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“UNIVERSIDADE EM CRISE”: CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL PAULISTANO NO PÓS-GOLPE CIVIL-MILITAR (1964-1967)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este artigo é parte de tese de doutorado em desenvolvimento pela autora, intitulada “Além da ‘musa da esquerda’: uma biografia histórica de Iara Iavelberg (1944-1971)”, sob orientação da Profa. Dra. Janaína Martins Cordeiro, e com financiamento da bolsa Doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ, Processo SEI-260003/002493/2021. Agradeço aos pareceristas, editores e revisores da Revista de História.

“UNIVERSITY IN CRISIS”: CONSIDERATIONS ON THE SÃO PAULO STUDENTS’ MOVEMENT IN THE POST-CIVIL-MILITARY COUP (1964-1967)

Resumo

Muito se fala sobre 1968, “o ano que não terminou”. Revolta da juventude no mundo como um todo – e no Brasil também –, quebra de paradigmas, repulsa a velhos valores e, claro, intensificação do movimento estudantil, principalmente universitário. Mas, e antes de 1968? Os estudantes, que, antes deste ano, haviam “despertado”, passaram a primeira metade da década de 1960 adormecidos? Assim, este trabalho tem por objetivo analisar a organização política dos estudantes do ensino superior, especificamente da cidade de São Paulo, na famosa rua Maria Antônia, onde ficava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), entre 1964 e 1967. Os dados para a realização deste estudo são frutos de pesquisa de doutorado ainda em andamento, cujo objetivo é constituir uma biografia histórica de Iara Iavelberg (1944-1971), militante das organizações revolucionárias contra a ditadura civil-militar.

Palavras-chave
Movimento estudantil; ditadura civil-militar; Universidade de São Paulo; Rua Maria Antônia

Abstract

Much is said about 1968, “the year that did not end.” Youth rebellion in the whole world – and Brazil as well – paradigms being broken, repulsion to old values, and of course, intensification of the student movement, mainly in universities. But what about before 1968? Did the “awakened” students in 1968 spend the first half of the 1960s asleep? This article aims to analyze the political organization of university students, specifically from São Paulo city, on the famous Maria Antonia Street, where the Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) of the Universidade de São Paulo (USP) was located from 1964 to 1967. Data used in this article are the result of a Ph.D. research still in progress, aiming to write a historical biography of Iara Iavelberg (1944-1971), militant of revolutionary organizations against the civil-military dictatorship.

Keywords
Student movement; civil-military dictatorship; Universidade de São Paulo – USP; Maria Antônia Street

Muito se fala sobre 1968, “o ano que não terminou”. Revolta da juventude no mundo e no Brasil, quebra de paradigmas, repulsa a velhos valores e, claro, forte atuação do movimento estudantil (ME), sobretudo o universitário. Alguns autores já trabalham com um conceito expandido, afirmando não se tratar apenas do ano em si, mas de uma “época de 1968”, como o sociólogo Marcelo Ridenti (2018, p. 11)RIDENTI, Marcelo. 1968 Cinquentão: rebeldia e integração. In: Revista Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3Q6N7SM>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i1.18480.
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, que propõe uma periodização entre a Revolução Cubana de 1959 e o fim da Guerra do Vietnã, em 1975. A historiadora Angélica Müller (2021)MÜLLER, Angélica. O “acontecimento 1968” brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação estudantil. In: Revista de História, São Paulo, n. 180, a03920, 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3vNbD3f>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.168586.
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, na mesma linha, propõe um olhar como “acontecimento”, o que permitiria avaliar a força mobilizadora prévia e posterior à “época 1968”.

Apesar disso, grande parte da historiografia sobre o movimento estudantil – durante a ditadura civil-militar brasileira – pouco explorou as mobilizações posteriores ao golpe de 1964 e anteriores ao ano de 1968, e, quando o fez, permaneceu sobretudo focada nos acontecimentos da cidade do Rio de Janeiro. O ME paulista é trazido para o debate majoritariamente ao se tratar do episódio conhecido como “Batalha da Maria Antônia”, conflito entre estudantes da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie – estes últimos ligados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) –, que culminou no assassinato do estudante José Guimarães.

No entanto, para a compreensão da “época de 1968” brasileira, partindo dessa perspectiva expandida, para além do ano em si, faz-se necessário trazer à luz fatos outros, que não aqueles já conhecidos e muito tratados por pesquisadores do tema. Isso porque as manifestações massivas, organizadas pelo ME no ano de 1968, só foram possíveis graças à rearticulação e ressignificação do movimento e suas entidades no pós-golpe, dado que algumas das primeiras medidas do governo ditatorial tiveram o objetivo de desmobilizar os universitários. O maior exemplo destas medidas foi a Lei nº 4.464/1964, mais conhecida como “Lei Suplicy”, que propunha a substituição de entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs), por diretórios, que seriam mais controlados pelo governo (LANGLAND, 2013, p. 93LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.). Nesse sentido, o sociólogo João Roberto Martins Filho (1987, p. 93)MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). São Paulo: Papirus, 1987. afirma que a oposição ao regime ditatorial recém-implementado, principalmente nos primeiros meses, foi desarticulada, fato que só mudaria na luta contra a Lei Suplicy. A historiadora Maria Paula Araújo (2007, p. 153)ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. Memórias estudantis (1937-2007): da fundação da UNE aos nossos dias. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Fundação Roberto Marinho, 2007., tratando do ME, denominou o período imediato após o golpe como “resistência que não houve”.

Em vista disso, Langland (2013, p. 92)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013. lembra que a “Operação Limpeza” iniciada logo após o golpe – responsável pela prisão de cerca de 50.000 pessoas consideradas opositoras ou “inimigas” do novo regime que se instaurava – afetou e muito as lideranças estudantis universitárias; por volta de 700 membros da UNE foram investigados em Inquéritos Policiais-Militares (IPMs), assim como a própria entidade. Universidades foram invadidas por tropas das Forças Armadas e polícias, e, conseguintemente, depredadas, tiveram materiais apreendidos, além dos estudantes presos e torturados (LANGLAND, 2013LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.). A historiadora ressalta que, de fato, as esquerdas não conseguiram articular uma oposição eficaz ao golpe civil-militar; no entanto, é possível considerar que apenas em 1968 o ME universitário conseguiu organizar manifestações de resistência à ditadura?

Com essa pergunta em mente, o presente artigo tem por objetivo analisar a organização política dos estudantes do ensino superior, especificamente da cidade de São Paulo, na famosa rua Maria Antônia, onde ficava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP3 3 Na época, os seguintes cursos integravam a Faculdade de Filosofia: Filosofia, Psicologia, Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia, História, Geologia, Ciências Biológicas, Letras, Estudos Orientais e Pedagogia. , após o golpe civil-militar de 1964 até o fatídico ano de 1968. As fontes utilizadas são variadas, tratando-se sobretudo de notícias da grande imprensa4 4 Para melhor compreensão do leitor, os excertos das notícias foram transcritos de acordo com as normas ortográficas atuais. , entrevistas realizadas pela autora, por terceiros e documentos dos arquivos da repressão. O intuito da pesquisa é voltar o olhar ao ME da Faculdade de Filosofia da USP como forma de mudar o foco “tradicional” que, no caso específico deste tema, está colocado sobretudo no ME do então estado da Guanabara e, em alguns casos, de Brasília. A bibliografia utilizada, sobretudo os autores Angélica Müller, Victoria Langland e João Roberto Martins Filho, consiste em estudiosos que se debruçaram sobre as questões do movimento estudantil, mas com análises de perspectiva mais ampla, na conjuntura nacional. Neste artigo, optou-se por ter uma perspectiva local, com o intuito de dar visibilidade a mobilizações específicas realizadas na FFCL e pouco conhecidas ou lembradas. Ainda assim, como relembra Marcelo Ridenti (2018, p. 26)RIDENTI, Marcelo. 1968 Cinquentão: rebeldia e integração. In: Revista Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3Q6N7SM>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i1.18480.
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, no caso da “época de 1968”, “o local, o nacional e o internacional estavam indissociavelmente entrelaçados”. Portanto, a bibliografia é utilizada para cotejar o micro com o contexto mais amplo, na medida do possível.

À parte de algumas iniciativas de coleta de testemunhos e menções eventuais, as análises na historiografia sobre as consequências do golpe na Faculdade de Filosofia, e na USP como um todo, são escassas. Episódios como o ataque ao prédio da UNE na cidade do Rio e a invasão da Universidade de Brasília (UnB) pelas Forças Armadas são mais referenciados.

O livro “Maria Antônia: uma rua na contramão”, organizado por Maria Cecília dos Santos, reúne relatos de professores e alunos de diversos períodos da FFCL. Ao tratarem do golpe, muitos professores citam que a faculdade na Maria Antônia foi atingida somente “de raspão” num primeiro momento, esclarecendo que o pior viria a partir de 1968. Os alunos, no entanto, têm narrativas divergentes. João Quartim de Moraes, na época estudante de Filosofia, recorda que houve uma invasão da Filosofia logo após o golpe, com o aval do então governador Ademar de Barros, em conjunto com agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e membros do grupo paramilitar Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Alunos da Faculdade de Filosofia teriam entrado em confronto com os invasores, na tentativa de defender a faculdade, mas terminaram presos (apud SANTOS, 1988, p. 112SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988.).

Eder Simão Sader (apud SANTOS, 1988, p. 160SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988.), em texto publicado no mesmo livro, rememora que equipamentos da gráfica da faculdade – como mimeógrafos, por exemplo – principalmente do Grêmio, foram destruídos. Também Consuelo de Castro, estudante de Ciências Sociais, compartilha suas memórias sobre o dia da invasão:

Eduardo Kugelmas convocou, trêmulo, todo mundo para sua sala e começou um estranho discurso sem pé nem cabeça sobre os Sistemas Sociais. Bombas explodiram lá fora. Gritos e tiros. (...) Supostamente havia um “acordo ético” entre professores, alunos e policiais: o estudante que estivesse tendo aula e o professor que estivesse dando aula não podiam ser presos. Nunca se deu tanta aula ao mesmo tempo, nem jamais tantos foram à aula com tanto prazer! (...) [No dia seguinte], Estavam todos reunidos no Grêmio. Tensão absoluta. Pânico. Desespero. Desnorteio (apud SANTOS, 1988, p. 92-93SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988.).

