Saúde mental de enfermeiras, mulheres e mães no período da pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre a saúde mental de enfermeiras mulheres e mães no contexto da pandemia da COVID-19.

Método:

Estudo teórico-reflexivo realizado a partir da literatura científica, fundamentado por literatura científica nacional e internacional e análise crítica dos autores.

Resultados:

As reflexões acerca da temática vão além do impacto no que se refere à maternidade na vida dessas mulheres, pois retrata uma questão de gênero e sobre o papel da mulher dentro da sociedade. O estresse da atividade laboral na linha de frente de uma pandemia somado às demandas dos filhos e do trabalho doméstico pode desencadear exaustão e repercussões na saúde mental.

Conclusão:

Cabe às trabalhadoras buscarem medidas individuais além de os gestores de saúde oportunizarem estratégias coletivas no ambiente de trabalho das instituições, proporcionando políticas públicas que corresponsabilizem tanto empregador quanto trabalhador e suas famílias.

Palavras-chave:
Saúde mental; Nursing; Pandemias; Mulheres; Mães

ABSTRACT

Objective:

To reflect on the mental health of nurses who are women and mothers in the context of the COVID-19 pandemic.

Method:

Theoretical-reflective study based on scientific literature, supported by national and international scientific literature, in addition to a critical analysis by the authors.

Results:

Reflections on the subject go beyond the impact of motherhood on these women's lives, as it portrays a gender issue and the role of women within society. The stress of working on the frontlines of a pandemic, added to the demands of children and housework, can trigger exhaustion and mental health repercussions.

Conclusion:

Workers must seek individual measures and health managers must enable collective strategies in the work environment of the institutions, proposing public policies that make both employers, workers and their families co-responsible.

Keywords:
Mental health; Nursing; Pandemics; Women; Mothers

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre la salud mental de enfermeras, mujeres y madres en el contexto de la pandemia de COVID-19.

Método:

Estudio teórico-reflexivo basado en literatura científica, sustentado en literatura científica nacional e internacional y análisis crítico de los autores.

Resultados:

Las reflexiones sobre el tema van más allá del impacto de la maternidad en la vida de estas mujeres, pues retrata una cuestión de género y el papel de la mujer en la sociedad. El estrés de trabajar en la primera línea de una pandemia, sumado a las exigencias de los niños y las tareas del hogar, pueden desencadenar agotamiento y repercusiones en la salud mental.

Conclusión:

Corresponde a los trabajadores buscar medidas individuales además de los gestores de salud para brindar estrategias colectivas en el ámbito laboral de las instituciones, propiciando políticas públicas que hagan corresponsables tanto al empleador como al trabajador y sus familias.

Palabras clave:
Salud mental; Enfermería; Pandemias; Mujeres; Madres

INTRODUÇÃO

A doença denominada Coronavirus Disease-19 (COVID-19) foi notificada pela primeira vez em dezembro de 2019, na China. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação como pandemia1.

Desde então, o aumento dos casos da doença causou impacto no âmbito global. Em decorrência disso, foram implementadas medidas que objetivaram reduzir o contágio do vírus e controlar a pandemia, entre as restrições estão: distanciamento social, suspensão de atividades escolares, trabalho remoto e fechamento temporário de indústrias e comércios2.

Com o avanço da pandemia, os profissionais da área da saúde se depararam com novos desafios e modificações em seus ambientes de trabalho. Entre os trabalhadores de enfermagem atuantes, 50% estavam na linha de frente do enfrentamento da COVID-19. Dentro deste número, estimou-se que as mulheres fossem representadas por cerca de um milhão de profissionais nesta categoria. A realidade destas enfermeiras, devido a sua atual condição de trabalho, sofreu mudanças significativas em razão do cenário sanitário, que já perdurava mais de 18 meses, tanto no seu ambiente laboral quanto em seu cotidiano3^-4. Nessecontexto, o predomínio das mulheres na área da enfermagem está relacionado com questões culturais e históricas da profissão5.

O cuidado à saúde quase sempre foi uma atribuição da mulher, sendo assim, esse fato ratifica as estatísticas de que as mulheres são maioria entre as profissionais de Enfermagem das sociedades patriarcais ocidentais, atuando na linha de enfrentamento assistencial dentro e fora das instituições de saúde6.

