Acessibilidade / Reportar erro

Construção e validação de indicadores para a segurança do paciente no transporte intra-hospitalar

RESUMO

Objetivo:

Construir e validar um plano de indicadores para mensuração e avaliação da segurança do paciente no transporte intra-hospitalar.

Método:

Estudo metodológico, desenvolvido em três etapas, entre julho de 2018 a julho de 2019. A validade de conteúdo contou com a participação de enfermeiras do Estado da Bahia e experts de diferentes regiões do país. Para análise e interpretação dos dados utilizou-se a estatística descritiva.

Resultados:

Após uma rodada de pré-teste e duas de consulta a experts, utilizando a técnica Delphi, o índice de validade de conteúdo geral que avaliou a clareza dos indicadores foi aferido em 1.00 e a representatividade foi de 0.97.

Conclusão:

Os indicadores trazem uma significativa contribuição para o campo da saúde e da enfermagem, pois constitui-se num instrumento que contribuirá para a prática profissional da enfermeira, para segurança do paciente e ainda será viável para prática de auditorias ou avaliações do processo de transporte intra-hospitalar.

Palavras-chave:
Segurança do paciente; Indicadores de qualidade em assistência à saúde; Estudo de validação; Transporte de pacientes; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To construct and validate an indicator plan for measuring and assessing patient safety in intrahospital transport.

Method:

Methodological study, developed in three stages, between July 2018 and July 2019. The content validity included the participation of nurses from the State of Bahia and experts from different regions of the country. For data analysis and interpretation, descriptive statistics were used.

Results:

After a pre-test round and two rounds of expert consultations, using the Delphi technique, the general content validity index that assessed the clarity of the indicators was measured at 1.00 and the representativeness was 0.97.

Conclusion:

The indicators make a significant contribution to the field of health and nursing, as it constitutes an instrument that will contribute to the professional practice of nurses, to patient safety and will still be viable for the practice of auditing or assessing the intrahospital transport process.

Keywords:
Patient safety; Quality indicators, health care; Validation study; Transportation of patients; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Construir y validar un plan de indicadores para medir y evaluar la seguridad del paciente en el transporte intrahospitalario.

Método:

Estudio metodológico, desarrollado en tres etapas, entre julio de 2018 y julio de 2019. La validez de contenido incluyó la participación de enfermeros del Estado de Bahía y especialistas de diferentes regiones del país. Para el análisis e interpretación de los datos se utilizó estadística descriptiva.

Resultados:

Luego de una ronda de pretest y dos rondas de consulta con especialistas, utilizando la técnica Delphi, se midió el índice de validez de contenido general que evaluó la claridad de los indicadores en 1,00 y un representante de 0,97.

Conclusión:

Los indicadores hacen un aporte significativo al campo de la salud y enfermería, ya que constituye un instrumento que contribuye a la práctica profesional del enfermero, a la seguridad del paciente y seguirá siendo viable para la práctica de auditorías o planificación del proceso de transporte en el hospital.

Palabras clave:
Seguridad del paciente; Indicadores de calidad de la atención de salud; Estudio de validación; Transporte de pacientes; Enfermería

INTRODUÇÃO

Entre as possíveis ocorrências de eventos adversos (EA), que podem comprometer a segurança do paciente e, consequentemente, produzir danos a sua saúde e a sua vida, estão aqueles relacionados ao transporte intra-hospitalar (TIH), compreendido como o encaminhamento temporário ou definitivo de pacientes por profissionais de saúde dentro do ambiente hospitalar. Nesse transporte, o paciente está fora do ambiente de cuidados e portanto, apresenta um enorme potencial para complicações, tornando-se vulnerável a fatores que podem culminar em alterações hemodinâmicas rápidas, progressivas e evitáveis11. Silva R, Amante LN, Salun NC, Martins T, Minatti F. Visibility of intrahospital transport in an intensive care unit: a descriptive study. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(3):e2017-0048. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.2017-0048
http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03...
-22. Oliveira AS, Barbosa MBT, Silva GA, Silva JCB, Oliveira HLAB, Oliveira DAL, et al. As implicações do transporte intra-hospitalar na segurança do paciente: revisão integrativa. Rev Ciênc Plur. 2019 [cited 2020 Oct 25];5(3):103-19. Available from: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/18252/12236
https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/v...
.