Embora não tenha sido uma grande mobilização, Roberto Cardoso Ferraz do Amaral, veterano do curso de Matemática, se lembra de movimentações do Grêmio ainda no dia do golpe, na tentativa de articular uma oposição:

O presidente do Grêmio era o Fuad Daher Saad (...). Fizemos uma assembleia, a UNE tinha decretado greve. Fuad pediu para os amigos mais próximos guardarem as portas da Filosofia, que ele estava com medo da polícia chegar e fechar a faculdade. Fiquei na porta da Maria Antônia, nem vi a assembleia, que era para encontrar formas de resistência. Decidiu-se ficar na faculdade, mas depois veio a polícia e tirou todo mundo. Levaram algumas pessoas e depois soltaram. O Fuad e o Florestan eram os mais visados. Depois que a polícia tirou, acabou. Os primeiros meses foram confusos. Depois, voltaram as aulas.5 5 AMARAL, Roberto Cardoso Ferreira do. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

Apesar de o “embrião” de resistência ter sido fortemente reprimido pelas polícias e Forças Armadas, estudantes da FFCL relatam que o desejo de se engajar politicamente surgiu justamente a partir do golpe e do crescente autoritarismo que com ele se instalou. Maria Lúcia de Carvalho, aluna do segundo ano de Psicologia, em 1964, afirma que a Faculdade de Filosofia se encontrava em ebulição com o golpe, com a realização de muitas assembleias e discussões. Ainda relata que este contexto a fez buscar “algum tipo de participação”.6 6 CARVALHO, Maria Lúcia. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 13 mar. 2021. 1 arquivo audiovisual, 1º21’23”, acervo pessoal. Nesse sentido, Samuel Iavelberg, aluno do segundo ano de Física, em 1964, aponta que, embora nunca tivesse se interessado por política, passou a frequentar a sala do Grêmio da FFCL e, por conseguinte, as assembleias, iniciando militância na organização Política Operária (Polop).7 7 IAVELBERG, Samuel. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 20 ago. 2020. 1 arquivo de áudio, 56’54”, acervo pessoal. Eder Sader, que já era uma das lideranças da Polop no pré-1964, relata que, imediatamente após o golpe, viveu de forma clandestina no Rio de Janeiro por um ano. Quando voltou, encontrou sua organização muito diferente: “Notei um crescimento significativo entre os estudantes da USP. Tinha havido enorme desencanto com os comunistas e o desfecho de 64”.8 8 SADER, Eder. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

A renovação forçada das lideranças e dos integrantes do ME – causada pela prisão e afastamento dos mais antigos e da aproximação desse novo contingente de estudantes – proporcionou novos rumos. Principalmente nos primeiros anos da ditadura, o desconhecimento por parte dos órgãos de segurança sobre quem eram os novos militantes, de acordo com Langland (2013, p. 93)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013., permitiu que eles atuassem com relativa liberdade. Essa atuação estava frequentemente balizada pelas discussões da nova esquerda, da qual a Polop era apenas uma das organizações. Além dela, pode-se citar a Ação Popular (AP), o Movimento Comunista Internacionalista (MCI) 9 9 O Movimento Comunista Internacionalista foi fundado por Hermínio Saccheta, histórico militante do PCB que rompeu com o partido no final da década de 1930. De orientação sobretudo trotskista, a organização esteve em atividade durante a década de 1960 e teve entre seus quadros Luiz Alberto Moniz Bandeira, Rubens Glasberg, Elias da Rocha Barros, entre outros. Um “Projeto de programa” do MCI foi publicado no livro “O caldeirão das bruxas e outros escritos políticos” (SACCHET TA, 1992) e também é possível consultar exemplares do jornal do grupo, intitulado Bandeira Vermelha, no portal Documentos Revelados. e o próprio Partido Comunista Brasileiro (PCB), que permaneceu recrutando novos militantes no meio estudantil, apesar da decepção generalizada das esquerdas com sua postura frente ao golpe e à conjuntura política nacional. Com o avançar dos anos, as posições do partido foram sendo cada vez mais questionadas internamente, desembocando em dissidências universitárias em diversos estados. Esses estudantes concorriam à presidência das entidades que seguiam na clandestinidade, além das gestões do Grêmio e Centros Acadêmicos.

Baseada na proposição do flósofo francês Krzysztof Pomian de que os ciclos temporais comportam duas fases, uma ascendente e uma descendente, a historiadora Angélica Müller propõe enxergar a “época de 1968” como um “U”. Assim, do período pós-1964 até 1968, a curva descende, quando “o tempo é apreendido como localmente regressivo, o futuro próximo suscita medo, pois apresenta especialmente as virtudes negativas do presente e é então no passado que buscamos modelos para reproduzir” (MÜLLER, 2021, p. 6MÜLLER, Angélica. O “acontecimento 1968” brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação estudantil. In: Revista de História, São Paulo, n. 180, a03920, 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3vNbD3f>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.168586.
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). O auge da descendência da curva seria o próprio ano de 1968, passando a ascender apenas na segunda metade da década de 1970, período que Ridenti (2018)RIDENTI, Marcelo. 1968 Cinquentão: rebeldia e integração. In: Revista Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3Q6N7SM>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i1.18480.
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definiu como o fim da “época de 1968”.

Embora tenha sido um período de medo do futuro, Müller (2021, p. 7)MÜLLER, Angélica. O “acontecimento 1968” brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação estudantil. In: Revista de História, São Paulo, n. 180, a03920, 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3vNbD3f>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.168586.
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destaca que isso não impediu que o ME tentasse se rearticular. Com o objetivo de dar visibilidade a ações em prol dessa rearticulação, partindo do caso paulistano, este artigo apresentará mobilizações estudantis entre os anos de 1964 e 1967 na FFCL.

A “greve branca” (1964)

As demissões compulsórias e prisões de docentes, bem como as ameaças do ministro da Educação de expulsão de estudantes, no período imediato após o golpe, geraram um clima de terror nas universidades brasileiras – chamado de “terrorismo cultural” e, por vezes, de “terrorismo intelectual”. Muitos docentes considerados “subversivos” foram intimados a prestar depoimento para os IPMs. O professor de Física Mario Schenberg ficou preso por 50 dias. Florestan Fernandes, professor de Sociologia, por sua vez, foi detido em 12 de setembro, quando se manifestou, através de uma carta, contra os IPMs. A prisão de Fernandes gerou uma mobilização descrita como “espontânea” pelo Última Hora (UH):

Embora não se tenha decretado greve e nenhuma entidade tenha a seu cargo a organização de movimento de protesto contra o terrorismo cultural imposto à Universidade de São Paulo, a maioria dos alunos não comparece às aulas e alguns professores agem da mesma forma. O movimento de protesto é de tal ordem que somente os universitários do setor de letras têm assistido às aulas, enquanto as demais faculdades permanecem virtualmente paradas (UH, 15/09/1964, p. 2).

O Correio da Manhã (CM) (16/09/1964, p. 7) não mencionou diretamente a paralisação das aulas, mas o sentimento de insegurança que rondava a instituição:

Alunos da Faculdade de Filosofia estão literalmente aterrorizados com o ambiente policial-militar reinante na escola. As prisões repentinas e sem justificativa de professores como Florestan Fernandes e Vilanova Artigas abriram os olhos dos estudantes, que já vão preparados para as aulas: além do material normal, levam também cobertores e outros petrechos para uma eventual prisão, que pode ocorrer a qualquer momento.

Esta notícia vai ao encontro do que os universitários denominavam de “terrorismo cultural”: a perseguição, por parte do governo ditatorial, aos intelectuais e acadêmicos brasileiros – acusados de subverterem o ambiente da universidade e os alunos, através de “doutrinação comunista”. Langland (2018, p. 22)LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: JIAN, Chen; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha et. al. (orgs.). The routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Nova York: Routledge, 2018. classifica essas acusações como “conexões conspiracionais”: a crença conspiracional que pairava entre setores do governo ditatorial, das polícias e até mesmo da imprensa, de que as atividades universitárias brasileiras estavam influenciadas diretamente por organizações comunistas, nacionais ou estrangeiras.

O professor Fernandes foi solto em 14 de setembro, dirigindo-se diretamente à Faculdade de Filosofia, onde foi recebido por alunos: “bastante abatido, dirigiu-se à Faculdade de Filosofia para comunicar sua libertação ao Diretor Sr. Mário Guimarães Ferris. Lá o aguardavam cerca de 300 alunos, que deixaram as salas de aula para recebê-lo” (UH, 15/09/1964, p. 2). A mobilização dos alunos em prol da soltura do professor, ainda que supostamente espontânea e sem direcionamento de alguma entidade, parece ter sido o prelúdio de um movimento mais sólido e organizado que aconteceria semanas depois: a greve branca.

Com o ambiente permeado pelo chamado “terrorismo cultural”, os alunos da Faculdade de Filosofia, em outubro de 1964, temiam a demissão dos professores Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Mário Schenberg e Cruz e Souza.10 10 Além do Professor João Villanova Artigas, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Estas demissões ocorreriam em consequência dos IPMs instaurados para investigar as ativ idades destes docentes.11 11 Segundo o Correio da Manhã, em 2 de outubro de 1964 (capa), “está considerada como certa a aplicação do Artigo 7° do Ato, na próxima semana, a diversos professores da Universidade (...)”. Os discentes organizaram, então, uma comissão composta por 55 estudantes, que tentou estabelecer diálogo com o governador de São Paulo, Ademar de Barros, em 6 de outubro. Contudo, segundo a Folha de S. Paulo (FSP), não foram recebidos pelo governador, mas por João Ranali – delegado do Deops e oficial do gabinete de Barros –, “encarregado de examinar os IPMs instaurados para apurar a subversão e corrupção no Estado”. Ranali afirmou à comissão que o “governador faria o possível para não cometer injustiças”, mas que “as punições que venham a ser aplicadas terão que ater-se ‘à realidade revolucionária do país e atingirão só aqueles que tenham atividades subversivas comprovadas” (FSP, 07/08/1964, p. 13, grifos meus).

Ainda assim, os protestos dos estudantes geraram manifestações do governo federal, como de Artur Costa e Silva, na época Ministro da Guerra, que enviou um telegrama ao reitor da USP, Luís Antonio da Gama e Silva, reproduzido pela Folha:

Acabo de tomar conhecimento da moção do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo, contestando a existência de pretenso clima de terrorismo cultural, proclamando a existência da liberdade de cátedra e hipotecando apoio e solidariedade a seu magnífico reitor pela atitude serena, digna e patriótica com que dirige os destinos da Universidade. Nesta oportunidade, congratulo-me com v. exa. pela honrosa menção de apoio recebida, justa reafirmação do elevado conceito de que desfruta, como uma das mais lidimas expressões da moral e da cultura em nosso país (FSP, 07/08/1964, p. 13).

Fica evidente que o Ministro da Guerra viu a necessidade de se pronunciar a respeito da resistência dos estudantes aos IPMs, apoiando a posição da Reitoria e do Conselho Universitário de que não haveria qualquer tipo de terrorismo em curso – pelo contrário, a liberdade de cátedra estaria sendo fomentada. Ressalta-se que Gama e Silva, o reitor, segundo Rodrigo Pato Sá Mota (2014)MOTTA, Rodrigo Pato Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., “foi entusiasta do golpe, e com o passar do tempo tornou-se cada vez mais radical, procurando estreitar laços com a chamada linha dura”. Ele chegou a ser Ministro da Educação e Cultura interino por pouco tempo, antes de o cargo ser de Flávio Suplicy de Lacerda.

