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NOMES ANTIGOS, CARACTERES MODERNOS: TRADIÇÃO RETÓRICO-POÉTICA E MODERNIDADE LITERÁRIA EM MACHADO DE ASSIS1 1 Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografa utilizadas são referenciadas no artigo.

ANCIENT NAMES, MODERN CHARACTERS: RHETORICAL-POETIC TRADITION AND LITERARY MODERNITY IN MACHADO DE ASSIS

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar o modo como Machado de Assis se apropriou da tradição retórico-poética, reescreveu e atualizou gêneros poéticos tradicionais – em particular, a tragédia clássica – por meio do emprego da antonomásia. O escritor lançou mão desse procedimento retórico, que produz uma dupla nomeação da personagem, ao longo de toda a carreira, nos mais diversos gêneros que praticou. Analisando sua ocorrência em três contos – “Virginius: narrativa de um advogado” (1864), “O que são as moças” (1866) e “Pílades e Orestes” (1903), pretendo demonstrar as modificações por que passou a relação contraditória entre tradição retórico-poética e modernidade literária em Machado de Assis. Na segunda fase de sua obra, diferentemente do que ocorrera na primeira, os caracteres modernos foram tomados como herdeiros legítimos dos nomes antigos. Servindo-se dos nomes da tragédia para traduzir a história de personagens contemporâneas, Machado de Assis rompeu com a separação dos estilos, própria do regime retórico-poético, e demonstrou sua plena adesão ao conceito moderno de literatura.

Palavras-chave
Nomeação das personagens literárias; Contos de Machado de Assis; Tragédia clássica; Pílades e Orestes; Antonomásia

Abstract

The purpose of this article is to analyze how Machado de Assis appropriated the rhetorical-poetic tradition, rewrote and updated traditional poetic genres – in particular, the classic tragedy – through the use of antonomasia. The writer used this rhetorical procedure, which produces a double naming of the character, throughout his career, in the most diverse genres he practiced. Analyzing this occurrence in three short stories – “Virginius: narrative of a lawyer” (1864), “What are the girls” (1866), and “Pílades e Orestes” (1903), I intend to demonstrate the changes that went through the contradictory relationship between rhetorical-poetic tradition and literary modernity in Machado de Assis. In the second phase of his work, unlike what happened in the first, modern characters were taken as legitimate heirs to the old names. Using the names of the tragedy to translate the history of contemporary characters, Machado de Assis broke with the separation of styles, typical of the rhetorical-poetic regime, and demonstrated his full adherence to the modern concept of literature.

Keywords
Naming of literary characters; Machado de Assis’ short stories; Classic tragedy; Pylades and Orestes; Antonomasia

Com Machado de Assis, revela-se uma complexidade, talvez insuspeitada, nas relações entre autoria e autoridade.

Sabe-se como a questão se coloca, quando consideradas as linhas gerais das mutações históricas: autoria e autoridade são mutuamente excludentes. Em um regime retórico-poético de produção de textos e discursos, vigente desde a Antiguidade, inexistia a categoria literária da “originalidade”, em seu duplo sentido de “autoria” e “criação”. A invenção era, aí, regida pelo princípio da imitação, significando não a produção do absolutamente novo, mas sim a rearticulação das formas da tradição, para se produzir a emulação. A autoridade da tradição era, ao lado das categorias e regras que normatizavam a produção ficcional e os juízos sobre ela, um dos princípios reguladores desse edifício da representação. Esse regime foi arruinado com o nascimento do conceito moderno de literatura, em um processo longo, cujas transformações cruciais se deram no período entre 1750 e 1850. No regime literário, cujo momento inaugural foi o Romantismo, a noção de autoria se afirmou contra a autoridade da tradição: a obra, da qual o autor se tornou proprietário, foi transformada em expressão de uma psicologia individual e valorizada por seu grau de ruptura estética. Os gêneros poéticos, fortemente regrados, deram espaço aos gêneros literários, formas abertas às mais distintas interpretações.3 3 Ver, quanto a isso, o excelente prefácio de Guy de Maupassant ao seu Pierre e Jean (1888): MAUPASSANT, 2007, p. 359–380. Marthe Robert (2007, p. 11–31) dedicou uma análise instigante a esse texto, no primeiro capítulo da primeira parte de Romance das origens, origens do romance, significativamente intitulada “O gênero indefinido”. Em lugar da criação como colaboração, como arte combinatória de tópicas retóricas coletivizadas, emergiu a escrita como realização individual, cujo reaproveitamento passou a ser sancionado, sob o nome de plágio.4 4 Este brevíssimo resumo, que não saberia fazer jus às complexidades de um processo tão longo e às particularidades de ambos os regimes, baseia-se em HANSEN, 2004, p. 29–103, e em RANCIÈRE, 2005.

Das grandes linhas à escala mais reduzida das poéticas e das obras dos escritores, as fronteiras tornam-se, porém, menos demarcadas – em particular no século XIX. Considerado o introdutor do Romantismo no Brasil, Gonçalves de Magalhães não hesitou em eleger o gênero tradicional e nobre da epopeia, quando se tratou de responder a uma das exigências da modernidade: a construção literária dos signos da nacionalidade brasileira. O mais emblemático de nossos escritores românticos, José de Alencar submeteu o épico de Magalhães a uma análise e a um juízo fundados nas preceptivas retórico-poéticas, examinando-o em termos da inventio, da dispositio e da elocutio (CASTELLO, 1958CASTELLO, José Aderaldo (org.). A polêmica sobre “A Confederação dos Tamoios”. Críticas de José de Alencar, Manuel de Araujo Porto-Alegre, D. Pedro II e outros, colegidas e precididas de uma introdução por [...]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1958.).5 5 Ver também, sobre a presença da Retórica na obra de Alencar: MARTINS, 2005. Por outro lado, quando se tratou de escrever o poema nacional, Alencar preferiu a forma nova e aberta do romance, em uma atitude resolutamente moderna.

Mas é certamente com Machado de Assis que essas fronteiras tornam-se ainda mais turvas. Para além do prestígio de um gênero elevado, para além de uma formação escolar marcada ainda fortemente pela retórica,6 6 Sobre o peso da Retórica nos currículos escolares e os principais manuais de retórica e poética em circulação no Brasil naquele momento, ver SOUZA, 1999. identificáveis nos dois escritores citados, estamos diante de um autor cuja obra se distinguiu, em diferentes gêneros e em diferentes momentos, por um forte e constante diálogo com a tradição.

De um lado, em seus textos de crítica, das décadas de 1850 a 1870, Machado de Assis recomendou insistentemente o estudo, a meditação dos modelos clássicos, como etapa necessária para a formação de um escritor. De outro, seu ideal do verdadeiro poeta esteve presente, em negativo, em vários contos, tendo se tornado o eixo central do enredo em “Aurora sem dia” (1870), “O programa” (1882), “O anel de Polícrates” (1882), “Vênus! Divina Vênus” (1894), “Um erradio” (1894). Em todas essas narrativas, e muito especialmente nas duas primeiras, os protagonistas revelam uma compreensão equivocada da vocação literária, expressando uma crença ingênua ou pretensiosa no poder da inspiração, demonstrando pouco apreço pelo estudo e pelo conhecimento da tradição. Assim, não por acaso acabaram abandonando a poesia, que “era uma arte difícil e que pedia longo estudo”, segundo esclarecera o Dr. Lemos (cujo nome não poderia ser mais significativo) de “Aurora sem dia” (MACHADO DE ASSIS, 1977a, p. 155MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Aurora sem dia. In: MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Histórias da Meia-Noite. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1977a. (Edições críticas das obras de Machado de Assis, v. 4).). Mais do que uma ideia fixa, essa repetição evidencia que, para Machado de Assis, a revolução romântica e sua promoção da originalidade radical precisavam ser relativizadas, em nome de um resgate do valor e do conhecimento da tradição.