Os primeiros registros de que o TIH oferece riscos datam do início da década de 1970, quando foram encontradas arritmias em até 84% de pacientes de alto risco cardíaco nessas situações de deslocamento, nos quais foram necessárias intervenções de emergência em 44% dos casos. Estudo aponta que a incidência de EA e incidentes durante TIH do paciente em estado crítico pode variar de 8 a 70%33. Veiga VC, Postalli NF, Alvarisa TK, Travassos PP, Vale RTS, Oliveira CZ, et al. Adverse events during intrahospital transport of critically ill patients in a large hospital. Rev Bras Ter Intensiva. 2019 [cited 2020 Oct 25];31(1):15-20. Available from: https://www.scielo.br/j/rbti/a/8B9msc9nPfYBcrFPDqPXLPk/?lang=en&format=pdf
https://www.scielo.br/j/rbti/a/8B9msc9nP...
. No Brasil há uma subnotificação desses EA, haja vista que o Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA), desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não especifica esse tipo de ocorrência, havendo, portanto, uma carência de indicadores capazes de subsidiar o planejamento na busca por melhoria das ações de saúde.

Considerando a concepção de diferentes autores, partindo do referencial teórico consultado, definiu-se transporte intra-hospitalar, como conceito guia deste estudo, do seguinte modo: tipo de transferência temporária, comumente adotada em hospitais durante a prestação de cuidados à saúde, a fim de realizar procedimentos adicionais que não são disponibilizados ao paciente no próprio leito. É uma ação concebida por um conjunto de saberes, atitudes, ações técnicas e cognitivas que viabilizem a acessibilidade, a aceitabilidade e efetividade, garantindo rigor sobre a minimização dos riscos; consequentemente, maior segurança e qualidade na assistência prestada44. Yang S, Jerng J, Chen L, Li Y, Huang H, Wu C, et al. Incidence of patient safety events and process-related human failures during intra-hospital transportation of patients: retrospective exploration from the institutional incident reporting system. BMJ Open. 2017;7(11):e017932. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017932
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017...
-66. Shields J, Overstreet M, Krau SD. Nurse knowledge of intrahospital transport. Nurs Clin North Am. 2015;50(2):293-314. doi: https://doi.org/10.1016/j.cnur.2015.03.005
https://doi.org/10.1016/j.cnur.2015.03.0...
.

Entende-se que são as enfermeiras e técnicas de enfermagem que, majoritariamente, prestam cuidados durante o transporte intra-hospitalar e que, caso estes sejam prestados de forma insegura, podem ocasionar prejuízos muitas vezes irreparáveis. A implantação de indicadores e de medidas de segurança podem contribuir com a prevenção do erro e essas iniciativas devem estar presentes em todas as etapas de cuidados, como importante estratégia de orientação para a segurança do paciente hospitalizado. No entanto, não existe definido nenhum conjunto de indicadores que subsidiem a avaliação e tomada de decisão no TIH pela equipe de enfermagem; além de serem escassas as pesquisas sobre o tema, fato constatado após levantamento do estado da arte nos seguintes portais: PUBMED e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Este artigo, portanto, pretende poder contribuir para a reflexão e tomada de decisão dos membros da equipe envolvidos no TIH, sobretudo as enfermeiras, fazendo com que adotem medidas específicas e seguras no gerenciamento do cuidado, oferecendo subsídios para a identificação de perigos, redução dos riscos e EA, com a incorporação de boas práticas que favoreçam a eficácia dos cuidados prestados. Dessa maneira, o estudo buscou encontrar resposta para a seguinte questão norteadora: É possível construir um plano de indicadores para mensuração e avaliação da segurança do paciente no TIH e validar seu conteúdo por meio do consenso obtido a partir de um painel de especialistas? Ao passo em que também se buscou alcançar o seu objetivo, que foi: Construir e validar um plano de indicadores para mensuração e avaliação da segurança do paciente no transporte intra-hospitalar.