O Conselho dos Presidentes dos Centros de Estudos da Faculdade de Filosofia, órgão representante dos estudantes, se reuniu então para deliberar uma reação à falta de resposta para suas demandas. Foi aprovado um informe que ressaltava o clima de “intranquilidade” entre os alunos e professores, apresentando como solução para mitigá-lo a “sugestão” de que “os alunos da Faculdade se abstenham de comparecer às aulas no decorrer da semana” (UH, 08/10/1964, p. 3).

Estava, portanto, “sugerida” a primeira greve universitária paulista pós-golpe de 1964. Esta foi articulada, porém, pelo Conselho dos Presidentes dos Centros Acadêmicos, e não pela entidade que englobava todos eles: o Grêmio Estudantil. Isto possivelmente porque seu presidente, Fuad Daher Saad, também era alvo de investigação de um IPM (CM, 12/09/1964, p. 12). O movimento, de acordo com todos os periódicos que noticiaram o assunto, tinha caráter “de advertência” contra as demissões. Desde que aprovada, a mobilização tinha data de fim definida: seria encerrada em 12 de outubro, caso os professores não fossem afastados.

O Última Hora (08/10/1964, p. 3) afirma categoricamente que “a totalidade” dos alunos da FFCL deixou de comparecer às aulas no primeiro dia combinado. A Folha também publicou informações nesse sentido, sendo menos enfática quanto à adesão: “embora vários alunos – principalmente moças – se tivessem dirigido às instalações da Rua Maria Antônia, limitaram-se a permanecer fora das salas de aula, na mais perfeita normalidade” (FSP, 08/10/1964, p. 4). À primeira vista, considera-se que o engajamento deva ter sido significativo, uma vez que ao menos dois jornais noticiaram a greve. No entanto, Victoria Langland (2013, p. 104)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013. adverte para o fato de que alguns estudantes envolvidos com o ME trabalhavam em redações de jornais, sobretudo paulistas e cariocas, e se empenhavam para cobrir as mobilizações estudantis.

Um ponto de destaque na cobertura da “greve branca” é a menção, tanto da Folha quanto do UH, à ampla adesão de “moças” à greve. Os dois jornais publicaram fotos das alunas nas edições de 8 de outubro. No caso do UH, há a legenda: “o flagrante, ao alto, mostra várias moças no movimento pacífico em frente à Faculdade”. Observa-se que a presença das mulheres está diretamente associada ao caráter “pacífico” do movimento, mais detalhado na matéria: “não houve formação de piquetes ou grupos para impedir a entrada dos alunos, nem foram afixados cartazes ou faixas: a greve foi espontânea e geral” (UH, 08/10/1964, capa). O próprio termo usado pela imprensa para definir o movimento – “greve branca” –, infere essa pacificidade, dado que, de acordo com o advogado Edmilson do Nascimento, esse tipo de mobilização ocorre quando “os trabalhadores ficam em seus postos de trabalho, mas não prestam serviços” (NASCIMENTO, 2014NASCIMENTO, Edmilson Ferreira. Aspectos relevantes do direito de greve. In: Jus, ago. 2014. Disponível em: <https://bit.ly/3zJb5wt>. Acesso em: 8 ago. 2022.
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, n. p.).

Na perspectiva “tradicional” dos papéis de gênero, agressividade e mulheres não combinam. Esse cenário se agrava quando se trata de engajamento político, atividade jamais associada ao feminino. Angélica Müller (2013, p. 325)MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos “anos 1968”. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia (orgs.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Unesp, 2013. ressalta que foi justamente na década de 1960 que as mulheres passaram a ingressar em maior escala nas universidades, passando a integrar também o ME – o que gerava estranhamento tanto para os homens inseridos na lógica universitária quanto, aparentemente, para a imprensa. A historiadora prossegue afirmando que o espaço da militância só era aberto ao público feminino como “estratégia política”, “desde que as ‘regras’ fossem mantidas. As jovens universitárias, por sua vez, apreendendo os significados construídos, passaram a utilizá-los de forma coerente com seu universo de valores e referência” (MÜLLER, 2013, p. 326MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos “anos 1968”. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia (orgs.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Unesp, 2013.). No caso da “greve branca”, portanto, nenhuma “regra” foi descumprida: as mulheres exerceram um papel pacífico, sem cruzar o limite do que era “atribuição” masculina, como a violência e/ou os discursos políticos.

Como as demissões não se efetivaram – ao menos naquele momento –, os alunos encerraram a greve na data prevista: 12 de outubro (FSP, 12/10/1964, p. 7). No dia seguinte, O Estado de S. Paulo (OESP), que quase não havia coberto o movimento grevista, publicou uma notícia sob o título “O presidente e os estudantes”. A reportagem aborda um discurso feito pelo então presidente, o Marechal Castelo Branco, num evento no Rio de Janeiro, que se refere à mobilização estudantil paulistana, embora não a cite diretamente:

(...) Considera mesmo o sr. Marechal Castelo Branco natural que a “mocidade estudantil, com os transbordamentos e os entusiasmos tão próprios da juventude se sinta chamada para participar e influir nos rumos do País”. Entende, porém, o chefe do Executivo, e muito acertadamente, que essa participação deve ser rodeada de cautelas necessárias para que os seus resultados, em vez de benefícios, não sejam perniciosos à própria vida universitária. (...) Em que pese aos contrarrevolucionários e às pessoas de boa fé que se deixam iludir pelas suas palavras de ordem, nunca houve no Brasil um governo que se preocupasse tão seriamente com a defesa da cultura e o fizesse em bases sadias da vida universitária (OESP, 13/10/1964, p. 3).

A fala tem um tom de ameaça, ao implicar que a mobilização, em vez de benefícios para as universidades, pode trazer consequências “perniciosas”. Observa-se que o fato de o presidente ter se pronunciado sobre o movimento dos alunos de São Paulo, ainda que indiretamente, traz à tona duas hipóteses: ou o assunto teve grande repercussão, ou a greve foi vista como uma ameaça pelo governo ditatorial. O Estadão, ao publicar na íntegra o discurso, sem ter feito cobertura das manifestações estudantis, indica haver uma proximidade ao posicionamento do regime.

A Folha também se posiciona politicamente utilizando os recentes assuntos relativos ao ME. Em editorial de 8 de outubro, logo no início da greve, o jor nal publicou:

Repita-se, todavia, desde já e mais uma vez, a tentativa de confundir a crítica que se fez e faz à instauração dos inquéritos policiais-militares com qualquer intuito de atribuir às autoridades militares atitudes menos nobres. O drama, o grande drama, foi mesmo civil (FSP, 08/10/1964, p. 4).

O periódico implica, assim, que a responsabilidade pelos IPMs e pela perseguição aos professores seria do reitor Luís Antonio da Gama e Silva – ou seja, um civil; parece isentar, portanto, as autoridades golpistas militares. Porém, deve-se lembrar aqui da estreita relação de Gama e Silva com tais autoridades. O historiador Pato Sá Mota (2014, p. 58)MOTTA, Rodrigo Pato Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. observa: “Gaminha, como alguns o chamavam, tinha planos de alcançar o poder utilizando seus contatos na direita radical, e por isso não poderia deixar de agradá-la mostrando empenho na ‘limpeza’ da USP”.

A greve do fogão (1965)

Um ano depois da “greve branca”, a Faculdade de Filosofia organizou outro movimento, conhecido como “greve do fogão”. Entre maio e junho de 1965, houve um aumento do valor da moradia e das refeições no Conjunto Residencial da USP (CRUSP), a residência estudantil da universidade. A respeito dessa greve especificamente, as fontes são mais abundantes: para além da imprensa, que cobriu intensamente o movimento, há também um documentário produzido no ano seguinte pelo Grêmio da Filosofia, intitulado “Universidade em Crise” e dirigido por Renato Tapajós, na época, aluno de Ciências Sociais.

No início do filme, há uma fala do narrador explicando os motivos dos estudantes para a mobilização: “o que houve foi que a direção do conjunto residencial resolveu aumentar os preços das refeições e dos alojamentos. (...) Aí é que começamos a ver que o que estava por trás daquilo tudo era a política ministerial na questão da universidade paga (...)” (TAPAJÓS, 1966TAPAJÓS, Renato. Universidade em crise. 1966. Curta-metragem, São Paulo: Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP; C.A. - Cásper Líbero. Disponível em plataforma digital (19 min), son., preto e branco.). Nota-se neste depoimento que, para além da responsabilização da direção da universidade – especificamente, o Instituto de Serviço Social da Universidade (ISSU), entidade responsável pela administração do CRUSP –, os universitários viam uma relação direta entre a adoção das novas medidas e os anseios do governo federal.

Essa discussão estava de fato em voga, mas a portas fechadas, com participação direta dos Estados Unidos. Em 1965, foi firmado o primeiro acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês). Apesar disso, conforme aponta o pesquisador Sadi Franzon (2015, p. 40621)FRANZON, Sadi. Os acordos MEC-USAID e a reforma universitária de 1968: as garras da águia na legislação de ensino brasileira. In: EDUCERE, XII Congresso Nacional de Educação, 2015, Paraná. Anais. Curitiba, 2015. Disponível em: <https://bit.ly/3A5qhoU>. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://bit.ly/3A5qhoU...
, “as primeiras informações oficiais só vieram a público em novembro de 1966, assim mesmo de forma fragmentária e imprecisa”. Neste mesmo ano, o professor naturalizado estadunidense Rudolph Atcon estava fazendo uma pesquisa nas universidades brasileiras, encomendada pelo MEC. Os resultados foram publicados em 1966, sob o título “Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira”. Os relatórios, os quais resultaram dessas duas iniciativas, sugeriam a cobrança de anuidades nas instituições de ensino. Atcon, por exemplo, defendia que a nova estrutura universitária se baseasse nos moldes empresariais. Segundo ele, a universidade pública “vivia muito de privilégios, e aqueles privilégios se transformavam num vício” (ATCON, 1966, p. 4ATCON, Rudolph. Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1966.).

Embora não se saiba o mês, o documentário de Tapajós foi produzido em 1966TAPAJÓS, Renato. Universidade em crise. 1966. Curta-metragem, São Paulo: Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP; C.A. - Cásper Líbero. Disponível em plataforma digital (19 min), son., preto e branco.. Dessa forma, é possível que os estudantes já tivessem entrado em contato com o livro de Atcon. Em todo caso, ainda no momento da greve, em 1965, o ISSU negou qualquer intenção nesse sentido. O próprio reitor, Gama e Silva, afirmou, segundo a Folha, que “nunca cogitara abolir a gratuidade do ensino, ‘mesmo porque isso seria inconstitucional’” (FSP, 03/06/1965, p. 35).