Fundamentalmente, a ruptura que deu origem à grande fase da obra machadiana, aquela que o consagraria como o maior escritor nacional, foi associada à sua opção por se apropriar de gêneros e referências próprios do universo da tradição retórico-poética.7 7 Ver, entre outros: ROCHA, 2013; REGO, 1989; ROUANET, 2007; GOMES, 1976. Foi José Veríssimo quem inaugurou, ainda no século XIX, a compreensão de que a obra de Machado de Assis se divide em duas fases, separadas pelas Memórias póstumas de Brás Cubas. Contra essa perspectiva se voltou Sílvio Romero, que contestava igualmente a visão, também defendida por Veríssimo, segundo a qual a obra machadiana não deveria ser analisada dentro do critério nacional. Na crítica do século XX, Afrânio Coutinho (1997, p. 25–29) foi quem atacou mais enfaticamente a ideia das duas fases, em seu “Machado de Assis na literatura brasileira”, ensaio de 1959 publicado como Introdução ao primeiro volume da Obra completa de Machado de Assis. No subcapítulo “Duas fases ou amadurecimento progressivo?”, ele defendeu que, embora seja inegável a existência de diferenças na estética do escritor, antes e depois de Memórias póstumas de Brás Cubas, a ideia de uma “ruptura brusca entre duas fases” deveria ser afastada, preferindo-se, antes, demonstrar que uma foi preparada pela outra. Nesse sentido, haveria “antes, continuidade”, bem como “desabrochamento, amadurecimento”. Adiante, no mesmo subcapítulo, Coutinho adota posição menos conciliadora, ao sustentar que “não há ruptura nem antinomia nas fases antes e depois de 1880”, o que se poderia perceber também por meio do exame da crítica machadiana. O tom geral em favor do abandono de uma divisão em duas fases é dado na frase final desse subcapítulo, em que Coutinho afirma que “a chamada nova estética machadiana, a da pretensa segunda fase, não é nova, mas apenas o desdobramento, o desenvolvimento, o aperfeiçoamento de suas qualidades artísticas, em germe até então, e que constituiriam a sua ‘maneira’ peculiar, seu credo estético”. Mais recentemente, ainda que reconhecendo, com Silviano Santiago (2000, p. 27), a existência de “estruturas primárias e primeiras que se desarticulam e se rearticulam” na obra machadiana, seus estudiosos não têm, via de regra, aberto mão de procurar explicar a ruptura, como se pode notar por meio de alguns trabalhos citados neste artigo. Eles reafirmam, assim, a ideia de uma divisão da obra em duas fases. Em outra direção, Abel Barros Baptista (2003, p. 322–337) retomou esse problema tradicional da crítica machadiana, afirmando, iconoclasticamente, que “a esse respeito é possível defender tudo, e a verdade é que se tem defendido tudo: continuidade, ruptura, continuidade com ruptura, ruptura com linhas de continuidade [...]. Germe, origem, fonte, fermento, semente, evolução, crescimento, gênese, desenvolvimento, aperfeiçoamento, são os termos dominantes com que a crítica foi procurando – e procura ainda hoje – definir a obra machadiana como sucessão de expressões dos estágios de um espírito, de uma personalidade, de uma individualidade, de uma pessoa, que se desenvolve e sobretudo se aperfeiçoa”. Para Baptista, o que está em jogo nesse esforço é menos o desejo de repudiar uma ruptura absoluta do que assegurar o princípio de unidade da obra machadiana. Por seu turno, ele procura demonstrar que o essencial está não no fato de o próprio Machado de Assis ter reconhecido a distinção entre suas duas “maneiras” ou “feições”, e sim em que sua assinatura de romancista se define, já do interior da chamada segunda fase, como sendo a de um autor de autores. Nesse sentido, a unidade só se estabeleceria pelo próprio ato que a rompe, fazendo de Machado de Assis um romancista, isto é, alguém que só responde pelo livro afirmando que não pode responder por ele, como fez na Advertência à 3ª edição de Brás Cubas. Ali, lembremo-nos, ele responde à indagação de Capistrano de Abreu sobre se as Memórias póstumas de Brás Cubas são um romance, retomando a frase do próprio Brás Cubas, segundo a qual seu livro seria romance para uns e não o seria para outros. Para Baptista, assim, não há uma unidade Machado de Assis e, sobretudo, não se pode buscar reconstituir uma unidade intencional e autoral “Machado de Assis”. De minha parte, eu gostaria de me inscrever na corrente que enfatiza as descontinuidades ou rupturas na obra machadiana, entendendo, à luz das discussões de Baptista, que, se Machado retoma as figuras de Pílades e Orestes mais de quarenta anos depois de fazê-lo pela primeira vez, esse gesto torna inatual aquela primeira maneira. Ele inscreve a diferença ali onde se poderia buscar ver, sobretudo, a identidade. Distanciando-se da atualidade realista e naturalista de sua época, Machado de Assis foi buscar seus modelos no romance setecentista inglês e, por intermédio dele, até mais longe, nos gêneros antigos da sátira menipeia e do diálogo dos mortos. Esse gesto anacrônico surpreendeu e desorientou seus contemporâneos.8 8 Para uma análise da recepção dos romances machadianos e, em particular, das Memórias póstumas de Brás Cubas, ver o incontornável Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19 (GUIMARÃES, 2004). Sobre o modo como Machado de Assis revolucionou a concepção de romance de sua época, entre outras coisas obrigando a crítica a incluir o romance inglês entre seus parâmetros, ver o belo artigo também de Guimarães (2008): “O impacto da obra de Machado de Assis sobre as concepções de romance”. E se não foi o único responsável pela ruptura entre a primeira e a segunda fases de sua obra,9 9 Em seus estudos sobre a colaboração de Machado de Assis n’O Cruzeiro, Jaison Luís Crestani (2019) defende que o jornal atuou como mediador de exercícios experimentalistas decisivos para a transformação da prática criativa machadiana. Segundo Crestani, foi também por habitar o solo coletivo da produção literária na imprensa que o escritor foi levado a alterar sua poética. ele certamente teve um peso considerável. Não por acaso, em uma obra recente, João Cezar de Castro Rocha defendeu que a “marca d’água da literatura machadiana” é uma poética da emulação, que “equivale ao resgate moderno de práticas retóricas progressivamente abandonadas depois do advento do romantismo” (ROCHA, 2013, p. 11ROCHA, João Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma poética da emulação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.). Não saberia ser mais cristalina a indicação da singularidade contraditória de Machado de Assis, cuja originalidade se fez pelo aproveitamento, e não pela recusa, da autoridade da tradição.

Fazendo jus a esse anacronismo machadiano, trata-se aqui de examinar um modo particular de sua articulação complexa entre autoria e autoridade. De maneira geral, os críticos e intérpretes de Machado de Assis enfatizaram a conexão genérica ou autoral, ou ainda nacional de seu diálogo com a tradição. Enylton de Sá Rego iluminou as relações com a sátira menipeia e a tradição de Luciano de Samósata. Sérgio Paulo Rouanet falou em forma shandiana, identificando-a em Sterne, Diderot, Xavier de Maistre, Almeida Garrett. Eugênio Gomes estudou as “infuências inglesas”. De minha parte, proponho analisar o modo como Machado de Assis se apropria da tradição, reescreve e atualiza gêneros poéticos fundamentais – no caso específico deste artigo, a tragédia – por meio da renomeação das personagens.

Pois, para além de uma nomeação singular e irônica, Machado de Assis criou narradores e personagens que lançaram mão de uma enorme quantidade de nomes próprios, retirados da história ou da tradição literária, para se explicar e explicar os outros. Os amigos do pretensioso Romualdo, do mencionado conto “O programa”, chamaram-no de “Gonzaga do Romantismo” (MACHADO DE ASSIS, 2008c, p. 90MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O programa. In: MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Obra completa em quatro volumes. Volume III: Conto, poesia, teatro, miscelânea, correspondência. Organização de Aluizio Leite, Ana Lima Cecilio, Heloisa Jahn. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008c, p. 86–100.). Luís Tinoco, de “Aurora sem dia”, referiu-se à namorada como “minha Beatriz”, colocando-se assim, nada mais, nada menos, como um novo Dante (Idem, 1977a, p. 168) . Em crônica da série “A Semana”, de novembro de 1893, o cronista lamentou o suicídio da bailarina Labushka, chamando-a de “Cleópatra sem Egito” – ela era amante do czar Alexandre III, recém-falecido (Idem, 1959, p. 247–252). Para além de ocorrências como essas, que são frequentes nos mais diversos gêneros da obra machadiana, o procedimento está presente também no próprio título do penúltimo romance de Machado: Esaú e Jacó é a história de dois gêmeos que não se chamavam Esaú e Jacó, e sim Pedro e Paulo.

É em torno desse procedimento de renomeação – a que a Retórica deu o nome de antonomásia – e de sua articulação contraditória entre tradição poética e modernidade literária que se desenvolve este texto. Pretendo discutir essas questões a partir da análise comparativa de três contos. Os dois primeiros foram publicados no Jornal das famílias, na década de 1860, e não chegaram a ser recolhidos em livro por seu autor. Trata-se de “Virginius – narrativa de um advogado” (1864) e “O que são as moças” (1866). O terceiro texto é de muitas décadas mais tarde. Publicado em 1903 no Almanaque Gar-nier, “Pílades e Orestes” veio a integrar também a última coletânea de Machado de Assis, Relíquias de Casa Velha, que saiu em 1906.

Examinando, nessas três narrativas, o emprego de um mesmo procedimento retórico, procurarei evidenciar uma diferença no modo machadiano de articular o recurso à tradição e a inscrição na modernidade literária: ao passo que, na primeira fase de sua literatura, Machado de Assis se serviu do diálogo com os gêneros altos em uma perspectiva mais moralista, em que o presente foi apresentado como rebaixamento do passado ou foi idealizado para servir de exemplo, na segunda fase esse mesmo diálogo serviu para enfatizar a diferença e a equiparação entre as duas épocas.

Passando à análise, faço como Brás Cubas e começo pelo final; a “Pílades e Orestes”, portanto.

“Pílades e Orestes”

O conto de 1903 narra a história de dois amigos – chamados não Pílades e Orestes, mas Quintanilha e Gonçalves. Sua amizade datava da faculdade, quando tinham estudado, morado e se formado juntos (Idem, 1977d, p. 121). Eles tornaram-se bacharéis, mas apenas um deles seguiu a advocacia: Quintanilha preferira entrar para a política, elegendo-se deputado provincial em São Paulo, em 187... Mas não permaneceu na carreira parlamentar, abandonando-a ao receber a herança de um parente. Assim, ao terminar o mandato, deixou São Paulo e foi para o “seu Gonçalves, que advogava no Rio de Janeiro” (Ibidem, p. 121).

Moço, abastado e ocioso, Quintanilha passou a viver para o amigo. Para ele era até mesmo o primeiro pensamento do dia, e sem dúvida todo o restante dele. Quintanilha compartilhava dos prazeres, como também das obrigações de Gonçalves: tanto os jantares, as visitas, os passeios, as eventuais idas ao teatro, quanto o trabalho (mesmo noturno) no escritório, au-xiliando-o como se fosse um verdadeiro secretário. E fazia tudo isso com tanta presteza e satisfação, que ao cabo de certo tempo Gonçalves deixou de se desculpar pela perturbação, aceitando os obséquios sem pudor nem agradecimentos. Não demorou muito, eles assumiram ar de ofício. Quintanilha recebia do amigo as mais diversas incumbências – lembrar-lhe disto e daquilo, levar cartas e papéis, buscar as respostas, procurar as pessoas, esperá-las na estação, viajar para o interior – e desincumbia-se de tudo como se tivesse tirado a sorte grande. Objeto de todos os cuidados, Gonçalves não era tão derramado como o amigo. Melhor seria dizer que não era nada derramado, mas, pelo contrário, seco e algo ríspido. Em lugar de elogios e agradecimentos, Quintanilha recebeu de Gonçalves conselhos algo interessados, nomes pouco corteses e duras críticas.

Extremo de dedicação, Quintanilha foi o promotor do casamento de seu melhor amigo, e ainda por cima com a mulher que ele próprio, Quintanilha, amava. Essa mulher era sua prima-segunda, Camila. “Moça de vinte e dous anos, modesta, educada e bonita”, ela era filha de João Bastos, guarda-livros em uma casa de café e um dos vários parentes com quem Quintanilha havia rompido por ocasião da herança. Passando por cima dessa circunstância, o rapaz fora ao enterro da esposa de Bastos e eles se reaproximaram. “João Bastos esqueceu facilmente alguns nomes crus que dissera do primo, chamou-lhe outros nomes doces, e pediu-lhe que fosse jantar com ele. Quintanilha foi e voltou a ir”. Ao cabo de alguns meses de convivência, na qual não deixou de introduzir Gonçalves, o rapaz descobriu-se gostando da moça. “Como não”, diz o narrador, “se Camila tinha uns longos olhos mortais?” (Ibidem, p. 126–127). Porém, Quintanilha nunca chegou a se declarar para ela. Sua renúncia em favor de Gonçalves foi o ato final de uma série de desentendimentos, de não-ditos, de conclusões precipitadas, de sugestões erradas. Jogando a mulher amada nos braços de Gonçalves, ele resignou-se à condição de padrinho – do noivo e dos dois primeiros filhos do casal, a quem frequentava. Em 1893, durante a Revolta da Armada, Quintanilha estava a caminho da casa dos compadres quando foi atingido por uma bala perdida. Morreu quase instantaneamente. Deixou testamento, legando toda sua fortuna a Gonçalves, que a recebeu, como recebera tudo o mais, “sem remorsos” (Ibidem, p. 131).