MÉTODO

Trata-se de um estudo metodológico, desenvolvido em três etapas, no período de 01 de julho de 2018 a 01 de julho de 2019. A primeira etapa compreendeu o processo de construção dos instrumentos de pesquisa, iniciando pelo Modelo Lógico (ML)77. Fontenele RM, Sousa AI, Rasche AS, Souza MHN, Medeiros DC. Participative construction and validation of the logical model of the School Health Program. Saúde Debate. 2017;41(esp):167-78. doi: http://doi.org/10.1590/0103-11042017s13
http://doi.org/10.1590/0103-11042017s13...
, que consiste na representação sistemática e visual das etapas que compõem o THI seguro de pacientes, apresentando a racionalidade interna do funcionamento de uma intervenção, ou seja, a interação entre os recursos necessários, as atividades previstas e os efeitos esperados, permitindo apontar pontos fortes e fracos para avaliação.

A construção desse ML, incluindo seus indicadores e dimensões, foi amparada na revisão da literatura, a partir da busca nos portais PUBMED e BVS, utilizando os descritores: “transportation of patients”; “nursing” e “patient safety” unidos pelo operador booleanos and. Como critérios de inclusão foram definidos: pesquisa disponível na íntegra e com acesso gratuito nas bases de dados selecionadas nos idiomas português, inglês e espanhol, publicadas entre 2007 e 2017. Como resultado da busca nas duas bases de dados, foram encontrados 48 artigos, todos no idioma inglês. Após a leitura dos títulos e resumos, foram excluídos 39 desses artigos, por não apresentarem relação como objeto de estudo, totalizando nove trabalhos que foram analisados na íntegra.

Posteriormente, o ML subsidiou a elaboração de um instrumento denominado Matriz da Análise e Julgamento (MAJ), que permitiu o estabelecimento dos indicadores e seus parâmetros, suas premissas, suas perguntas avaliativas e pontuações para análise e interpretação dos dados coletados. Para isso, foi adotado duas escalas de medida do tipo Likert, incluídas com o objetivo de analisar o grau de concordância entre os participantes da pesquisa frente ao conjunto de afirmações relacionadas ao objeto de estudo88. Costa FJ, Orsini ACR, Carneiro JC. Variações de mensuração por tipos de escalas de verificação: uma análise do construto de satisfação discente. Gestão Org. 2018;16(2):132-44. doi: http://doi.org/10.21714/1679-18272018v16n2.p132-144
http://doi.org/10.21714/1679-18272018v16...
. O instrumento ainda contemplou uma área de comentários, onde os juízes puderam registrar sua opinião, sugestão ou orientação acerca do item analisado.

A primeira escala tipo Likert, utilizada na segunda etapa, buscou avaliar o Índice de Validade de Conteúdo (IVC)99. Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an educational content validation instrument in health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1635-41. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
correspondente a clareza do indicador, ou seja, a sua linguagem e redação, observando se os mesmos foram redigidos de forma compreensível, expressando adequadamente o que se espera medir, com respostas apresentadas de 1 (não claro) a 4 (muito claro). A segunda escala Likert, incluída no instrumento na terceira etapa, buscou avaliar a representatividade do indicador, que se refere à adequação conceitual e relevância do item na dimensão em que está inserido, por meio do (IVC) com pontuação de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente). Dessa forma, o escore foi calculado por meio da soma dos itens que foram marcados por “3” ou “4” pelos participantes. Os itens que receberam pontuação “1” ou “2” foram revisados ou eliminados.

A segunda etapa, denominada como pré-teste, ocorreu após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Essa fase objetivou avaliar a forma e o conteúdo do instrumento, buscando detectar defeitos e lacunas no preenchimento da MAJ, ajustando-a qualitativamente antes da consulta com os experts. Buscou-se, portanto, aperfeiçoar os instrumentos de pesquisa desenvolvidos na etapa anterior.

Como estratégia de seleção dos participantes do pré-teste, foi publicado um convite em um grupo da Sociedade Brasileira para Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente, na Bahia (SOBRASP-BA), por meio do aplicativo WhatsApp. Esse grupo contava com a participação de 250 profissionais de saúde do Estado da Bahia que desenvolvem atividades, em diferentes organizações, relacionadas ao tema segurança do paciente, sejam elas no serviço de saúde, no ensino ou na pesquisa. Dentre esses profissionais, 31 pessoas manifestaram interesse em participar e apenas 12 concluíram o processo, todos enfermeiros.