Como a instituição não voltou atrás em suas decisões, os alunos optaram por boicotar o restaurante universitário. Em seu lugar, criaram sua própria cozinha na Cidade Universitária, cobrando o valor anterior ao aumento, “para provar que, ao contrário do que alegava a direção do ISSU, o restaurante dava ‘lucro’” (FSP, 03/06/1965, p. 35). No documentário, a fala do narrador vai no mesmo sentido: “fizemos uma assembleia geral, e nela decidimos boicotar o restaurante oficial. Montamos o nosso restaurante, onde nossas colegas cozinharam. Conseguimos até lucros mantendo o preço antigo, e ainda deu para melhorar bastante a comida” (TAPAJÓS, 1966TAPAJÓS, Renato. Universidade em crise. 1966. Curta-metragem, São Paulo: Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP; C.A. - Cásper Líbero. Disponível em plataforma digital (19 min), son., preto e branco.).

Retomando a questão de gênero também evocada no movimento anterior, dessa vez a narrativa dos próprios estudantes determina a posição das universitárias: o narrador não usa pronomes neutros para caracterizar quem estava cozinhando; ao contrário, ele faz questão de enfatizar que a comida estava sendo feita pelas mulheres. A ideia de que as colegas “naturalmente” ficariam responsáveis pela cozinha, mais uma vez reforça os papéis de gênero tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres, mesmo em um meio mais “progressista”. A fala da historiadora Angélica Müller (2013)MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos “anos 1968”. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia (orgs.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Unesp, 2013. continua válida: às universitárias parecia concedido o direito de participação, desde que as normas não fossem desrespeitadas.

Após a medida dos estudantes, a ISSU, em conjunto com a Reitoria, imediatamente solicitou o fim do restaurante “alternativo” e a volta ao restaurante oficial. Os alunos, porém, recusaram e se mantiveram firmes no boicote. Na madrugada do dia 3 de junho de 1965, houve uma invasão ao CRUSP pelas forças policiais, com a retirada forçada do fogão. A Folha noticiou que o fogão foi retirado “debaixo de estrondosa vaia e ao som do Hino Nacional cantado pelos estudantes. (...) Sentados, cantando, os acadêmicos aguardaram que todo o policiamento se retirasse do local, o que somente ocorreu por volta de 6 horas da manhã” (FSP, 03/06/1965, p. 35).

Ainda que não tenham oferecido resistência física durante a ação das forças policiais, os alunos iniciaram imediatamente uma greve na Faculdade de Filosofia, com a organização de passeatas pelas ruas de São Paulo. Outras faculdades da USP, como a Politécnica e a FAU, aderiram à greve, com apoio do Diretório Central Estudantil (DCE). Instituições privadas de ensino também aderiram, como a Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Figura 1
Invasão das forças policiais no CRUSP, para retirada do fogão

No sexto dia de paralisação, houve um posicionamento do Ministro da Educação, Suplicy de Lacerda, conforme reproduziu o Estadão:

Estamos cientes de que o movimento é dirigido por interessados em manter a desordem no setor estudantil, o que o governo não permitirá, exigindo o cumprimento dos dispositivos legais que foram criados para ser observados e não desprezados. (...) O Ministério da Educação – concluiu – está convencido de que os estudantes de São Paulo medirão suas responsabilidades e saberão manter a ordem, a disciplina e o respeito, sem o que não haverá Universidade (OESP, 12/06/1965, p. 17).

Em tom de ameaça, o Ministro opina sobre a greve de uma universidade estadual – que a princípio tinha suas reivindicações direcionadas ao governo do Estado de São Paulo. A proximidade do reitor com o governo autoritário federal e o fato de ele estar trabalhando a serviço do projeto golpista, são fatores que podem auxiliar na compreensão desse envolvimento tão direto. Ademais, o que Victoria Langland (2018)LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: JIAN, Chen; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha et. al. (orgs.). The routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Nova York: Routledge, 2018. aponta sobre as ideias de “conexões conspiracionais” aparece novamente: Suplicy afirma que os dirigentes do ME tinham interesse em “manter a desordem” no meio universitário.

Mostrando que estava alinhado às posições do governo ditatorial, O Estado de S. Paulo passou a publicar pareceres frequentes sobre o movimento grevista. No dia seguinte à notícia sobre a declaração do Ministro da Educação, o periódico dedicou uma parte de seu editorial aos estudantes. Com título “O problema dos estudantes”, afirma: “os motivos invocados pelos estudantes para faltarem às aulas podem não ser suficientes para justificar o apelo ao recurso extremo da greve” (OESP, 13/06/1965, p. 3). Na mesma edição foi publicada uma reportagem intitulada “Desgasta-se a greve na USP”, na qual se aponta que o movimento estaria sofrendo certo desgaste e que dúvidas passavam a surgir sobre as “reais intenções daqueles que pretenderam provocar a total paralisação dos Institutos da Universidade de São Paulo” (OESP, 13/06/1964, p. 14). Essa narrativa é a mesma do Ministro Suplicy.

Ainda na mesma notícia, o periódico menciona um encontro entre os representantes dos discentes com o reitor, mas ainda sem informações sobre os resultados da reunião. No dia seguinte, 14 de junho, publicou o posicionamento do reitor:

Os representantes dos universitários não conseguiram modificar a decisão do professor Gama e Silva no que se relaciona ao aumento, determinado pelo ISSU, de preço das refeições de 300 para 400 cruzeiros no restaurante da Cidade Universitária (...). Disse o professor Gama e Silva aos alunos que deviam encerrar a greve e acatar a decisão do ISSU (OESP, 14/06/1965, p. 12).

No dia 15, apenas a Faculdade de Filosofia permanecia em greve (OESP, 15/06/1965, p. 18). Dois dias depois, o periódico noticia a aprovação do fim da greve em assembleia na Filosofia na noite anterior. Nenhuma das reivindicações foi discutida ou atendida, mesmo após o fim do movimento grevista, conforme tinha sinalizado o reitor. O Grêmio da Filosofia, no filme “Universidade em Crise”, faz um balanço do fim do movimento:

Diante de uma situação nacional confusa, sem conseguir distinguir os verdadeiros caminhos de seu movimento, os universitários sentiam-se desorientados. Depois de sustentar a greve por 15 dias, foram obrigados a recuar. As autoridades não atenderam nenhuma reivindicação e a greve foi suspensa, levada além de suas possibilidades de sucesso, não atingiu os objetivos propostos pelos estudantes (TAPAJÓS, 1967).

Nesse sentido, ainda que as demandas fossem por melhorias locais, o contexto nacional e o regime autoritário não se fizeram ausentes das reivindicações dos estudantes. A historiadora Rafaela Freiberger (2021, p. 50)FREIBERGER, Rafaela Mateus Antunes dos Santos. “Integrar para não entregar”: juventudes, Projeto Rondon e ditadura no Brasil (1967-1974). Tese de Doutorado, História, Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021. aponta que a relação entre estudantes e suas universidades e, acima disso, entre os universitários e a ditadura como regime, se desgastava cada vez mais desde o golpe civil-militar. Isso porque grande parte do setor estudantil demonstrava muita insatisfação com as ações do governo de intervenção no meio universitário.

Ademais, ainda que os objetivos específicos da greve não tenham sido alcançados, esta não pode ser considerada um fracasso. Segundo o sociólogo Luís Antônio Groppo (2000, p. 254)GROPPO, Luís Antônio. Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis nos anos 1960. Tese de Doutorado, Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2000., o movimento contou com a adesão de cerca de 7.000 alunos – embora não cite a fonte desta informação.

No dia 16 de agosto, quando ocorreram as eleições para os Diretórios Acadêmicos, já no formato imposto pela Lei Suplicy, segundo documento da Diretoria da FFCL12 12 FFCL-USP, 1965. , oito escolas e faculdades não elegeram nenhum representante13 13 Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; Faculdade de Farmácia e Bioquímica; Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz; Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Escola de Engenharia de São Carlos; e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. , entre elas a própria Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Outras oito votaram, apesar da mobilização convocada pela UNE.14 14 Faculdade de Direito; Escola Politécnica; Faculdade de Medicina; Faculdade de Odontologia; Faculdade de Medicina Veterinária; Faculdade de Higiene e Saúde Pública; Faculdade de Odontologia de Bauru; Escola de Enfermagem de São Paulo. Victoria Langland aponta que algumas medidas impostas ao meio universitário pelo governo, como a criação dos diretórios, afastaram estudantes que antes apoiavam o regime e intensificou a oposição daqueles que já eram contra. A historiadora prossegue: “a intervenção excessiva do novo governo nos assuntos universitários criou ressentimento e raiva entre estudantes e professores, assim como em campi inteiros ficaram sob a mão pesada do regime” (LANGLAND, 2013, p. 96LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.). O ME atingiria seu primeiro ápice mobilizador no pós-golpe no ano de 1966.

Setembrada (1966)

Em informe de 14 de julho de 1966, o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem criado pelo governo ditatorial, alertou outros órgãos de repressão sobre a possível realização do XXVIII Congresso da UNE:

Tudo indica que a entidade, embora na ilegalidade, vai começar a agir, até mesmo com o emprego de meios violentos. Já se tem notícia de suas ligações com a AP e POLOP através do que, são esperados movimentos de rua com a finalidade de polarizar a opinião pública, antes da realização do XVIII Congresso da UNE, em BH, em meados de JULHO, Congresso que deverá constituir o ponto culminante da atual fase das “operações” (...). O Congresso a ser realizado pela UNE, em BH, deverá ser o marco inicial para as manifestações de massa, e provavelmente serão atingidos os propósitos de polarização da opinião pública, caso haja intervenção policial violenta, o que parece ser o objetivo primordial dos dirigentes da UNE.15 15 SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI). Informação n° 598/66 - Congresso da UNE. 12 ago. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Serviço Nacional de Informações, BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85011224, grifos meus.

Ainda que com difficuldades, diante da repressão armada para impedir o evento, o Congresso foi realizado nos porões do Convento Franciscano, em Belo Horizonte. O principal ponto de discussão foi a organização de oposição à Lei Suplicy. Os estudantes tinham a intenção de continuar este debate nas entidades estaduais, como, no caso de São Paulo, no XIX Congresso da UEE-SP, porém este foi impedido de ser realizado. No primeiro dia marcado, 7 de setembro de 1966, as autoridades prenderam cerca de 178 estudantes logo no credenciamento.16 16 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES. Informação n° 340. 14 set. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.123, p. 2. Segundo o Jornal do Brasil ( J B) (08/09/1966, p. 16),

(...) com tiros para o ar e, ao som das sirenas dos carros de choque, soldados da Polícia Militar e investigadores do DOPS cercaram ontem o prédio da Faculdade de Engenharia e Arquitetura de São Bernardo do Campo, prendendo os 178 estudantes (...).

De acordo com A Tribuna (09/09/1966, capa), os estudantes da FFCL declaravam que havia “90% de possibilidade de apoio a uma greve geral”, após a Faculdade de Direito ter decretado o movimento grevista em prol da soltura dos colegas.

Já em 12 de setembro, segundo o Correio da Manhã (13/09/1966, p. 2), a FFCL distribuía panfetos com um manifesto justificando a greve: “o movimento grevista representa também um protesto contra as condições impostas aos estudantes para a sua libertação e uma demonstração de solidariedade aos universitários cariocas, que estão em greve contra o pagamento de anuidades”. De fato, os estudantes do Rio de Janeiro também organizavam uma greve de grande adesão contra a ditadura e suas medidas nas universidades.