Nesse sentido, a pandemia da COVID-19 expôs não só as dificuldades na área da saúde, mas evidenciou as desigualdades sociais, como as de gênero. Com a implementação das medidas de distanciamento, escolas e creches fecharam por tempo indeterminado e ocasionaram mudanças e adaptações no ambiente doméstico de todas as famílias7.

O estresse da atividade laboral somado às demandas dos filhos e do trabalho doméstico afetam em sua maioria o gênero feminino, podendo desencadear exaustão e repercussões na saúde mental. Nesse sentido, a saúde mental das enfermeiras foi prejudicada pela pandemia da COVID-19, sendo comum a presença de sintomas de ansiedade e depressão que geraram grande impacto sobre o bem-estar e as atividades diárias dessas trabalhadoras5.

Entre os profissionais de enfermagem, as mulheres estão mais suscetíveis a sofrimentos psíquicos e a possíveis transtornos mentais. Os fatores desencadeantes desses problemas podem estar relacionados ao processo de trabalho, como turno; relacionamento entre profissional-paciente, profissional-família e profissional-profissional; sobrecarga de trabalho; desgaste e suporte social, onde muitas exercem o papel de donas de casa e mães8.

Essa reflexão justifica-se, pois, além da temática ser relevante no contexto acadêmico, observou-se também uma lacuna do conhecimento devido à escassez de materiais que abordassem o tema da saúde mental de enfermeiras, mulheres e mães na pandemia em um único estudo. Foram encontradas pesquisas que abordassem sobrecarga feminina6^,7^,9^,10, maternidade e trabalho2^,8^,11⁾ e saúde mental e enfermagem1^,3^,5^,12^-14 durante a pandemia.

Assim, o mesmo configura-se como uma realidade e uma necessidade social, na medida que as estatísticas apontam que a maior força de trabalho da enfermagem é composta por mulheres, podendo tornarem-se mães nesta fase da vida.

O presente estudo propõe reflexões sobre a saúde mental de enfermeiras, mulheres e mães na pandemia e os desafios desse contexto atual visando contribuir para a área de conhecimento sobre saúde mental e enfermagem. Essas contribuições podem subsidiar discussões sobre uma temática relevante no cenário vivenciado, indo além do ambiente acadêmico.

Frente ao exposto, tem-se como questão norteadora: Como está a saúde mental das enfermeiras, mulheres e mães na pandemia? Dessa maneira, o presente estudo objetiva refletir sobre a saúde mental de enfermeiras, mulheres e mães no contexto da pandemia da COVID-19.

Foi realizado um estudo teórico-reflexivo construído com formulação discursiva no que se refere à temática abordada, fundamentado por literatura científica nacional e internacional e análise crítica das autoras. Buscou-se discutir sobre as enfermeiras, mulheres e mães na pandemia da COVID-19, abordando a saúde mental dessas enfermeiras.

A busca foi realizada nas bases de dados eletrônicas SciELO, PubMed e LILACS no período de Março a Julho de 2021. A seleção dos descritores utilizados no processo de busca deu-se a partir da consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), sendo estes: Saúde mental; Enfermagem; Pandemias; Mulheres; Mães, totalizando 492publicações. Após leitura dos resumos, 14 produções contribuíram para gerar a categoria intitulada “Ser enfermeira, mulher e mãe na pandemia da COVID-19: reflexões sobre saúde mental”.

REFLEXÃO

Ser enfermeira, mulher e mãe na pandemia de COVID-19: reflexões sobre saúde mental

Historicamente, as mulheres foram submetidas às atividades do cuidado e, dessa forma, profissões como domésticas, babás, enfermeiras, cuidadoras de idosos e professoras passaram a ser delegadas a estas. Esses valores são, muitas vezes, seguidos sem grandes questionamentos, visto que já se encontram enraizados no conceito de “ser mulher”7^,9.