O método Delphi1010. Massaroli A, Martini JG, Lino MM, Spenassato D, Massaroli R. The Delphi method as a methodological framework for research in nursing. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1110017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001110017
https://doi.org/10.1590/0104-07072017001...
foi a técnica de validação adotada. Em essência esse método se dá como uma série de questionários ou “rodas” sequenciais, intercaladas por feedback controlado. Ele busca obter o mais confiável consenso de um grupo de especialistas selecionados de foma intencional e justifica-se pelo interesse de selecionar experts na temática de estudo.

A terceira e última etapa, por sua vez, se caracterizou como o momento da validação do plano de indicadores, desenvolvida em duas rodadas de consulta, pelo método Delphi, a um painel de experts em segurança do paciente, selecionados a partir da Plataforma Lattes, por meio da ferramenta de busca simples, no modo de busca por “assunto”, selecionando a base de “Doutores”, e o campo “nacionalidade brasileira”; no campo de busca foram usadas as palavras: “segurança do paciente”. Os critérios de seleção foram: ser enfermeiro, docente ou pesquisador que trabalha ou pesquisa temas voltados para a segurança do paciente.

Para seleção de experts, não há critérios universalmente aceitos que orientem sobre o número mínimo ou máximo de participantes necessários para validar os resultados obtidos, variando conforme o fenômeno em estudo. Sendo imprescindível considerar um nível relevante de qualificação profissional dentro da área a ser estudada, a fim de obter o melhor resultado. Inicialmente apareceram 7.614 currículos, procedeu-se a leitura da apresentação inicial de forma sequenciada dos primeiros 350 perfis. Dentre esses, 63 foram selecionados por atenderem aos critérios de seleção da amostra.

A partir daí, foi encaminhado um convite aos experts selecionados, solicitando a colaboração deles no processo de validação dos indicadores e a possível indicação de outras pessoas que também pudessem contribuir com a pesquisa, todo contato e envio de materiais foi realizado por e-mail. Ao final da terceira etapa, apenas 11 experts em segurança do paciente, de diferentes instituições de pesquisa e ensino do país, efetivaram a sua participação. A amostra de especialistas também contou com participação de um expert da área de linguística, objetivando uma avaliação mais precisa dos critérios de clareza e pertinência do texto.

Para a análise dos dados da segunda e terceira etapa, utilizamos o programa Microsoft Excel versão 15.0 (Office 2013). A estatística descritiva foi adotada para análise e interpretação do Índice de Validade de Conteúdo (IVC). Sendo considerado, como critério de decisão sobre o nível de clareza e representatividade do item do instrumento, uma concordância mínima de 0.80 do IVC99. Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an educational content validation instrument in health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1635-41. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
. Dessa forma, com a interferência dos cálculos, os dados obtidos nas rodadas da técnica Delphi foram consolidados.

A Figura 1 ilustra sistematicamente os procedimentos adotados no percurso metodológico.

Figura 1 -
Esquema visual das etapas do percurso metodológico, Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2018-2019

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana, sob registro CAAE: 10705318.0.0000.0053, parecer número: 3.421.493.

RESULTADOS

A primeira etapa da pesquisa, resultou na elaboração do Modelo Lógico, composto por três dimensões - A: gestão, B: atenção e C: monitoramento (Figura 2). Cada uma das dimensões possui seus respectivos indicadores de qualidade que resultaram da análise dos manuscritos selecionados na revisão da literatura. Estes indicadores visam detectar cuidados referentes ao processo descrito e expressar a organização do serviço em busca de uma atenção à segurança do paciente. Além disso, cada uma dessas dimensões foi atrelada a um elemento da “Tríade Donabedian1111. Donabedian A. The quality of medical care: how can it be assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. doi: https://doi.org/10.1001/jama.1988.03410120089033
https://doi.org/10.1001/jama.1988.034101...
)” - modelo avaliativo para a mensuração da qualidade da assistência. Esse modelo se baseia em três eixos: estrutura (recursos essenciais para implementação do cuidado), processo (implementação do cuidado) e o resultado (impactos do cuidado prestado).

Figura 2 -
Modelo lógico para o transporte intra-hospitalar seguro, Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2018-2019

Dessa forma, a dimensão gestão está vinculada ao primeiro componente dessa tríade, a estrutura. Ela se relaciona às características mais invariantes, ou seja, relativamente estáveis na prestação da assistência, representada pelos instrumentos e pelos recursos físicos e organizacionais, incluindo os profissionais, recursos materiais e financeiros disponíveis.