Diante desse enredo, é difícil fugir à impressão de que se trate de mais uma dessas narrativas desencantadas, em que Machado de Assis expôs o caráter egoísta do ser humano. Temperamento muito distinto de Quintanilha, Gonçalves não foi apenas um amigo mais seco e ríspido que ele. O narrador insinua o tempo inteiro que o bacharel tirou largas vantagens da amizade sincera que lhe teve o outro. Se não chegou a ser um mau-caráter, não hesitou em manipular a afeição do jovem herdeiro, para ser poupado de parte de seu trabalho, pegar dinheiro emprestado, usufruir de “bons charutos, bons jantares, bons espectáculos”, ganhar livros caros e viagens de férias. Tampouco hesitou em se aproveitar dos desentendimentos causados pela herança – e da ingenuidade do amigo – para afastá-lo ainda mais dos parentes e garantir ascendência exclusiva sobre ele. Para completar, a narrativa encerra-se com os episódios do casamento e da herança, que funcionam tanto como reafirmação quanto como ápice da dissimetria na relação entre os dois, demonstrando até onde poderiam ir o altruísmo de um e o egoísmo do outro.

No entanto, o caso muda de figura, uma vez que se conceda atenção ao problema do nome próprio e à prática de renomeação das personagens em Machado de Assis. A renomeação está dada, como visto, no próprio título: Pílades e Orestes. Além disso, esses dois nomes foram mencionados e de certa forma explicados no interior da narrativa. Trata-se da passagem em que o narrador voltou a ressaltar a inseparabilidade dos dois amigos: “A união dos dous era tal que uma senhora chamava-lhes ‘casadinhos de fresco’, e um letrado, Pílades e Orestes” (Ibidem, p. 125). Nesse registro, a expressão popular tornou-se sinônima da dupla de nomes próprios, “Pílades e Orestes” sendo traduzido por “casadinhos de fresco”, isto é, aqueles que não se desgrudam, que não conseguem viver separados um do outro, como costuma acontecer com os recém-casados. Acontece que, ao final do conto, essa dupla de nomes próprios retorna – e associada a um terceiro antropônimo, que não pode ser ignorado. Através dele, se descobre que Pílades e Orestes supõem muito mais do que a inseparabilidade física. Esse terceiro nome pertence a um dos grandes poetas trágicos gregos: Sófocles.

A referência esclarece-se, inicialmente, pelo fato de que Pílades e Orestes foram personagens de Sófocles em Electra, tragédia de 415 a. C. Ela baseia-se no conhecido mito de Orestes, filho caçula de Agamêmnon e de Clitemnestra, irmão de Electra e Ifigênia. Morto pela esposa e pelo amante dela, Egisto, por ter sacrificado Ifigênia aos deuses, Agamêmnon foi vingado anos mais tarde, justamente pelo filho. Quando do assassinato do pai, Orestes foi salvo por Electra da mão assassina dos usurpadores. Ela o enviou ainda bebê para a Fócida, onde foi criado pelo tio, o rei Estrófos, e se tornou amigo inseparável de seu primo Pílades. Já adulto, e acompanhado do fiel amigo, Orestes retornou a Argos para vingar o pai, matando a mãe e o padrasto. Autor de um parricídio, ele se tornou vítima das Eumênides, as fúrias protetoras do direito materno, e foi obrigado a partir novamente, em busca de expiação para o seu crime (SOPHOCLE, 1879SOPHOCLE, Électre. In: Les tragédies de Sophocle. Traduites en français par M. Bellaguet avec une notice sur Sophocle par M. Éd. Tournier. Paris: Librairie Hachette, 1879.).10 10 Havia na biblioteca de Machado de Assis um exemplar dessa tradução francesa das tragédias de Sófocles. Ver MASSA, 1961, p. 204.

O tema da tragédia de Sófocles foi a missão vingadora de Orestes. De volta a Micenas, acompanhado por Pílades e pelo escravo responsável por sua salvação, ele apresenta-se para castigar os assassinos do pai. Agindo de moto próprio, e não por mandato divino, o jovem herdeiro do trono de Argos mostrou-se um vingador determinado e insensível. Pouco afetuoso com a irmã Electra, que ansiava por seu retorno, ele foi do mesmo modo inclemente com seus dois opositores, entre os quais estava a própria mãe. Sem dúvidas nem hesitações, Orestes golpeou Clitemnestra assim que os dois se encontraram. Respondeu com silêncio à única súplica dela – “Oh meu filho, tem piedade de tua mãe!” – e com novas apunhaladas diante de seu primeiro gemido de dor. Ao assassinar Egisto, não se deu ao trabalho de proferir nenhum discurso justificador, não demonstrou nenhum remorso, não cedeu a nenhum delírio. Ao lado desse Orestes frio e implacável, Pílades foi mero figurante: sem papel definidor, sem fala definida, sem fala mesmo – sua mudez foi assinalada na própria lista das personagens. Suas ações não foram sequer descritas por outras personagens e seu nome só foi mencionado quatro vezes ao longo de toda a tragédia (SOPHOCLE, 1879SOPHOCLE, Électre. In: Les tragédies de Sophocle. Traduites en français par M. Bellaguet avec une notice sur Sophocle par M. Éd. Tournier. Paris: Librairie Hachette, 1879.).

A irrelevância de Pílades e a inclemência de Orestes, em uma peça cujo tema não são as relações de amizade entre os dois, suscitam um estranhamento diante da referência machadiana a Sófocles. Para compreendê-la, é preciso saber que o mito de Orestes foi explorado por vários poetas trágicos, desde a Antiguidade até o século XVIII. Não é necessário percorrer todas essas peças para compreender o conto machadiano; basta saber que Ésquilo e, principalmente, Eurípedes exploraram de maneira mais detida o tema da amizade entre os primos. Este último foi quem conferiu maior importância ao filho de Estrófos. Nas tragédias Ifigênia em Táuris e Orestes, Pílades desempenhou papéis fundamentais, desenvolveu longos diálogos com o primo e expressou toda a nobreza de seu caráter (EURIPIDE, 1875, p. 115–166; p. 213–273EURIPIDE. “Iphigénie en Tauride”; “Oreste”. In: Théâtre de Euripide. Traduction nouvelle précédée d’une notice biographique et littéraire accompagnée de notes explicatives et suivie des notes de J. Racine sur le Théâtre d’Euripide par Émile Pessonneaux. Tome second. Paris: Charpentier et cie. Libraires-Éditeurs, 1875, p. 115–166 ; p. 213–273.). Orestes poderia ser mesmo descrita como uma peça sobre a amizade verdadeira. Além de colocar na boca de Orestes um comentário sobre a infidelidade de Menelau a seu nome de amigo, Eurípedes fez Pílades justificar suas decisões e ações com base em um ideal do amigo fiel. Do mesmo modo, as falas de Orestes, grato pela dedicação de Pílades, ressaltaram o valor do sentimento que os unia (EURIPIDE, 1875, p. 213–273EURIPIDE. “Iphigénie en Tauride”; “Oreste”. In: Théâtre de Euripide. Traduction nouvelle précédée d’une notice biographique et littéraire accompagnée de notes explicatives et suivie des notes de J. Racine sur le Théâtre d’Euripide par Émile Pessonneaux. Tome second. Paris: Charpentier et cie. Libraires-Éditeurs, 1875, p. 115–166 ; p. 213–273.).

Machado de Assis conhecia, certamente, o tratamento do mito de Orestes e de sua relação com o primo Pílades nas tragédias gregas – e mesmo, pode-se supor, na tragédia Andrômaca (1667), de Racine, e nas óperas Ifigênia em Táuris, tanto a de Gluck quanto a de Piccinni, ambas de 1779. Por meio delas, é possível perceber que Orestes e Pílades representam, portanto, mais do que a inseparabilidade física própria dos recém-casados: eles são o exemplo máximo da amizade sincera e generosa, superior aos laços de parentesco, incansavelmente altruísta, corajosa e resistente às desgraças, compartilhadas ainda quando não envolvessem diretamente ambos os amigos. Nisso reside, aliás, a grandeza de Pílades, o modelo do amigo fiel e devotado: poupado pelo destino, ele não hesitou em se submeter às tarefas e infelicidades de Orestes. Não sendo obrigado a vingar o pai, nem parricida, nem perseguido pelas Fúrias, ele agiu como se o fosse, deslocando-se até Argos, participando do plano de assassinato, arriscando-se em uma viagem a Táuris cuja finalidade foi expiar o parricídio (tratada em Ifigênia em Táuris) e afrontando seguidamente a morte. Devedor inconteste da proteção do primo, Orestes tampouco faltou ao ideal de amizade: recusou-se a permitir que suas desgraças causassem a morte de Pílades, em seu lugar ou ao seu lado; insistiu para que aceitasse as alternativas que lhe poupariam a vida; ofereceu-lhe a mão de sua irmã Electra e até mesmo o trono de seu pai (EURIPIDE, 1875, p. 115–166EURIPIDE. “Iphigénie en Tauride”; “Oreste”. In: Théâtre de Euripide. Traduction nouvelle précédée d’une notice biographique et littéraire accompagnée de notes explicatives et suivie des notes de J. Racine sur le Théâtre d’Euripide par Émile Pessonneaux. Tome second. Paris: Charpentier et cie. Libraires-Éditeurs, 1875, p. 115–166 ; p. 213–273.).