A UEE convocou então um protesto nas ruas do centro de São Paulo, com o objetivo de servir de encerramento simbólico para o XIX Congresso da UEE. Essa manifestação aconteceu no final da tarde do dia 13, com centenas de estudantes. Não houve prisões ou repressão. No dia seguinte, passeatas foram organizadas também na Guanabara, e, no dia 15, em Belo Horizonte e Porto Alegre (OESP, 17/09/1966, p. 6).

Figura 2
Estudantes em passeata de 13 de setembro de 1966, em São Paulo

Embora afirmando que o movimento estudantil “tendia a refuir”, no dia 18, a Folha fez uma reportagem com a situação de diversas instituições universitárias no Brasil, publicando manifestos de apoio advindos de universidades do interior paulista, mas também de outros estados. A matéria aponta que havia sido convocada uma assembleia geral na Cidade Universitária e, além disso, organizada uma passeata para o dia 20 de novembro, na qual seria realizado o “enterro simbólico da ditadura”. Estas decisões teriam sido tomadas pela UNE, UEE e pelos DCEs livres da USP e da PUC (FSP, 18/09/1966, p. 14). Apesar de ter dado essa notícia, no dia seguinte, o mesmo jornal publicou com “surpresa” a decretação da UNE de greve geral no país. Ao tratar da assembleia na Cidade Universitária, apontou que ficou decretada greve de 72 horas nas universidades paulistas (FSP, 26/09/1966, p. 5).

Na terça, dia 20, data marcada para a manifestação em São Paulo, a Folha dedicou um grande espaço à possibilidade de passeata em suas duas edições, da manhã e da tarde, com espaço nas capas de ambas. O que mais se destacou foi a proibição da realização do movimento pelos órgãos de segurança, sendo as manchetes: “Polícia vai impedir a passeata”; “Polícia e universitários preparados para passeata”; “Passeata: estudantes vão sair; polícia não permitirá”; “Polícia em ação para evitar concentrações estudantis”; e “Estudantes dispostos a realizar passeata”. Diferentemente da orientação dada pelo SNI de que não houvesse repressão ao Congresso da UNE em BH – com o argumento de que isso daria mais visibilidade ao movimento –, em São Paulo, as polícias comunicaram de antemão sua intenção de coibir o protesto.17 17 Ressalta-se que, mesmo em BH, foi montado um grande cerco para prender participantes e tentar evitar que o encontro fosse realizado. Ainda assim, a reunião aconteceu e elegeu uma nova diretoria para a UNE, o que Victoria Langland (2013, p. 104) classifica como uma grande vitória simbólica para a entidade e para o ME nacional.

Essa passeata, iniciada no Largo do Paiçandu, é das mais lembradas pelos estudantes daquela época. Moacyr Urbano Vilella, então estudante de Arquitetura da FAU, relata:

Abreu Sodré era governador e pôs o batalhão Tobias de Aguiar na rua, fechou a Maria Antônia. O movimento era contra a Lei Suplicy, tinha havido uma repressão na faculdade de Medicina do Rio. Sodré proibiu a passeata e a faculdade amanheceu fechada. Pegaram a gente de surpresa. Aí, instalamos um comando no cemitério da Consolação e mandávamos as pessoas voltarem à tarde. O secretário da Segurança dava declarações à imprensa dizendo que não ia haver passeata. Organizamos grupos de 10, com um representante, que ia receber instruções no cemitério. E a passeata saiu do Largo Paiçandu. Quem deu início, com o grito “ditadura não”, foi o Samuel Iavelberg. Como foi a primeira passeata, a imprensa fez um acordo, queriam saber onde seria e a gente concordou, contanto que despistasse a polícia. Eles então mandaram a polícia para a Liberdade, atrás dos carros dos repórteres e isso liberou a área para a passeata.18 18 VILLELA, Moacyr Urbano. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

Sobre o grito que iniciou o protesto – supostamente de Samuel Iavelberg, estudante de Física da FFCL e militante da Polop – foi narrado no Jornal do Brasil (21/09/1966, p. 14): “Sempre se deslocando isoladamente entre populares, os universitários chegaram até o Largo Paiçandu, onde, no meio do povo, ouviu-se o grito: - É agora, abaixo a ditadura! Imediatamente, apareceu gente de todos os lados”.

No dia 21, a Folha publicou a cobertura da passeata. Ao descrever o início da repressão, o jornal destaca a reação das mulheres: “estoura a pancadaria. Os guardas investem contra os estudantes. São ouvidos os primeiros gritos de mulheres. Surgem novos veículos da Polícia, que vão dissolvendo os manifestantes” (FSP, 21/09/1966, p. 7). Nesse sentido, o relato de Ieda dos Reis, então estudante de Serviço Social na PUC, é elucidativo:

O pessoal se encontrava numa praça e depois passava assim, silenciosamente, com o endereço de outro lugar que a gente iria se encontrar daí uma hora ou duas horas, o tempo de a pessoa poder ir a pé. Então, ia de uma praça, a Praça Buenos Aires, e ia encontrar no Largo da Concórdia. E lá, no Largo da Concórdia, estavam fazendo um ato em que as pessoas estavam discursando, líderes estudantis e não estudantis, membros de partidos políticos, né… E aí, fizeram um ataque com a tropa da cavalaria, que obrigou todo mundo a sentar no chão. Então, fizeram um cerco de cavalos e mandaram buscar os ônibus e camburão para mandar a gente para fichar no Dops.19 19 REIS, 2022. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento.

Figura 3
Passeata estudantil de 20 de setembro de 1966, em São Paulo

Em 22 de setembro, a UNE decretou o “Dia Nacional de Luta contra a Ditadura”, transparecendo o óbvio teor das manifestações estudantis. No dia seguinte, 23, uma passeata no Rio de Janeiro foi fortemente reprimida, com a invasão da Faculdade Nacional de Medicina (Praia Vermelha), destruição de equipamentos, agressão a estudantes, abusos a alunas etc., ficando conhecida como “Massacre da Praia Vermelha”.

No dia 25, o Estadão noticiou a realização de uma assembleia dias antes, na Cidade Universitária: “na assembleia geral dos universitários realizada anteontem, na Cidade Universitária, e que se estendeu até as primeiras horas da madrugada, por duas vezes foi rejeitada proposta para nova passeata na próxima quarta-feira”. No entanto, destaca as seguintes deliberações: “a) prosseguimento da greve; b) divulgar o movimento universitário, suas razões e seus objetivos; c) manutenção de contato permanente entre os coordenadores e seus grupos de trabalho ‘para ação imediata em qualquer eventualidade’” (OESP, 25/09/1966, p. 7). Ainda que a notícia seja intitulada “Perde a intensidade a crise estudantil”, as informações apresentadas parecem indicar a continuidade do movimento grevista. Não se sabe se o impasse sobre a realização de uma nova passeata de fato ocorreu – não há outras fontes que possam confirmar –, porém é provável que os alunos estivessem receosos de repressão, como no caso do Rio. O jornal ainda relata, em pequena nota, a repercussão da mobilização dos universitários em periódicos de outros lugares do mundo: “O ‘Times’, de Londres, e o ‘France Soir’, de Paris, em noticiário publicado em suas edições de ontem comentam a situação no Brasil, relativamente às últimas manifestações estudantis realizadas em quase todos os Estados (...)” (OESP, 25/09/1966, p. 7).

A tentativa de diminuir a intensidade da mobilização parece vir de uma reclamação do governo. O Estado de S. Paulo (24/09/1966, p. 7) publicou:

(...) os militares mostravam-se irritados com a tônica dos noticiários divulgados pela imprensa do Rio e São Paulo sobre a crise estudantil, que, no seu entender, vêm aumentando e distorcendo os fatos, colocando sempre a autoridade militar como agressora.

A atuação da imprensa se modifica a partir do “Massacre da Praia Vermelha”, com maior tendência de manchetes no sentido de relativizar o que ocorria. Na opinião do sociólogo João Roberto Martins Filho (1987, p. 102)MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). São Paulo: Papirus, 1987., “ao contrário do que ocorreria em 1968, o protesto estudantil [de 1966] não encontrou eco em outros setores sociais”. Victoria Langland (2013, p. 105)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013. tem um outro olhar, afirmando que, embora a “Setembrada” – nome pelo qual a mobilização ficou conhecida posteriormente – tenha atraído um certo nível de simpatia pública, a violência empregada pela repressão pode ter assustado a massa universitária, que não organizaria grandes manifestações no ano seguinte.

Em 26 de setembro, a Folha noticiou, sob o título “Estudantes: tendência é por nova tática com fim da greve”: “a situação, de modo geral, é ainda confusa, em relação à continuação da greve. É o que se conclui dos debates de representantes de 25 centros acadêmicos, ontem reunidos no Conselho de Presidentes da UEE” (FSP, 26/09/1966, p. 3). Fica evidente um dado já inter pretado por Martins Filho (1987, p. 103)MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). São Paulo: Papirus, 1987.:

(...) embora basicamente espontâneo, socialmente isolado, pouco organizado e incapaz de encontrar uma perspectiva de continuidade, o movimento estudantil de 1966 conseguiu entender a luta antirrepressiva como aspecto da luta contra a ditadura.

Esse foi, então, um momento em que as demandas antiditatoriais apareceram claramente nos discursos universitários, com um viés explicitamente esquerdista. A Setembrada explicita o que aponta Angélica Müller (2021, p. 8)MÜLLER, Angélica. O “acontecimento 1968” brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação estudantil. In: Revista de História, São Paulo, n. 180, a03920, 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3vNbD3f>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.168586.
https://bit.ly/3vNbD3f...
: “o ME organizado em torno da UNE se reestruturou para fazer uma resistência política nos primeiros anos da ditadura, que ainda tentava sus- tentar ‘ares democráticos’”.

Luta pelos excedentes (1967)

A respeito do movimento estudantil universitário na década de 1960, o historiador Rodrigo Pato Sá Mota (2014, p. 301)MOTTA, Rodrigo Pato Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. afirma: “a insatisfação dos que não conseguiam entrar nas universidades aguçava-se pelo fenômeno dos ‘excedentes’, jovens considerados aprovados nos exames vestibulares, mas que não eram absorvidos por falta de vagas”. A FFCL sofreu com esse problema por diversos anos consecutivos, mas especialmente em 1967 houve uma grande mobilização estudantil em prol da admissão desses estudantes.

No ano anterior à promulgação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), marco de intensificação profunda do autoritarismo no regime ditatorial, o governo federal tentava manter ainda os “ares democráticos” citados por Müller. Diante dos problemas universitários e da movimentação acentuada de 1966, o então presidente Costa e Silva fez promessas de abrir diálogo com a classe estudantil, sobretudo a partir das primeiras notícias sobre os excedentes daquele ano (LANGLAND, 2013LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.).