Já o processo, segunda variável da tríade, está ligado à dimensão de atenção à saúde, representada pelo trabalho realizado pelos profissionais, na condução da assistência à saúde e na interação com o cliente. Esse fazer técnico, portanto, consistiria na aplicação do conhecimento e a habilidade dos profissionais na condução desse tipo de assistência.

O resultado, por sua vez, última variável da tríade, representa a dimensão monitoramento, que se traduz no produto decorrente da assistência prestada (ou não) àqueles que se beneficiariam (ou não). Esse é um processo dinâmico que envolve o compromisso dos profissionais, assim como a reflexão crítica e contínua, com foco na avaliação da segurança do paciente, sem desconsiderar o contexto das instituições.

É importante ressaltar que todos os participantes tiveram acesso ao ML e à base teórica que fundamentou a construção da MAJ, todos preencheram devidamente os campos objetivos do instrumento, relacionados às categorias de respostas, porém nem todos preencheram o campo subjetivo destinado a comentários. Este campo permitia ao avaliador fazer qualquer sugestão crítica, ou orientação relacionada à sua resposta objetiva, mesmo tendo concordado com a construção do indicador, com sua pergunta avaliativa, e sua alocação na dimensão descrita.

A análise inicial dos indicadores pelos 12 enfermeiros, segunda etapa da pesquisa, conforme apresentado no Quadro 1, permitiram inferir que na dimensão A: Gestão, que apresenta o maior número de indicadores, apenas dois não alcançaram o consenso desejado de 0.80, indicador A1 e A5, que tiveram oito (0.66) e nove (0.75) respectivamente. A dimensão B: Atenção obteve consenso em seus três indicadores B1, B2 e B3, com 12 (1.0), 11 (0.91) e 10 (0.83) respectivamente, e a dimensão C: Monitoramento não alcançou pontuação suficiente para ser considerado válido o conteúdo do seu único indicador, C1, que teve sete (0.58).

Por conseguinte, foram analisados os comentários enunciados pelos participantes, com o objetivo de readequar a MAJ, qualificando-a para o momento da consulta com os experts, considerando as ponderações dos avaliadores. Essa análise resultou na reformulação de todas as perguntas avaliativas e inclusão da segunda escala Likert, que buscou aferir o IVC correspondente à representatividade de cada indicador em sua respectiva dimensão.

Quadro 1 -
Consolidação dos dados da MAJ do pré-teste, segunda etapa da pesquisa, Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2018-2019

O Quadro 2 apresenta o resultado da terceira etapa da pesquisa, que se constituiu na avaliação dos experts em duas rodas de consulta. A primeira teve como resultado uma média geral do IVC clareza de 0.96, nesse caso, todos os indicadores foram considerados válidos, por terem alcançado o consenso desejado. Os indicadores da dimensão A: Gestão, A2, A3, A5 e A6, assim como os indicadores da dimensão B: Atenção, B1 e B3, alcançaram o valor máximo, 11(1.0). Por sua vez, o IVC que buscou conferir a representatividade de cada indicador, apresentou média geral de 0.86, tendo A1 e B1 o resultado mais baixo, oito (0,72).

A fim de realizar o feedback da primeira rodada de consulta ao painel de experts, a MAJ foi readequada considerando as observações enunciadas no instrumento, mantendo todos os itens da avaliação dos indicadores para serem submetidos a uma nova consulta. Dessa forma, foi oportunizado a cada participante refletir acerca de sua avaliação, feita na rodada anterior, podendo manter ou não a sua opinião diante dos ajustes feitos; além disso, buscamos aumentar o IVC de alguns indicadores.

Como resultado da segunda rodada, a média geral do IVC clareza, após análise de todos os indicadores das três dimensões, foi 1.00, o que indica que todos os itens alcançaram o consenso entre as opiniões dos experts. No que diz respeito ao IVC representatividade, apenas os indicadores A1, A6 e B3 tiveram 10 (0,9), os demais alcançaram a concordância máxima 11(1.0), ficando, portanto, com média geral 0,97.