Embora dispensável para se perceber que a amizade encontra-se no centro do conto machadiano, o exame do mito de Pílades e Orestes nas tragédias gregas não só faz dela o tema indubitável da narrativa – e não o egoísmo – como também demonstram que está em jogo o ideal do amigo fiel, encarnado pelo primeiro.11 11 Voltarei adiante à escolha de Sófocles como referência central para “traduzir” a história de Quintanilha e Gonçalves, procurando compreendê-la à luz dos comportamentos e destinos finais desses personagens. Veremos que o narrador faz menção direta a Sófocles apenas no encerramento do conto. Assim, se a relação entre os primos não ocupa o eixo de Electra, isso não invalida a interpretação, que procuro sustentar aqui, de ser o ideal de amizade o tema central do conto machadiano. Ao dar à sua narrativa o título de “Pílades e Orestes” e ao associar essa referência, inicialmente, a um letrado (e não a um poeta trágico em particular), Machado de Assis indicava estar explorando ao seu modo o mito antigo, que recebera tratamentos distintos da parte dos três grandes tragediógrafos clássicos. Em todos eles, e também em Racine, em Gluck e em Piccinni, a relação entre Pílades e Orestes remeteu sempre ao tema da amizade ideal – e não ao do parentesco, por exemplo, apesar de ambos serem primos. Além disso, Pílades foi sempre tomado como “o amigo fiel e devotado de Orestes”. Ver, por exemplo, o verbete “Pylade” em: DICTIONNAIRE DES PERSONNAGES littéraires et dramatiques de tous les temps et de tous les pays, 1999, p. 817–818. O exame do mito nas tragédias clássicas, desenvolvido por Orlando Luiz de Araújo (2008) em “Encenando a amizade: Pílades e Orestes na tragédia”, evidencia, do mesmo modo e já em seu título, esse vínculo fundamental entre a referência à dupla e o tema da amizade verdadeira. Em seu resumo, Araújo escreve, sobre a peça de Sófocles: “Em Electra, a despeito do silêncio que Sófocles imprime a Pílades, este ainda é o protetor e fiel amigo de Orestes”. Segundo ele, por outro lado, essa relação de amizade, porque marcada pela primazia do feito sobre a palavra, porque modelada pelo desejo de vingança, não constitui em Sófocles exemplo de admiração. Isto é, há menos idealização neste tragediógrafo, mas isso não invalida o núcleo central da referência à dupla Pílades e Orestes como símbolos máximos da amizade – nem no autor de Electra, como indica o resumo de Araújo, nem em Machado de Assis. Marta de Senna e Laíza Verçosa do Nascimento (2013) consideram que o conto toca no tema da homossexualidade – numa perspectiva que incluiria o homoerotismo como parte da relação de amizade. Para a problemática que procuramos desenvolver aqui, é interessante notar sua referência à “dedicação desmesurada” de Quintanilha por Gonçalves. Tal dedicação pode ser tomada como a tradução moderna do ideal de fidelidade e devotamento de Pílades por Orestes. Voltarei a isso adiante, conforme indicado. Nos últimos anos, têm se multiplicado análises que procuram evidenciar a presença do homoerotismo na literatura de Machado de Assis. Ver, para uma discussão do tema em Dom Casmurro: OLIVA, 2017.

Dito isto, não é menos verdadeiro que o esclarecimento da referência possa funcionar no sentido de reforçar aquela visão desencantada e a certeza de que Machado de Assis dedicou-se a desvendar a miséria humana. Nesse sentido, o título assumiria um valor irônico, como se objetivasse dizer que não há verdadeiros Pílades e Orestes no mundo moderno. Afinal, o narrador insistiu em caracterizar seu Pílades carioca como sendo alguém tolo, servil, influenciável, sentimental (ou sentimentalista?), paspalhão ao ponto de tomar um sonho como explicação da realidade e promover um casamento entre duas pessoas que não se amavam, sendo uma delas justamente a mulher que ele próprio amava. Quintanilha foi incapaz de perceber que Gonçalves temia era a perda da exclusividade, do lugar central que ocupava em sua vida, seus afetos, seu testamento. E este, longe de se elevar à altura do caráter de Orestes, cioso de compensar a afeição e os sacrifícios de Pílades, mostrou-se frio, duro, algo indiferente. Não se sabe de qualquer ato seu em benefício de Quintanilha; era como se ele já fizesse muito por aceitar tudo o que o outro lhe oferecia.

Tão convincente, essa leitura que faz de Machado de Assis um escritor interessado em revelar os desvãos da alma humana pode ser problematizada,12 12 Esta problematização é devedora, entre outras, da análise de Jérôme David (2010) sobre Balzac. O historiador procura mostra que o uso do vocabulário dos vícios e das paixões humanos não significa que o romancista fosse um moralista do século XIX, ocupado com os caracteres universais. porém, uma vez que se recuse a análise isolada de “Pílades e Orestes”. Ao compará-lo com outros contos, em que Machado de Assis também tratou da amizade e/ou lançou mão da antonomásia, descobrimos um autor que se apropria de elementos da tradição não porque se trate de demonstrar as permanências ou a invariabilidade da natureza humana. Pelo contrário, por meio desse recurso à tragédia grega, Machado de Assis demonstra seu interesse sempre renovado pelas diferenças, isto é, pela historicidade dos caracteres humanos. Indissociável e contraditoriamente, ele revela também sua plena inscrição na modernidade literária.

Para compreendê-lo, façamos mais um breve retorno ao regime retórico-poético, a fim de examinar o modo como se davam, aí, as relações entre gênero, caráter e nome próprio.

Gêneros tradicionais e nome próprio no regime retórico-poético

Fortemente regrada, a invenção nos gêneros tradicionais tem na Poética aristotélica uma de suas referências fundamentais. Em seu primeiro capítulo, Aristóteles (2010, p. 103-104)ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices de Eudoro de Sousa. 8ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2010. estabeleceu o princípio da ficção, ao definir o poema como imitação de homens agindo, como uma representação de ações – em suma, como uma história.

Esse princípio primeiro da poesia exigiu e se articulou a outro, objeto do segundo capítulo da Poética: o da natureza do objeto imitado. As diversas espécies de poesia se diferenciavam pela índole dos sujeitos representados. Segundo Aristóteles, há homens de índole elevada ou baixa, amantes da virtude ou do vício. Conforme escolhessem imitar uns ou outros, os poetam faziam um ou outro gênero de poesia (Ibidem, p. 105). A epopeia e a tragédia imitavam pessoas de caráter elevado – o que, no sentido grego clássico, significava que seus personagens deviam ser os heróis e os nobres.

Há na Poética, igualmente, o estabelecimento de uma relação entre gênero e nomeação. Na tragédia, afirma Aristóteles no capítulo IX, “mantêm-se os nomes já existentes”, ao passo que “os comediógrafos, compondo a fábula segundo a verossimilhança, atribuem depois aos personagens os nomes que lhes parece” (Ibidem, p. 115–116). Em outras palavras, os poetas trágicos não detêm a liberdade de nomear seus personagens, pois retiram suas fábulas da tradição mitológica, narram ações realizadas por caracteres exemplares, já conhecidos e estabelecidos: Aquiles, Agamêmnon, Orestes, Príamo, Hécuba, Édipo, Jocasta, Medeia, Jasão, etc. Os poetas cômicos, por sua vez, inventam inteiramente seus enredos e personagens, podendo atribuir a estes os nomes que preferirem. Essa distinção genérica acarretava, além disso, um veto: os personagens e os nomes da tragédia não podiam figurar nas comédias – e vice-versa: às personagens trágicas, não se podia atribuir um comportamento ridículo, vil, baixo, próprio das personagens cômicas.

Estabeleceu-se, assim, uma relação intrínseca entre um gênero poético, o caráter das personagens nele representadas e a nomeação. A tragédia e a epopeia representavam nobres e heróis dignos de imitação, cujos nomes se impunham aos poetas, como impunham a nobreza de seus caracteres e a exemplaridade de suas histórias. Os nomes da tragédia eram, por definição, marcados pelo signo da grandeza, do memorável, do glorioso. Já a comédia representava membros da plebe, figuras anônimas cujos nomes, obrigatoriamente inventados, carregavam também obrigatoriamente a marca do risível, do baixo, do vulgar.

Ao renomear suas personagens com nomes da tragédia, Machado de Assis traz para o centro de sua literatura o problema da relação com os gêneros poéticos e sua representação fortemente regrada: as personagens designadas por esses nomes se distinguem por sua grandeza, por sua exemplaridade, por sua elevação. Nesse sentido, coloca-se a questão de saber como se articularam, na literatura machadiana, as exigências recíprocas entre gênero, nome e caráter, de que modo ele lidou com as regras próprias da construção de uma personagem trágica.

A história de Quintanilha e Gonçalves poderia levar a supor que Machado de Assis lançou mão dos nomes da tragédia apenas para demonstrar a inexistência de verdadeiros caracteres trágicos em nossa época. A renome-ação seria, assim, duplamente irônica: as personagens machadianas, em sua baixeza moderna, revelariam sua impossibilidade de ser verdadeiros Pílades e Orestes; o conto, cujo título remete à tragédia, seria na verdade uma comédia. E o genial Machado de Assis, em mais uma de suas surpreendentes manobras, se mostraria poeta cômico, sob a pele de um escritor do século XIX.

Contudo, a comparação com os outros dois contos do escritor, pertencentes à primeira fase de sua obra, demonstra que não se trata propriamente de um emprego irônico da antonomásia, em “Pílades e Orestes”. Tampouco se colocou Machado de Assis como um poeta cômico. Vejamos.

“O que são as moças”

“O que são as moças” parece reforçar a hipótese de que os caracteres modernos não se elevam à altura dos personagens nobres da tragédia antiga. Escrito quase quarenta anos antes, ele revelaria, retrospectivamente, a permanência de uma concepção: para o autor em sua primeira fase, como na segunda, o recurso à tradição acabava por demonstrar o rebaixamento do presente, a ruína da grandeza trágica. As personagens literárias terminariam por exibir sua infidelidade aos nomes antigos, sua condição de caracteres modernos, que não correspondem ao ideal do(a) amigo(a) verdadeiro(a), que não sabem ou não querem fazer, em prol do(a) outro(a), sacrifícios dignos do nome.

Ao invés de confirmar a identidade de seu autor ao longo do tempo, porém, “O que são as moças” importa para esclarecer, em contraponto, sobre o valor de uma antonomásia transformada em título. Nele, diferentemente de “Pílades e Orestes”, a renomeação aparece unicamente no interior da narrativa. Publicado em 1866, no Jornal das Famílias, trata-se de mais uma das narrativas machadianas que glosam o tema do amigo infiel – com a diferença de ter por protagonista, neste caso, uma dupla de amigas.