Em 10 de março de 1967, O Estado de S. Paulo publicou a primeira matéria tratando sobre os excedentes da FFCL, especificamente do curso de Psicologia. Segundo o jornal, o Conselho Técnico-Administrativo da FFCL (CTA) havia proibido a secretaria do curso de fornecer a lista de excedentes, sabendo-se apenas que seriam 38. Posteriormente, esse número foi corrigido para 35 pelo próprio jornal, sendo dois a mais que o ano anterior. O curso continuava ofertando 30 vagas para o período diurno, e naquele ano teria havido 542 inscritos (OESP, 10/03/1967, p. 13). Conforme as notícias publicadas nos jornais, demorou um tempo para que a identidade e a quantidade de alunos excedentes fossem confirmadas. Segundo a Folha (14/03/1967, p. 19), esses dados não eram conhecidos por uma manobra do CTA, embora os alunos estivessem se mobilizando para requerê-los (FSP, 11/03/1967, p. 7).

No entanto, a questão dos excedentes de Psicologia da USP passou por um “eclipse” na imprensa. Os candidatos especificamente da FFCL só reapareceram no cenário midiático em 11 de abril, quase um mês depois das primeiras notícias. Durante esse meio tempo, a questão foi alçada a nível nacional, por conta de casos de excedentes nas mais diversas universidades brasileiras, fazendo com que o assunto fosse cobrado também do governo federal e do Ministério da Educação.

Em 29 de março, a Folha noticiou a criação de um convênio entre o governo federal e as universidades públicas – mas não necessariamente federais – ou de f undações, para aproveitamento dos excedentes. O jornal reproduz a fala do presidente Costa e Silva:

Estou convencido de que o primeiro passo para o desenvolvimento nacional é a educação. Não posso compreender, portanto, que num país de 82 milhões de habitantes não tenhamos capacidade de matricular, de trazer à universidade, um número maior do que 135 mil brasileiros (FSP, 29/03/1967, p. 6).

As únicas informações práticas sobre quais seriam as ações do governo para resolver esta questão são relativas a uma destinação de verbas para cada estado. No caso de São Paulo, seriam encaminhados NCr$ 1.962.117,00 à Secretaria de Educação. Para fins de comparação, ao Estado da Guanabara seriam NCr$ 347.843,00. Não foi publicada uma data em que estes repasses seriam feitos. Langland aponta que a repercussão da questão dos excedentes naquele ano era tanta que influenciou até as festas de Carnaval, que teriam sido marcadas por estudantes dançando e desfilando com placas de protesto. A pesquisadora prossegue afirmando que as ofertas de Costa e Silva para tentar remediar o problema foram “medidas pequenas e que apenas alimentaram o descontentamento entre os estudantes” (LANGLAND, 2013, p. 105LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.).

A Folha de São Paulo, em março de 1967, dedicou um de seus editoriais ao assunto, tecendo elogios ao presidente e críticas às universidades. O jornal afirmou que a resistência das instituições públicas de ensino quanto às medidas presidenciais consistiria em “exagerado perfeccionismo”, pois tais críticas seriam baseadas no argumento de que o aumento de alunos acarretaria prejuízo à qualidade do ensino (FSP, 30/03/1967, p. 4). Langland (2013, p. 105)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013., no entanto, destaca que esses problemas estavam longe de serem pautados em um suposto perfeccionismo, dado que os universitários em geral conviviam com superlotação das salas de aula e nenhuma iniciativa para melhora das condições. Para citar um exemplo prático da FFCL, no ano de 1967, recorda-se o caso do próprio curso de Psicologia, que na época ministrava aulas em oito prédios diferentes20 20 Edifício da FFCL na Rua Maria Antônia; casa alugada na Rua Cristiano Viana; Departamento de Assistência ao Psicopata (DAP), na Vila Mariana; casa alugada na Rua Jaguaribe, 585; Departamentos de Fisiologia, Biologia, Geografia e História, na Cidade Universitária; e grupo escolar Alberto Torres, no Butantã. , espalhados por três zonas da cidade de São Paulo – Centro, Sul e Oeste –, muito distantes uma da outra, sendo que não era incomum que os alunos tivessem aulas em dois locais diferentes no mesmo dia. Havia também problemas básicos, como a falta de livros, indisponibilidade de bibliotecas e professores que se dedicassem exclusivamente ao curso.

Em primeira reunião após a “ordem” presidencial, em 4 de abril, os diretores das faculdades e escolas da USP decidiram apenas estudar o caso de cada curso. Naquele momento, a USP tinha problemas com os candidatos de Psicologia e Geografia, na FFCL, de Medicina e também na Escola de Engenharia de São Carlos. A Folha (05/04/1967, p. 8) noticiou: “extraoficialmente alguns diretores diziam que o problema do convenio entre o MEC e as Universidades é muito relativo, porque as verbas nunca vêm”. No dia seguinte à reunião, os estudantes excedentes de Medicina começaram a se organizar de forma mais contundente, montando acampamento no jardim da Faculdade de Medicina, em prol dos 350 aprovados, mas sem direito à matrícula (FSP, 06/04/1967, p. 8).

A FFCL fez um pronunciamento próprio sobre a situação de seus excedentes:

Vê-se, pois, que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras fez tudo que era humanamente possível fazer, atendendo ao maior número de excedentes. Não lhe é possível, sem graves prejuízos ao ensino e à pesquisa, cujo nível deve ser preservado a todo custo, atender a um número maior ainda de casos (FSP, 08/04/1967, p. 14).

Como argumentos, a diretoria usou as condições já precárias em que funcionavam alguns cursos, sem a infraestrutura adequada. Nessa mesma matéria, os excedentes de Psicologia finalmente reaparecem: “na tarde de ontem, excedentes do curso de Psicologia reuniram-se para discutir medidas a adotar. Os estudantes argumentam apontando o convênio do Ministério da Educação com a Universidade” (FSP, 08/04/1967, p. 14).

No dia 11 de abril, os veículos noticiam uma mobilização mais concreta da Psicologia. O Estadão (11/04/1967, p. 13) noticiou a formação de um acampamento dos estudantes em frente à FFCL, na Rua Maria Antônia, que seria mantido até que os excedentes fossem admitidos. Enquanto o acampamento esteve montado, os estudantes organizaram um pedágio com os motoristas que passavam pela rua, buscando arrecadar fundos para a mobilização. O mesmo jornal divulgou: “um cartaz foi afixado à entrada da Faculdade de Filosofia, com os seguintes dizeres: ‘o decreto presidencial é letra morta?’ e, logo abaixo, um outro cartaz informa: ‘completamos três noites de vigília’ (OESP, 13/04/1967, p. 11).

Figura 4
Estudantes de Psicologia fazendo pedágio na rua Maria Antônia, em 13 de abril de 1967

O questionamento em relação ao cumprimento do decreto presidencial era uma constante, mas só pôde ser esclarecido tempos depois, e apenas internamente. Em 20 de abril de 1967, a reitoria da USP recebeu um pedido por explicações em relação ao convênio com o governo federal, assinado por 39 deputados. Entre as questões direcionadas às faculdades, os deputados pediam por esclarecimentos sobre a existência de convênio ou acordo entre o governo estadual e federal para aproveitamento dos excedentes e, principalmente, se o último já havia remetido alguma verba à instituição de ensino.21 21 REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2, p. 3.

Figura 5
Acampamento dos excedentes de Psicologia em frente à FFCL

Embora a reitoria fosse recebendo memorandos com as respostas de suas outras escolas e faculdades, a FFCL permanecia em silêncio. Foram necessários dois documentos de cobrança, em 20 de junho e 9 de outubro de 1968, mas a resposta viria apenas em 13 de novembro de 1968, mais de um ano depois da crise. O então diretor Prof. Eurípedes Simões de Paula respondeu que, apesar de o convênio ter sido estabelecido entre a faculdade e o governo federal em 1967, apenas em 1968 a FFCL teria recebido “a importância de NCr$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil cruzeiros novos) correspondentes ao auxílio de 1967”.22 22 REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2, p. 38.

De acordo com Mota (2014, p. 110-111)MOTTA, Rodrigo Pato Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., o decreto de Costa e Silva para aproveitamento dos excedentes tinha sido uma tentativa de aplacar o descontentamento estudantil e atrair simpatia dos universitários para o governo federal. No entanto, isso não ocorreu, dado que, na prática, os resultados teriam sido modestos. Além disso, o historiador afirma que as universidades permaneciam alegando falta de verba. Fica evidente, diante do documento da diretoria da FFCL, que, pelo menos no caso daquela faculdade, não se tratava de alegação: a verba do governo federal teria chegado um ano depois do necessário.

Nesse sentido, o descontentamento dos universitários diante da demora para a resolução do problema foi intensificando a mobilização. Por volta do dia 16 de abril de 1967, algumas faculdades de São Paulo começaram a entrar em greve; a Psicologia da FFCL a aderiu oficialmente no dia 18.

Nesse mesmo dia, ocorreu uma assembleia geral no Grêmio da FFCL para discutir a questão dos excedentes. Sônia Lafoz, uma das excedentes de Psicologia daquele ano, recorda que nesta reunião havia muita divergência sobretudo entre quatro líderes estudantis: Samuel Iavelberg, representante da Polop; José Luis Moreira Guedes, presidente da UNE, militante da AP; José Dirceu de Oliveira e Silva, presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto da PUC-SP e aspirante à presidência da UEE-SP e José Arantes de Almeida, presidente do Grêmio da FFCL, os dois últimos representantes do PCB.23 23 Embora ainda estivessem formalmente ligados ao Partidão, José Arantes e José Dirceu integravam o Comitê Universitário de São Paulo, um grupo que, desde meados de 1966, nutria profundas divergências com as orientações centrais do partido. Ainda assim, optavam por fazer oposição internamente. No entanto, em 1967, durante as preparações para o IV Congresso do partido, houve uma rejeição sistemática das teses, acarretando a formação da Dissidência Universitária de São Paulo (DISP) – que não pode ser confundida com a dissidência criada com a saída de Carlos Marighella do mesmo PCB, então conhecida como “Ala Marighella”, que posteriormente formou a Ação Libertadora Nacional (ALN). Apesar disso, muitos dos militantes da DISP migraram posteriormente para a ALN. A DISP carece de estudos que permitam elucidar melhor sua trajetória e atuação. Cf. ARQUIDIOCESE de São Paulo. Relatório Projeto Brasil: Nunca Mais. Tomo III - Perfil dos atingidos. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 1985, p. 130. Lafoz afirma que as divergências giravam em torno das opções táticas para a continuidade do movimento dos excedentes.24 24 LAFOZ, [s. d.]. Entrevista concedida à Judith Lieblich Patarra.São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

Figura 6
Assembleia de 18 de abril de 1967 no Grêmio da FFCL, com José Arantes presidindo a mesa

As lideranças universitárias do pós-1964 eram compostas sobretudo por novos quadros de militantes, dado que os antigos haviam sido perseguidos, presos ou obrigados a fugir para o exílio. Consequentemente, os “novatos” eram em sua maioria ligados às organizações da Nova Esquerda, que se opunha firmemente ao PCB; mesmo aqueles que permaneciam ativos no Partidão, criticavam-no internamente. Como as organizações eram múltiplas, também eram múltiplas as visões teóricas e táticas sobre a conjuntura nacional, mas também sobre o ME especificamente. Tais divergências se chocavam frequentemente em assembleias e na mobilização de greves ou paralisações, onde os militantes desses novos agrupamentos atuavam diretamente – e parece ter sido exatamente o caso da assembleia relembrada por Sônia Lafoz.