Neste contexto, a enfermagem tornou-se uma profissão carregada de faces femininas que desempenham papéis fundamentais no ato de cuidar e nos princípios da profissão9. Dessa maneira, a enfermagem como profissão da área da saúde, historicamente tem seu conhecimento pautado no cuidado humano, que pode ser entendido como um ato que vai além de procedimentos técnicos, o qual há necessidade de envolvimento e compromisso com o outro10.

Do latim “cogitare” e “cura”, o cuidado refere-se à ação de proporcionar bem-estar físico e emocional ao outro. Culturalmente, o feminino associa-se ao “cuidar”: nos primeiros anos de vida, na doença, no envelhecimento e na morte, encontram-se presentes as figuras femininas9. Dessa forma, quando se fala em cuidado, a figura da mulher continua sendo identificada de forma natural, justificando-se a partir dos “atributos femininos”, construídos socialmente7.

Com o passar dos anos houve muitos progressos no que diz respeito ao papel da mulher dentro da sociedade7. Entretanto, o cuidado com os filhos ainda encontra-se como uma responsabilidade feminina, cultura vinculada aos elementos tradicionais. Essa conciliação entre o trabalho em saúde e os cuidados domésticos pode levar à exaustão, quando não há uma divisão de tarefas igualitária entre os membros de casa. Assim, é importante pensar sobre o impacto que a maternidade tem na vida das mulheres e a necessidade de se readaptar e conciliar responsabilidades familiares e profissionais2.

Nesse cenário, sabe-se que muitas mulheres optam pela maternidade e, desta forma, sofrem um acúmulo de papéis enquanto profissionais e mães. Assim, mesmo antes do cenário pandêmico, a mãe, enfermeira já encontrava-se com a necessidade de conciliar suas atividades pessoais, familiares, domésticas e profissionais11.

Considerando que a pandemia da COVID-19 mudou a vida de crianças e famílias em todo o mundo, falar em cuidado e saúde mental das mães de filhos pequenos se faz imprescindível a partir do momento em que se acumularam indagações sobre insegurança de contaminação e incertezas sobre o futuro. Além disso, com as escolas fechadas, surgiram novas formas de estresse e preocupações aos cuidadores, tornando o cuidado quase inconciliável com outros trabalhos, na maioria das vezes12.

Desse modo, surgiu uma dualidade entre a necessidade de cuidar da família em período de isolamento, garantir a segurança dos filhos e o alto risco de contaminação no ambiente profissional. Isso ocasionou um medo constante de contágio no domicílio, acarretando em problemas de saúde mental e estresse, além das vivências na linha de frente8.

Para isso, é preciso ter sensibilidade para reconhecer as consequências e restrições do atual cenário, que embora as alterações e adaptações tenham sido necessárias, modificaram a rotina das famílias e impactaram nos sistemas de apoio e nas práticas de cuidado. Ademais, novas formas e funções laborais, como o trabalho remoto dividiram espaço e tempo com o cuidado e as tarefas domésticas. Dessa maneira, faz-se refletir sobre estar presente e, ao mesmo tempo, estar ausente em presença, exigindo das mulheres e mães e suas crianças pequenas uma adaptação emocional e cuidados com a saúde mental destas12.

Os índices mostram que há maior suscetibilidades em enfermeiras, mulheres e mães em apresentarem sintomas depressivos, estresse e ansiedade em relação aos homens, assim como problemas relacionados ao sono8. Dessa maneira, essas trabalhadoras da área da saúde estão suscetíveis ao sofrimento mental, ao enfrentarem seus afazeres profissionais com inúmeras dificuldades, aliadas à própria desestabilização emocional diante de seus medos e do sofrimento dos pacientes13.

Assim, a atuação na enfermagem requer, além das habilidades técnicas e científicas, conhecimentos acerca do domínio de emoções, devido às possíveis exposições a situações de risco, desgastes físicos e emocionais que se fizeram presentes no cotidiano de trabalho5.

As evidências sobre o sofrimento mental das enfermeiras durante a pandemia da COVID-19 trouxeram incidências de 48,9% de ansiedade e 25% de depressão entre as profissionais. E em estudo feito com os trabalhadores de diferentes setores da saúde, a prevalência da enfermagem foi de 51,44% em casos de ansiedade e 33,17% em insônia14. Esses achados demonstram como o coronavírus causou danos para essas trabalhadoras, e impactou na saúde mental dessas enfermeiras, mulheres e mães.