Diferentemente de Quintanilha e Gonçalves, Júlia e Teresa possuíam uma cumplicidade perfeita, a ponto de o narrador anunciar, já de saída, que seu “conto tem por objeto a amizade de duas mulheres, tão firme, tão profunda, tão verdadeira, que as famílias respectivas, para melhor caracterizá-la, davam às duas a designação de Orestes e Pílades... de balão” (MACHADO DE ASSIS, 2008a, p. 849MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O que são as moças. In: MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Obra completa em quatro volumes. Volume II: conto. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2008a, p. 849–862.).13 13 Publicado em maio e junho de 1866, o conto foi assinado com o pseudônimo “Max”. “Balão” é uma referência às crinolinas, armações usadas sob as saias para lhes conferir volume, muito em moda entre a década de 1850 e 1870. Na passagem citada, note-se a diferença na ordem dos nomes dos amigos gregos. Um leitor acostumado de Machado de Assis, desse jovem escritor moralista, já sabe que aqueles adjetivos estão destinados a mostrar sua falsidade. Sabe também que a dissensão será provocada pelo amor comum por um mesmo rapaz. Esse se chamava Daniel e, como muitos outros, não merecia o amor de nenhuma das duas, sendo mais um herdeiro ocioso, esbanjador e libertino da vasta e pouco interessante galeria romântica daquele período. Nem Júlia nem Teresa foram amigas como o Luís Alves de A mão e a luva (Idem, 1977b), enganando uma à outra, declarando defender sua causa para na verdade partir à conquista do amor alheio. Foi mero acaso sua paixão pelo mesmo Daniel. Ao descobrirem a infeliz coincidência, elas reafirmaram seus laços de amizade, condenaram o comportamento leviano do rapaz – que namorava as duas ao mesmo tempo – e comprometeram-se a esquecê-lo. Mas continuaram, Teresa no Catumbi e Júlia nos Cajueiros, a se sentar diária e pontualmente à janela, esperando pela passagem do cínico namorado. Após algumas semanas, uma abriu mão do amado pela outra, porém ambas recusaram o sacrifício alheio. Belíssimo exemplo de amizade, a não ser pelo fato, desvendado no final, de que a renúncia altruísta só se fizera quando Júlia e Teresa já tinham piscado o olho a outros pretendentes.

Como de praxe nesse período, o narrador encerrou o conto explicitando sua moral: “Caía assim o véu que encobria o sacrifício e viu-se que ambas haviam praticado o sacrifício no interesse pessoal; ou por outra: largavam um pássaro tendo outro em mão” (Idem, 2008a, p. 862). Em outras palavras, e segundo indica o título, “o que são as moças” é que não são Orestes e Pílades. Elas revelaram sua simultânea traição aos nomes recebidos e sua impossibilidade de ser outra coisa que não moças do século XIX, que colocavam o interesse pessoal acima dos laços de amizade. Ainda assim, o final foi menos moralista do que de regra, já que o narrador terminou sugerindo a futilidade de se esperar que em nosso tempo existissem Pílades e Orestes, caracteres nobres como os das tragédias: “Mas as duas moças casaram-se e ficaram tão amigas como antes. Não sei se no correr dos tempos houve sacrifícios semelhantes” (Ibidem, p. 862).

E se “O que são as moças” sugere que os caracteres modernos não se elevam à altura dos caracteres nobres da poesia antiga, um outro conto de Machado de Assis esclarece, pelo contrário, quais as condições nas quais, para ele, a literatura poderia representar personagens que correspondessem às exigências da poética.

“Virginius: narrativa de um advogado”

“Pílades e Orestes” não foi a primeira experiência machadiana no sentido de tomar personagens como a encarnação moderna de nomes da tragédia. A primeira delas foi, justamente, o mencionado “Virginius: narrativa de um advogado” (MACHADO DE ASSIS, 1864MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Virginius: narrativa de um advogado. In: Jornal das Familias: publicação illustrada, recreativa, artistica, etc, Rio de Janeiro: B.L Garnier Editor-proprietario, anno de 1864. p.192–197; 223–231.).

O título do conto não permite enganos quanto à sua fonte: a história da Roma Antiga. O subtítulo anuncia que o escritor não se engajou em experiências semelhantes às de Gustave Flaubert, cujas narrativas situadas no mundo antigo são marcadas pela preocupação com a fidelidade e a erudição históricas. É o caso de seu romance histórico Salammbô (1862) e de contos como “A tentação de Santo Antão” (1874) ou “Herodíade” (1877). “Virginius”, por seu turno, traz uma história situada no mundo moderno, no Brasil de meados do século XIX.

Narrada em primeira pessoa pelo advogado do título, a história inicia-se envolta em um clima de mistério: “Não me correu tranquilo o São João de 185...”. Isso porque duas semanas antes, conta-nos ele, recebera um bilhete anônimo, por meio do qual fora convidado a assumir a defesa de Julião, réu preso na cadeia de uma vila não identificada. Levado pela curiosidade e pela suspeita de que “ia entrar em um romance”, o advogado aceitou a comissão e partiu (Ibidem, p. 192). Morava na dita vila um amigo, antigo colega da faculdade, que, além de hospedá-lo, esclareceu uma parte do mistério, identificando o autor do bilhete: “– É a letra do Pai de todos”. “Pai de todos” era a alcunha de um fazendeiro, cujo nome de batismo não era outro senão Pio. Pio possuía dois nomes adequados e sinônimos, porque sua conduta correspondia igualmente a essa duplicação: longe de ser apenas um homem bom, ele era “a justiça e a caridade fundidas em uma só pessoa”. Era tal sua fidelidade a seu nome próprio, que ele tinha o poder de fazer certos nomes comuns não corresponderem às coisas:

Escravo é o nome que se dá; mas Pio não tem escravos, tem amigos. Em parte alguma houve nunca mais brando e cordial tratamento a homens escravizados. Nenhum dos instrumentos de ignomínia que por aí se aplicam para corrigi-los existe na fazenda de Pio. [...]. Ouve mais: Pio estabeleceu entre os escravos uma espécie de concurso que permite a um certo número libertar-se todos os anos. Acreditarás tu que lhes é indiferente viver livres ou escravos na fazenda, e que esse estímulo não decide nenhum deles, sendo que, por impulso, todos se portam dignos de elogio? (Ibidem, p. 194).

Não, não dá para acreditar, a idealização é excessiva. Entretanto, ao contrário do que seria frequente naquela década, Machado de Assis não colocava em causa o narrador romântico, cuja credibilidade pretenderia minar para oferecer, nas entrelinhas, uma análise do sistema escravista.14 14 Jaison Luís Crestani interpreta o conto e seu narrador neste sentido – oposto à nossa perspectiva, portanto. Ver CRESTANI, 2009, p. 128–135. Não se trata de desconfiar do narrador, mas de acreditar nele (que diria, posteriormente, que “não era romance” a história à qual se ligava o bilhete). Tampouco se trata de ultrapassar a superfície do texto, mas de permanecer nela mesma, para se dar conta de que a idealização procede daquela própria da tragédia, cuja finalidade primeira não é a exatidão histórica, e sim a promoção de exemplos morais. Por meio desse Pio realmente pio, ideal de conduta que “devia ser comum em toda parte” (MACHADO DE ASSIS, 1864, p. 194MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Virginius: narrativa de um advogado. In: Jornal das Familias: publicação illustrada, recreativa, artistica, etc, Rio de Janeiro: B.L Garnier Editor-proprietario, anno de 1864. p.192–197; 223–231.), o jovem escritor procurava estimular a adoção de atitudes mais brandas em relação aos escravos, como a supressão dos castigos infamantes e a facilitação da compra da alforria – com o risco de sugerir que o paraíso na terra dependia somente da boa-vontade dos homens. Deixo de lado a questão da visão social expressa por Machado nesse conto, para me concentrar no problema da antonomásia. Para isso, vejamos quem era o criminoso e qual fora o seu crime.

Julião, réu cuja defesa foi portanto financiada pelo fazendeiro, “fora um daqueles a quem a alma caridosa de Pio dera sustento e trabalho”. Suas boas qualidades haviam sido recompensadas com a doação de um sítio pouco distante da fazenda, onde ele fora morar com a filha, Elisa – a esposa havia falecido (Ibidem, p. 196). Elisa, então uma mulatinha de sete anos, tornou-se muito amiga de Carlos, filho de Pio e “bom menino, educado sob a vigilância de seu pai, que desde tenros anos inspirava-lhe aqueles sentimentos a que devia a sua imensa popularidade”. Mas o rapaz teve que partir para fazer seus estudos e, quando retornou, não era o mesmo. Em lugar da “comunhão da infância”, sua relação com Elisa passou a obedecer às “condições da vida social”, instaurando-se um “abismo” entre o filho do protetor e a filha do protegido (Ibidem, p. 196–197). Mais do que isso: o filho do protetor achou-se com direitos sobre a filha do protegido, “que devia ser dele” (Ibidem, p. 224–225). Assim, a despeito das admoestações de Julião e de seus esforços para garantir a proteção de Elisa, Carlos juntou um bando de capangas e, aproveitando um dia a ausência do sitiante, invadiu sua casa. Ele estava a ponto de consumar seu crime quando Julião irrompeu, arrancando a filha dos braços do rapaz. Mas, sozinho contra um grupo de homens, ele não podia vencer. Juntamente com a filha, foi amarrado e deixado sob vigilância, enquanto Carlos saiu prometendo desforra. Julião aproveitou-se então de um descuido da sentinela para apanhar uma faca e apunhalar... Elisa, maneira de salvá-la da desonra (Ibidem, p. 225-227).

Caráter oposto ao do pai, dominado pelo vício e não pela virtude, Carlos tornou-se promotor de uma outra ordem de relações entre os nomes e as coisas: aquele em que um assassino se vê como um salvador, em que um salvador tem que ser um assassino (Ibidem, p. 227). E de uma outra ordem de relações entre os nomes próprios e as personagens: não já a da correspondência a seu nome de batismo, mas a um novo nome, nesse caso oriundo da história romana, da história de Virginius, contada por Tito Lívio e Diodoro da Sicília, entre outros. Ao tentar violentar a antiga amiga, Carlos tornou-se Ápio Cláudio, o decênviro que quis tomar à força a jovem por quem se apaixonara, obrigando Elisa a tornar-se Virgínia, a moça submetida ao perigo da desonra, e Julião a converter-se em Virginius, pai que “travou de uma faca [...] e cravou-a no peito” da filha. O paralelo foi estabelecido pelo advogado, que saiu do encontro com Julião com a certeza de que havia, “no seio da sociedade romana, um caso idêntico ao que se dava na vila de ***”; no mundo antigo, como no moderno, “havia a moral ultrajada e a malvadez triunfante” (Ibidem, p. 227-228). Mas lá, como aqui, a infâmia era castigada – ao menos nas histórias. Porque, tendo-se convertido, também ele, em poeta trágico brasileiro, Machado de Assis conferiu ao conto um desfecho edificante. Em sua última parte, a narrativa alcançou o tempo presente do advogado, mais de dez anos depois dos fatos, para dar conta da prevalência dos bons sentimentos de gratidão, generosidade, piedade e arrependimento:

No momento em que escrevo estas páginas, Julião, tendo já cumprido a sentença, vive na fazenda de Pio. Pio não quis que ele voltasse ao lugar em que se dera a catástrofe, e fá-lo residir ao pé de si.

