato de ter um vínculo interpessoal estável.

Faz-se importante mencionar que tal estudo derivou-se de uma tese de Doutorado na qual avaliou-se a prevalência e manifestação da Disfunção Temporomandibular e Dor orofacial em idosos e o impacto na qualidade de vida destes(20)20. Cavalcanti, MOA. Disfunção temporomandibular e dor orofacial em idosos: o impacto na qualidade de vida. Porto Alegre [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2014..

CONCLUSÕES

Com base nos dados obtidos com essa amostra e nas condições do estudo ao qual se vinculavam, foi possível verificar que a percepção de coerção dos participantes do estudo foi baixa. Comparando-se esses resultados com outros estudos, esses valores foram semelhantes.

Os participantes não alfabetizados tiveram menor percepção de coerção do que os alfabetizados.

As pessoas com vínculos estáveis, casadas e em união estável tiveram menor percepção de coerção que os demais estados civis. Isso pode ser associado a uma possível proteção em função do vínculo afetivo estável.

É de extrema relevância que os profissionais da enfermagem e de outras áreas da saúde, que atuam na pesquisa e na assistência, compreendam as peculiaridades implícitas na relação profissional-paciente, especialmente, em grupos de reconhecida fragilidade como os idosos, devendo o profissional cuidar para que nunca sejam impostos elementos de coerção, estabelecidos pelo medo ou pela autoridade simbolizada na figura do profissional, levando o idoso a não decidir no seu melhor interesse.

Como limitação do estudo pode-se apontar o fato de que grande parte da amostra era constituída de idosos analfabetos ou com baixo grau de escolaridade, fato este que pode de alguma maneira interferir na compreensão das perguntas e por conseguinte, na elaboração da resposta.

O presente estudo contribui para que os profissionais da área de saúde, que atuam diretamente na pesquisa e assistência, possam refletir sobre a temática da coerção, a qual pode acontecer, de forma imperceptível no exercício de suas atividades com populações de relativa fragilidade, por desconhecimento e falta de aprofundamento do tema pelos mesmos.

Como sugestão para futuros estudos, pode-se desenvolver outra pesquisa, utilizando-se como critério de inclusão a alfabetização, podendo-se comparar os dados obtidos com os neste estudo apresentados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2014
  • Aceito
    07 Abr 2015
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