Figura 7
Assembleia do dia 18 de abril de 1967. Em destaque: Iara Iavelberg, Samuel Iavelberg, José Roberto Arantes de Almeida, José Dirceu e José Luis Moreira Guedes

Apesar das disputas, ficou acordada a realização de uma passeata em 20 de abril, com concentração inicial no Theatro Municipal e caminhada até a Faculdade de Filosofia. Após sua realização, o Estadão noticiou que os manifestantes incendiaram uma bandeira dos EUA nas escadarias do teatro, “como protesto contra o acordo MEC-USAID e contra a participação dos EUA na guerra do Vietnã” (OESP, 19/04/1967, p. 9). O Jornal do Brasil fornece mais detalhes, afirmando que participaram do protesto cerca de 1000 estudantes, que “queimaram uma bandeira dos Estados Unidos entre vivas a Che Guevara e aos guerrilheiros de Caparaó, enquanto os oradores se revezavam nos discursos políticos” (JB, 21/04/1967, p. 16). O periódico deixa subentendido que a manifestação teria sido uma crítica ao decreto presidencial, que impunha o aproveitamento de excedentes a todas as faculdades mesmo quando não havia condições estruturais. Isso não impedia que, no entanto, os estudantes da FFCL presentes no protesto fossem favoráveis à admissão dos estudantes de seus cursos internos.

As manifestações estudantis paulistas e de outros estados estavam em efervescência pela questão dos excedentes, mas compartilhavam as páginas dos jornais com outros fatos históricos impactantes, que aconteciam simultaneamente. Pode-se citar, por exemplo, Che Guevara atuando para a formação de um movimento de guerrilha na Bolívia; a primeira tentativa de foco armado após o golpe de 1964, a guerrilha do Caparaó (ALMEIDA, 2014ALMEIDA, Dinoráh Lopes Rubim. A guerrilha esquecida: memórias do Caparaó (1966-67), o primeiro foco guerrilheiro contra a ditadura militar no Brasil. Dissertação de Mestrado, História, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.); e a Guerra do Vietnã. Em relação aos fatos internacionais, Victoria Langland afirma que – embora as autoridades acreditassem, de forma conspiracional, que houvesse uma ligação forte entre as mobilizações nacionais e as externas – o que se pode observar concretamente é que os estudantes brasileiros se mantinham extremamente informados a respeito dos movimentos sociais estrangeiros. A pesquisadora se refere a esse “tipo de conexão transnacional como conexões aspiracionais”, considerando-as parte importante da experiência histórica dos anos 1960: as fontes mostram como os estudantes “consideravam sua organização local contra uma ditadura militar apoiada pelos Estados Unidos como uma peça de uma luta maior do Terceiro Mundo contra o imperialismo” (LANGLAND, 2018, p. 20LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: JIAN, Chen; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha et. al. (orgs.). The routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Nova York: Routledge, 2018.). Essa ideia justifica a exaltação, em mesmo nível, por exemplo, da resistência à Guerra do Vietnã e da Guerrilha do Caparaó.

Em algumas fotos da passeata, tiradas por Júlio Abe25 25 Na época, estudante de Arquitetura na FAU. , é possível ver a bandeira dos EUA em chamas e alguns dos estudantes discursando na escadaria do Theatro Municipal. Há José Dirceu, aspirante a presidente da UEE; José Moreira Guedes, da UNE; e Samuel Iavelberg, da Polop, entre os oradores.

Figura 8
José Moreira Guedes, presidente da UNE, discursando em protesto em São Paulo; Samuel Iavelberg ao lado, 1967

Figura 9
José Dirceu, representando a UEE, discursando em protesto em São Paulo, 1967

Ainda sem solução para a questão dos excedentes, e diante da presença do embaixador dos Estados Unidos, John Tuthill, em São Paulo, os estudantes da FFCL aprovaram em assembleia a realização de uma manifestação em frente ao Consulado dos Estados Unidos, localizado no Conjunto Nacional, na Av. Paulista. O Estadão, que noticiou a reunião, expõe que um dos maiores pontos de discussão foi a ocupação ou não da Faculdade de Filosofia, e complementou:

Embora o problema dos excedentes continue sendo o motivo aglutinador dos movimentos estudantis, cresce a tendência entre os universitários para dar cunho político à sua ação, protestando contra o acordo MEC-USAID, considerado “a principal ameaça à Universidade brasileira”, e criticando inclusive a política norte-americana no Vietnã (OESP, 25/04/1967, p. 14).

A passeata aconteceu no dia 25 de abril, quando estava agendada uma entrevista do embaixador na biblioteca do Consulado. Os estudantes iniciaram a concentração em frente ao edifício, que estava cercado pelas forças policiais. Porém, a entrevista foi realocada para evitar o encontro do diplomata com a massa estudantil. Segundo a Folha, após ficarem sabendo que o embaixador não se encontrava no edifício, parte dos universitários se dispersou. No entanto, o jornal descreveu que, ainda assim, a mobilização foi mantida:

Um delegado deu um sacolejo forte, virou o corpo bem-vestido para o fundo e correu para os guardas que tinham ido embora em fla indiana. Ouviu-se então o eco estrondoso de vozes enérgicas que vinham da Paulista. Houve corre-corre. Muitos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas tinham ido embora. Estavam certos que os estudantes sabiam da transferência do local da entrevista e que nada mais ia acontecer na Paulista. Os estudantes, grande parte de moças, estavam na calçada e um jovem fazia discurso, de cima de uma mesa do bar Fasano (FSP, 26/04/1967, p. 6).

Samuel Iavelberg relatou à jornalista Judith Patarra que, sem conseguir encontrar o embaixador dos EUA, os estudantes tomaram a Faculdade de Filosofia e acamparam em seu saguão: “era um fato consumado”.26 26 IAVELBERG, [s. d]. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p. Embora Samuel tenha descrito como “fato consumado”, a ocupação não se deu sem divergência entre as organizações. Sônia Lafoz recorda que houve um intenso debate sobre a ocupação ou não do saguão: “a polêmica foi violenta, se podia ou não. Acabamos invadindo. A Polop e a AP foi a favor, e o PC relativamente contra”.27 27 LAFOZ, [s. d]. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p. O Estadão descreveu algumas das divergências:

Às 19 horas, compareceu à reunião o presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da USP, o qual criticou violentamente os organizadores do movimento. Disse ele que a ocupação estava planejada paras às 19 horas e que a precipitação dos dirigentes das extintas UNE e da UEE, de antecipar a ação em quatro horas, veio desvirtuar todo o movimento (OESP, 26/04/1967, p. 10).

A oposição teria vindo de José Arantes, o presidente do Grêmio, integrante do PCB, por conta da “agressividade” com que a decisão foi tomada, descumprindo o combinado em assembleias anteriores. Segundo o Estadão (26/04/1967, p. 10), ele teria afirmado que todo o movimento teria sido desvirtuado e que nada poderia ser levado a sério a partir dali.

Apesar dos desentendimentos, a ocupação foi mantida, gerando muita pressão na diretoria da faculdade. Na noite do dia 26, pouco mais de 24 horas depois da entrada dos alunos, a Congregação anunciou admissão de todos os excedentes, não sem protesto dos professores. Segundo O Estado de S. Paulo, o professor Florestan Fernandes, ao avisar a notícia aos alunos, teria declarado: “vocês gastaram o canhão para matar o passarinho. Não os culpo, mas lamento essa necessidade” (OESP, 28/04/1967, p. 12). Embora o acampamento e a ocupação tenham sido suspensos diante da conquista, a greve foi mantida em solidariedade à forte repressão que sofreram os protestos de estudantes em Brasília e Belo Horizonte. A mobilização dos excedentes esteve longe de se encerrar em outras universidades Brasil afora. Até mesmo na FAU, perdurou por todo o mês de maio, incluindo greve de fome dos excedentes.

Se, no início do movimento, o governo federal tentava assumir uma posição simpática e de diálogo, a partir de meados de abril a repressão autoritária voltou à tona. Martins Filho (1987, p. 135)MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). São Paulo: Papirus, 1987. discorre:

Em 1967, a nova eclosão dos protestos de rua logo desembocaria na retomada da repressão. Em fins de abril, a polícia reprimiu sem maiores escrúpulos uma manifestação contra a presença do embaixador dos EUA no campus da Universidade de Brasília. A partir daí, e até o final do ano, o “diálogo” foi retirado de pauta.

Bruno Groppo (2000, p. 256)GROPPO, Luís Antônio. Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis nos anos 1960. Tese de Doutorado, Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2000. e Victoria Langland (2013LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.; 2018LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: JIAN, Chen; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha et. al. (orgs.). The routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Nova York: Routledge, 2018.) chegam a classificar que, neste ano, o movimento estudantil entrou em refuxo devido à repressão, com Langland afirmando não ter havido manifestações durante todo o ano. Embora não concorde com essa visão, dada a magnitude do engajamento estudantil naquele momento e as manifestações aqui discutidas, entendo que a forma de o regime lidar com a luta dos universitários mudou muito após as críticas mais ferrenhas aos Estados Unidos – como, no caso de São Paulo, a queima da bandeira do país e o protesto em frente ao Consulado.

No entanto, Groppo (2000, p. 257)GROPPO, Luís Antônio. Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis nos anos 1960. Tese de Doutorado, Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2000. ressalta:

(...) mais importante em 1967, porém, foram os avanços na ‘organização’ das entidades estudantis autônomas. Não apenas a UNE se reorganizava e se fortalecia, mas também entidades estaduais, DCEs e CAs eram reconstruídos à margem do reconhecimento do regime autoritário.

O sociólogo é ecoado pela historiadora, que destaca a realização de mais um congresso da entidade nacional, em outubro daquele ano, em Vinhedo (SP), com a eleição de mais uma chapa para a direção (LANGLAND, 2013, p. 105LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013.).