Quadro 2 -
Consolidação dos dados da MAJ da primeira e segunda rodada do método Delphi na terceira etapa da pesquisa, Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2018-2019

Esse resultado evidencia que, em comparação a primeira rodada, apenas A6 e B3 mantiveram os seus índices, todos os demais indicadores aumentaram o seu IVC, alguns, inclusive, alcançaram a pontuação máxima, 11(1.00) Além disso, o indicador A1 denominado previamente como “Previsão e provisão de materiais e pessoas”, após essa última avaliação, foi desmembrado em dois indicadores, sendo eles “A1: Provisão e previsão de materiais” e “A2: Composição da equipe”, cada um com seus respectivos elementos na MAJ, ficando a dimensão A: Gestão, com o total de sete indicadores.

Por consequência, apresenta-se como produção técnica dessa pesquisa o plano de indicadores validado com vista à avaliação da segurança do paciente no TIH, conforme apresentação do Quadro 3.

Quadro 3 -
Plano de indicadores para a segurança do paciente no transporte intra-hospitalar. Feira de Santana, Bahia. Brasil, 2018-2019

Destaca-se que a ‘Fonte’ indica a forma como o indicador pode ser encontrado/gerado por quem esteja aplicando o plano de indicadores na prática, e que as ‘Fórmulas’ foram determinadas, pelos experts, no processo de validação, por meio da MAJ, tendo por base o referencial teórico utilizado na elaboração dos respectivos indicadores.

DISCUSSÃO

Frente a um processo tão desafiador, que é deslocar pacientes para realizar intervenções em outras áreas da unidade hospitalar, passando por corredores, elevadores e rampas, buscando manter a qualidade do cuidado livre de eventos indesejáveis, sem dúvidas, o tema segurança do paciente no THI atrai a atenção no cenário da assistência à saúde. Nesse sentido, o plano de indicadores validado neste estudo, incorpora as três dimensões clássicas de avaliação da qualidade em saúde descritas por Donabedian, que se complementam para obter o melhor resultado da assistência prestada no TIH, elas são: estrutura, processo e resultados, o que justifica a escolha dos indicadores.

Os resultados apresentados apontam que, na opinião dos experts, os indicadores possuem a pertinência e a clareza necessárias para serem utilizados nas instituições de saúde. Isso significa que são capazes de avaliar a segurança do paciente no TIH, podendo contribuir com o planejamento, com a identificação de avanços, ocorrência de incidentes e fatores relacionados, assim como as fragilidades e inconsistências de toda ação. Além disso, poderão subsidiar a formulação de protocolos assistenciais para o TIH, impulsionando a elaboração de práticas mais seguras. Embora essas práticas não eliminem por completo o risco, poderão contribuir para a redução da possibilidade de ocorrência de incidentes, minimizando a exposição dos pacientes a riscos inerentes ao transporte.

Os indicadores poderão contribuir efetivamente na redução de falhas humanas, à medida que a equipe estiver atenta aos subprocessos que compõem cada ação, evitando erros e omissões. Nesse sentido, os riscos relacionados ao TIH podem ser potencialmente reduzidos pela implementação de tecnologias como esta, que favorece a efetividade dos cuidados prestados e o seu gerenciamento de modo seguro1212. Sharafi RA, Ghahramanian A, Sheikhalipour Z, Ghafourifard M, Ghasempour M. Improving the safety and quality of the intra-hospital transport of critically ill patients [position paper]. Nurs Crit Care. 2020 Jul 15. doi: https://doi.org/10.1111/nicc.12527 Online ahead of print
https://doi.org/10.1111/nicc.12527...
.

Entende-se que a decisão de transportar um paciente deverá ser ponderada considerando os benefícios esperados da intervenção a ser realizada versus os riscos causados pelo transporte1313. Day D. Keeping patients safe during intrahospital transport. Crit Care Nurse. 2010;30(4):18-32. doi: https://doi.org/10.4037/ccn2010446
https://doi.org/10.4037/ccn2010446...
. Para tanto, nesta pesquisa, foram também considerados padrões e diretrizes atuais de TIH, na construção de cada dimensão e indicador, abordando particularmente questões de gerenciamento, preparação, execução, com considerações contínuas de monitoramento e da avaliação do processo.