No cenário mencionado nesta reflexão, é de extrema importância que as enfermeiras, mulheres e mães utilizem estratégias para amenizar o desgaste físico e emocional ocasionado pela sobrecarga de funções e atividades.

A busca por terapia individual ou em grupos terapêuticos podem ser um auxílio nesse momento de pandemia em que os espaços de fala e de escuta de forma presenciais estão restritos pelo distanciamento social, dessa maneira, a terapia remota pode ser uma estratégia importante nesse cenário15.

Além disso, espaços virtuais, como grupos em aplicativos de mensagens, vídeo chamadas coletivas, destinados a atividades de relaxamento podem ser criados para o atendimento à saúde mental dessas mulheres, minimizando o turbilhão de sentimentos que permeiam suas vidas nesse contexto da pandemia16. Ademais, esses ambientes puderam ser utilizados, também, para manter a comunicação com familiares, a fim de diminuir efeitos negativos e acolher demandas internas, visando o bem-estar e estabilidade mental das enfermeiras1.

Outras medidas incluíram reduzir o consumo de notícias que pudessem causar ansiedade ou estresse, sendo indicado a leitura de livros e outros materiais de interesse, manter uma rotina de sono regular e, sobretudo, a prática de exercícios físicos, yoga, meditação, além de várias outras atividades de lazer que proporcionassem bem-estar1.

No contexto das políticas públicas, estas enfermeiras e mães encontram-se invisibilizadas em suas dimensões pessoais e afetivas8. Revela-se, desta forma, a necessidade de políticas institucionais que contemplem as demandas das enfermeiras, mulheres e mães. Dessa forma, Estado e sociedade devem compreender as condições maternas como de interesse público, mapeando a população das profissionais de saúde, identificando as que estão em maior vulnerabilidade psíquica, a fim de incluí-las em ações específicas de cuidado e autocuidado7^,15.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta reflexão objetivou-se trazer à tona a discussão sobre a saúde mental de enfermeiras, mulheres e mães na pandemia. Pensar nesta temática vai além do impacto no que se refere à maternidade na vida dessas mulheres, é também sobre uma questão de gênero e sobre o papel da mulher na sociedade.

Assim, o estresse da atividade laboral somado às demandas dos filhos e do trabalho doméstico pode desencadear exaustão e repercussões na saúde mental dessas mulheres, sendo recorrente sintomas como ansiedade, estresse, fadiga e depressão, que geram implicações na vida cotidiana dessas trabalhadoras.

Dessa maneira, é fundamental que essas mulheres tenham apoio para reestruturação das rotinas, de forma a diminuir o impacto evidenciado, sobretudo pela pandemia. Com isso, faz-se necessário que gestores de saúde incentivem estratégias tanto individuais quanto coletivas, proporcionando espaços no ambiente de trabalho das instituições, a fim de evitar o sofrimento mental dessas mulheres.Ademais, a proposição de políticas públicas que corresponsabilizem tanto empregador quanto trabalhador e suas famílias também pode repercutir na qualidade da assistência, reconhecendo que um ambiente laboral adequado necessita de prática inovadoras e não alienadas, desde espaços para descanso até mesmo terapias multidisciplinares em grupo.

Esse estudo teve como limitação a não abordagem do machismo e sexismo estrutural dentro das instituições de saúde. Nesse sentido, sugerem novos estudos com essa abordagem, trazendo repercussões importantes para o ensino e pesquisa tanto em ambientes acadêmicos quanto de assistência.

Portanto, conclui-se que é necessário empoderar as enfermeiras enquanto protagonistas da força de trabalho da enfermagem, ofertando práticas de cuidado humanizadas à essas trabalhadoras, indo além do ambiente laboral. Trazer à tona esse tema demonstra um avanço no reconhecimento das questões de gênero em defesa da profissão majoritariamente feminina.

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Editado por

Editor associado: Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  07 Fev 2022
• Aceito
  26 Jul 2022