[...].

O velho fazendeiro tinha feito recolher as cinzas de Elisa em uma urna, ao pé da qual vão ambos orar todas as semanas.

[...].

Quanto a Carlos, vai resgatando como pode o crime com que atentou contra a honra de uma donzela e contra a felicidade de dois pais (Ibidem, p. 231).

Quer dizer, se a história de Júlia e Teresa mostrou que as moças modernas não eram “Orestes e Pílades”, a daqueles quatro moradores do interior do país mostrava que um dependente livre podia ser um Virginius brasileiro. Mas apenas o seria se fosse um caráter admirável, se obedecesse às regras de construção da personagem trágica, tal qual definidas no regime da representação. Pio, Julião, Elisa e Carlos não são personagens realistas, sua história e seus caracteres são da ordem do exemplar, próprios dos gêneros nobres, mais especificamente da tragédia. O narrador não deixou dúvidas quanto ao fato de que em “Virginius” a antonomásia se fundou na identidade absoluta. Recuperemos o que ele disse: “Saí da cadeia alvoroçado. Não era romance, era tragédia o que eu acabava de ouvir. [...]. Meu espírito voltou-se vinte e três séculos atrás, e pude ver, no seio da sociedade romana, um caso idêntico ao que se dava na vila de ***” (Ibidem, p. 227-228. Grifos meus).

Além disso, a declaração explica satisfatoriamente por que, no final das contas, Júlia e Teresa não mereciam os nomes de Orestes e Pílades, por que seu conto foi intitulado “O que são as moças”: elas se revelaram amigas menos verdadeiras e féis do que a dupla grega, não corresponderam ao ideal suposto por ela. Não tendo feito o máximo sacrifício, mas apenas o possível em nossa época, elas não poderiam ser tomadas como personagens trágicas. Já Quintanilha e Gonçalves chegaram ao final do conto provando justamente ser Pílades e Orestes, segundo a formulação também do narrador, cujas últimas frases foram: “Orestes vive ainda, sem os remorsos do modelo grego. Pílades é agora o personagem mudo de Sófocles. Orai por ele!” (MACHADO DE ASSIS, 1977d, p. 131MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Pílades e Orestes. In: Idem. Relíquias de Casa Velha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1977d. p. 121–131.)

Tradição retórico-poética e modernidade literária em Machado de Assis

Da década de 1860 aos anos 1900, do início ao final da carreira, Machado de Assis manteve um intenso diálogo com a tradição retórico-poética, em particular com a greco-romana. Mas essa continuidade, examinada aqui por meio da permanência do emprego da antonomásia, evidencia sobretudo uma descontinuidade – e, com ela, a mencionada complexidade nas relações entre autoria e autoridade. Colocando-se, nos dois extremos de sua produção literária, como um poeta trágico, Machado de Assis entrega-se em toda sua diferença consigo mesmo, revela como seu nome de autor é enganoso na identidade que supõe, pois o escritor do final não estava naquele do início.

Na década de 1860, Machado de Assis oscilou entre duas alternativas: ou assimilar a diferença a uma falsidade; ou considerar que só há herança legítima na identidade. De um lado, o presente é visto sob uma ótica negativa; de outro, ele perde sua espessura histórica. Em um caso, o reconhecimento do valor da tradição revela apenas o esvanecimento de um passado melhor, mais nobre, mais admirável. No outro, é a literatura quem se perde, já que a construção das personagens e do enredo submete-se excessivamente às regras do regime retórico-poético. O contraponto com “Virginius” deixa ver com clareza a diferença de concepção que presidiu à criação da história de Quintanilha e Gonçalves. Como o conto de 1864, ela também é tragédia – do título à sua frase final – mas suas personagens não são idealizadas ou unidimensionais. Elas são pessoas, em toda sua complexidade.15 15 Sobre a complexidade das personagens machadianas, sua condição de “pessoas”, ver o belo livro de José Luiz Passos (2007). Ao mesmo tempo, e nisto reside a diferença para com “O que são as moças”, tais personagens são caracteres trágicos, herdeiros legítimos, em toda sua diferença moderna, daqueles nomes da tragédia.

Quintanilha, ainda ingênuo, paspalho e sentimenta lista, mereceu o nome de Pílades, o que significa que ele, tão pouco admirável, encarnou o ideal de amizade próprio de nosso mundo confuso. E Gonçalves foi o Orestes daquele Pílades, recebendo todas as provas de amizade que ele quis lhe dar, como o grego as recebera do primo, sem nunca ter tido que se arriscar da mesma maneira em seu favor. O Orestes do Brasil oitocentista, como seu homólogo antigo, não fez por seu Pílades nada que se assemelhasse ao que recebeu dele; dava-lhe conselhos e tarefas, consentia em seus pedidos de viagens e passeios e se foi ríspido, frio e algo indiferente, não chegou a ser efetivamente maquiavélico, cínico, falso. Nunca cortejou a mulher amada por Quintanilha, por exemplo,16 16 Nesse sentido, cabe observar que Quintanilha enganou-se ao concluir “que o amigo Gonçalves era seu rival, amava a prima dele, era talvez amado por ela”. Isto porque o advogado reage com perplexidade à afirmação do amigo de que “ela será tua”. O narrador não deixa dúvidas quanto a isso, ao contar que Gonçalves quis perguntar: “– Ela, quem?”. Essa passagem esclarece, igualmente, a reação reticente deste último, diante da revelação de Quintanilha de que estava apaixonado por Camila: o problema era o testamento, não uma rivalidade no amor. Ver MACHADO DE ASSIS, 1977d, p. 130. e nem foi um aproveitador barato que tomasse dinheiro emprestado para nunca devolvê-lo. É certo que tirou mais benefícios da amizade do que o outro, mas o narrador, sem deixar de insinuá-lo, sugeriu igualmente que se tratava de uma consequência da diferença de temperamentos.

Na tragédia antiga, com suas histórias de reis e semideuses, longas guerras, vinganças, parricídios, deuses que interferiam na vida das personagens, sacrifícios humanos, ser o amigo devotado correspondia a participar da missão assassina e perigosa do outro, em sua busca por vingar a morte do pai e recuperar o trono usurpado. O Pílades antigo submeteu-se a longas e arriscadas viagens; precisou relembrar Orestes de seu compromisso com o Oráculo; tentou convencê-lo de que o parricídio da mãe fora justo (Ésquilo); protegeu-o diversas vezes dos mais diferentes algozes (tal foi a facilidade com que ele se expôs e sua incapacidade de se defender); viu-se na iminência de ser sacrificado à deusa Atena, em um país estrangeiro e longe de casa; concebeu os melhores conselhos e as mais engenhosas soluções para salvar-se e ao amigo (Eurípedes). No mundo moderno, onde não havia nada daquilo, mas desentendimento por conta de herança, política e advocacia, teatro e passeios, a dedicação de Pílades havia de parecer menos heroica e grandiosa, contudo ele não faltou às exigências do nome. Tanto Gonçalves quanto Quintanilha foram a perfeita encarnação moderna das personagens de Sófocles, os legítimos herdeiros desses dois nomes da tragédia: sem remorsos um, mudo o outro. Na Electra, a falta de arrependimentos ou dúvidas dizia respeito sobretudo ao parricídio: Orestes matou a mãe sem qualquer hesitação e sem horror diante de seus atos, que sequer haviam sido exigidos por Apolo. Além disso, o filho de Agamêmnon mostrou-se pouco afável com todos e inclusive com a irmã, que tanto ansiava por seu retorno. Em “Pílades e Orestes”, em que não havia Micenas nem irmã, não houve menor falta de remorsos e de afabilidade, conforme assinalado. No que se refere a Quintanilha, o narrador observou várias vezes que sua mudez, isto é, sua incapacidade de se declarar prontamente a Camila, foi uma das responsáveis por seu sacrifício amoroso.17 17 Assim, Camila não sabia, embora pudesse desconfiar, que Quintanilha estava apaixonado por ela, já que “ele ainda não havia se declarado à prima. Os olhares da moça não fugiam dos seus; era tudo, e podia não passar de faceirice”. É verdade que ele tentou esclarecer a situação, mas “o acaso” lhe negou essa oportunidade e Quintanilha nunca conseguiu “lhe fazer saber que a amava e ia pedi-la ao pai”. Essa circunstância foi fundamental para que Camila ficasse “tão contente, quando o primo lhe falou das lágrimas de Gonçalves” e aceitasse “Gonçalves e as lágrimas”. Ibidem, p. 129–130. De outro lado, embora o narrador destaque as hesitações de Quintanilha em revelar a Gonçalves o amor por Camila, bem como a falta de declaração para a própria prima, observe-se que é depois da morte que Quintanilha emudece: “Pílades é agora o personagem mudo de Sófocles”. Isso sugere um certo descolamento entre a construção dessa personagem e o modelo específico do Pílades de Electra, reforçando a hipótese de que Machado de Assis explorou igualmente o substrato mais geral do ideal de amigo fiel e devotado, simbolizado por Pílades em sua relação com Orestes. Não obstante, não parece haver o mesmo descolamento em relação a Gonçalves, uma vez que o narrador o identifica claramente ao personagem mais frio e implacável de Sófocles, que não demonstrara qualquer hesitação ou remorso diante dos assassinatos cometidos: “Orestes vive ainda, sem os remorsos do modelo grego”. Os grifos são meus. Ibidem, p. 131. De todo modo, eu gostaria de sublinhar o fato de Gonçalves e Quintanilha chegarem ao final do conto reafirmando, e não desmentindo, sua condição de Pílades e Orestes modernos. Sem contar que, como em Sófocles, é Orestes, e não Pílades quem assume o papel diretor e estratégico, pronunciando-se sobre o que ambos devem fazer, como deveriam executar o plano de vingança. Essa pode ser uma das razões da rejeição da referência a Eurípedes, que seria mais evidente, considerando-se tanto o destaque concedido à personagem de Pílades, nas duas peças euripidianas de Ifigênia em Táuris e Orestes, como a precedência da figura do amigo fiel no conto machadiano.