Tendo em vista que proteger os pacientes de danos é uma responsabilidade primordial de toda equipe, o plano de indicadores poderá nortear uma preparação cuidadosa, possibilitando a tomada de decisão clínica embasada nas melhores práticas e políticas de segurança do paciente, constituindo-se, pois, numa importante ferramenta de avaliação e de gestão do cuidado a ser considerada pelos profissionais no seu processo de trabalho.

É importante que a equipe envolvida no TIH tenha o entendimento que protocolos/normas/rotinas representam veículos de orientação para os envolvidos na implementação do cuidado. E, por essa razão, o plano de indicadores busca também direcionar a implementação de programas educacionais com base nas necessidades específicas das equipes1414. Swickard S, Winkelman C, Hustey FM, Kerr M, Reimer AP. Patient safety events during critical care transport. Air Med J. 2018;37(4):253-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.amj.2018.02.009
https://doi.org/10.1016/j.amj.2018.02.00...
. Além disso, a montagem de equipamentos e a seleção de medicamentos adequados para o TIH dependem de profissionais habilitados para executar tal atividade, conforme protocolos institucionalizados, e que sejam capazes de reconhecer os riscos inerentes ao transporte e promover a orientação antecipada e comunicação entre equipes1515. Silva R, Amante LN. Checklist for the intrahospital transport of patients admitted to the intensive care unit. Texto Contexto Enferm. 2015;24(2):539-47. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015001772014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015001...
.

Ressalta-se o potencial de impacto positivo deste estudo para produção do conhecimento e desenvolvimento de práticas mais seguras, a partir de novas reflexões e análises da qualidade da assistência de enfermagem na segurança do paciente em situação de TIH. Contudo, vale destacar, o papel de centralidade da equipe de enfermagem em relação à segurança do paciente no TIH, não somente por representar o maior contingente de profissionais nas organizações de saúde brasileiras e ter proximidade constante com os pacientes, mas por ter implicado ao seu processo de trabalho o esforço de tornar as práticas de saúde mais seguras e efetivas em todas as etapas da prestação do cuidado (planejamento, execução e avaliação).

A dificuldade em reunir referências científicas que subsidiassem a construção dos indicadores foi considerada como limite do estudo, o qual pode ser atribuído a dois fatores: a seleção de apenas duas bases de dados; os descritores utilizados. Além disso, outro limite foi a busca por experts em segurança do paciente para participação da técnica Delphi e a sua adesão à pesquisa, considerando o grande quantitativo de contatos sem respostas ou com desistências, e ainda, a impossibilidade de testagem dos indicadores, o que mantém, portanto, a necessidade de novas aplicações.

A pesquisa envolvendo o plano de indicadores no TIH possui perspectivas de ser ampliada para contextos e componentes da atenção à saúde diferenciados, bem como evidencia a necessidade de incorporar avaliações no transporte pré e extra hospitalar, atentando para as prerrogativas técnicas de segurança do paciente e do exercício profissional.

CONCLUSÃO

O plano de indicadores almejado foi elaborado por meio de evidências científicas, com pontos focais específicos sobre a segurança do paciente no TIH, através do ML e da MAJ que contemplaram as dimensões: gestão, atenção e monitoramento com seus respectivos indicadores. Estes foram validados com índices satisfatórios, sob a ótica do conteúdo, por experts no tema, em um pré-teste e duas rodadas de consultas feitas por meio da técnica Delphi. Sendo assim, uma significativa contribuição para o campo da Saúde e da Enfermagem, para prática profissional da enfermeira, segurança do paciente e sociedade, sendo, portanto, um instrumento viável para prática de auditorias ou avaliações do processo de TIH.

Os achados deste estudo contribuem significativamente para redução dos riscos relacionados ao transporte de pacientes a partir da implementação de indicadores de qualidade aplicável por todos os membros da equipe de Saúde e Enfermagem, como uma estratégia que visa antecipar problemas e preparar com segurança os pacientes para o transporte, o que garante consequentemente a confiabilidade da aplicação de diretrizes, o registro e o monitoramento da ação. Sendo assim, uma importante estratégia de cuidado a ser considerada na jornada rumo à melhoria contínua da segurança no paciente no TIH.