Considerações finais

Diante das evidências e análises apresentadas neste artigo, conclui-se que definitivamente não houve um total refuxo do movimento estudantil universitário paulistano pós-golpe civil-militar e pré-1968. Ainda que diretamente atingidos pelas primeiras medidas do governo ditatorial, os universitários lutaram pela rearticulação de suas entidades depois de 1964, para que suas demandas específicas fossem atendidas e reivindicações gerais fossem ouvidas. Portanto, a característica principal deste período, como demonstra a historiadora Angélica Müller (2021, p. 7)MÜLLER, Angélica. O “acontecimento 1968” brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação estudantil. In: Revista de História, São Paulo, n. 180, a03920, 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3vNbD3f>. Acesso em: 8 ago. 2022. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.168586.
https://bit.ly/3vNbD3f...
, é a influência das diretrizes estabelecidas pelas entidades, como UNE, UEE e Centros Acadêmicos, mesmo que estas estivessem manejando as diferentes posições políticas de seus integrantes. Victoria Langland (2013, p. 100)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013. acredita que a defesa dessas entidades era importante, sobretudo no contexto de ditadura civil-militar, pois significava proteger a reivindicação dos estudantes por participação política.

Nota-se que o movimento, sobretudo na FFCL, foi encabeçado por lideranças estudantis novas, fliadas às organizações da “Nova Esquerda”, e não tanto mais do PCB – que caíra em descrédito com suas posições frente ao golpe. Mesmo aqueles estudantes que optaram por permanecer no clássico Partidão, pouco a pouco foram rompendo e criando suas próprias dissidências, com críticas ferrenhas às posições mais tradicionais. Essas críticas respingavam nos discursos do movimento, que sempre extrapolavam as especificidades da USP, uma instituição estadual, relacionando as demandas com a conjuntura nacional ditatorial e internacional, com uma ótica extremamente anti-imperialista.

Ainda que não tenham ocorrido exatamente no ano de 1968, as mobilizações descritas se inserem na visão ampliada de “época de 1968” e se mostram importantes para a análise tanto do movimento estudantil universitário quanto da forma como o governo ditatorial lidou com este em seus primeiros anos. Ao focar o olhar na Faculdade de Filosofia da USP, numa perspectiva micro, descrevendo as manifestações locais, foi possível observar as mudanças na forma com que os estudantes expunham suas insatisfações e faziam demandas para o governo. Ficou evidente que as mobilizações seguiram se fortalecendo desde o pós-golpe, com a articulação cada vez mais profunda das entidades estudantis depois da tentativa de desmantelamento de 1964. Essas entidades, reconstituídas, vão ser fundamentais para o ápice da mobilização estudantil no ano de 1968.

Fontes

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A Tribuna (Santos)

  • 09/09/1966, capa

Correio da Manhã

  • 12/09/1964, p. 12

  • 13/09/1966, p. 2

  • 16/09/1964, p. 7

  • 02/10/1964, capa

Última Hora

  • 15/09/1964, p. 2

  • 08/10/1964, capa, p. 3

Jornal do Brasil

  • 21/04/1967, p. 16

  • 08/09/1966, p. 16

  • 21/09/1966, p. 14

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este artigo é parte de tese de doutorado em desenvolvimento pela autora, intitulada “Além da ‘musa da esquerda’: uma biografia histórica de Iara Iavelberg (1944-1971)”, sob orientação da Profa. Dra. Janaína Martins Cordeiro, e com financiamento da bolsa Doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ, Processo SEI-260003/002493/2021. Agradeço aos pareceristas, editores e revisores da Revista de História.
  • 3
    Na época, os seguintes cursos integravam a Faculdade de Filosofia: Filosofia, Psicologia, Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia, História, Geologia, Ciências Biológicas, Letras, Estudos Orientais e Pedagogia.
  • 4
    Para melhor compreensão do leitor, os excertos das notícias foram transcritos de acordo com as normas ortográficas atuais.
  • 5
    AMARAL, Roberto Cardoso Ferreira do. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • 6
    CARVALHO, Maria Lúcia. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 13 mar. 2021CARVALHO, Maria Lúcia. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 13 mar. 2021. 1 arquivo audiovisual, 1º21’23”, acervo pessoal.. 1 arquivo audiovisual, 1º21’23”, acervo pessoal.
  • 7
    IAVELBERG, Samuel. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 20 ago. 2020IAVELBERG, Samuel. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 20 ago. 2020. 1 arquivo de áudio, 56’54”, acervo pessoal.. 1 arquivo de áudio, 56’54”, acervo pessoal.
  • 8
    SADER, Eder. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • 9
    O Movimento Comunista Internacionalista foi fundado por Hermínio Saccheta, histórico militante do PCB que rompeu com o partido no final da década de 1930. De orientação sobretudo trotskista, a organização esteve em atividade durante a década de 1960 e teve entre seus quadros Luiz Alberto Moniz Bandeira, Rubens Glasberg, Elias da Rocha Barros, entre outros. Um “Projeto de programa” do MCI foi publicado no livro “O caldeirão das bruxas e outros escritos políticos” (SACCHET TA, 1992SACCHETTA, Hermínio. O caldeirão das bruxas e outros escritos políticos. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992.) e também é possível consultar exemplares do jornal do grupo, intitulado Bandeira Vermelha, no portal Documentos Revelados.
  • 10
    Além do Professor João Villanova Artigas, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
  • 11
    Segundo o Correio da Manhã, em 2 de outubro de 1964 (capa), “está considerada como certa a aplicação do Artigo 7° do Ato, na próxima semana, a diversos professores da Universidade (...)”.
  • 12
    FFCL-USP, 1965FFCL-USP. Mapa da apuração da eleição para presidente e representante desta Faculdade junto ao Diretório Central de Estudantes. 1965. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 65.1.21622.1.5..
  • 13
    Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; Faculdade de Farmácia e Bioquímica; Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz; Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Escola de Engenharia de São Carlos; e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.
  • 14
    Faculdade de Direito; Escola Politécnica; Faculdade de Medicina; Faculdade de Odontologia; Faculdade de Medicina Veterinária; Faculdade de Higiene e Saúde Pública; Faculdade de Odontologia de Bauru; Escola de Enfermagem de São Paulo.
  • 15
    SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI). Informação n° 598/66 - Congresso da UNE. 12 ago. 1966SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI). Informação n° 598/66 - Congresso da UNE. 12 ago. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Serviço Nacional de Informações, BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85011224.. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Serviço Nacional de Informações, BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85011224, grifos meus.
  • 16
    MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES. Informação n° 340. 14 set. 1966MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES. Informação n° 340. 14 set. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.123.. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.123, p. 2.
  • 17
    Ressalta-se que, mesmo em BH, foi montado um grande cerco para prender participantes e tentar evitar que o encontro fosse realizado. Ainda assim, a reunião aconteceu e elegeu uma nova diretoria para a UNE, o que Victoria Langland (2013, p. 104)LANGLAND, Victoria. Speaking of flowers: student movements and the making and remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press, 2013. classifica como uma grande vitória simbólica para a entidade e para o ME nacional.
  • 18
    VILLELA, Moacyr Urbano. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • 19
    REIS, 2022REIS, Ieda dos. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. Madrid, 11 mai. 2022. 1 arquivo de áudio, 47’13”, acervo pessoal.. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento.
  • 20
    Edifício da FFCL na Rua Maria Antônia; casa alugada na Rua Cristiano Viana; Departamento de Assistência ao Psicopata (DAP), na Vila Mariana; casa alugada na Rua Jaguaribe, 585; Departamentos de Fisiologia, Biologia, Geografia e História, na Cidade Universitária; e grupo escolar Alberto Torres, no Butantã.
  • 21
    REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2.. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2, p. 3.
  • 22
    REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2.. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2, p. 38.
  • 23
    Embora ainda estivessem formalmente ligados ao Partidão, José Arantes e José Dirceu integravam o Comitê Universitário de São Paulo, um grupo que, desde meados de 1966, nutria profundas divergências com as orientações centrais do partido. Ainda assim, optavam por fazer oposição internamente. No entanto, em 1967, durante as preparações para o IV Congresso do partido, houve uma rejeição sistemática das teses, acarretando a formação da Dissidência Universitária de São Paulo (DISP) – que não pode ser confundida com a dissidência criada com a saída de Carlos Marighella do mesmo PCB, então conhecida como “Ala Marighella”, que posteriormente formou a Ação Libertadora Nacional (ALN). Apesar disso, muitos dos militantes da DISP migraram posteriormente para a ALN. A DISP carece de estudos que permitam elucidar melhor sua trajetória e atuação. Cf. ARQUIDIOCESE de São Paulo. Relatório Projeto Brasil: Nunca Mais. Tomo III - Perfil dos atingidos. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 1985, p. 130ARQUIDIOCESE de São Paulo. Relatório Projeto Brasil: Nunca Mais. Tomo III - Perfil dos atingidos. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 1985..
  • 24
    LAFOZ, [s. d.]. Entrevista concedida à Judith Lieblich Patarra.São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • 25
    Na época, estudante de Arquitetura na FAU.
  • 26
    IAVELBERG, [s. d]. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • 27
    LAFOZ, [s. d]. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

Fontes

  • AMARAL, Roberto Cardoso Ferreira do. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • ARQUIDIOCESE de São Paulo. Relatório Projeto Brasil: Nunca Mais Tomo III - Perfil dos atingidos. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 1985.
  • ATCON, Rudolph. Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1966.
  • CARVALHO, Maria Lúcia. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 13 mar. 2021. 1 arquivo audiovisual, 1º21’23”, acervo pessoal.
  • FFCL-USP. Mapa da apuração da eleição para presidente e representante desta Faculdade junto ao Diretório Central de Estudantes. 1965. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 65.1.21622.1.5.
  • IAVELBERG, Samuel. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • IAVELBERG, Samuel. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. São Paulo, 20 ago. 2020. 1 arquivo de áudio, 56’54”, acervo pessoal.
  • LAFOZ, Sonia. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES. Informação n° 340. 14 set. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.123.
  • REIS, Ieda dos. Entrevista concedida de forma remota a Juliana Marques do Nascimento. Madrid, 11 mai. 2022. 1 arquivo de áudio, 47’13”, acervo pessoal.
  • REITORIA-USP. Solução para a crise de excedentes nos vestibulares das escolas de ensino superior, neste estado. 1967. In: Arquivo Geral da USP, DADAI, Processo 67.1.14498.1.2.
  • SADER, Eder. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.
  • SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão São Paulo: Nobel, 1988.
  • SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI). Informação n° 598/66 - Congresso da UNE. 12 ago. 1966. In: Arquivo Nacional, Portal Memórias Reveladas, Fundo Serviço Nacional de Informações, BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85011224.
  • TAPAJÓS, Renato. Universidade em crise 1966. Curta-metragem, São Paulo: Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP; C.A. - Cásper Líbero. Disponível em plataforma digital (19 min), son., preto e branco.
  • VILLELA, Moacyr Urbano. Entrevista concedida a Judith Lieblich Patarra. São Paulo, s.d. 1 transcrição datilografiada. In: Arquivo Edgard Leuenroth, Fundo Judith Patarra, Unicamp, n.p.

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  • SACCHETTA, Hermínio. O caldeirão das bruxas e outros escritos políticos São Paulo: Editora da Unicamp, 1992.

Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikof e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2022
  • Aceito
    08 Jul 2022
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