Herdeiros legítimos daqueles nomes antigos,18 18 Em sentido semelhante, em “Machado de Assis, tradutor de si mesmo”, Alcildes Villaça (1998) examinou as operações de tradução levadas a cabo pelo narrador machadiano, tomadas como “um dos expedientes-chave da poética machadiana”. Por meio da análise do conto “A cartomante” e, em particular, da expressão “Há vulgaridades sublimes” aí presente, Villaça afirma que “nessa perspectiva, um prisma da modernidade já permite fundir os gêneros e os planos artísticos, as virtudes e os vícios humanos, de modo que o escritor se libere para contar histórias prosaicas que não desmentem a grandeza de um Shakespeare, apenas a ‘atualizam’”. Discuti mais detidamente os termos de Villaça, utilizando-me deles para contrapor a concepção de história de Machado de Assis à dos historiadores oitocentistas, no subcapítulo “Arte das traduções”, do meu livro (CAMPOS, 2016): Entre ilustres e anônimos: a concepção de história em Machado de Assis, ao qual me permito remeter o leitor. Quintanilha e Gonçalves demonstram, em seu movimento contraditório de repetição e diferença, a inscrição igualmente contraditória de Machado de Assis na modernidade literária. Ao se utilizar de nomes da tragédia grega para renomear personagens destituídas de qualquer grandeza, o escritor efetuou, de modo bastante original, o rompimento com aquilo que Auerbach (2004)AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. denominou, em Mimesis, de separação dos estilos – isto é, a regra poética segundo a qual há objetos elevados e baixos, homens de alta e de baixa índole, que deveriam ser tratados com seriedade uns, ridicularizados os outros.19 19 Ver, em particular, o capítulo “Na mansão de La Mole”. A possibilidade de submeter os dilemas e misérias dos anônimos a um tratamento sério, ao invés de tomá-los como objeto do riso, é aquilo que caracteriza propriamente, para falar com Jacques Rancière (2005)RANCIÈRE, Jacques. La parole muette: essai sur les contradictions de la littérature. Paris: La Fabrique, 2005., o conceito moderno de literatura.