REFERENCES

  • 1. Silva R, Amante LN, Salun NC, Martins T, Minatti F. Visibility of intrahospital transport in an intensive care unit: a descriptive study. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(3):e2017-0048. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.2017-0048
    » http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.2017-0048
  • 2. Oliveira AS, Barbosa MBT, Silva GA, Silva JCB, Oliveira HLAB, Oliveira DAL, et al. As implicações do transporte intra-hospitalar na segurança do paciente: revisão integrativa. Rev Ciênc Plur. 2019 [cited 2020 Oct 25];5(3):103-19. Available from: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/18252/12236
    » https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/18252/12236
  • 3. Veiga VC, Postalli NF, Alvarisa TK, Travassos PP, Vale RTS, Oliveira CZ, et al. Adverse events during intrahospital transport of critically ill patients in a large hospital. Rev Bras Ter Intensiva. 2019 [cited 2020 Oct 25];31(1):15-20. Available from: https://www.scielo.br/j/rbti/a/8B9msc9nPfYBcrFPDqPXLPk/?lang=en&format=pdf
    » https://www.scielo.br/j/rbti/a/8B9msc9nPfYBcrFPDqPXLPk/?lang=en&format=pdf
  • 4. Yang S, Jerng J, Chen L, Li Y, Huang H, Wu C, et al. Incidence of patient safety events and process-related human failures during intra-hospital transportation of patients: retrospective exploration from the institutional incident reporting system. BMJ Open. 2017;7(11):e017932. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017932
    » https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017932
  • 5. Hemesath MP, Kovalski AV, Echer IC, Lucena AF, Rosa NG. Effective communication on temporary transfers of inpatient care. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(esp):e20180325. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180325
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180325
  • 6. Shields J, Overstreet M, Krau SD. Nurse knowledge of intrahospital transport. Nurs Clin North Am. 2015;50(2):293-314. doi: https://doi.org/10.1016/j.cnur.2015.03.005
    » https://doi.org/10.1016/j.cnur.2015.03.005
  • 7. Fontenele RM, Sousa AI, Rasche AS, Souza MHN, Medeiros DC. Participative construction and validation of the logical model of the School Health Program. Saúde Debate. 2017;41(esp):167-78. doi: http://doi.org/10.1590/0103-11042017s13
    » http://doi.org/10.1590/0103-11042017s13
  • 8. Costa FJ, Orsini ACR, Carneiro JC. Variações de mensuração por tipos de escalas de verificação: uma análise do construto de satisfação discente. Gestão Org. 2018;16(2):132-44. doi: http://doi.org/10.21714/1679-18272018v16n2.p132-144
    » http://doi.org/10.21714/1679-18272018v16n2.p132-144
  • 9. Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an educational content validation instrument in health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1635-41. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
  • 10. Massaroli A, Martini JG, Lino MM, Spenassato D, Massaroli R. The Delphi method as a methodological framework for research in nursing. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1110017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001110017
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017001110017
  • 11. Donabedian A. The quality of medical care: how can it be assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. doi: https://doi.org/10.1001/jama.1988.03410120089033
    » https://doi.org/10.1001/jama.1988.03410120089033
  • 12. Sharafi RA, Ghahramanian A, Sheikhalipour Z, Ghafourifard M, Ghasempour M. Improving the safety and quality of the intra-hospital transport of critically ill patients [position paper]. Nurs Crit Care. 2020 Jul 15. doi: https://doi.org/10.1111/nicc.12527 Online ahead of print
    » https://doi.org/10.1111/nicc.12527
  • 13. Day D. Keeping patients safe during intrahospital transport. Crit Care Nurse. 2010;30(4):18-32. doi: https://doi.org/10.4037/ccn2010446
    » https://doi.org/10.4037/ccn2010446
  • 14. Swickard S, Winkelman C, Hustey FM, Kerr M, Reimer AP. Patient safety events during critical care transport. Air Med J. 2018;37(4):253-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.amj.2018.02.009
    » https://doi.org/10.1016/j.amj.2018.02.009
  • 15. Silva R, Amante LN. Checklist for the intrahospital transport of patients admitted to the intensive care unit. Texto Contexto Enferm. 2015;24(2):539-47. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015001772014
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072015001772014

Editado por

Editor associado:

Wiliam Wegner

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2020
  • Aceito
    17 Mar 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br