Em “Pílades e Orestes” não estamos, portanto, diante de um poeta cômico, oculto sob a pele de um autor oitocentista. Ao invés de recuperar elementos do regime retórico-poético para rir de um presente degradado, Machado de Assis utilizou-se da autoridade da tradição, apenas para decretar com mais clareza a ruína de sua lógica: sob a aparência assumida de um poeta trágico, revela-se a figura de um escritor do século XIX, capaz de destacar a tragicidade entrelaçada no cotidiano, capaz de enxergar beleza no ordinário.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografa utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    Ver, quanto a isso, o excelente prefácio de Guy de Maupassant ao seu Pierre e Jean (1888): MAUPASSANT, 2007, p. 359–380MAUPASSANT, Guy. Étude sur le roman. Préface à Pierre et Jean. In: Préface des romans français du XIXe. siècle. Antologia estabelecida, apresentada e anotada por Jacques Noiray. Paris: Librairie Génerale Française, 2007, p. 359–380.. Marthe Robert (2007, p. 11–31)ROBERT, Marthe. Por que o romance? In: ROBERT, Marthe. Romance das origens, origens do romance. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 11–31. dedicou uma análise instigante a esse texto, no primeiro capítulo da primeira parte de Romance das origens, origens do romance, significativamente intitulada “O gênero indefinido”.
  • 4
    Este brevíssimo resumo, que não saberia fazer jus às complexidades de um processo tão longo e às particularidades de ambos os regimes, baseia-se em HANSEN, 2004, p. 29–103HANSEN, João Adolfo. Um nome por fazer. In: Idem. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. 2ª edição revista. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 29–103., e em RANCIÈRE, 2005RANCIÈRE, Jacques. La parole muette: essai sur les contradictions de la littérature. Paris: La Fabrique, 2005..
  • 5
    Ver também, sobre a presença da Retórica na obra de Alencar: MARTINS, 2005MARTINS, Eduardo Vieira. A fonte subterrânea: José de Alencar e a retórica oitocentista. Londrina: EdUEL; São Paulo: Edusp, 2005..
  • 6
    Sobre o peso da Retórica nos currículos escolares e os principais manuais de retórica e poética em circulação no Brasil naquele momento, ver SOUZA, 1999SOUZA, Roberto Acízelo. O império da eloquência: retórica e poética no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Ed.UERJ, EdUFF, 1999..
  • 7
    Ver, entre outros: ROCHA, 2013ROCHA, João Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma poética da emulação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.; REGO, 1989REGO, Enylton de Sá. O calundu e a panaceia: Machado de Assis, a sátira menipeia e a tradição luciânica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.; ROUANET, 2007ROUANET, Sérgio Paulo. Riso e melancolia: a forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier de Maistre, Almeida Garrett e Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.; GOMES, 1976GOMES, Eugênio. Machado de Assis – infuências inglesas. Rio de Janeiro: Pallas; Brasília: INL, 1976.. Foi José Veríssimo quem inaugurou, ainda no século XIX, a compreensão de que a obra de Machado de Assis se divide em duas fases, separadas pelas Memórias póstumas de Brás Cubas. Contra essa perspectiva se voltou Sílvio Romero, que contestava igualmente a visão, também defendida por Veríssimo, segundo a qual a obra machadiana não deveria ser analisada dentro do critério nacional. Na crítica do século XX, Afrânio Coutinho (1997, p. 25–29)COUTINHO, Afrânio. Machado de Assis na literatura brasileira. In: MACHADO DE ASSIS. Obra completa em três volumes. Organizada por Afrânio Coutinho. Volume I: Romance. 9ª reimpressão da 1ª edição. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 23–65. foi quem atacou mais enfaticamente a ideia das duas fases, em seu “Machado de Assis na literatura brasileira”, ensaio de 1959 publicado como Introdução ao primeiro volume da Obra completa de Machado de Assis. No subcapítulo “Duas fases ou amadurecimento progressivo?”, ele defendeu que, embora seja inegável a existência de diferenças na estética do escritor, antes e depois de Memórias póstumas de Brás Cubas, a ideia de uma “ruptura brusca entre duas fases” deveria ser afastada, preferindo-se, antes, demonstrar que uma foi preparada pela outra. Nesse sentido, haveria “antes, continuidade”, bem como “desabrochamento, amadurecimento”. Adiante, no mesmo subcapítulo, Coutinho adota posição menos conciliadora, ao sustentar que “não há ruptura nem antinomia nas fases antes e depois de 1880”, o que se poderia perceber também por meio do exame da crítica machadiana. O tom geral em favor do abandono de uma divisão em duas fases é dado na frase final desse subcapítulo, em que Coutinho afirma que “a chamada nova estética machadiana, a da pretensa segunda fase, não é nova, mas apenas o desdobramento, o desenvolvimento, o aperfeiçoamento de suas qualidades artísticas, em germe até então, e que constituiriam a sua ‘maneira’ peculiar, seu credo estético”. Mais recentemente, ainda que reconhecendo, com Silviano Santiago (2000, p. 27)SANTIAGO, Silviano. Retórica da verossimilhança. In: SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 27–46., a existência de “estruturas primárias e primeiras que se desarticulam e se rearticulam” na obra machadiana, seus estudiosos não têm, via de regra, aberto mão de procurar explicar a ruptura, como se pode notar por meio de alguns trabalhos citados neste artigo. Eles reafirmam, assim, a ideia de uma divisão da obra em duas fases. Em outra direção, Abel Barros Baptista (2003, p. 322–337)BAPTISTA, Abel Barros. Quatro advertências. In: Idem. Autobibliografas: solicitação do livro na ficção de Machado de Assis. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2003. p. 322–337. retomou esse problema tradicional da crítica machadiana, afirmando, iconoclasticamente, que “a esse respeito é possível defender tudo, e a verdade é que se tem defendido tudo: continuidade, ruptura, continuidade com ruptura, ruptura com linhas de continuidade [...]. Germe, origem, fonte, fermento, semente, evolução, crescimento, gênese, desenvolvimento, aperfeiçoamento, são os termos dominantes com que a crítica foi procurando – e procura ainda hoje – definir a obra machadiana como sucessão de expressões dos estágios de um espírito, de uma personalidade, de uma individualidade, de uma pessoa, que se desenvolve e sobretudo se aperfeiçoa”. Para Baptista, o que está em jogo nesse esforço é menos o desejo de repudiar uma ruptura absoluta do que assegurar o princípio de unidade da obra machadiana. Por seu turno, ele procura demonstrar que o essencial está não no fato de o próprio Machado de Assis ter reconhecido a distinção entre suas duas “maneiras” ou “feições”, e sim em que sua assinatura de romancista se define, já do interior da chamada segunda fase, como sendo a de um autor de autores. Nesse sentido, a unidade só se estabeleceria pelo próprio ato que a rompe, fazendo de Machado de Assis um romancista, isto é, alguém que só responde pelo livro afirmando que não pode responder por ele, como fez na Advertência à 3ª edição de Brás Cubas. Ali, lembremo-nos, ele responde à indagação de Capistrano de Abreu sobre se as Memórias póstumas de Brás Cubas são um romance, retomando a frase do próprio Brás Cubas, segundo a qual seu livro seria romance para uns e não o seria para outros. Para Baptista, assim, não há uma unidade Machado de Assis e, sobretudo, não se pode buscar reconstituir uma unidade intencional e autoral “Machado de Assis”. De minha parte, eu gostaria de me inscrever na corrente que enfatiza as descontinuidades ou rupturas na obra machadiana, entendendo, à luz das discussões de Baptista, que, se Machado retoma as figuras de Pílades e Orestes mais de quarenta anos depois de fazê-lo pela primeira vez, esse gesto torna inatual aquela primeira maneira. Ele inscreve a diferença ali onde se poderia buscar ver, sobretudo, a identidade.
  • 8
    Para uma análise da recepção dos romances machadianos e, em particular, das Memórias póstumas de Brás Cubas, ver o incontornável Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19 (GUIMARÃES, 2004GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial; Editora da Universidade de São Paulo, 2004.). Sobre o modo como Machado de Assis revolucionou a concepção de romance de sua época, entre outras coisas obrigando a crítica a incluir o romance inglês entre seus parâmetros, ver o belo artigo também de Guimarães (2008)GUIMARÃES, Hélio de Seixas. O impacto da obra de Machado de Assis sobre as concepções de romance. In: Machado de Assis em linha: revista eletrônica de estudos machadianos, Rio de Janeiro: n. 1, jun. 2008. Disponível em: http://machadodeassis.net/download/numero01/num01artigo04.pdf Acesso em: 04 mar. 2021.
    http://machadodeassis.net/download/numer...
    : “O impacto da obra de Machado de Assis sobre as concepções de romance”.
  • 9
    Em seus estudos sobre a colaboração de Machado de Assis n’O Cruzeiro, Jaison Luís Crestani (2019)CRESTANI, Jaison Luís. O Cruzeiro e a reinvenção de Machado de Assis. In: História Revista. Goiânia, v. 24, n. 3, set.-dez. 2019, p. 14-34. Dossiê Machado de Assis – 180 anos: abordagens históricas da literatura. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/61001/35131 Acesso em: 05 mar. 2021. DOI: https://doi.org/10.5216/hr.v24i3.61001
    https://www.revistas.ufg.br/historia/art...
    defende que o jornal atuou como mediador de exercícios experimentalistas decisivos para a transformação da prática criativa machadiana. Segundo Crestani, foi também por habitar o solo coletivo da produção literária na imprensa que o escritor foi levado a alterar sua poética.
  • 10
    Havia na biblioteca de Machado de Assis um exemplar dessa tradução francesa das tragédias de Sófocles. Ver MASSA, 1961, p. 204MASSA, Jean-Michel. La bibliothèque de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1961..
  • 11
    Voltarei adiante à escolha de Sófocles como referência central para “traduzir” a história de Quintanilha e Gonçalves, procurando compreendê-la à luz dos comportamentos e destinos finais desses personagens. Veremos que o narrador faz menção direta a Sófocles apenas no encerramento do conto. Assim, se a relação entre os primos não ocupa o eixo de Electra, isso não invalida a interpretação, que procuro sustentar aqui, de ser o ideal de amizade o tema central do conto machadiano. Ao dar à sua narrativa o título de “Pílades e Orestes” e ao associar essa referência, inicialmente, a um letrado (e não a um poeta trágico em particular), Machado de Assis indicava estar explorando ao seu modo o mito antigo, que recebera tratamentos distintos da parte dos três grandes tragediógrafos clássicos. Em todos eles, e também em Racine, em Gluck e em Piccinni, a relação entre Pílades e Orestes remeteu sempre ao tema da amizade ideal – e não ao do parentesco, por exemplo, apesar de ambos serem primos. Além disso, Pílades foi sempre tomado como “o amigo fiel e devotado de Orestes”. Ver, por exemplo, o verbete “Pylade” em: DICTIONNAIRE DES PERSONNAGES littéraires et dramatiques de tous les temps et de tous les pays, 1999, p. 817–818DICTIONNAIRE DES PERSONNAGES littéraires et dramatiques de tous les temps et de tous les pays. Paris: Robert Laffont, 1999, p. 817–818.. O exame do mito nas tragédias clássicas, desenvolvido por Orlando Luiz de Araújo (2008)ARAÚJO, Luiz Orlando de. “Encenando a amizade: Pílades e Orestes na tragédia grega”. In: Letras clássicas, n. 12, p. 25-35, 2008. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/letrasclassicas/article/view/73898/77560 Acesso em: 2 set. 2021.
    https://www.revistas.usp.br/letrasclassi...
    em “Encenando a amizade: Pílades e Orestes na tragédia”, evidencia, do mesmo modo e já em seu título, esse vínculo fundamental entre a referência à dupla e o tema da amizade verdadeira. Em seu resumo, Araújo escreve, sobre a peça de Sófocles: “Em Electra, a despeito do silêncio que Sófocles imprime a Pílades, este ainda é o protetor e fiel amigo de Orestes”. Segundo ele, por outro lado, essa relação de amizade, porque marcada pela primazia do feito sobre a palavra, porque modelada pelo desejo de vingança, não constitui em Sófocles exemplo de admiração. Isto é, há menos idealização neste tragediógrafo, mas isso não invalida o núcleo central da referência à dupla Pílades e Orestes como símbolos máximos da amizade – nem no autor de Electra, como indica o resumo de Araújo, nem em Machado de Assis. Marta de Senna e Laíza Verçosa do Nascimento (2013)SENNA, Marta de; NASCIMENTO, Laíza Verçosa. Nota desta edição eletrônica. In: MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Relíquias de Casa Velha. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, junho de 2013. Disponível em: http://www.machado-deassis.net/hiperTx_romances/obras/tx_reliquiasdecasavelha.htm. Acesso em: 08/03/2021.
    http://www.machado-deassis.net/hiperTx_r...
    consideram que o conto toca no tema da homossexualidade – numa perspectiva que incluiria o homoerotismo como parte da relação de amizade. Para a problemática que procuramos desenvolver aqui, é interessante notar sua referência à “dedicação desmesurada” de Quintanilha por Gonçalves. Tal dedicação pode ser tomada como a tradução moderna do ideal de fidelidade e devotamento de Pílades por Orestes. Voltarei a isso adiante, conforme indicado. Nos últimos anos, têm se multiplicado análises que procuram evidenciar a presença do homoerotismo na literatura de Machado de Assis. Ver, para uma discussão do tema em Dom Casmurro: OLIVA, 2017OLIVA, Osmar Pereira. Amizade masculina e homoerotismo em Dom Casmurro, de Machado de Assis. In: Machado de Assis em linha: revista eletrônica de estudos machadianos, v. 10, n. 22, p. 74–93, dez. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-68212017000300074 Acesso em: 09/03/2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-6821201710226.
    https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
    .
  • 12
    Esta problematização é devedora, entre outras, da análise de Jérôme David (2010)DAVID, Jerôme. Balzac, une éthique de la description. Paris: Honoré Champion, 2010. sobre Balzac. O historiador procura mostra que o uso do vocabulário dos vícios e das paixões humanos não significa que o romancista fosse um moralista do século XIX, ocupado com os caracteres universais.
  • 13
    Publicado em maio e junho de 1866, o conto foi assinado com o pseudônimo “Max”. “Balão” é uma referência às crinolinas, armações usadas sob as saias para lhes conferir volume, muito em moda entre a década de 1850 e 1870. Na passagem citada, note-se a diferença na ordem dos nomes dos amigos gregos.
  • 14
    Jaison Luís Crestani interpreta o conto e seu narrador neste sentido – oposto à nossa perspectiva, portanto. Ver CRESTANI, 2009, p. 128–135CRESTANI, Jaison Luís. Narrador sob suspeita. In: Machado de Assis no Jornal das Famílias. São Paulo: Edusp; Nankin Editorial, 2009, p. 128–135..
  • 15
    Sobre a complexidade das personagens machadianas, sua condição de “pessoas”, ver o belo livro de José Luiz Passos (2007)PASSOS, José Luiz. Machado de Assis: o romance com pessoas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Nankin Editorial, 2007..
  • 16
    Nesse sentido, cabe observar que Quintanilha enganou-se ao concluir “que o amigo Gonçalves era seu rival, amava a prima dele, era talvez amado por ela”. Isto porque o advogado reage com perplexidade à afirmação do amigo de que “ela será tua”. O narrador não deixa dúvidas quanto a isso, ao contar que Gonçalves quis perguntar: “– Ela, quem?”. Essa passagem esclarece, igualmente, a reação reticente deste último, diante da revelação de Quintanilha de que estava apaixonado por Camila: o problema era o testamento, não uma rivalidade no amor. Ver MACHADO DE ASSIS, 1977d, p. 130MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Pílades e Orestes. In: Idem. Relíquias de Casa Velha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1977d. p. 121–131..
  • 17
    Assim, Camila não sabia, embora pudesse desconfiar, que Quintanilha estava apaixonado por ela, já que “ele ainda não havia se declarado à prima. Os olhares da moça não fugiam dos seus; era tudo, e podia não passar de faceirice”. É verdade que ele tentou esclarecer a situação, mas “o acaso” lhe negou essa oportunidade e Quintanilha nunca conseguiu “lhe fazer saber que a amava e ia pedi-la ao pai”. Essa circunstância foi fundamental para que Camila ficasse “tão contente, quando o primo lhe falou das lágrimas de Gonçalves” e aceitasse “Gonçalves e as lágrimas”. Ibidem, p. 129–130. De outro lado, embora o narrador destaque as hesitações de Quintanilha em revelar a Gonçalves o amor por Camila, bem como a falta de declaração para a própria prima, observe-se que é depois da morte que Quintanilha emudece: “Pílades é agora o personagem mudo de Sófocles”. Isso sugere um certo descolamento entre a construção dessa personagem e o modelo específico do Pílades de Electra, reforçando a hipótese de que Machado de Assis explorou igualmente o substrato mais geral do ideal de amigo fiel e devotado, simbolizado por Pílades em sua relação com Orestes. Não obstante, não parece haver o mesmo descolamento em relação a Gonçalves, uma vez que o narrador o identifica claramente ao personagem mais frio e implacável de Sófocles, que não demonstrara qualquer hesitação ou remorso diante dos assassinatos cometidos: “Orestes vive ainda, sem os remorsos do modelo grego”. Os grifos são meus. Ibidem, p. 131. De todo modo, eu gostaria de sublinhar o fato de Gonçalves e Quintanilha chegarem ao final do conto reafirmando, e não desmentindo, sua condição de Pílades e Orestes modernos.
  • 18
    Em sentido semelhante, em “Machado de Assis, tradutor de si mesmo”, Alcildes Villaça (1998)VILLAÇA, Alcides. Machado de Assis, tradutor de si mesmo. In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 51, p. 3–14, julho de 1998. Disponível em: http://novosestudos.com.br/produto/edicao-51/. Acesso em: 21 set. 2021.
    http://novosestudos.com.br/produto/edica...
    examinou as operações de tradução levadas a cabo pelo narrador machadiano, tomadas como “um dos expedientes-chave da poética machadiana”. Por meio da análise do conto “A cartomante” e, em particular, da expressão “Há vulgaridades sublimes” aí presente, Villaça afirma que “nessa perspectiva, um prisma da modernidade já permite fundir os gêneros e os planos artísticos, as virtudes e os vícios humanos, de modo que o escritor se libere para contar histórias prosaicas que não desmentem a grandeza de um Shakespeare, apenas a ‘atualizam’”. Discuti mais detidamente os termos de Villaça, utilizando-me deles para contrapor a concepção de história de Machado de Assis à dos historiadores oitocentistas, no subcapítulo “Arte das traduções”, do meu livro (CAMPOS, 2016CAMPOS, Raquel. Entre ilustres e anônimos: a concepção de história em Machado de Assis. Chapecó, Santa Catarina: Argos, 2016.): Entre ilustres e anônimos: a concepção de história em Machado de Assis, ao qual me permito remeter o leitor.
  • 19
    Ver, em particular, o capítulo “Na mansão de La Mole”.

Referências Bibliográficas

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    23 Set 2021
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